9.8.06

Brasileiros daqui e de lá

Os daqui. Primeiro vamos aos daqui, aliás, das daqui, pois falamos do que anda aprontando a Federação Brasileira de Confrarias e Associações Femininas do Vinho e do Espumante, a FEBAVE, que vai realizar em Caixas do Sul, RS, o seu primeiro encontro, nos dias 7 e 8 de outubro, no Samuara Hotel, em Caxias do Sul, RS. A entidade é constituída por integrantes das confrarias do Champanhe da Serra Gaúcha, da L'Arte Del Vino, Confraria Fina Flor do Vinho, do Champanhe de Florianópolis, do Vinho e do Champanhe de Novo Hamburgo, Feminina do Espumante e do Vinho do Vale dos Sinos e da Associação das Mulheres Amigas do Vinho da Serra Gaúcha.
Toda essa mulherada seriamente apreciadora de vinho vai realizar palestras, almoços harmonizados, degustações, selecionar e premiar a Dama do Vinho e do Espumante, entre outras atividades. Elas buscam motivar a presença feminina para aprimorar seus conhecimentos vinícolas, confraternizar com as demais confrarias e associações de vinho e espumante e, de resto, atrair apreciadoras (e apreciadores) da bebida. As inscrições já estão abertas. Basta falar com a Karen Giacomello Panizzon via karengpanizzon@terra.com.br ou pelos telefones: (54) 3292-2206 ou (54) 9978- 8677.
Nas próximas colunas estaremos fornecendo detalhes (palestrantes e temas a serem debatidos, vinhos a serem degustados etc.). De jeito algum perderia esse evento.
Brasileiros de lá. Você pode comprar vinhos brasileiros em Paris – pelo mesmo preço cobrado no Brasil! Eu não consigo entender, sou mesmo capenga em comércio (já tive uma loja de vinhos e dei com os burros n’água, justamente por esse motivo). Acho que o preço em reais, mais impostos, mais custos de transporte – tudo isso faria o vinho chegar lá pelo menos um pouco mais caro do que aqui. Mas não, o preço lá é parelho com o daqui. E olha que temos que considerar também o custo da loja, uma das “lojas de vinho do futuro”, a moderníssima Lavinia, 3-5 Boulevard de la Madeleine, 75001 Paris.
Já falei sobre a Lavinia aqui (ver “As lojas do futuro” aqui no Bolsa).
A Lavinia é a loja mais Novo Mundo de Paris, com perto de 1.500 metros quadrados. A empresa começou com lojas em Madri e em Barcelona e não faz muito tempo abriu em Paris. Oferece 6.000 rótulos diferentes de vinhos e destilados, dos quais 2.000 vinhos estrangeiros originários de 43 países. Vende também 500 itens diversos, entre acessórios e livros. Todas as garrafas estão guardadas em adegas climatizadas. Os vinhos são vendidos já na temperatura e umidade corretos.
É onde você vai encontrar vinhos dos Estados Unidos, Nova Zelândia, Argentina, Chile, Austrália etc e tal. E também, claro, da França, e os usuais suspeitos do velho continente. Todos os seus três andares são climatizados, seu estoque inclui centenas de destilados, uma ótima seleção de livros sobre vinhos em francês e em inglês, um bar para degustação e um restaurante. E um serviço impecável, via dezenas de simpáticos e atenciosos funcionários (e isso em Paris).
No primeiro andar, displays de vinhos nas paredes oferecem barganhas, especialidades (os orgânicos, por exemplo), os mais vendidos, ofertas da semana, sugestões de harmonização vinho-comida e degustações de um ou dois vinhos por semana (nada de plástico, apenas taças de vidro). Nesse andar ficam os vinhos franceses, não apenas os mais caros e raros, como também os de preços mais amistosos. É o lugar onde o Dr. Vino (referência de parte dessa coluna) conseguiu supremas barganhas francesas.
