16.4.06

Mais predições

A terceira edição do Oxford Companion to Wine, para mim a melhor referência para vinhos, da celebrada crítica e autora inglesa Jancis Robinson, lista mais de 600 variedades de uvas em 72 países. Agora, entre os países produtores, temos a Etiópia, Coréia, Vietnam, Nepal, China, Índia, Noruega ao lado dos usuais suspeitos, como França, Alemanha, Itália e os países do Novo Mundo.
A crítica canadense Natalie McClean escreveu recentemente sobre as mudanças que vêm ocorrendo no mundo dos vinhos. Antes, na Idade Média, aconteciam a cada cem anos. Agora, as novidades são quase que mensais.
As uvas mais consumidas, Chardonnay e Cabernet Sauvignon, vêm sendo desafiadas pela Pinot Grigio (ou Pinot Gris, como queira) entre as brancas, e pela Pinot Noir, entre as tintas (efeito, talvez, do filme Sideways?). Evidente que a crítica usa estatísticas válidas para os Estados Unidos e Canadá. Mas o que toca lá acaba sendo ouvido por aqui.
Na arena tecnológica, primeiro assistimos ao advento da fermentação com temperatura controlada, permitindo que países mais quentes, como a Austrália, o Chile, o Brasil, produzissem vinhos de qualidade. Agora, computadores controlam desde a umidade do solo (e determinam quando irriga-lo) e até a da adega, fazendo jorrar um spray de água para manter a umidade em 80% (abaixo disso, o vinho começa a evaporar rapidamente). Usam até satélites com a tecnologia do GPS para localizar as vinhas que estão florescendo e decidir sobre uso de pesticidas ou de irrigação. Empregam uma marcação por DNA para identificar antecipadamente e curar plantas infectadas.
Nos próximos dez anos, o consumo de vinho nos Estados Unidos deverá aumentar 62,5% (pesquisa da International Wine and Spirit Record, IWSR). O vinho hoje já é mais consumido do que a cerveja pelo norte-americano. E pensar que em 1992 47% preferiam a cerveja e apenas 27% o vinho. Até 2009, a América se tornará o maior consumidor de vinho do mundo, com a França caindo do 1º para o 3º lugar e a Itália mantendo-se em 2º. Essas tendências são ajudadas pela consciência dos benefícios da bebida à saúde, por um número cada vez maior de cursos de vinho e do turismo.
Mas a crítica canadense faz outras predições, com base em acontecimentos mais recentes: a) os grandes grupos continuarão a engolir as pequenas vinícolas; b) rótulos mostrando animais (cachorros, cangurus, gatos, peixes etc.) continuarão a aumentar a sua popularidade entre os consumidores e a ajudar a vender mais; c) as tampas de rosca metálica selarão cada vez mais garrafas, substituindo as rolhas de cortiça; d) os tintos robustos, como os australianos com a uva Shiraz, manterão seu domínio. Serão, contudo, desafiados seriamente por varietais como as Malbec argentinas; e) colunas de vinho, sites e blogs sobre a bebida vão proliferar.
Torço muito para que essa última predição não falhe.

