28.2.05

Esse Miles...

Esse Miles está é dando trabalho. Ele fica “sideways” e quem erra sou eu. Se você não entendeu o emprego de sideways na frase anterior, continue lendo.
Sim, flagrei-me num erro. E, assim, devo um reparo e um pedido de desculpa aos leitores.
Nos textos sobre o filme, traduzi “Sideways” mais ou menos como “a tomada de caminhos oblíquos”, pegar uma variante, cortar caminho. Por aí. O meu Oxford (The New Shorter Oxford, edição de 1993, segundo volume, página 2.855) diz que, como advérbio, significa “de um lado”, “apresentar o lado em vez da face, frente ou extremidade”, “em direção ao lado, obliquamente”, “inclinar para o lado”, “do lado (de um lugar)”. É usado também, coloquialmente, como um “intensificador”, “nos limites da tolerância de alguém”.
Como adjetivo, quer dizer mover-se indiretamente, em direção “a um lado”. Exemplo: ela me olhou de lado, de esguelha, de soslaio, de esconso, de través, obliquamente. Como temos um road-movie, com a história de dois amigos que saem buscando o melhor Pinot Noir pelo Vale de Santa Ynez, achei que sideways pudesse ter uma relação direta com estrada, sair dela, pegar atalhos.
Mas não tem
O nome original da novela de Rex Picket, que originou o filme, era “Two Guys on Wine” (mais ou menos “Dois caras e o vinho”).
Mas os produtores acharam que esse título soava mais como uma história de viagens do que uma comédia romântica na qual dois amigos solucionam problemas pessoais. E o título mudou para Sideways.
Que significa o quê, então? O próprio Picket, autor da novela, explica.
“Simplesmente, é um termo britânico que significa bêbado”. Os ingleses perguntam: ‘Você ficou bêbado (sideways) ontem? ’
O diretor Alexander Payne, co-autor do roteiro, com Jim Taylor, nunca usou o termo no filme, embora o nosso Miles (Paul Giamatti) volta meia ande de través, bem “sideways”.
O termo pode ainda ser interpretado como uma referência à maneira pela qual as garrafas de vinho são normalmente guardadas, de lado ou horizontalmente, nunca em pé, de frente.
Mas o diretor concorda que a expressão pode também implicar com o jeito displicente, relaxado, de andar de Miles e Jack (Thomas Haden Church). “Esses dois nunca estão andando firme para frente”, diz Pickett. Nesse caso, meu erro não foi assim tão monumental. Via Sacramento Bee.
Miles roubou ou não a mãe (dele)?
Mas meu erro não pára aqui. A leitora Helen Queiroz não está convencida que Miles tenha roubado a mãe dele . Inclusive fez uma aposta com o marido, teimando que não, não roubou. Ele pega um monte de dinheiro e o devolve depois à mãe. Diz Helen que não viu nenhum roubo, que não fica claro.
E pede que eu julgue: Miles roubou ou não a mãe dele?
Como a Helen apostou logo com o marido, não sou maluca de ser juíza dessa disputa. Você viu no que deu aquela outra em torno de qual das três deusas era a mais bela: Hera, Afrodite ou Palas. O juiz seria o próprio Zeus. O safado deixou a missão com o idiota do Páris.
Sendo assim, reúno algumas referências de críticas de Sideways onde parece claro para seus autores que Miles realmente roubou sua mãe. Essas resenhas são assinadas por profissionais e veículos importantes, como o San Francisco Chronicle e o Slate.
Faço uma breve referência à resenha no original, onde fica claro que ele roubou. E acrescento o seu endereço eletrônico. Vamos lá:
1. "In Payne's Oscar-nominated film "Sideways," sad sack wine snob Miles Raymond revels in the joys of pinot noir. Miles can be a jerk - he steals from his mother and has anger issues. But people apparently trust his judgment in wine."
(February 11, 2005/Did 'Sideways' uncork wine revolution?/BY JOHN KEENAN/WORLD-HERALD STAFF WRITER). Veja aqui.
2. "Two middle-aged losers, one a failed novelist who steals cash from his mother, the other a dim-bulb actor who cheats on his fiancée, head for the Santa Barbara hills, stop in at a cheap motel and chug wine in their underwear."
THE WINE PAIRING: DINNER AT SWAN + SIDEWAYS/By BEPPI CROSARIOL - WINE COLUMNIST/Friday, February 11, 2005 - Page R20. Veja aqui.
3. "Maybe Hollywood? Some viewers will find the attraction of Madsen's Maya to Miles a little mysterious. It's not that Giamatti is totally unprepossessing, just that his intense I'm-a-loser vibe and, oh yes, his obvious alcoholism don't exactly add up to the most promising boyfriend material. (We've also seen him steal money from his own mother, cut his toenails in close-up, and do a crossword puzzle while driving.) "
Sloshed in America/By David Edelstein/Posted Thursday, Oct. 21, 2004, at 4:06 PM PT. Veja aqui.
4. “Written by Payne and Jim Taylor from a novel by Rex Pickett, "Sideways'' mocks and loves the losers at its center. They are former college roommates on a romp through Central Coast wineries as a last hurrah before Jack marries a pretty rich woman who's too good for him. Any woman would seem too good for Jack, a hopeless womanizer, or for Miles, who has financed the trip by swiping a roll of hundreds from his mother's stash in her chest of drawers.”
Two vintage losers tank up, take a giddy, wine-soaked road trip/Carla Meyer, Chronicle Movie Writer/Friday, October 29, 2004 . Veja aqui.
6. “Without mentioning specifics, the way Miles finances the trip comes immediately to mind. The final denouement of Miles’ character comes in the words of Maya in a letter that reveals an event that hold the key to Miles’ personality. It’s a subtle moment perfectly placed in one of this year’s best movies”. Veja aqui.
Agora, na minha primeira coluna sobre Sideways, falo que ele roubou mil dólares. Outro erro: não sei como essa grana foi parar no meu texto. De onde tirei mil dólares? Não sei: não foi do filme ou de qualquer resenha. Meu subconsciente? Estou devendo, não nego, mas nada em dólares.
Mas as artes do Miles não param aqui. É só você esperar um pouco para ler o post que já está no forno. Falo mais sobre o que esse personagem e o filme estão aprontando, inclusive no sentido comportamental, ético e etílico lá na terra dele. Tem gente vendo “sideways” demais no filme (desta vez, no sentido britânico da palavra).
Sonia Melier agora no soniamelier@terra.com.br