No andar de cima, a livraria, uma enorme coleção de armagnacs e cognacs, além do bar e restaurante. Para visitantes de fora da União Européia, a loja oferece 13% de devolução de impostos sobre compras acima de 300 euros (devolução só conseguida na volta pra casa, no aeroporto).
E os brasileiros nisso? Pois é, também temos vinhos brasileiros lá. São da nossa Miolo. Por causa deles, embora orgulhosa por estarem fazendo bonito em Paris, tropecei na questão de preços.
Por exemplo, o Miolo Cuvée Giuseppe 2003, tinto, garrafa de 750 ml, custa lá 16 euros ou R$ 44,47 (câmbio calculado dia 2 último). No site da Miolo, o preço é de R$ 44,00.
O Miolo Quinta do Seival 2003, tinto, 750 ml, está por 14,55 euros em Paris equivalente a R$ 40,44. No site da vinícola gaúcha esse vinho sai por R$ 40,00. E na Costi Bebidas, loja de Porto Alegre, por R$ 41,50.
O Miolo Terranova Cabernet Sauvignon-Shiraz 2003, tinto, 500 ml sai por 9,10 euros (ou R$ 25,29). Já na terra dele seu preço é bem mais cômodo: R$ 14,00.
Não sei, vai ver esses vinhos chegaram pelo “teletransporte” da Enterprise (da série “Jornada nas Estrelas”, lembram?). Os vinhos chegam num instantinho e sem aumento de custo, nada de pagar taxas, transportes etc. O pessoal da Lavinia apenas converte reais para euros. É mágica para mim.
Mas vai ver tudo isso é um esforço promocional para colocar o nosso vinho de modo favorável no exterior. Mas brasileiro também bebe vinho e gostaria de provar dessas novidades, todas elas fruto da parceria com o mundialmente famoso enólogo e consultor francês Michel Rolland, cujo fee é altíssimo. Mas preferiria pagar apenas pelo vinho e não pelo Michel.
O velho imita o novo. É realmente uma novidade, vinhos do Novo Mundo à venda na terra do vinho.
O escritor, filósofo, naturalista norte-americano Henry Thoreau, comenta em seu livro Walden sobre gente que adota servilmente o último estilo de moda de uma terra distante: “O macaco chefe em Paris põe um boné de viagem e todos os macacos da América fazem o mesmo”. Ele escreveu isso no século XIX.
Só que, agora, são os macacos franceses que imitam os da América e da Austrália: produtores franceses estão também usando bichinhos nos rótulos de seus vinhos, em particular os que seguem para exportação. Querem com isso concorrer com os vinhos do Novo Mundo com as mesmas armas de marketing.Eis aqui três exemplos bem recentes: O “Elephant on a Tightrope” (“Elefante numa corda bamba”; o nome original é mesmo em inglês, imaginem). Veja aqui o rótulo, que realmente é bem simpático.
Deram esse nome porque o elefante, falam eles, é conhecido pelo seu extraordinário equilíbrio e poderoso olfato. O vinho será, assim, equilibrado e muito aromático. Temos também o “Arrogant Frog” (“Rã Arrogante”), também em inglês. O produtor é Les Domaines Paul Mas. Veja o rótulo aqui.
O mais novo da lista vem com nome francês mesmo: “Chamarré”, que seria “ricamente colorido” ou “de cores variadas”. No seu rótulo, uma borboleta que muda de cor, conforme a garrafa (de tintos, brancos ou rosés). O produtor é a poderosa OVS, um grupo francês novo e ambicioso. OVS (Opéra Vins et Spiritueux) foi oficialmente apresentada em junho último na Vinexpo, em Bordeaux. E pretende com o “Chamarré” competir com as maiores marcas globais. Veja aqui o rótulo.
