31.1.05

Namoro engarrafado

  • Você acha que o gosto do seu namorado ou da sua namorada por bebida é indicativo do estilo deles de viver? Acha que a preferência deles pelas bebidas é forte indício de suas personalidades?
    O maior site de encontros online dos Estados Unidos, o Match.com, realizou uma pesquisa para saber as atitudes, percepções e preferências de solteiras e solteiros do país com relação a vinho e romance. Os resultados desse levantamento foram apresentados num festival promovido pelo Escritório do Vinho Australiano, em Nova York, esta semana.
    Mais de 2.400 solteiros e solteiras de todo o país foram entrevistados. 62% deles acreditam que conseguem uma dica do estilo de vida do par que escolheram pelo tipo de bebida que escolherem. E 52% acham que a escolha ou preferência por uma bebida é um indicativo da sua personalidade.
    No primeiro encontro ao vivo, a grande maioria dos solteiros entrevistados escolhe o vinho sobre qualquer outra bebida, de modo a refletir a sua personalidade ou estilo de vida. O vinho vem em primeiríssimo lugar, mais do que cerveja, coquetéis, água mineral e refrigerantes.
    Mais do que sete entre dez pesquisados (72%) concordam que saber sobre vinhos torna mais atraente um membro do sexo oposto.
    Eis em resumo como os entrevistados percebem seus parceiros e os vinhos que escolhem:
    Pedir um vinho australiano significa que o parceiro é uma pessoa aventurosa (62%) e divertida (32%).
    Quem escolhe um vinho francês é vista como pretensiosa (76%) e carente de atenção, “muito dispendiosa” (65%).
    Os que gostam de vinhos italianos são sexy (40%) e têm estilo (37%).
    Os respondentes revelaram que estariam mais interessados em escolher uma pessoa que preferisse vinhos australianos (53%) do que vodka russa (18%) ou uma cerveja belga (15%) ou um vinho do Porto (14%).
    A grande maioria (83%) concorda que uma taça de vinho pode fazer de um encontro um momento ainda mais romântico.
    E pedir uma taça de vinho numa dessas ocasiões especiais não precisa ser igual a gastar muito dinheiro: 59% das mulheres e 47% dos homens não se mostraram dispostos a gastar mais do que 25 dólares por uma garrafa nos seus primeiros encontros.
    No geral, parece que os homens parecem ter mais conhecimento sobre vinhos do que as mulheres.
    Pesquisinha danada essa, não? Meu nome é clichê e uma suspeita simpatia pelos vinhos australianos. Poderiam tentar novamente. Falta só esfregar as garrafas para ver se sai algum gênio.
    Atenção: o novo e-mail da Sonia Melier é soniamelier@terra.com.br

25.1.05

O vinho e seus padroeiros


Foi o Roldão Simas, um leitor de Brasília, quem me alertou sobre São Vicente: seria ele o legítimo patrono dos vinhateiros? Sua data foi comemorada agora, dia 22, no hemisfério norte. Mas um amigo de Roldão, um francês que trabalha com vinhos, lembra que na França os viticultores adotam vários patronos. Mais de um santo é sempre melhor.

Numa consulta ao Índice de Santos Patronos, temos, por exemplo, para os vinhos: Santo Amando (584-679), com trabalho de evangelização pela França e Alemanha, em particular nas áreas de produção de cerveja e vinhos.

Em seguida, encontramos Goar de Aquitânia (519-575), um padre eremita operando no Reno. Carlos Magno o homenageou construindo uma igreja no local de sua ermida, perto da cidade de Saint Guvet.

Descobrimos um Lourenço ou Lorenzo, um espanhol que pregou em Roma, onde foi perseguido. Era guardião dos tesouros da igreja, cujo esconderijo se recusou a revelar. Foi executado - literalmente assado numa grelha. Por isso, talvez, seja o protetor dos cozinheiros, restauradores e também, não sei a razão, dos viticultores. Uma macabra tentativa de harmonização?

O patrono seguinte é Martinho de Tours (316-397), húngaro criado na Itália, foi oficial do exército romano na Gália (França). Converteu-se ao cristianismo, tornou-se um eremita, fez intenso trabalho de evangelização, acabou aclamado bispo de Tours em 372, mas preferiu a solidão de um mosteiro. Foi feito santo e protege contra a pobreza e o alcoolismo e incongruentemente vinicultores e viticultores.