24.2.05

Éramos felizes

Lá por 2008 os norte-americanos serão os maiores consumidores de vinho do mundo. Não, não se trata de uma pesquisa feita por americanos.
São os próprios franceses que estão afirmando, através de um estudo conduzido pelo grupo VinExpo, baseado em Bordeaux, França. Segundo a pesquisa, em 2008 os norte-americanos responderão por 25% de todo o vinho consumido no mundo. Ou seja: de hoje até 2008, o crescimento será de astronômicos 19%.
Aí, então, os Estados Unidos ficarão na frente da França, Itália e Espanha.
O vinho compreende hoje um mercado de 100 bilhões de dólares. Em 2008, esse mercado será 14,7% maior, em todo o mundo.
Acontece que os americanos estão bebendo mais vinho, como também concordam em pagar mais pelas garrafas do que os europeus.
A VinExpo é uma grande e importante exposição da indústria vinícola, criada em 1981, pela Câmera de Comércio e Indústria de Bordeaux, sendo considerada o maior evento internacional para os maiores operadores dos setores de vinhos e destilados. É realizada a cada dois anos. A de 2005 será realizada de 19 a 23 de junho, no Parque de Exposições de Bordeaux.
Segundo a VinExpo, o preço de uma garrafa de vinho no varejo americano é duas vezes maior do que uma garrafa vendida na França e mais de três vezes o preço na Itália.
No livro “O connaisseur acidental” (ISBN 85-98078-03-4, Editora Intrínseca), o autor, jornalista Lawrence Osborne, revela que são os consumidores e importadores americanos que mantêm muitos dos pequenos vinicultores franceses ainda no negócio de vinho. Segundo Osborne, os franceses não são lá nada liberais com suas verbas para compra de vinho. Ao contrário, os americanos dispõem de mais dinheiro para gastar.
O presidente da VinExpo, Robert Beyant, diz que “o mundo está bebendo mais e mais vinho e bebendo melhor”. O crescimento do consumo do acontece apenas nos Estados Unidos, mas é notável na Inglaterra, Austrália, Canadá (que replicam a experiência americana) e também sobe rápido na Alemanha, Rússia, Escandinávia e até na Ásia.
Individualmente, franceses, italianos e espanhóis ainda bebem mais do que os americanos. Mas a distância entre eles fica menor a cada dia. O consumo per capita pelos americanos deve aumentar 28% nos próximos três anos.
Onde a queda é mais rápida é na França. Depois de cair cerca de 40% nos últimos 35 anos, deverá descer mais 7,4% em 2008.
Mas tudo isso tem um lado negativo. Se os americanos têm mais dinheiro, eles desenvolveram um gosto pela bebida que está mudando o padrão de qualidade internacionalmente.
O que os americanos estão provocando mesmo é uma “internacionalização” dos estilos dos vinhos – a tendência mais importante no comércio da bebida desde 1990.
Em termos simples, esses vinhos “internacionais” são potentes, frutuosos, descritos como “suaves”, agradando a “todos os paladares”. Usam uvas conhecidas que acompanham grande variedade de pratos.
Não que tenham qualidade inferior. Eles até fazem com que vinhos finos e caros da Itália, Espanha (e até mesmo da França) entre na categoria de “internacionais”. Afinal, se é assim que o americano gosta (e é ele quem gasta mais), vamos fazer do jeito deles.
São vinhos que visam o mercado de massas, de fartos volumes, grandes públicos. Vinhos que identificam denominadores comuns com o maior número de consumidores. Portanto, nada em comum com vinhos que representem um estilo local, bem regional. O sabor da região, o famoso “terroir” parece não contar aqui. A diversidade, uma das maiores características do vinho, sai de cena.
O debate em torno da internacionalização já dura uma década. Uns temem justamente o que falamos acima, a perda da personalidade, individualidade de vinhos feitos em determinadas regiões, com a uvas certas para aquelas áreas. Ou o estilo, a mão do produtor fazendo a diferença.
Outros buscam a aceitação do consumidor, a unanimidade, que acham perdida diante de centenas de possibilidade. Soa como um papo sobre as escolhas possíveis entre Coca e Pepsi. Ou entre Brahma e Schin, quando as diferenças estão nos comerciais de TV.
Nessa toada, 2008 poderá ser lembrado como o ano em que o vinho tornou-se equivalente a uma commodity. E nos lembraremos de como éramos felizes.
Sonia Melier agora no soniamelier@terra.com.br