Essa linha engloba atualmente cinco varietais (Colombard-Sauvignon, Chardonnay-Sauvignon, Shiraz-Merlot, Cabernet-Grenache e um rosado, Grenache-Shiraz); cinco blends (dois brancos, dois tintos e um rosado) e dois vinhos de AOC: um branco do Jurançon e um tinto de Bordeaux.
Pois assim é que a necessidade é a mãe da invenção. Vamos ver se os franceses conseguem interromper a queda em suas vendas (dentro e fora de casa), saiam da corda bamba, percam a arrogância e voltem a fazer vinhos franceses de qualidade.

3.8.06

Com Mel ou com fel?

Você bebeu além da conta, comportou-se muito mal, foi agressivo e soltou a língua. Ofendeu quem não devia, foi extremamente contundente com outras, raças, etnias e outras classe sociais. Acabou preso.
Espera aí, estamos falando do Mel Gibson e do seu porre de tequila?
Não exatamente. Estamos perguntando o quanto de verdade existe no discurso de uma pessoa embriagada?
Além de dirigir embriagado, fugir da polícia, resistir com violência à prisão, Gibson ofendeu os judeus principalmente (o xerife que o prendeu é judeu). Depois do acontecido distribuiu uma declaração à imprensa se desculpando: “Agi como uma pessoa completamente fora de controle quando fui presa e disse coisas que não acredito sejam verdades e que são desprezíveis. Estou profundamente envergonhado de tudo o que disse. Aproveito a oportunidade para desculpar-me com os policiais envolvidos no meu comportamento beligerante. Eles sempre estiveram por perto me protegendo em minha comunidade e provavelmente salvaram-se de mim mesmo”.
E acrescentou: “Tenho lutado com a doença do alcoolismo por toda a minha vida de adulto e lamento profundamente esse meu comportamento horroroso”.
Seu Demerval, que, como vocês sabem, tem um modesto comércio aqui perto de casa (e vende umas poucas bebidas, inclusive vinhos), em Secretário, afirma que “o álcool provoca muitas confissões, principalmente de casais, com péssimos resultados para ambos os lados. É difícil mentir quando se está bêbado”.
Mas talvez não seja assim tão simples. O álcool afeta o centro de decisões executivas do cérebro, localizado nos lóbulos frontais – o que influencia o poder de julgamento das pessoas e libera inibições. Mas os especialistas são relutantes em afirmar que ele seja um soro da verdade.
O professor de farmacologia e toxicologia da Universidade do Texas, em Austin, Carlton Erickson, tem uma opinião quase igual à do Demerval. Quase.
“As pessoas, quando intoxicadas (pelo álcool), realmente fazem e dizem coisas que comumente evitariam. É como se fosse um espelho da alma”.
Mas se esse espelho reflete uma imagem perfeita ou distorcida é outra questão, afirma do cientista.
“Estudo álcool por 40 anos e só posso afirmar que não há evidência suficiente para afirmarmos que essa imagem é acurada”, diz o Dr. Erickson, que dirige o Centro de Pesquisa e Educação sobre Vícios, do Colégio de Farmácia da Universidade do Texas.
Vimos que o ator se desculpou. Afirmou que disse coisas que ele não acredita que sejam verdadeiras.
Richard Wood é um veterano operador de polígrafos (o conhecido “detector de mentiras”, tão usado por algumas polícias, em particular a norte-americana), na cidade de Arlington. Ele acha que por décadas essas máquinas vêm conseguindo retirar verdades das pessoas que examina.
Mas Wood não as examina se estiverem embriagadas. “Pessoas embriagadas tendem a falar demais. Álcool não é um soro da verdade”, repete ele.
Observamos que um estudo feito pela Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos concluiu que “há pouca base para esperar-se de um teste de polígrafo alto nível de exatidão”. Os testes de polígrafos são normalmente utilizados em investigações policiais nos Estados Unidos. Contudo, nenhum réu ou testemunha pode ser forçado a submeter-se a ele. Só algumas cortes admitem evidências a partir desse exame.
