27.9.07

Esqueça o saca-rolhas

Já temos o nosso primeiro vinho com tampa de rosca (screwcap): são dois rótulos da linha Sunny Days, dos Vinhedos Almadén, de Santana do Livramento, RGS, pertencentes ao poderoso grupo francês Pernod-Ricard, o segundo maior em vinhos e destilados no mundo.
As tampas de rosca parecem ser até agora a melhor solução para o grave problema da contaminação pelo TCA (2,4,6-trichloroanisole), um componente químico que infecta a rolha, deixando a bebida intragável. Estima-se que, no total, a indústria vinícola perca entre 3 e até 10% de seus vinhos pela “doença da rolha”.
Uma rolha contaminada vai naturalmente infectar o vinho, deixando-o com aromas de mofo e sabores rançosos. Se a vinícola tiver sorte, o consumidor identificará o problema (TCA), e ganhará uma nova garrafa. Se tiver azar, o consumidor não saberá do que se trata e vai maldizer aquele vinho. Um senhor prejuízo e, daí, a busca por tampas alternativas.
A Nova Zelândia lidera a busca pela mudança, favorecendo as tampas de rosca, seguida pela Austrália e Estados Unidos. Até Bordeaux, tida como um bastião do tradicionalismo, já oferece um Deuxième Cru Classé com tampa de rosca. É o Les Tourelles de Longueville, o segundo vinho do famoso Château Pichon-Longueville.
É grande a controvérsia envolvendo as tampas de cortiça natural e as alternativas, principalmente as tampas de rosca. As rolhas de cortiça ainda lideram a preferência de consumidores e vinicultores. Uma pesquisa recente, realizada pela empresa de pesquisa e consultoria, a inglesa Wine Intelligence, dedicada à indústria do vinho, mostra que as rolhas de cortiça ainda são, por larga margem, as preferidas – tanto por consumidores quanto por produtores. Contudo, demonstra também que as tampas de rosca de metal estão cada vez mais ganhando as simpatias desses dois públicos.
No seu livro “To Cork or not to Cork” (Scribner, 2007) - mais ou menos “Arrolhar (com cortiça) ou não arrolhar (com cortiça)” -, o americano George M. Taber informa que a produção mundial de rolhas de cortiça foi de 16 bilhões de unidades (80% do total), contra 2,5 milhões de rolhas de plástico (12,5%), 1,5% bilhão de tampas de rosca (8,5%) e 20 milhões de tampas de vidro (as Vino-Seal, também da Alcoa, com 1%).
Em termos de popularidade por país, esse autor diz que as rolhas de cortiça têm 84% na França, 80% nos Estados Unidos, 5% na Nova Zelândia e 30% na Austrália. As de plástico chegam a 13% na França, 15% nos Estados Unidos, 1% na Nova Zelândia e 20% na Austrália. As tampas de metal conseguem 3% na França, 5% nos Estados Unidos, 95% na Nova Zelândia e 50% na Austrália.
Claro que essa pesquisa foi feita perguntando ao consumidor o que ele prefere ou não. Porém, pesquisadores da Universidade do Estado do Oregon, EUA, mostraram um trabalho, em julho de 2007, no qual os consumidores não conseguiram diferenciar entre vinhos com rolha de cortiça, sintética ou com tampa de rosca. Ninguém perguntou nada: pediram apenas que experimentassem vinhos (cujas tampas ficaram desconhecidas).
O vinicultor da Tablas Creek Vineyard, Jason Haas produz vinhos que, dependendo do estilo desejado, ora utilizam tampas de rosca, ora de cortiça. Como profissional, ele diz que os vinhos com as tampas metálicas são mais refrescantes, são mais ácidos, mais minerais. Os com tampa de cortiça parecem mais suaves, mais doces, mais maduros, com um paladar menos ácido, o que equivale a uma percepção de doçura. Haas é um técnico, treinado para saber das diferenças – que o consumidor, como vimos na pesquisa do Oregon, não percebe.
Em resumo: muito da força da rolha de cortiça reside na tradição, na imagem de que garrafas com essa tampa oferecem vinhos de maior qualidade. Uma imagem construída há séculos. Afinal, os romanos as utilizavam desde 500 a.C. Saem de uso em 500 d.C., em razão do caos provocado pela queda do Império. São citadas até por Shakespeare, no seu “As You Like It” (“Como quiseres”, de 1599). Até que em 1632, a criação das garrafas de vidro fez proliferar o uso das rolhas de cortiça. O curioso é que o saca-rolhas foi patenteado muito tempo depois, em 1795. Como será que faziam sem ele? Pois ele é fundamental no cerimonial de abertura da garrafa. É uma prova de fogo para o garção. Se não passar por ela, ele é demitido.