22.2.05

Dom Quixote e Sideways

Degustar e beber vinho são coisas bem diferentes. No filme Sideways, as duas ações ficam bem claras. Você vê Miles (Paul Giamatti), o personagem principal, e seu amigo Jack (Thomas Haden Church) beberem vinho sem parar. Estão atrás de sabor e de inebriar-se, embora Miles tenha grande interesse por vinhos e coloque a máscara do entendido.
Mas também pode assistir a uma degustação do mesmo Miles com Maya (Virginia Madsen), que é a verdadeira especialista no assunto, no filme, ela trabalha numa vinícola e, nas suas folgas, estuda viticultura.
Degustar um vinho é examinar sua qualidade, caráter ou identidade. Combina experiência, conhecimento e o uso de três sentidos: visão, olfato e paladar. Tudo para analisar as impressões sensoriais estimuladas pelo vinho. É preciso muitos anos de prática para reconhecer certos vinhos e suas regiões de origem, saber se estão mais ou menos equilibrados, quais suas falhas e seus pontos altos.
É um ofício muito antigo. Existem provas dessa atividade na antiga Grécia, em razão da organização do comércio do vinho, que deve ter criado uma classe de mercadores especializados em identificar e classificar os vinhos, suas qualidades, suas propriedades. Existia até uma palavra para o provador de vinho e seu ofício: oinogeustes. O verbo significando “degustar vinho” existe desde o século IV AC.
Para também celebrarmos os 400 anos do Don Quixote de la Mancha, de Cervantes, lembramos de uma história contada por Sancho Pança, que propalava grande conhecimento sobre vinhos, possuidor de enorme e natural instinto em julgar a bebida.
“Deixe-me apenas sentir o aroma de um vinho que vou certamente dizer de que país veio, sua espécie, seu sabor, sua qualidade, que alterações sofrerá com o tempo e tudo o mais a respeito de um vinho”, vangloriava-se ele.
Sancho explica que seu dom tinha origem em dois parentes por parte de pai. Seriam os melhores degustadores de La Mancha. Uma vez, numa certa vila, ofereceram aos dois uma prova de vinho retirado de um mesmo barril. Um deles chegou a colocar a ponta da língua na bebida. O outro apenas cheirou a taça.
O primeiro disse que o vinho tinha um sabor de ferro. O segundo afirmou que o vinho tinha um forte sabor de couro. Mas o dono do barril jurou que o barril estava limpo: nada tinha sido adicionado ao vinho. Não havia razão para sabores de ferro ou couro na bebida.
O tempo passou, o vinho foi consumido até que o barril ficou vazio. Foi então que acharam lá no fundo uma pequena chave amarrada a uma tira de couro. Tinha caído lá por acidente.
Sem esnobismos, Maya conduz uma degustação, acompanhada pelo pretensioso Miles. Você pode até repetir as ações de Maya e iniciar um aprendizado pela mímica. É de certo modo o que faz a maioria dos que dizem que entendem de vinho: dão uma olhada na taça, desajeitadamente a giram, praticamente enfiam o nariz na taça e aspiram aromas. E no final provam o vinho. Mas o melhor mesmo é tomar algumas providências antes. Por exemplo, manter um diário sobre os vários vinhos que você prova. Não só vai se lembrar o que bebeu como poder comparar notas sobre os demais vinhos consumidos. Poderá também voltar a provar vinhos que você gostou e recusar os que não tolerou. Vai aos poucos aprendendo o jargão dos críticos para descrever os vinhos presentes nesse diário. Na internet você encontra vários. Eis aqui um bem completo, do site português e-Mercatura.net . Muita gente coleciona rótulos e os organiza para melhor lembrar dos vinhos que tomou.
Suas taças devem sempre estar perfeitamente secas, muito bem limpas e não serem lavadas com detergentes, que podem emprestar aromas e sabores indesejáveis ao vinho. O lugar onde você vai degustar também deve ser neutro: nada de gente perfumada, de fumantes, de velas acesas. Não esqueça de usar tolhas brancas na mesa. O fundo branco da toalha evitará deformações de cor na bebida, facilitando o exame dela na taça. Não coma antes da degustação, pois os sabores da comida podem afetar a experiência da degustação. Comece a degustação sempre com os vinhos brancos, depois os rosados e por último os tintos.
O processo é o seguinte, em resumo:
1) Encha 1/3 da taça do vinho que escolher.
2) Segure a taça pela haste num ângulo de 45 graus e examine o vinho contra a luz. Preste atenção na cor e na claridade. Vinhos brancos jovens apresentam uma cor de palha ou um tom esverdeado. Na medida em que envelhecem, ficam dourados e até mesmo marrons. Já os tintos começam com um vermelho bem escuro e na medida em que amadurecem tomam a cor de um vermelho-tijolo até marrom, mais leve. O vinho deve estar bem claro, luminoso, sem apresentar algum tipo de opacidade, névoa, alguma coisa que o turve. Só pelo o exame da cor, você poderá comentar sobre a idade do vinho e algumas de suas falhas.
3) Agora, gire a taça. Observe o corpo do vinho. Verifique as “pernas”: aquelas lágrimas que lentamente correm da borda da taça até a superfície do vinho, após os movimentos que você fez. Elas podem indicar se o vinho é muito encorpado (“corpo” é o peso do vinho na boca, resultante da presença do álcool e de todas as substâncias nele desenvolvidas), ou tem alto teor alcoólico ou um maior nível de doçura. Ao girar o vinho os aromas serão mais facilmente liberados.
4) Agora, faça como a Maya: enfie o nariz na taça e aspire fortemente. O aroma de um vinho é chamado de “nariz”. Verifique em que condição a bebida está: suave (equilibrado de corpo e de sabor, com finesse, um vinho com textura fina e redonda, de consistência fácil), rançoso ou terroso (com aroma ou sabor de terra, do solo de onde veio a uva), sua intensidade (a profundidade de aromas e sabores; a complexidade na composição da bebida e a impressão e duração dessas sensações na sua boca) e o caráter (conjunto de qualidades que dão personalidade própria ao vinho e permitem distingui-lo de outros: ele tem mais frutos ou mais flores – ou até mesmo um tanto de couro, como na história do Sancho Pança). Passe o tempo que quiser descobrindo tudo que os aromas de um vinho vão oferecer-lhe. Lembre-se que nosso nariz é tremendamente mais sensível que nossa boca, que nosso paladar. Só ele pode determinar as sutilezas desses aromas. Numa degustação com Miles, Maya deixa Miles meio sem graça ao descobrir que no vinho que provavam o álcool era mais dominante que as frutas. Uma falha importante.
5) Agora só falta provar o vinho: vamos descobrir o “paladar” do vinho, a sensação que ele produz ao ser degustado e bebido. Quando o vinho entra na boca, o degustador deve saboreá-lo com a língua, esmagando-o contra o palato e as gengivas. Assim, percebem-se melhor as características estruturais do vinho (corpo, álcool, tanino), o acetinado e a textura da matéria, assim como os seus aromas que vão alcançando o nariz por via retronasal. Não fique envergonhada em repetir a manobra de um gargarejo, fazendo com que a bebida envolva completamente as suas papilas gustativas. Verifique a acidez, a doçura, o corpo, a presença de frutas e de álcool.
6) O degustador profissional vai cuspir o que está na boca numa escarradeira. Afinal, ele vai ter que provar dezenas de vinhos numa só sessão de degustação. Não pode ficar embriagado.
Tirando algumas frescuras que sempre existiram, desde o tempo dos gregos (como direção do vento, menstruação de Hera, mau humor de Zeus etc.), a degustação sempre considerou os passos acima. De substancial nada mudou.
Mas estamos aqui tentando repetir Miles e Maya e homenageando Sancho Pança, meio que degustando, bebericando, jogando conversa fora, contando lorotas e namorando. Eu não degustaria e beberia. Não cuspiria nadinha de nada.
Leia ou releia do Dom Quixote, veja Sideways e comece já o seu aprendizado caseiro de degustação.
Sonia Melier agora no soniamelier@terra.com.br

19.2.05

Balearam a Kalashnikov

O general Mikahil Kalashnikov, como sabemos, inventou a AK-47, hoje célebre rifle de assalto. O militar, com 84 anos, criou o rifle depois de ser ferido a bala por soldados alemães na Segunda Guerra.
Mas o general não parou no rifle e criou também, muito recentemente, a vodka Kalashnikov, de modo a continuar “o bom nome” de sua arma. Quis que sua bebida fosse melhor que qualquer vodka feita na Rússia e também na Inglaterra (através de uma parceria local), primeiro grande mercado externo onde o produto foi lançado em setembro de 2004.
Talvez queira ser mais lembrado pelo gulp, gulp, gulp, do que pelo ratata-ratata-ratata. Faz sentido.
Porém, o Portman Group, instituição reguladora mantida pela indústria de bebidas na Inglaterra, forçou a uma mudança no nome da Kalashnikov, alegando que ele está vinculado a violência e a comportamento agressivo. Não diga!
A Kalashnikov Joint Stock Vodka Co., que produz a vodka na Inglaterra, protestou, dizendo que o nome era “divertido”, longe de causar ofensa. Porém, concordou em retirá-lo dos rótulos, apenas no mercado inglês. Porta-voz da empresa disse que aceitou a sanção porque era forçado a trabalhar com o Portman Group. Acha, porém, que dificilmente a vodka seja chamada por outro nome.
O Portman Group é uma espécie de Conar na Inglaterra, talvez com mais poderes no setor onde atua. Tem o objetivo de promover o consumo responsável de bebidas alcoólicas, prevenir o uso indevido do álcool, encorajar a comercialização responsável ... enfim, aquelas ações que grupos industriais procuram tomar antes que os governos tomem as suas, normalmente mais severas e que doem onde interessa: no bolso (dos industriais e comerciantes, é claro).
A Kalashnikov levou bala, sem dúvida. Fico pensando se não existe um grupo regulador na Inglaterra para príncipes que usam a suástica como diversão. O que fariam com ele? E se os americanos lançassem uma vodka com o nome de M-16? Nome de invasor pode, nome de invadido não pode? Será que é esse o critério? O nome do general ficará, pelo menos na Inglaterra, ligado apenas a um instrumento letal. Acho que a vodka só traria algumas dores de cabeça, mas nada mortal. Deixaria na lembrança apenas a noite anterior.
Sonia Melier agora no soniamelier@terra.com.br