Ames Sweet, diretora de comunicações do Conselho Nacional sobre Alcoolismo e Dependência de Drogas, em Nova York, concorda com Richard Wood. “Álcool solta a língua, mas não necessariamente a verdade”, afirma.
“Ele estimula as pessoas de uma maneira que às vezes suplanta a verdade. Há muitas coisas que vêm juntas da verdade. E verdade não á apenas uma proposta do tipo sim-ou-não”, explica a diretora.
Ela acrescenta que o álcool afeta a percepção dos fatos. “O álcool gera um certo elemento fantástico. Pode haver um grão de mentira nas verdades, assim como um grão de verdade nas mentiras”.
Mesmo em pequenas quantidades, o álcool pode levar as pessoas a dizer coisas que não diriam se sóbrias, afirma a Dra. Prema Manjunath, psiquiatra judiciária do Hospital John Peter Smith, em Fort Worth. “Outra coisa que ele provoca é destacar qualidades preexistentes: se a pessoas estava zangada antes pode ficar mais zangada depois de beber”.
Talvez por isso, a médica Stevie Hansen diz não é incomum uma pessoa que bebe demais entrar em brigas por motivos absolutamente toldos, que não a incomodavam. A médica é chefe dos serviços a drogados num hospital para doentes mentais, no município de Tarrant. “A bebida não reflete a personalidade das pessoas. Só porque você está bêbada não quer dizer que a verdade aparece”.
Já o professor de psiquiatria do Centro Médico de Dallas (da mesma Universidade do Texas), Dr. Bryon Adinoff, indica que beber demais pode ser comparado a um estado de sonho.
“Quando dormimos nossas defesas caem, o mesmo acontecendo quando estamos embriagados. Certamente sonhamos com fazer coisas que jamais faríamos e não queremos fazer e podemos nunca realizar”.
As notícias sobre o porre e a prisão do ator apresentam um dado intrigante. O nível de álcool no sangue de Gibson era, no momento da prisão, de 0,12, o que não assim tão alto para um alcoólatra (como ele mesmo se retratou). O limite de álcool na Califórnia é de 0,08.
“Uma pessoa acostumada a beber muito todos os dias pode não ficar com boa aparência, mas não ia ficar cambaleando por ai com 0.3 ou 0.4”, diz o Dr. Bryon. “Já um abstêmio estaria morto com esses níveis ou certamente em coma”.
O álcool pode levar pessoas a desinibir-se. “Mas em bebedores freqüentes chega a efeitos muito mais sérios, como psicose induzida pelo álcool”, explica a Dra. Prema Manjunath.
“As pessoas ouvem vozes, ficam paranóicas, vêm elefantes e ratos, têm alucinações. Acreditam que alguém as persegue. Deliram, acreditam em coisas que estão completamente fora do perfil de seu caráter”.
Apesar de ter lido para ele toda essa série de argumentos médicos e científicos, seu Demerval não pareceu muito convencido. “Sei por experiência própria que o álcool já me fez dizer coisas que eu desejaria não ter dito”. Seu Demerval não permite que se beba no seu estabelecimento. “Pode comprar aqui, mas beber só em casa”.
“Vem cá, o pai desse garoto não foi aquele que afirmou que o Holocausto nunca existiu? Por que estranhar que ele tenha ofendido os judeus?”
Uma saia justa, realmente.
Amiga, você acha que o álcool pode ser um soro da verdade? Acredita que o Mel Gibson não quis realmente dizer o que disse? É justo que Hollywood arquive o ator?