Já as tampas de rosca vêm fechando potes de alimentos, com toda a segurança, desde 1858 – quando uma tampa dessas foi patenteada pelo inglês John Mason. E vêm fechando uísques, dos mais simples aos mais nobres, desde 1926. Com relação às garrafas de vinho, a França começou a pesquisá-las em 1959. Em 1972, vinícolas suíças lançaram com sucesso as tampas Stelvin (do grupo Alcoa) e as estão usando até hoje. Os neozelandeses e australianos as empregam desde 2000. Sem reclamações.
As queixas mais comuns contra as sintéticas são que podem passar um sabor de plástico aos vinhos. Funcionam bem apenas para vinhos feitos para serem bebidos imediatamente após a compra (a maioria deles). A grande queixa, porém, é a da extrema dificuldade de retirá-las e a quase impossibilidades de serem recolocadas na garrafa. É dose: já pedi ajuda até ao carteiro para desarrolhar vinhos com elas.
Isso não acontece com as tampas de rosca: simplicidade e praticidade são duas de suas maiores características. Só que sua imagem está ligada a vinhos de baixa qualidade. Mas esse impedimento parece que está caindo.
Entre os profissionais, têm-se os vinhos fechados com tampa de rosca podem desenvolver aromas “redutivos”. “Redução” é o oposto de oxidação. Durante o processo de vinificação, o vinho faz contato com o oxigênio (o fermento não viveria sem ele). Quando o vinho é engarrafado, o seu meio muda, nada de oxigênio, e ele se torna “redutivo”. O vinho em contato com um ambiente oxidativo vai irremediavelmente morrer. Mas a oxidação pode ser parte de um estilo de vinificação, pode ser administrada. Essa seria uma das vantagens da cortiça: deixar passar mínimas quantidades de oxigênio ao longo dos tempos, quando o vinho ganharia mais complexidade.
Mas um vinho com tampa de rosca praticamente não deixa passar nada (embora já exista uma tampa de rosca, a Stelvin Lux, feita de modo a permitir a passagem de pequena quantidade de oxigênio, imitando a porosidade da cortiça). Esses vinhos, contudo, podem desenvolver aromas originários do fato de estarem num ambiente “redutivo” (aroma de suor ou de animais, por exemplo). Mas isso não destrói o vinho. Basta abri-lo e deixá-lo arejar por um tempinho.
Além do fato de eliminar o risco da contaminação pelo TCA, e serem facílimas de abrir (e fechar), as tampas de rosca afastam também a ameaça esporádica da oxidação. E facilitam o armazenamento do vinho na vertical (ganhamos espaço e facilmente identificamos a garrafa). Além disso, são mais resistentes às alterações da temperatura (as rolhas “trabalham” com essas alterações, aumentando ou diminuindo o seu volume, facilitando a entrada do oxigênio ou a saída da bebida). Elas também não são afetadas pela umidade ou pelos odores do ambiente.
A linha Sunny Days da Almadén, agora modernizada com as tampas de rosca, vem nas versões Branco e Blush (rosado). São vinhos frisantes, e, segundo vinícola, bem refrescantes e aromáticos, suaves e frutados. Feitos para um dia de verão.
Se a leitora quer experimentar esses vinhos pioneiros com tampa metálica é só visitar o site da Pernod (veja aqui) ou falar com a Allys Franco, da divulgação, pelo allys.franco@brodeur.com.br
Ajude um garção a continuar no trabalho, leitora. Experimente os Sunny Days e depois conte para nós o que achou.
Da Adega
Grande degustação de vinhos da terrinha
. Mais de 200 rótulos de importantes vinícolas e regiões portuguesas estarão sendo degustados hoje, 27, em reunião supimpa promovida pelo Cônsul de Portugal, Sr. Antônio Almeida Lima, e sua esposa Vanda, nos salões de sua residência, no Palácio São Clemente, em Botafogo. Além do consulado, promovem o evento a ViniPortugal e a AICEP. O objetivo é, claro, divulgar os vinhos lusitanos e atingir novos grupos de consumidores aqui.
No belo Palácio, um dos marcos arquitetônicos do Rio, são esperados 400 convidados, entre críticos, consultores, empresários, grandes consumidores de vinhos e profissionais do setor como donos de restaurantes, de lojas e sommeliers. O evento acontecerá das 16 h às 21 h.
As importadoras participantes são: Adega Alentejana, Aurora, Barrinhas, Casa Flora, Casa Aragão, Carvalho e Filhos, Caves Aliança, Comercial Beirão da Serra, Decanter, Diageo Brasil, Expand, Enoport - Dom Teodósio, Euro Real, Grand Cru, Impexco, Interfood, La Pastina, Lusitana, Mistral, MGC, Msé Trading Company; Paralelo 35 Sul, Portugal Trade Show, Qualimpor, Vinhas do Douro, Vinci Vinhos, Wine Company e World Wine.