17.2.05

Pinot em inglês

A palavra “Pinot”, usada inúmeras vezes no filme Sideways, figura em primeiro lugar numa pesquisa sobre termos e expressões que mais influenciaram a língua inglesa em 2004, na área do show business.
A pesquisa é realizada regularmente pelo instituto norte-americano Global Language Monitor.
“Pinot” é a obsessão do personagem Miles (Paul Giamatti), em Sideways, onde ele busca o perfeito vinho com a Pinot Noir.
Sideways concorre a cinco Oscars (veja nosso comentário sobre o filme logo abaixo).
O instituto levantou as 15 palavras que mais influenciaram a língua inglesa em 2004 e a maioria delas é fortemente dominada pelos filmes indicados ao Oscar.
Eis aqui a lista das principais:
1. Pinot (Sideways);
2. Genius – referente ao “gênio” Ray Charles, do filme Ray;
3. Hand washing – ligada ao comportamento obsessivo do personagem Howard Hughes no filme The Aviator;
4. “Mo chuisle” – aparece no filme Million Dollar Baby, de Clint Eastwood. Literalmente quer dizer “Meu pulso”, mas também pode significar “meu amor”, “querido”.
5. Gipper – é um tributo ao ex-presidente Ronald Reagan, que morreu em 2004. Um de seus mais lembrados papéis em Hollywood foi o da estrela do futebol americano George “Gipp”, que perdeu as pernas (“metade de mim”). O filme é “The Knute Rockne Story”, de 1940.
As referências a Sideways aparecem mais duas vezes nessa pesquisa. Em 12º lugar, com a palavra “snub” – que significa repreensão, censura, afronta, injúria.
E na 14ª e penúltima posição, com “Frass”, referência à vinícola “Frass Canyon”. Essa é na verdade a famosa Fess Parker, no vale de Santa Ynez, onde Miles tenta beber vinho utilizando um vasilhame impensável para um degustador que se preze, numa das cenas mais engraçadas do filme. Aliás, “Frass” é uma brincadeira do diretor: quer dizer titica de mosca.
Fess Parker, hoje com 80 anos e ainda muito forte, é o ator que fez David Crocket e Daniel Boone na televisão. Hoje faz ótimos Pinot Noir, apesar de Miles não ter gostado deles, pelo menos no filme.
Ano passado, quem tirou o primeiro lugar foi “Wardrobe malfunction” (mais ou menos "roupa com defeito"), termo com o qual tentaram explicar a exposição do seio de Janet Jackson no Superbowl.
É uma grande pedida visitar as locações de Sideways. Mas espere uns seis meses, pois os americanos estão lotando todo o vale – tentando repetir o roteiro de Miles e Jack. E a palavra mais empregada é mesmo a Pinot.
Agora estamos no soniamelier@terra.com.br

A Champagne de Kyoto

Os produtores de vinho de Champagne estão planejando reduzir as emissões de dióxido de carbono da região. Entram com o pé direito no Protocolo de Kyoto, que começou a vigorar desde ontem, quarta-feira, 16 de fevereiro.
O Protocolo de Kyoto é um acordo internacional contra o aquecimento do planeta, prevendo o corte das emissões de gases relacionados ao efeito estufa.
De imediato, a associação de produtores, a CIVC (Comitê Interprofessionel du Vin de Champagne) está lançando uma pesquisa para determinar o quanto a produção de champanhe contribui para as emissões de dióxido de carbono. Uma análise inicial sugere que a indústria local pode reduzir essas emissões de 20 a 30% nos próximos 10 anos sem que haja problemas técnicos ou falhas na qualidade do famoso vinho.
Essa pesquisa já está sendo chamada de “Champagne de Kyoto” e prevê o levantamento de todo o ciclo de vida da produção do vinho, incluindo o transporte de pessoal, a produção de garrafas, a energia utilizada para construir equipamentos e fazer as embalagens – essas, sozinhas, responsáveis por 30% das emissões.
Até 2006, o CIVC espera fixar metas formais para toda a indústria da região. No passado recente, Champagne foi criticada por utilizar lixo caseiro, vindo de Paris, como combustível e com isso contaminar a atmosfera e o solo. Pararam com isso em 1990. A partir daí a região resolveu adotar um comportamento que protegesse mais eficazmente o meio ambiente, como a redução no uso de pesticidas e de outros tratamentos do solo. Começaram a administrar melhor restos, e despejos das vinícolas.
O CIVC concorda de que, além do “dever moral” de proteger o meio ambiente, existem fortes fatores econômicos que levam Champagne a adotar o Protocolo, a começar pela imagem da bebida junto aos consumidores. O comitê também acha que as emissões de dióxido de carbono serão taxadas em futuro próximo. Eles estão se antecipando às novas regras em vez de apenas reagirem contra elas.
Boas notícias. Que a atitude do povo de Champagne se repita em todo o mundo.
Sonia Melier agora no soniamelier@terra.com.br

13.2.05

Um Jerez Insípido

Nem sempre podemos garantir os usos que os consumidores fazem do que consomem.
Pois uma texana está sendo processada por ter matado seu marido com uma lavagem intestinal, no qual usou sherry, ou Jerez, o famoso vinho fortificado feito no sudoeste da Espanha.
A viúva acusada, Tammy Jean Warner, alega que o falecido, Michael Warner, tinha problemas com o álcool e gostava ele mesmo de aplicar-se lavagens com vinhos, inclusive o Jerez, argumentando que assim seu corpo absorveria a bebida mais rapidamente. “Ele adorava as suas lavagens”, afirmou Tammy.
A polícia descobriu que Michael, 58, morreu com 0,47% de álcool no sangue, seis vezes mais que o nível máximo permitido para motoristas, no Texas.
Descobriu também que Michael recebera duas grandes garrafas de sherry em sua casa. E, concluo eu, dever ser difícil garantir por onde esse vinho entrou.
A indiciada Tammy jura que não fez o clister. Segundo ela, o a mãe do falecido viciou seu filho nas lavagens desde a sua infância.
Certamente Michael deveria ter outros problemas de saúde. Não encontramos nenhum registro que pondere danos de um vinho degustado pelas vias normais e, alternativamente, por baixo. Um desperdício, sem dúvida.
Michael não entendeu bem o conselho de Shakespeare: “Se tivesse mil filhos, o primeiro princípio humano que lhes ensinaria seria o de abandonar as bebidas insípidas e dedicar-se ao Jerez” (Henrique IV, II parte).
Se a viúva está falando a verdade, para Michael, o sherry era uma bebida insípida.Via Reuters