2.8.06

Terroir em transe

Não se trata de uma alegoria política, como no “Terra em transe” de Glauber Rocha, mas de um comentário sobre um grupo de nordestinos transformados em sommeliers dos melhores restaurantes do Rio, alguns inclusive com prêmios internacionais, tal como li em O Globo, do último domingo. O “transe” não é uma aflição, mas a luta que esse grupo vem travando vitoriosamente para ficar íntimo do “terroir”, um conceito chave para saber-se efetivamente de vinhos, o que sempre me deu muita dor de cabeça, e nesse caso, aflição de verdade, quando trabalhei em restaurantes e lojas de vinho.
Desesperadamente tentava saber mais sobre a conexão entre o perfil organoléptico dos vinhos e seus lugares de origem, que em suma vem a ser o tal do terroir (o meio ambiente em que as uvas são cultivadas: solo, clima, topografia, variedade de uva e até mesmo o fator humano, como ele interfere no cultivo e na produção do vinho etc.).
Com muito esforço tentava distinguir as filosofias de produção dos vinhos manufaturados daqueles feitos artesanalmente; das diferenças entre os vinhos do Velho Mundo e os do Novo Mundo. O sistema produtivo do primeiro destaca a importância do terroir, o que não acontece no segundo.
E, pelo que li, nossos sommeliers do Rio das Pedras conseguiram chegar lá. Quem duvidar vá ao restaurante Estação Azul, onde esse grande grupo se reúne nas suas noites de folga (domingos ou segundas-feiras) para degustar vinhos de rótulos caríssimos, trazidos às vezes por importadoras. Experimentam, trocam notas, debatem e vão aprendendo. E a cada vez aumentam seus conhecimentos e, assim, vão poder servir melhor a clientela de seus restaurantes. Vão poder decidir na elaboração da adega, das cartas de vinho e até mesmo na própria cozinha das casas onde trabalham. É uma tarefa muito difícil – que definitivamente não começa abrindo-se rolhas.
Um desafio. Você tem um restaurante, sabe que os vinhos estão cativando mais e mais os clientes e, portanto, precisa incluí-los entre as suas ofertas. Por outro lado, a sua equipe é capaz de recomendar, de descrever, vender e servir todos os vinhos que estarão em sua carta? Sabe as diferenças entre Syrah e Petite Syrah? Ou a turma vai apenas dizer para o cliente “Olha, esse Merlot é legal”?
É uma tarefa sempre difícil para a maioria dos restauradores: implementar um programa de treinamento de vinhos para o pessoal do salão de modo a educá-los (não apenas informá-los) e ajudá-los a vender o que está na adega.
É difícil em razão ora do limitado conhecimento sobre vinhos da gerência, da falta de uma estrutura para um programa de treinamento, do custo dos vinhos utilizados pelos funcionários nas degustações, ora pela própria falta de cooperação deles – que precisam antever as vantagens daquela hora extra de trabalho, o treinamento propriamente. Elas precisam fazer sentido.
Quando tive loja de vinhos e era chamada para treinamento de vinhos em restaurantes adotei um sistema que se resumia em: a) o aprendizado tinha que ser tão leve e divertido quanto o ato de saborear um vinho; b) usava todos os recursos disponíveis: a internet, livros, revistas, e inclusive profissionais (entre importadores, donos de lojas, comerciantes e até professores dos cursos estabelecidos).
As lições. Já que treinava funcionários, ensinava sobre vinhos, preparava a turma para jogá-la aos sabichões e esnobes, precisava me comportar como professora mesmo. E construí um programa a partir de lições.
Primeira lição: O que é vinho? Inclui, entre outras coisas, como o vinho é feito, suas características, seus sabores e aromas.
Segunda lição: Variedades de Uvas. Procurava descrever os diferentes tipos de uvas utilizados para fazer vinho, as características de cada vinho com aquelas uvas. Era de grande utilidade um cartão com para listar cada uva e as suas características. Um exemplo:
Sobre a Chardonnay, o vinho branco mais consumido e que normalmente se encaixa em três categorias. O rico, com carvalho, amanteigado, um estilo usualmente produzido nos Estados Unidos, potente que precisa realmente ser acompanhado de comida para ser devidamente apreciado – geralmente com um prato rico em sabores. Um atum, pato ou qualquer coisa com um molho denso cremoso.