20.9.07

O pote de maionese

O que o vinho representa na minha vida? Eu circulo exclusivamente em torno do vinho? Não faço outras coisas?
Essas perguntas se repetem e se repetem. Não são a maioria delas, mas estão sempre se repetindo. Então vou tentar responder recontando uma historinha que circula há bastante tempo na internet. É a história do “Pote de Maionese”. O Google diz que existem quase 900 mil resultados para Mayonnaise Jar, que é o pote em questão.
Sua autora ou autor não são conhecidos. Um endereço jura que é uma pedagoga norte-americana especializada em crianças. E existem versões dessa história, cujo título original é “O Pote de Maionese e as Duas Xícaras de Café”. Bem, ora são duas xícaras de café, ora são duas canecas de cerveja, depende da versão que você encontrar. Não faz muita diferença.
No caso da minha (que vai logo aí abaixo), e em atenção às leitoras curiosas, eu optei por duas taças de vinho. Eis como conto a história do pote, com um mínimo de alteração:
  • Um professor, diante de sua turma, prepara-se para uma aula de filosofia. Tem diante dele alguns itens. Quando a aula começa, sem dizer uma palavra, o mestre pega um grande pote de maionese vazio o começa a enchê-lo com bolas de golfe. Então, pergunta aos alunos se o pote está cheio. Todos concordam que está.
    Em seguida, o nosso professor pega um punhado de pedras de brita bem pequenas e as despeja no pote. As britas rolam pelas áreas disponíveis entre as bolas de golfe. E, mais uma vez, o professor pergunta se o jarro ficou cheio. Sim, todos concordam.
    Mas agora o professor pega uma caixa de areia e despeja seu conteúdo no pote. Claro que a areia ocupou todos os espaços restantes. E a classe, mais uma vez, assente que o pote desta vez está completamente cheio.
    Foi aí que o mestre apareceu com duas taças de vinho que estavam debaixo da mesa. E as derramou no pote, dessa vez efetivamente lotando todo o espaço. Os estudantes riram.
    “Agora, disse o professor, enquanto a turma ria, quero que vocês considerem esse pote como representante de suas vidas. As bolas de golfe são as coisas importantes: família, filhos, saúde, amigos, suas paixões, coisas que, se tudo o mais fosse perdido, e só elas ficassem, suas vidas ainda continuariam repletas”.
    “As pedras são as outras coisas que importam: o trabalho, a casa, o carro. E a areia representa o resto, as pequenas coisas”, explicou o mestre.
    “Se colocarmos a areia primeiro no jarro”, continuou, não haverá espaço para as coisas que são verdadeiramente importantes para nós. Temos que prestar mais atenção àquilo que é crítico para a nossa felicidade. Brincar com os filhos, ter tempo para cuidar da saúde. Levar o namorado para jantar. Jogar mais uma partida [de golfe].”
    “Sempre haverá tempo para arrumar a casa, lavar o carro. Verifique as suas prioridades, pois o resto é areia”, finalizou o professor.
    Foi quando um estudante levantou a mão e perguntou o que o vinho representava.
    O professor sorriu: “Que bom que você perguntou. Ele demonstra que não importa o quanto a sua vida parece cheia, sempre haverá espaço para umas taças de vinho com um amigo”.
Amigas, faço uma porção de coisas: crio galinhas d’angola (ou “to fraco” ou faraonas, em italiano, pintades, em francês) e as vendo para outros criadores ou restaurantes. Ainda faço trabalhos para publicidade (na área de planejamento). E tive um comércio de vinhos – que fracassou. Mas aí já era tarde, a bebida tinha penetrado por todo o meu “pote”. E o vinho tem me acompanhado desde então, cada vez mais abrindo espaço para que saiba um pouco mais de história, de geografia e dos caríssimos seres que me rodeiam. As colunas que assino são resultado disso tudo.
Muita gente acha que o filme Sideways é sobre uma viagem de dois amigos a uma região produtora de vinho. Eu já acho que é sobre amor, amizade, relacionamentos, auto-avaliação. O vinho serve como metáfora para tudo isso.
Ah, mas a história não termina aqui. Na verdade, o autor começa a história com uma espécie de moral:
Quando parece que temos coisas demais para fazer, quando 24 horas por dia não são o bastante, lembrem-se do Pote de Maionese e das Duas Taças de Vinho.
A amiga já avaliou o seu pote? Quais as suas prioridades? Cabe espaço para mais umas taças de vinho?
Da Adega
Curso de sommeliers. Atenção: a SBAV-SP está lançando um Curso de Sommeliers com o objetivo de preparar profissionais para o mercado do vinho em restaurantes, lojas, empórios e afins. Terá a duração de 40 semanas e será dividido em quatro módulos com dez aulas cada. Para ingressar no módulo seguinte, os alunos devem fazer um exame e recebem um diploma com a quantidade de horas/aula e os temas estudados em cada etapa. As aulas, sempre às terças-feiras, das 15h30min às 17h30min horas, são ministradas por enólogos, engenheiros de alimentos, perfumistas, sommeliers e especialistas em cervejas, destilados, charutos, cafés e chás. Carina Cooper, César Adames, Gianni Tartari, Rosana Wagner e Manuel Luz são alguns dos professores. O primeiro módulo tem início no dia 2 de outubro e segue até 11 de dezembro.
A SBAV-SP fica na Alameda Gabriel Monteiro da Silva, 2586, em São Paulo. Inscrições e outras informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 3814-7905, com Nelson, ou pelo site www.sbav-sp.com.br.
A Sociedade Brasileira dos Amigos do Vinho, primeira sociedade enológica brasileira, foi fundada em São Paulo há 27 anos, com o intuito de reunir apreciadores da bebida para degustações, troca de conhecimentos e difusão do mundo do vinho.
V Concurso do Espumante Fino Brasileiro. Já saíram os resultados do V Concurso do Espumante Fino Brasileiro, evento promovido pela Associação Brasileira de Enologia (ABE) e que foi realizado no Hotel Casacurta, no município de Garibaldi, RGS. Estamos falando da maior avaliação de espumantes nacionais. Das 147 amostras inscritas, 44 foram premiadas: 37 com medalha de ouro e 6 com medalha de prata.
Veja a lista dos premiados no site da
Academia do Vinho. E faça já a sua lista para as festas de fim de ano.