10.2.05

Nas alturas

Um grupo de cientistas e jornalistas franceses, liderados por Michel Bettane, o mais reputado crítico de vinhos do país, está testando os efeitos da altitude em vinhos finos. Vão provar vinho em estações de esqui de diferentes altitudes. Primeiro, em Moûtiers (400 m), depois em Saint-Martin de Belleville (1,500 m) e finalmente em Val Thorens (2,300 m), a estação mais alta da Europa.
A degustação inclui grandes vinhos de Bordeaux, Borgonha, Champagne, Vale do Ródano, Provence, Savoie, do Madiran. O teste é chamado de "Grandes Vinhos nos Picos". Em 2004, verificaram que os vinhos guardados em adegas de grandes altitudes eram mais elegantes, mais macios do que os mesmos vinhos se provados ao nível do mar. Os taninos ficam mais suaves lá em cima. Testarão apenas os vinhos guardados por bastante tempo em altas altitudes. Não se trata de degustar vinhos feitos de uvas plantadas em vinhedos de alta altitude.
Esses, como já vimos aqui, são mais ricos em polifenóis, em razão da maior radiação de raios ultravioleta sobre as uvas. Logo, são melhores na prevenção de ataques cardíacos. Uma pesquisa realizada pelo professor Roger Corder, chefe do Departamento de Terapêutica Experimental do Instituto William Harvey Research, em Londres, comprova essas qualidades. O professor foi premiado em 2002 pelo seu trabalho. Já a bordo de jatos, a altitude realmente afeta o nosso paladar. Num avião, acontecem duas coisas: umidade baixa, prejudicando nossa habilidade em perceber aromas, e a baixa pressão, dificultando a operação de nossas papilas gustativas.
Se tivermos nosso olfato prejudicado, não conseguiremos "sentir" devidamente o que comemos e bebemos. E se, além do olfato, as membranas do gosto se retraírem, o problema fica maior. A comida de bordo parecerá insossa, um isopor. As companhias aéreas costumam resolver esse problema temperando mais a comida, tornando-a mais picante. Daí que os pratos asiáticos vêm sendo servidos com mais freqüência.
Só que o vinho não pode ser temperado. O que fazer? As empresas estão gastando muito dinheiro para resolver esse problema. A Singapura Airlines construiu até uma cabine para simular a temperatura, umidade e pressão sob as condições de vôo. Provadores testam nela pratos e vinhos para definir cardápio e listas de vinhos.
O gerente de bebidas da British Airways, Peter Nixson, revela que os vinhos que funcionam bem no solo podem também funcionar bem nas alturas - "desde que não sejam muito ácidos ou que contenham muitos taninos, pois a acidez e a adstringência dos taninos vão se acentuar".
Os vinhos foram servidos pela primeira vez a bordo dos zepelins, há 90 anos, quando ainda não existia cabine pressurizada. Deviam ficar intragáveis. Prefiro tomá-los nas alturas da serra de Petrópolis, aqui em Secretário. Não é lá nos "picos", a vista é muito linda e é muito mais seguro. Em avião, prefiro calmante.
(Publicado na coluna Adega & Bar, no caderno Tribuna Bis da Tribuna da Imprensa, Rio, em 10/02/05).
Sonia Melier agora no soniamelier@terra.com.br

8.2.05

Mais controle no Brasil

O governo brasileiro vai aumentar seu controle sobre as bebidas alcoólicas, mudando os selos nas garrafas. Vai torná-los mais difíceis de falsificar.
O número de selos falsificados aumentou foi de 94.894 em 2004. Em 2003 foi de 67.931.
A versão atual desses selos expira dia 30 de junho. Dessa data até 31 de julho os produtores receberão uma nova versão, aparentemente mais difícil de falsificar.
Nota recolhida no just-drinks.
Não deixe de escrever para a Sonia Melier: soniamelier@terra.com.br

Mais "Sideways"

No filme “Sideways - Entre Umas e Outras”, apenas as atrizes Sandra Oh e Virginia Madsen é que entendem realmente de vinhos. Seus parceiros, Paul Giamatti e Thomas Haden Church, não manjam nada de nada da bebida, apenas interpretam seus personagens, embora reconhecendo ter adorado a experiência de entornar taças de vinho sem parar.
Sandra Oh, esposa do diretor Alexander Payne, faz a Stephanie, que vira a cabeça de Jack (Thomas Haden Church), o amigo de Miles (Giamatti), que está para casar. Oh, no filme, serve vinhos na adega de uma vinícola. Madsen é Myra, uma garçonete que ama o vinho, estuda viticultura, é a verdadeira sommelier. Myra muda tudo na vida de Miles, inclusive sua compreensão sobre a bebida. Madsen está concorrendo ao Oscar de melhor atriz coadjuvante.
Já Alexander Payne conseguiu em Sideways combinar duas paixões: pelos injustiçados, perdedores, pobres-diabos – e pelos vinhos.
Em 1999, com “Eleição” (Election, 1999), Matthew Broderick faz um professor de história que perde o emprego e esposa por se envolver nas traiçoeiras manobras de uma eleição universitária.
Depois veio “As Confissões de Schmidt" (About Schmidt), com Jack Nicholson fazendo um viúvo aposentado tentando sabotar o casamento de sua filha única.
Em Sideways, o anti-herói é Miles (Paul Giamatti), um novelista frustrado, não editado, na crise da meia-idade, que leva seu melhor amigo por uma desastrosa viagem para degustar vinhos. E Payne fez de uma simples história sobre a amizade entre dois homens uma dissertação sobre a nossa capacidade de errar e de amar.
Payne passou muito tempo visitando vinícolas, vinhedos, adegas para selecionar as locações do filme e entender melhor desse mundo. Gosta e conhece de vinhos. Ele mesmo selecionou os vinhos servidos e mencionados no filme.
“O melhor foi que, com esse filme, deixei de ser um prisioneiro de lojas e revistas de vinho e passei a conviver com produtores e vinhateiros, a viver entre barris e vinhedos. Isso é que é o bom”, revela.Leia sua entrevista na The Age .
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6.2.05