O segundo estilo é o rico em sabores de frutas tropicais (papaia, maçã, pêra e até de banana). A Austrália é praticamente a “dona” desse estilo, que pode muito bem acompanhar frutos do mar, galinha ou peru.
O terceiro apresenta um sabor mineral, da terra, um Chardonnay que vai do ácido ao creme fresco, mas sempre com o sabor de “terra”. É o estilo original, da Borgonha. Normalmente, vai bem com frutos do mar.
Já viram que as lições podem ser muito animadas. E, na verdade, bem simples.
Claro que só a Chardonnay dá uma hora de aula. Mas você vai apresentar também a Sauvignon Blanc e uvas que começam a aparecer por aqui: a Pinot Grigio (ou Pinot Gris), a Viognier, a Gewürztraminer (a da Alsácia e a da Alemanha).
E, claro, depois temos as aulas com as tintas, a começar com as reputadíssimas Cabernet Sauvignon, a Merlot, a Pinot Noir, a Syrah e a sua equivalente do Novo Mundo, a Shiraz, a Sangiovese (não pode faltar num restaurante de massas, pois é a prima dona do Chianti). E vai por ai.
Lição 3: As regiões vinícolas, onde descrevia as diferentes áreas do globo onde o vinho é feito. Separava por continente e não necessariamente por região. Ficava mais fácil assim.
Lição 4: Servir e vender o vinho. Era a lição final, onde explicava como servir uma garrafa com propriedade e algumas técnicas de venda. Afinal, fica fácil entender que 10% sobre uma caipirinha ou um chope é nada se comparado com 10% sobre um Barolo. Garçom depende mesmo é da gorjeta. E aquele que responde pelos vinhos muito mais. É aquela gorjeta à parte, necessariamente mais gorda, pois foi ele que transformou uma simples refeição num feliz acontecimento, graças à recomendação do vinho apropriado.
Após cada lição tínhamos uma rodada de degustação e de testes. A turma, como qualquer outra, precisa internalizar as informações. Essa era a hora. E, por falar nisso, as lições duravam em média uma hora.
As degustações compreendiam sempre vinhos que pudessem responder pelas lições: as diferenças de sabores e aromas, as variedades de uvas, as regiões vinícolas. Tinha sempre vinhos simples para essas aulas. Ao fim do “curso” oferecia vinhos de rótulos mais caros como prêmio.
Além das aulas, que na maioria das vezes compreendiam a presença do gerente da casa, estabelecia que a cada reunião da equipe dos restaurantes (em média, uma reunião geral por semana), os vinhos tinham sempre que ser comentados. E experimentados, como os novos rótulos que chegavam à adega (e na carta). Durante um mês ou dois, participava dessas reuniões e degustações. Perguntava a opinião deles, que sabores descobriram e com qual prato do cardápio achavam que aquele vinho devia acompanhar.
Fazia também com que os chefs preparassem pratos complementaras de modo a demonstrar como certos vinhos vão melhor com certas comidas. Era sempre muito divertido.
Ou seja, nesses um ou dois meses complementares, estava repetindo as lições, mas de outro modo, na prática, na vida real. E era a ocasião de criar promoções: por exemplo, aquele que vender mais garrafas de Pinot Noir numa semana leva uma de graça para casa (garrafa essa que eu mesma, representante de uma loja, cedia para o restaurante).
Aprendi que todo o restaurante que serve vinho sabe que tem que buscar sempre novas maneiras de melhorar suas vendas. Por isso, me surpreende que nem todos eles têm consciência da importância de continuar treinando a sua equipe a conhecer mais, a vender e a servir vinho. Quando um garçom tem um entendimento maior de qualquer item, costuma apreciá-lo melhor. Com o vinho, não é diferente: quando a equipe do restaurante ficar entusiasmada com a bebida a grana costuma melhorar para todo o mundo.