Na letra M temos ainda Morand, monge de Cluny. Dizem que passava toda a Quaresma comendo apenas uvas, daí talvez tenha conquistado as simpatias dos vinhateiros.
Urbano, bispo de Langres em 374, foi perseguido, mas achou refúgio num vinhedo. Por essa razão, ganhou a afeição do povo que trabalhava com uvas e vinhos.

Walter de Pontnoise ou Walter Gautier (nasceu no século 11, na França) era professor de filosofia e retórica, mas juntou-se aos beneditinos para fugir às tentações do mundo. Feito abade, brigou com a casa real e o clero franceses em nome dos bons costumes. Preso e torturado várias vezes, morreu em sossego em sua capela, em 1099. Protegia os prisioneiros e, estranhamente, os vinicultores.

De todos esses patronos, apenas Amando, Morand e Urbano tiveram alguma ligação com os vinhateiros. O nosso São Vicente, nascido em Saragossa, era diácono. Perseguido e torturado por ordem do imperador Diocleciano, suportou tudo com um estranho sorriso e morreu. Não há registro de suas ligações com vinicultores.

A dica do francês Christian Couèsmes, amigo do Roldão, refere-se ao nome do santo, Vincent em francês. A glória póstuma de São Vicente residiria simplesmente no fato da primeira sílaba de seu nome formar a palavra VIN, vinho em francês. Um patrono com o nome do produto fica mais fácil de ser venerado.

Para juntar a fome com a vontade de comer, a data de 22 de janeiro também ajuda, pois marca o início da poda nos vinhedos europeus e a volta dos vinhateiros para mais um ano de muito trabalho. Dos vinhateiros e também dos colunistas de vinho. Assim, com todo respeito aos outros santos, fico mesmo é com São Vicente, mas sempre torcendo para que acabemos 2005 com um sorriso nada estranho nos lábios.

24.1.05

Tendências 2005

O mercado de bebidas finas para 2005 reflete, claro, o que aconteceu em 2004. Vamos ver então o que houve de mais marcante ano passado e pode desdobrar-se para o ano que começa: 1) Grandes engolem pequenos. É o caso recente da Constellation Brands Inc., antiga Canandiagua Brands, que, através de aquisições, é hoje a maior produtora de vinhos do cindo (66 milhões de caixas em 2003). Ela acaba de arrematar a célebre Mondavi, que deu fama aos vinhos da Califórnia. Caiu como um castelo de areia. A Diageo, a maior produtora de bebidas do mundo, dominando o segmento de destilados, dona do Johnnie Walker, J&B, Bailey’s, entre muitas marcas famosas, é também dona de vinícolas. Pois acaba de comprar o grupo Chalone, importante na Califórnia. Com essa compra, vai incorporar 13 novas propriedades vinícolas ao seu portfólio.

Alguém já ouviu falar da vinícola Mission Bell, pertencente ao grupo Constellation? Pois vende 15 milhões de caixas por ano de vinhos baratos, sob nomes como Almaden, Cribari, Inglenook, Taylor e Paul Masson. Eram nomes de pequenas vinícolas hoje transformados apenas em marcas. Constellation e Diageo representam negócios de grande volume, de vendas para supermercados. O mais importante aqui é preço, gerência de marketing. O acordo entre a brasileira AmBev e a belga Interbrew que resultou na Interbrew, o maior produtor do mundo de cervejas, também pode ser considerado. O novo grupo continua a fazer compras de cervejarias menores, em todo o mundo. Essa tendência vem se mantendo discretamente ao longo dos anos. As vinícolas independentes operam com pequeníssimas margens e qualquer praga ou alteração climática pode levar um agricultor à falência - ou ao colo de uma gigantesca corporação. Como profetizam que a economia mundial em 2005 vai ser novamente caracterizada pelas fusões, não podemos esperar nada diferente no mundo das bebidas. Quem é pequeno acaba. Quem é grande fica maior. Uma história conhecidíssima, onde o que importa é a quantidade e o preço e, em níveis menores, a qualidade.