O que é vinho natural

A definição não é lá um primor de rigor. Pode ser um vinho feito de acordo com a tradição, ingrediente da maior importância na viticultura e produção da bebida em muitas regiões do Velho Mundo, onde os agricultores e produtores repetem exatamente o que seus pais, avós e bisavós faziam.
São procedimentos como, por exemplo, engarrafar o vinho apenas quando a lua está em determinada fase, ou quando o vento está ou não soprando em determinada direção. São tradições mais do que superstições – métodos que muitas vezes a ciência consegue explicar.
Hoje, quando falamos de vinhos naturais, estamos nos referindo principalmente aos produtores que adotaram processos orgânicos e biodinâmicos de produção, onde não se utilizam pesticidas ou herbicidas químicos. Onde arar e colher são feitos manualmente, onde apenas se utilizam fermentos naturais em vez dos formulados em laboratórios para produzir aromas e sabores específicos. Onde raramente se acrescenta açúcar ao vinho para prolongar a fermentação ou aumentar o nível de álcool. Onde não se juntam enzimas ou ácidos para completar alguma qualidade ou atenuar algum defeito no vinho.
Caso utilizem sulfito, um secular conservante, só o fazem em doses mínimas. Aqui modernismos tecnológicos não entram. Assim, fora a osmose inversa, a micro oxigenação, a concentração. A regra é não impedir que a natureza fale mais alto.
Os vinhos completamente naturais não são muito fáceis de encontrar. De qualquer modo, algumas boas lojas já oferecem vinhos orgânicos e biodinâmicos. Que tal experimentar.
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5.2.05

A marvada da ressaca

Ainda não existe cura para a ressaca. Nenhum chazinho, poção, mistura, comprimido - nada. Como os tempos de Carnaval fazem pensar que cachaça é água, lembramos que a água vem do ribeirão, tal como ensina a marchinha, e continua sendo um dos melhores remédios para a inevitável ressaca de Quarta-feira de Cinzas.
O álcool é um diurético, faz com que você urine mais, perca líquido: é um poderoso desidratante. A inesquecível e fenomenal dor de cabeça, a tremenda e insuportável náusea, são sintomas dessa desidratação e só melhoram mesmo com muita água. Melhoram, mas não curam.
É certo que algumas bebidas, alguns tipos de álcool são piores do que outros. Em ordem decrescente de estragos temos: destilados de vinho (conhaque, brandy), vinho tinto, rum, uísque, vinho branco, gim e vodka. As bebidas escuras são piores que as brancas, como vemos, pois contêm impurezas difíceis de metabolizar pelo fígado.
Misturar bebidas também não é boa prática. Beba sempre cerveja antes do destilado. As bebidas carbonatadas são rapidamente absorvidas pelo corpo. Logo, bebendo o destilado depois, ele se diluirá mais facilmente no sistema.
Remédios que realmente funcionem existem poucos. Os melhores, como vimos, são água e sucos, de fruta e de tomate. O objetivo é hidratar-se rapidamente. Tome vitamina C para apressar a eliminação do álcool. Poções que contenham álcool só vão piorar as coisas.
Nunca beba de estômago vazio. A comida ajuda o estômago a absorver certa quantidade do álcool e ainda ajudará o seu corpo a digerir a danada mais rapidamente. Aquele "café forte, bem preto" não lhe devolverá a sobriedade. Apenas o tornará um bêbado um tanto mais acordado. Além do mais, o café também é diurético. As coisas só ficarão mais pretas.
Beba sempre muita água enquanto estiver bebendo. A regra é simples: um copo d'água para cada drinque. E, se você conseguir, apenas um drinque por hora. Pode ser que não seja a completa salvação para a ressaca, mas vai ajudar a diluir a quantidade de álcool consumida e, assim, minorar os efeitos da desidratação. O álcool reduz as funções do cérebro, até pela desidratação das artérias em volta dele. A dor de cabeça e a ansiedade são sintomas da reação do cérebro à falta de líquido corporal.
Na quarta-feira, quando você acordar, ainda estará com álcool no seu sistema. O melhor é tomar mais líquido e bebidas como suco de tomate, algo do tipo Gatorade e água de coco.
As três têm elementos como potássio, sódio e, algumas, magnésio, que melhoram os sintomas da ressaca. Remédios contra a inesquecível dor de cabeça também podem ajudar. Mas cuidado: a aspirina pode irritar o estômago e o paracemol (do Tylenol) pode causar estragos no fígado, se tomado com seu sistema afogado pelo álcool.
As faltas ao trabalho por excessos alcoólicos causam um prejuízo anual de 148 bilhões de dólares aos Estados Unidos. A sorte é que aqui temos essa salvadora quarta-feira. E as outras?
Esse é o texto da coluna de Sonia Melier no Tribuna Bis, segundo caderno da Tribuna da Imprensa, publicado nessa última quinta-feira, 03 de fevereiro.
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4.2.05