13.9.07

Esqueceram das brancas!

A uva vinífera pertence ao gênero Vitis na classificação botânica. E ela é organizada por divisão, classe, ordem e família. Com relação às suas vinhas, o gênero Vitis apresenta inúmeras espécies. As mais comuns são a Vitis vinifera, Vitis labrusca, Vitis aestivalis, Vitis rotundifolia e Vitis editorialis (produtora da famosa casta Diniz).
Mas onde queríamos chegar mesmo é que essas uvas crescem em plantas perenes, em cachos, e se apresentam em quase todas as possíveis cores: dourada, verde, púrpura, vermelha, marrom, pêssego, branca, preta, azul, rosa etc.
As uvas brancas derivam das tintas. Através de uma mutação, as antocianinas não são produzidas nas brancas. As antocianinas são parte de um grupo de fenóis responsável pela cor das uvas tintas e pretas. São pigmentos comuns no mundo das plantas e respondem pelas cores de vermelhas a azuis nas folhas, frutos e flores. A palavra vem do grego anthos (flor), mais cyan (azul).
Essa antocianina é também uma das substâncias responsáveis pelos efeitos benéficos da uva e do vinho para a nossa saúde. Veja reportagem sobre as experiências do professor Roberto Soares de Moura, no Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes.
A crítica americana Jennifer Jordan comenta que “a ausência de antocianinas deixas as brancas, assim, brancas e metaforicamente vermelhas de inveja”. Isso porque aparentemente as tintas tenham conquistado a preferência do consumidor, em princípio devido a sua associação com a saúde. Talvez não tão vermelhas e nem tão invejosas, assim.
Até fins de 80, as brancas imperavam e a Chardonnay era sem dúvida a rainha de todas as uvas. Mas a campanha “vinho-tinto-faz-bem-à-saúde” não parou desde a história do Paradoxo Francês.
Em novembro de 1991, o programa de TV da norte-americana CBS apresentou uma reportagem sobre a correlação do consumo francês de vinho tinto e baixa taxa de doenças cardíacas na França. No mundo todo, em particular na América, uma multidão correu para as lojas para se abastecer de vinhos tintos, cujas vendas cresceram imediatamente 44%. Essa correlação ficou conhecida como Paradoxo Francês.
E a impressão que se tem hoje é a de que até os críticos de vinho se esqueceram das brancas.
Assim, a partir daquela data, os viticultores mudaram de lado e começaram a plantar as tintas da moda, primeiro a Cabernet Sauvignon e na seqüência a Syrah/Shiraz e depois um bando de outras.
A Master of Wine Jancis Robinson (que voltará ao Brasil em outubro para um evento enograstronômico em São Paulo) analisa esse fenômeno.
“O resultado disso é que em muitas regiões, contudo, tem havido escassez de uvas para a produção de vinhos brancos, porque durante todo esse tempo e apesar de todas as colunas de vinho em jornais e revistas dedicarem-se substancialmente aos tintos a demanda pelos vinhos brancos tem permanecido sólida”.