Daí que o país de ficção do filme do Glauber, Eldorado, vira realidade, pois o transe não é uma aflição, é uma luta que os sommelier de Rio das Pedras transformaram em vitória.
Eles, de uma maneira ou de outra, seguiram as lições acima na prática, fazendo com que os mestres fossem eles próprios. E isso é raríssimo de acontecer.

Já no seu Demerval

Uma caixa de 12 garrafas do Château Petrus 2005 está custando 37 mil dólares, ou pouco mais de três mil dólares a garrafa. E o vinho sequer está engarrafado. O imperador dos críticos, Robert Parker Jr., deu 96 pontos ao vinho (96 para um máximo de 100), isso na prova en primeur, com a bebida ainda no barril. James Suckling, da Wine Spectator, deu 95. Essa pontuação será corrigida em abril de 2008, com o vinho já na garrafa. Mas já tem gente comprando, segundo a Bordeaux Index, por esse preço mesmo, sequer se importando com um eventual rebaixamento da nota em 2008 (e, com ela, o preço).
Com esse dinheiro poderíamos comprar 21 garrafas do Château Ausone 2005, três caixas do Château Latour 2005, 19 caixas do Château Pichon-Longueville-Lalande 2005 ou 4.509 garrafas do Miolo Reserva Merlot 2004, vendidas por R$ 18,00 cada garrafa pelo seu Demerval no seu modesto comércio aqui perto de casa, em Secretário, Petrópolis.

Poderia comprar também uma aliança de platina com 16 diamantes na Tiffany de Nova York. Tem um nome apropriado para um infarto: “A um passo da eternidade”.
Já o preço da tequila mexicana “Pasión Azteca MX”, por 225 mil dólares a garrafa, não me impressiona. É que a garrafa é toda de platina. Se quiser uma barganha, compre a versão “Pasión Azteca México”, de ouro com platina por apenas US$ 150 mil.
Não me impressiona porque o que justifica o preço é o que está dentro da garrafa. Por exemplo: a última garrafa do whisky Macallan Fine and Rare Collection, 60 anos, foi vendida não faz muito tempo por US$ 38 mil, segundo a revista Forbes. A garrafa é apenas de vidro. Você, contudo, pode provar dessa maravilha no Old Homestead Steakhouse (Borgata Hotel Casino & Spa em Atlantic City, Nova Jersey). Custa apenas US$ 3.300,00 uma dose de 3,5 ml.
Existe, contudo, um Macallan possível de comprar: é o de 40 anos (foi produzido em 1939 e somente engarrafado em 1979: daí os 40 anos). Preço: US$ 10.125,00 – a garrafa. O terceiro na lista da Forbes é o Chivas Regal Royal Salute 50 anos: US$ 10 mil. A observar que o Macallan é um single malt e o Chivas um blended Scotch.
A garrafa de vinho mais cara que ainda pode ser bebida foi vendida num leilão em 2001 na Sotheby's americana por US$ 23.929.00 a garrafa. Era a de um Montrachet 1978, da Domaine de la Romanée-Conti. Pertencia a um lote de sete garrafas vendido por US$ 167.500,00. Dois colecionadores começaram a disputar esse lote e os preços acabaram na estratosfera, onde reside a vaidade desse tipo de pessoa. O extraordinário é que se trata de um vinho branco.
Se considerarmos garrafas maiores, uma Jeroboão (6 litros) do Mouton-Rothschild 1945 saiu por US$ 114.614,00, num leilão da Christie’s de Londres, em 1997. O comprador preferiu ficar anônimo. Assim, se ele abriu a garrafa e o vinho já estava passado ninguém ficará sabendo. Já se aconteceu o contrário, não fui convidada infelizmente. Mas tem sempre o seu Demerval aqui do lado.