2) Tampas de rosca. Já são comuns nos vinhos australianos, neozelandeses e americanos. As vinícolas que mudaram para essas tampas alegam grandes prejuízos com as rolhas de cortiça, em razão do fungo "TCA", a doença da rolha, que deixa no vinho um cheiro insuportável. As perdas são muito grandes. Quando partem para as tampas metálicas precisam investir em novos equipamentos para engarrafamento, inclusive novas garrafas. Não é barato. Mas, no médio prazo, em termos de custos (de uma tampa metálica versus a rolha tradicional) é barato, sim. A nova fase dessa tendência é engarrafar vinhos mais finos, mais caros, com a nova tampa. Falam que elas podem provocar um problema técnico, de “redução”, ou seja: presença de gás sulfídrico e, assim, um aroma de ovo podre na bebida. O problema, ao que parece, é mais político. Talvez seja esclarecido em 2005. O consumidor, na média, continua achando que as tampas metálicas caracterizam vinhos vagabundos, vermutes baratos. A rolha continua como vedação favorita dos consumidores de vinho. Embora já exista até, em alguns restaurantes americanos, australianos e neozelandeses, uma etiqueta para abrir garrafas com tampas de rosca, não há dúvidas que o verdadeiro teatro ainda está no abrir um vinho com uma tampa de cortiça.

Parece que a indústria de rolhas de cortiça está reagindo, melhorando a sua qualidade. Técnicas como as da remoção do TCA por radiação gama vêm sendo utilizadas, por exemplo. A chamada “doença da rolha” faz com que o vinho fique com aroma de roupas úmidas guardadas em plástico. É um fungo chamado TCA (2,4,6-Tricoloroanisole) que contamina as rolhas, alimentos, pesticidas e produtos de limpeza. Pode contaminar também as rolhas sintéticas e as tampas de rosca. Portanto, amigas, não importa que tipo de tampa as garrafas utilizem, insistam em experimentar o vinho antes de aceitar a garrafa como boa.

O fato é que hoje já oferecem vinho em garrafas de plástico, em latinhas de alumínio (como as cervejas) e mesmo em Tetra Paks. Essas últimas vêm fazendo grande sucesso e são uma invenção australiana. São apresentadas normalmente em caixas de três litros, possuem internamente um revestimento de plástico que garante a boa vedação do vinho (que pode permanecer fresco por semanas) e cada vez mais oferecem varietais de melhor qualidade. É uma boa maneira de democratizar o vinho. Infelizmente, ainda não são vistas por nossas bandas. Essas novas embalagens, a maioria originária do Novo Mundo (que é tudo, menos a Europa), são mais indicadas para vinhos jovens, a serem bebidos logo.

3) Vinhos Importados. Acho que a bola da vez é mesmo a Argentina. E com todos os méritos. Ótimos vinhos chegando com preços competitivos. Vamos ter mais Torrontés, Trapiche, Catena e outros bons rótulos, normalmente com a excelente Malbec, misturada a uma ou mais variedades. Além dos argentinos, os portugueses, espanhóis e sul-africanos chegam com bons vinhos e bons preços.

Isto é: bons preços, apesar do euro lá nas alturas e do dólar mais fraco. Para nós tudo isso ainda é muito caro. Um problema e mais uma excelente oportunidade para a nossa indústria vinícola – cada vez mais presente nas prateleiras e com produtos de ótima qualidade. Ainda estranho muito os preços de alguns vinhos nacionais. Devemos debitar isso aos impostos, apenas? Ou a alguma cegueira mercadológica dos nossos produtores? Acho que fico com o primeiro caso. Ninguém é louco de deixar seus vinhos mofando nas prateleiras, mais caros que um bom argentino.

Nessa toada, caso haja mesmo uma decisão da Suprema Corte americana em permitir que as vinícolas de 20 dos estados norte-americanos possam vender a quem quer que more fora de seus limites. Essas vinícolas só podem vender para atacadistas de seus estados, que controlam a venda não apenas de vinhos, mas de cerveja e destilados – num reflexo de uma legislação ainda dos tempos da Lei Seca.