Até hoje, nos Estados Unidos, nota a crítica inglesa, apenas quatro entre dez garrafas são de tintos. Na Inglaterra, importante mercado para vinhos de todo o mundo, o branco vende bem mais que o tinto. E o mesmo acontece em outro grande importador, a Alemanha. Na Austrália, mesmo com todo o frenesi em torno dos tintos, se consome mais brancos do que tintos. E o quadro na África do Sul é bem parecido. Já no Brasil, a produção de brancos (considerando-se apenas dados do Rio Grande do Sul, segundo a Embrapa) é um pouco maior que a de tintos: 15.273.937 litros de brancos parados mais espumantes contra 13.335.764 de tintos. É inegável a nossa vocação pelos brancos.
“Uma análise do que se lê”, comenta a crítica inglesa, “sugere que vivemos numa era em que só tintos são bebidos”.
Nas lojas de qualquer lugar, o que mais se vê é vinho tinto. Enquanto os tintos são bastante promovidos, os brancos são vendidos sem aviso prévio, quase que às escondidas. Na maioria das adegas domésticas, a maior quantidade é, quase sempre, de vinhos tintos. Servem branco quando a sogra, a madrinha, a mamãe ou qualquer rabo-de-saia visitam.
“É uma situação bizarra”, diz Jancis Robinson, “se consideramos a evolução de nossos paladares culinários”. Ela se refere aos pratos clássicos para combinar com vinhos tintos, quase que a totalidade recomendando carne vermelha, muita carne vermelha. “Mas isso parece que está em queda”.
“Hoje, estamos comendo mais leve: mais peixe, mais vegetais e saladas e mais pratos picantes – nada disso combina com os tintos”. Muita gente ainda insiste em recomendar vinho tinto para fazer par com queijos. Aqui, sempre recomendamos vinhos brancos: não tem cabimento combinar uma bebida mais potente com queijos, igualmente potentes, gordurosos, fortes.
E ainda temos o aquecimento global, onde os brancos e rosados vão pontificar mais que os tintos. Pudera, são opções bem mais refrescantes em ambientes mais quentes.
Outro argumento a considerar é o de que os brancos podem ser tão “sérios”, ter qualidade equivalente à dos tintos. A crítica comenta que sempre se perguntou, por exemplo, porque se convencionou que as taças de vinho branco sejam menores que as de tinto. “Isso quando os brancos encorpados se beneficiam da aeração tanto quanto os tintos. Eu decanto vinhos brancos e reconheço que parecem bem mais bonitos num decantador, cintilantes, dourados – mais apetitosos do que os escuros tintos”.
Jancis observa que uma volta aos vinhos brancos de qualidade está acontecendo já há algum tempo na França, Itália, Espanha e Portugal.
E, de olho no aquecimento do planeta, acredita que estamos para assistir a uma nova revolução: a da explosão dos vinhos rosados, que já está ocorrendo lá fora e aqui.
A amiga vota em que partido: dos brancos, rosados ou tintos?
Da Adega.
Jancis de volta
. Se você é profissional da área ou tem um mínimo de interesse em gastronomia e vinhos, não perca o Tendências, um fórum voltado para chefes de cozinha e profissionais da área, inspirado no Madrid Fusion e no El Major de la Gastronomia. Uma parceria entre a revista Prazeres da Mesa e o SENAC trará ao Brasil chefs como o espanhol Quique Dacosta, Ken Oringer, o crítico Nick Lander e sua esposa, a consagrada crítica inglesa Jancis Robinson. Essa é a primeira edição de Tendências e acontecerá nos dias 23, 24 e 25 de outubro, em São Paulo. Informações pelo (11) 3023-5509 e reservas no (11).5533-8848.