6.4.06

Poisson d´Avril

Fiz um rescaldo de algumas notícias que recolhi pela Internet, no início do mês. Elas parecem estranhas, até mesmo absurdas. Algumas são certamente “pegadinhas” feitas para marcar o 1º de Abril, o Dia da Mentira. Em sua opinião, quais das notas abaixo são mentirosas ou são verdadeiras?
1. “Los 3 Bandidos” é o nome deste vinho, um blend das uvas Grenache e Merlot, seu rótulo imita furos de balas, o texto promocional diz que seu sabor “é como o primeiro gole depois de dois dias sedentos no deserto de Sonora”.
2. O nome deste é “Jet Lag” (aquela desordem mental, resultado de passarmos rapidamente de um fuso horário para outro). Vem em garrafas pequenas, de 250 ml, podem ser guardadas numa valise e se parecem com frascos de xampus ou de colônias. É anunciado como vinho para globe trotters (versões para tinto e branco).
3. As autoridades francesas vão permitir que nomes de varietais apareçam nos rótulos, que o nível de álcool dos vinhos possa ser artificialmente reduzido e que lascas de carvalho sejam empregadas, em lugar dos barris, muito caros. Em vez do vinho descansar nos barris, são esses que, na forma de lascas ou ripas, se misturam ao vinho, nos tanques de aço inoxidável. O uso do carvalho em lascas é permitido em muitos países, em particular nos Estados Unidos e na Austrália. Tudo isso tem origem em práticas do Novo Mundo.
4. Talvez a melhor safra do Beaujolais Nouveau em toda a história do famoso vinho acontecerá agora em 2006. Já se fala que cada garrafa chegará ao consumidor por cerca de 450 dólares.
5. O governo australiano anunciou que a partir de agora todos os vinhos produzidos no país devem mostrar animais em seus rótulos, de modo a conseguir êxito semelhante ao “Yellow Tail”, o vinho australiano que mais vende nos EUA e cujo rótulo justifica o nome e destaca um simpático canguru amarelo.
6. A uva Cabernet Sauvignon é talvez a rainha dos vinhos tintos. Só que um produtor australiano está lançando um vinho branco com a cabernet. Não, ele não deixou de fora as cascas para não imprimir cor tinta ao vinho e deixá-lo branco. Não, trata-se de uma nova variedade da Cabernet com cascas brancas, desenvolvida no sul da Austrália.
7. O governo francês ordenou que suas vinícolas protejam-se do vírus da gripe aviária. Centenas de jornalistas de todo o mundo estão agora em Bordeaux para a avaliação, ainda em barris, dos vinhos da safra de 2005. Muitos desses jornalistas são originários de países onde o vírus H5N1 foi encontrado. Cada visitante terá de calçar uma sapatilha para encobrir seus sapatos.
8. A Noruega, numa decisão inesperada, decidiu produzir vinhos, juntando-se ao time de países produtores da bebida. O país está muito ao norte da zona capaz de produzir vinhos, seu clima é muito frio. Mas assim mesmo parece que já conseguiram e o vinho estará nas garrafas em abril do ano que vem.
9. Uma vinícola norte-americana está lançando um vinho exclusivo para homens. Serão apenas tintos, com as uvas Cabernet Sauvignon e Merlot. No rótulo preto, um garanhão em plena cavalgada. O nome do vinho é também o da vinícola, Ray’s Station. Seu dono, John G. Ray, aparece nos anúncios em poses típicas dos anúncios de Marlboro, com aqueles caubóis bancando machos (digo bancando, porque depois de “O Segredo de Brokeback Mountain” as coisas parecem que não são mais as mesmas). O texto da propaganda fala em “Vinhos robustos para homens”.
10. O célebre Château Latour, no Medoc, em Bordeaux, vai lançar um vinho até agora só consumido pelo dono da vinícola, simplesmente um dos homens mais ricos do mundo, o magnata François Pinault (rede de lojas Printemps, Gucci, rede FNAC etc.). É coisa raríssima: um Cabernet Sauvignon feito de uvas de videiras velhas, com 150 anos de idade e que escaparam da praga da phylloxera. O crítico James Suckling, editor da revista Wine Spectator, especializado em vinhos franceses, experimentou do néctar e ficou extasiado. Meia garrafa desse vinho será vendida por mil euros, mas só através de uma única loja, vizinha da mansão do magnata, a “Poisson d’Avril”.
As três primeiras notas são verdadeiras. Indicam que os franceses estão fazendo de tudo para melhorar as suas vendas. Inclusive marketing de má qualidade e imitando os maus hábitos do Novo Mundo.
As notas 4 e 5 são 1º de Abril mesmo. O Beaujolais Nouveau não está nem com 1% dessa bola. Ao contrário, tinha que custar menos. Quanto aos animais na garrafa dos australianos, essa pegadinha tem como base o fato de que uma garrafa de vinho com algum animal no rótulo vai vender duas vezes mais nos Estados Unidos, segundo comprova uma pesquisa da AC Nielsen. Parece que existe um segmento de consumidores que não quer levar o vinho muito a sério. Quer apenas se divertir.
A 6ª é verdadeira: existe agora uma variedade branca da Cabernet. O vinicultor Dorham Mann, no sul da Austrália, começou a experimentar essas uvas em 1991 e manteve o segredo bem guardado. Registrou as uvas em 1999 e agora conseguiu uma licença para produzi-las. Em 2007, teremos mil caixas dessa Cabernet branca.
Quanto à 7ª. tenho dúvidas. Saiu na decanter.com, mas nenhum colunista presente em Bordeaux comentou sobre ela. Puxa, um jornalista ter de colocar um sapatinho até que simpático para entrar numa vinícola e não escrever sobre a novidade?
Se produzimos vinhos (até elogiados pela mestra Jancis Robinson) no Vale do São Francisco, região excessivamente quente, porque a Noruega não pode produzi-los em áreas bem mais frias? Eles lá têm até um ministro para assuntos vitivinícolas. É o senhor Loof Lirpa. Ele explicou que o país tem um longo verão quando nunca anoitece. “As uvas vão pegar tanto sol como se estivessem na Toscana”. É só esperar pra ver.
Quanto à penúltima nota: vinhos só para homens, não são muita novidade nos Estados Unidos. O “Ray’s Station” é o terceiro de uma série (pelas minhas contas), que inclui um vinho feito por fuzileiros e vendido apenas para fuzileiros: o “Jarhead Red” (Jarhead é uma gíria ligada aos fuzileiros: é o nome que dão aos seus capacetes) e o “Used Automobile Parts” (“Peças usadas de automóveis”), que mais parece vinho para a terceira idade. Os EUA são a terra da segmentação: temos lá vinhos “exclusivos” para mulheres, para gays e agora para “machos”. A novidade é que o “Ray’s Station” deixa claro que não admite ambigüidades: é só pra macho mesmo.
A última nota é claramente uma pegadinha do crítico James Suckling. Repararam no nome da loja? “Poisson d’Avril” (“Peixe de Abril”) é o nome que os franceses dão ao nosso 1º de Abril.
Na França, até 1564, o ano começava em 1º de abril. Até que o rei Carlos IX decide adotar o calendário gregoriano, passando o início do ano para 1º de janeiro. No ano seguinte, nem todos trocaram presentes ou fizeram festas na passagem do ano. Muitos continuaram a celebrar o 1º de abril, pois não havia jornais, TV, rádio nem Internet para rapidamente informa-lo da novidade imposta pelo rei. As comunicações andavam de carroça. E assim teriam nascido as pegadinhas de 1º de abril.
“Peixe de Abril” se justifica porque, a pesca é proibida a partir de abril em toda a França, em respeito ao período reprodução dos peixes. É impossível colocar um peixe na mesa em abril.