Parece que a Suprema Corte dará uma decisão favorável à venda interestadual (e, portanto, facilitando o comércio através da internet), mas apenas lá para junho. Acontecendo isso, as pequenas vinícolas vão respirar melhor (veja a primeira nota), vender mais e a preços mais flexíveis. O americano vai beber mais seu próprio vinho, importar menos (pois, como o dólar baixo, os vinhos de fora se tornam caros demais) e exportar mais.
Como é um dos maiores importadores de vinho do mundo, os mercadores do outro lado da cerca (europeus, australianos, neozelandeses, argentinos, chilenos etc.) botarão suas barbas e molho, ficarão menos gulosos. Poderemos ter mais vinhos americanos por aqui competindo com os demais importados. Mais uma oportunidade para nossos vinhos brilharem.

4) Menos carvalho. O consumidor americano e europeu vem cada vez mais preferindo vinhos brancos que não tenham passado pelo carvalho. A bola da vez está com o estilo de brancos da Nova Zelândia, África do Sul e partes da Europa que não usa a fermentação em barril de carvalho. São os brancos do Veneto e do Friuli, na Itália, os do Vale do Loire, na França, os Sauvignon Blanc da Califórnia. São vinhos que vão melhor com comida e melhor ainda para beber solito. Isso deverá também aumentar o interesse do consumidor por vinhos brancos.

5) Mais informação. O consumidor vai cada vez mais consultar a internet na busca de informação e educação pelos vinhos e outras bebidas finas. Vai também entrar em clubes de degustação, onde poderá aprender mais e até comprar mais barato. Essa tendência é muito forte lá fora e aqui vem crescendo a cada dia.

6) Mais Rosados. 2004 foi o ano da redescoberta do Rosé, desta vez secos, com a musculatura de um tinto e o frescor de um branco. Embarque também nessa onda.

7) A queda da Bastilha. A França continua mal das pernas: suas exportações voltaram a cair – e dramaticamente – em 2004. O presidente da INAO (Institut National des Appellations d'Origine) promete reformar completamente o sistema de apelações introduzindo a controversa categoria AOC d’Excellence. Vamos ver se ele consegue fazer isso, sem que o vinho francês perca sua qualidade e fama. E sem que o rebelde produtor francês corte sua cabeça.

8) Mais blends. No Novo Mundo começa a aparecer mais vinhos misturados, tal como fazem franceses, italianos, portugueses, espanhóis etc. É aquele vinho que mistura uma Cabernet Sauvignon com uma Merlot e mais uma pitada de Cabernet Franc. Ou um australiano com o Shiraz e Cabernet Sauvignon. Vamos saudar essa tendência.

9) Vinho e saúde. Agora mesmo lemos que o vinho tinto pode reduzir o risco de câncer na próstata. Não é novidade. Mas as evidências dessa qualidade no tinto é que se acumularam. Pesquisa recente conduzida pelo Centro de Pesquisa de Câncer Fred Hutchinson, em Seattle, Estados Unidos, é que chegou a esses resultados: “a cada taça adicional de vinho tinto consumido por semana, resultou numa queda estaticamente significativa de 6%, no risco relativo de câncer da próstata”, relatam os médicos de Seattle. O vinho tinto contém substâncias, como os flavonóides, que podem alterar o crescimento das células do tumor, dizem os cientistas.

10) Álcool e saúde. Se o vinho tinto tem elementos poderosos que podem ajudar em vários problemas de saúde, as bebidas alcoólicas em geral ficarão cada vez mais vigiadas, pois os excessos estão acontecendo em proporções assustadoras, em particular junto a grupos mais jovens. Os estragos são enormes. Os governos estão atentos, preocupados e tentando várias saídas. A mais comum é ir em cima dos produtores, nem sempre responsáveis pelo porre geral.

Assim, além das tendências hedonísticas, em 2005 ficarei particularmente atenta a esses estragos e às maneiras de controlá-los. As amigas podem desde já me ajudar contando casos de exageros e métodos de controle ou cura. É só clicar para o Bolsa ou para a Soninha no soniamelier@adegaebar.com.br

Falei mais sobre o mercado de vinhos. Espere nas colunas seguintes para sabermos quais sobre as tendências das cervejas, destilados, refrigerantes e até da água mineral.