Sideways

“Sideways – Entre Umas e Outras”, agora em cartaz nos cinemas, conta a história de dois velhos amigos numa viagem pela Califórnia. A dupla resvala das estradas principais e cai por atalhos, caminhos laterais (sideways), para explorar com bom humor os acidentes do amor, da amizade, da solidão, dos sonhos e da permanente guerra entre a Pinot Noir e a Merlot.
Pois esse filme, com uma história bem simples e de produção barata para os padrões de Hollywood (US$ 18 milhões), adaptada de um livro de Rex Pickett, transformou-se num sucesso da crítica internacional. Foi escolhido como o melhor filme de 2004 pela Associação de Críticos de Cinema de Los Angeles, ficando ainda com os prêmios de melhor diretor (Alexander Payne), melhor ator e atriz coadjuvantes (Thomas Haden Church e Virginia Madsen) e melhor roteiro (Alexander Payne e Jim Taylor).
Já ganhou dois Globos de Ouro (de melhor filme – comédia e melhor roteiro), fora indicações para melhor diretor, melhor ator de comédia/musical, melhor ator coadjuvante, melhor atriz coadjuvante e melhor trilha sonora. Recebeu também uma indicação ao BAFTA (British Academy of Film and Television Arts) de melhor roteiro adaptado. Teve ainda seis indicações ao Independent Spirit Awards (melhor filme, melhor diretor, melhor ator, melhor ator coadjuvante, melhor atriz coadjuvante e melhor roteiro). E acaba de receber cinco indicações ao Oscar: melhor filme, melhor diretor, melhor ator coadjuvante, melhor atriz coadjuvante e melhor roteiro adaptado.
O filme recebeu a extraordinária cotação 94 no Metacritic, um site que reúne opiniões e notas dos mais respeitáveis críticos e publicações.
Miles (Paul Giamatti), um divorciado que ainda não se recuperou da perda da mulher, é um escritor não editado com uma fixação em vinho. Resolve dar de presente a um velho amigo de colégio, Jack (Thomas Haden Church) uma viagem de “despedida de solteiro” pelos vinhedos da Costa Central, na Califórnia, uma semana antes do casamento do amigo, um ator desempregado. É uma dupla estranha. Jack é mulherengo, extrovertido. Miles é depressivo, o eterno preocupado, fala mais do que cumpre. Jack busca o último gosto da liberdade, enquanto Miles apenas tenta não ficar ainda mais pra baixo. Jack nada sabe de vinhos, não se importa em beber um Merlot barato. Miles parece ter algum conhecimento e busca o perfeito Pinot Noir, uma procura temperamental. Não espera para abandonar (aos berros) um lugar onde tenha alguém bebendo Merlot. Tudo pose, máscara de conhecimento e esnobismo. Toda a figuração que Miles faz para degustar um vinho (girar a taça, examiná-lo visualmente, enfiar o nariz na taça para sentir seus aromas e finalmente prová-lo) fica sem sentido quando bebe um Cheval Blanc 1961 (preço entre 1.200 e 1.800 dólares, a garrafa) numa reles lanchonete. E num copo de plástico. Pode não tem sentido, mas a cena transpira humanidade.
Uma das locações do filme, a Vinícola Sanford, virou atração turística, com os visitantes querendo provar das garrafas que o esnobe Miles experimentou. Na verdade, todas as 18 locações, incluindo vinícolas, restaurantes etc. viraram pontos turísticos.
O filme, inclusive, está influenciando fortemente a escolha de vinhos nos Estados Unidos, com as garrafas de Pinot Noir (a preferida de Miles) disparando nas vendas. Até um leilão com os principais vinhos experimentados ou mencionados pelos protagonistas do filme está sendo realizado pelo site winebid.com . A lista em leilão oferece vinhos da área de Santa Bárbara, Califórnia, além de Cabernets Sauvignons e Super Toscanos clássicos, bem como lendários Bordeaux e Borgonhas. Estão lá o Cheval Blanc 1961, o Sassicaia 1988, o Opus One 1995, entre outros.
Não se trata de uma novidade. O americano está pagando e caro para ter impressões turísticas, momentâneas, de lugares concretos. É o que o escritor Tom Wolfe (“Fogueira das Vaidades”) chama de “economia psicológica”. A Disney é o exemplo mais corriqueiro.
O pessoal vai visitar a vinícola Niebaum-Coppola, do diretor Francis Ford Coppola, buscando mais lembranças do “Poderoso Chefão” e do “Drácula”, do que dos vinhos que ele produz. De qualquer modo, a Niebaum foi reconstruída pelo cineasta como um ambiente turístico. Você vai lá – e também em outras vinícolas da Califórnia – e sai com uma camiseta do “Apocalyse Now” em vez de uma garrafa de vinho.
Só que Sideways, pelo que já se sabe, está levando o público a experimentar efetivamente os vinhos. A venda de vinhos com a Pinot Noir aumentou 22% desde o lançamento do filme nos Estados Unidos.
O filme parece mais sobre enofilia do que vinho propriamente. Mas a bebida é mais do que um pano de fundo, figura pelo menos como um dos seus principais personagens. Ele talvez não pretenda ensinar sobre o vinho, mas coloca a bebida, um pouco de sua história e cultura (em particular, vícios, cacoetes, o comportamento de seus aficionados) no centro do palco. E isso o torna único na filmografia (a que conheço, pelo menos).
A fixação do personagem principal, Miles (Paul Giamatti) pela Pinot Noir é uma bela sacada, de quem conhece o assunto. O filme se utiliza da delicada, complexa e temperamental uva como uma metáfora para a condição humana. Miles fica bêbado e zangado com facilidade, rouba mil dólares de sua mãe, se autoflagela pela perda de sua esposa e rapidamente entra em depressão. São pequenos defeitos, que também encontramos na uva, de difícil manejo. Por sua vez, Miles tem uma grande sensibilidade e demonstra que é capaz de amar de verdade. A sua Pinot Noir não é diferente. A busca de Miles se encerra quando conhece Myra, uma garçonete, e não quando descobre a perfeita Pinot Noir.
Miles é um anti-herói, um novelista frustrado, na crise da meia-idade. O diretor Alexander Payne fez de uma simples história sobre a amizade entre dois homens uma dissertação sobre a nossa capacidade de errar e amar.
Payne passou muito tempo visitando vinícolas, vinhedos, adegas e a conviver com produtores e vinhateiros para selecionar locações e entender melhor do mundo dos vinhos. Sempre gostou da bebida. Mas até conseguir filmar era “um prisioneiro de lojas e revistas sobre vinhos”, revela.
Vamos então acompanhar a dupla e saber um pouco mais sobre as garrafas provadas pelos dois personagens. Acho que Sideways vai conseguir fazer com que ele deixe o papel decorativo numa mesa para o centro das atenções de uma história que só vem merecendo honrarias pela crítica especializada.
O cinema bem que estava devendo isso a esse personagem. Mas foi preciso esperar muitos anos para que existisse um conhecimento global do vinho, que se encontrasse um diretor de cinema com bastante amor e conhecimento da matéria e um público devidamente interessado na bebida e em sua cultura.
O documentário “Mondovino”, de John Rossiter, também lançado ano passado, quando fez furor em Cannes, e que começou agora a fazer carreira na Europa também está dando o que falar – muito mais entre profissionais do vinho. Rossiter toca nesse ponto nevrálgico da globalização do vinho, falando e apresentando aqueles que estão tentando transformar a bebida numa Coca-Cola, numa commodity sem qualquer registro das suas origens e das culturas envolvidas em sua produção.
Já “Vineyards of Death” (Vinhedos da Morte) conta uma história de mistério: um corpo é descoberto nos vinhedos do Lago Sêneca, no Estado de Nova York. Será filmado a partir de julho na vinícola Glenora Wine Cellars, famosa na região.
O vinho pode esperar muito mais do cinema, pois o conhecimento e gosto por ele só fazem aumentar. Agora mesmo leio que os norte-americanos serão os maiores consumidores de vinho lá por volta de 2008, deixando a Itália e a França respectivamente em segundo e terceiro lugares. Sim, vão passar até a França. Essa nota foi retirada de um relatório apresentado na Vinexpo, uma importante feira de vinho realizada em Bordeaux, coração de uma das mais importantes regiões vinícolas do mundo.
Talvez os franceses estejam pagando o preço por não terem mais Miles e Jacks entre seus consumidores – que gostam de seus vinhos, mas sem complicações e sem perder de vista que têm de resolver outros probleminhas. Vinho é uma bebida deliciosa, que também é cultura, história e geografia, mas não está acima dos nossos problemas do dia-a-dia. Continua sendo suco de uva fermentado.
Vamos ver o filme e saber como Miles e Jack acabam por resolver suas charadas. Acho que Sideways vai informar muito sobre o vinho e seu mundo e, sobretudo, sobre o ser humano. Tomara que faça uma boa carreira também no Brasil. A cerimônia do Oscar será transmitida dia 27 de fevereiro.
Sonia Melier agora está no soniamelier@terra.com.br .

2.2.05

Vinho e moda

A colunista de vinhos norte-americana Leslie Sbracco, autora do “Wine for Women: A Guide to Buying, Pairing and Sharing” (“Vinho para Mulheres: Um Guia para Comprar, Harmonizar e Partilhar”), livro lançado em 2003, não aceita muito bem as analogias e terminologias criadas principalmente pelos homens. Acha que as mulheres entenderão melhor os vinhos se comparados à moda e a culinária, por exemplo.

Para ela, a sensibilíssima uva Pinot Noir, estrela dos tintos da Borgonha e da maioria dos grandes Champagnes e uma das principais personagens de “Sideways”, filme de grande sucesso, indicadíssimo para o Oscar, pois para ela essa uva é “luxuriante, toda cetim e seda”. A Sauvignon Blanc é “uma fresca e alvíssima camisa branca”.

Os produtores de vinho da Califórnia dão muita atenção ao que Sbracco fala e escreve, pois as mulheres norte-americanas são responsáveis por 80% dos dólares gastos em compras. E a jornalista tem grande audiência junto ao público feminino.

Sbracco acha que homens e mulheres têm diferentes pontos de vista com relação ao vinho. “Os homens falam de preços, cotações. Mulheres preocupam-se mais com estilos de vida, sabor e aromas e não com notas. Ficam mais na área do prazer que a bebida pode oferecer”, diz a autora.
“Quando falo que um vinho feito com a uva Zinfandel está mais para “a calça de couro”, tenho certeza que as mulheres, envolvidas com moda, entenderam direitinho que tipo de vinho é esse”.

O que Sbracco pretende é tornar os textos e as palestras sobre vinho mais interessantes, mais intrigantes, mais divertidas. Ela está mais do que certa. Às vezes acho que os comentários sobre vinhos, feitos por homens lembram as mesas redondas de futebol, onde meninas não entram.

Por outro lado, com o novo jargão da Leslie Sbracco, a dificuldade pula para o lado dos homens. Continua tudo na mesma. Não vejo nada de vintage na criação da colunista.

Vintage
. Por falar em moda e em vintage, vale a pena ler o Sérgio Rodrigues em sua imperdível coluna “A Palavra é...”, publicada no site no mínimo:

Vintage

20.01.2005 Eis uma palavra da moda nos dois sentidos: está na moda e pertence ao vocabulário da moda, aquele falado por gente ligada ao mundo dito fashion. Como se trata de uma subcultura em que, mais do que na sociedade em geral, ser não-jovem é considerado de profundo mau gosto, a palavra vintage, importada do inglês, cumpre a difícil missão de significar algo que consegue ser ao mesmo tempo antigo e, acredite se quiser, maravilhoso.

O sentido original de vintage é safra, o ano em que foi colhida a uva de determinado vinho. No fim das contas a palavra é herdeira do latim vindemia (colheita), que deu ainda, em português, “vindima”. Mas o uso operou uma extensão no sentido de vintage: além do ano de fabricação de algo, sua própria antiguidade.

Funciona assim: um Fusquinha 67 é um carro velho, mas um Cadillac do mesmo ano é um carro vintage.


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1.2.05

A madeira e o vinho

A leitora Joana pergunta se a madeira é uma contribuição qualitativa para os vinhos ou apenas um item obsoleto de armazenamento.
Vamos por partes, como gostava o Dr. Jekyll.
A madeira foi utilizada no vinho primeiramente para armazená-lo e transportá-lo. Os antigos construíam barris para guardar uma lista enorme de itens: grãos, água, sal etc. Isso, desde 900 AC. Hoje são utilizados quase que exclusivamente na produção de vinhos finos.
O formato preferido sempre foi esse do nosso barril, parecendo um charuto gordo, justamente porque é mais fácil de fazer rolar, de levar de um canto para outro sem muito esforço. E, quando armazenado horizontalmente, facilita o depósito de sedimentos numa área específica (numa das “barrigas” do barril). E isso é particularmente importante no caso dos vinhos.
Historicamente, parece que foram os celtas que desenvolveram os barris de madeira para a guarda e transporte de bens em larga escala. Os romanos só foram conhecer esse tipo de recipiente quando Júlio César tomou a Gália, lá em 508 AC. E esses mesmos romanos só começaram a utilizar os barris de madeira quando ocuparam o norte da Europa.
Séculos mais tarde, o barril (de carvalho) aparece como parte do desenvolvimento de técnicas de produção de vinho. É utilizado na fermentação do mosto ou suco da uva em pequenos barris, em vez de se utilizar grandes tanques. Essa técnica é utilizada principalmente com os vinhos brancos.
Os barris de carvalho servem também para a operação de armazenar vinho, de modo a criar as condições ideais do desenvolvimento de seus componentes e, empresar o sabor da madeira (carvalho) ao vinho. Essa é uma prática comum para os vinhos parados de grande qualidade e de qualquer cor (vinho parado é qualquer vinho que não tenha bolhas, como os champanhes).
Uma importante vantagem adicional da maturação em barril é que encoraja a clarificação e estabilização do vinho da maneira mais natural possível. ‘
Os barris de carvalho para vinho variam de tamanho e formato. A duração deles pode chegar até 100 anos. Um único barril leva até dois dias para ser construído – e não é barato (pode custar até 600 dólares, cada um).
Quanto ao carvalho. É uma madeira dura, impermeável aos líquidos, que tem uma vantagem sobre as demais pela sua afinidade com os vinhos, emprestando qualidades e sabores que até hoje vem sendo apreciadas pelos consumidores. Além disso, o carvalho é fácil de operar, fisicamente falando.
Existem centenas de espécies de carvalho, que podem ser separadas em duas categorias: o carvalho vermelho e o branco. O vermelho é poroso e, portanto, não confiável para a guarda de líquidos, como o vinho.
Para o nosso vinho, temos três tipos de carvalho branco que são os preferidos. Um americano e dois europeus, todos pertencentes ao gênero botânico dos Quercus. A maior reserva do carvalho se encontra hoje nos Estados Unidos, seguidos da França.
Apenas os vinhos muito jovens, simples, é que não passam por carvalho. São fermentados e guardados em tanques de alumínio. Se o produtor quiser dar um “toque” de carvalho, ele coloca lascas da madeira no tanque para que o vinho ganhe alguma coisa do sabor dessa madeira (de baunilha, manteiga – por aí). Em alguns países essa prática é proibida.
Nos últimos tempos, o consumidor (o norte-americano principalmente) vem preferindo vinhos brancos que não tenham sido fermentados ou maturados em barris de carvalho. É uma questão de moda. Até porque os produtores nos entopem de qualquer coisa em carvalho (como se um tapetinho mais bonitinho fosse melhorar a minha velha e desqualificada Brasília). Aí, o saco do consumidor fica cheio e ele busca uma opção.
Então, sim: a madeira, o carvalho em particular, é uma contribuição qualitativa e em nada obsoleta.
A madeira, como vimos, serve mais para fermentação e maturação de alguns tipos de vinho. Após o período em madeira, os vinhos passam em geral para as garrafas.
Consultei o "The Oxford Companio to Wine", segunda edição, editado por Jancis Robinson, para formular essa resposta.
Atenção: O novo e-mail da Soninha aqui é soniamelier@terra.com.br