6.9.07

Brincando de Deus

Pois então franceses e italianos acabam de decifrar o genoma das uvas viníferas, através de uma mostra da Pinot Noir, uma das mais antigas e caprichosas variedades existentes, a principal tinta da Borgonha, que faz um dos vinhos mais complexos e sutis do planeta, a paixão de Miles no filme Sideways, responsável por disparar as vendas da Pinot nos Estados Unidos.
O feito poderá ter aplicações práticas para a indústria do vinho, pois responde a importantes questões sobre a evolução das plantas com flores (angiospermas). Descobriram que, comparada a outras, tem duas vezes mais genes produtores de aromas, geram mais taninos e sabores e bem mais resveratrol, o componente dos tintos associados a uma grande variedade de benefícios para a saúde. O produtor saberá melhor onde e como cultivá-la, como proceder a cruzamentos e a produzir clones e a identificar cepas mais resistentes a doenças.
A Vitis Vinifera (a espécie de vinha mais utilizada na fabricação de vinho) é a quarta planta cujo genoma é decifrado. Segundo Jean Weissnbach, 59, diretor da Genoscope, um centro de pesquisas genéticas francês, que participou do consórcio franco-italiano responsável pelo feito, a Vitis foi escolhida porque ocupa um lugar importante na herança cultural da humanidade.
"O estudo do genoma dessa videira foi eleito porque é ela uma espécie muito sensível a inúmeras fitopatogenias (moléstias das plantas)." Para reduzi-las, "a idéia é identificar os genes mais resistentes", o que facilitaria a introdução de cepas mais fortes para cruzamento ou transferência de gene.
O genoma da videira, que conta com cerca de 30 mil genes, é constituído de três genomas reunidos. O genoma do homem é dito "diplóide", porque cada cromossomo está presente em dois exemplares, um transmitido pelo pai e outro pela mãe. O da videira é dito "hexaplóide", porque é constituído de três genomas diplóides, ou seja, de seis conjuntos de cromossomos.
Jean Weissenbach explica que foram necessários pelo menos dois eventos maiores, dos quais um teria acontecido há entre 130 milhões e 240 milhões de anos, para passar das plantas de flores diplóides às plantas de três genomas como a videira.
Leio no Globo que tudo isso resultará num “vinho mais saudável” e, no Bloomberg, “na chance de criar novas nuances no vinho feito dessa uva”.
E o diretor da Genoscope antecipa: “Os vinicultores, ao ligarem e desligarem esses genes, poderão somar ou subtrair características de seus vinhos”. E acrescentou: “Por muito tempo o homem tem tentado selecionar sabores por meios clássicos. Vamos ver se podemos fazer melhor”. É, vamos ver.
Começa que tomo vinho por prazer e não em função de saúde. Mas agora temo por ela. Caímos no terreno do geneticamente modificado, (GM) – prática, por sinal, banida na União Européia. O caso é que se eu “ligar ou desligar” um gene de João, ele deixa de ser João. A Pinot Noir deixa de ser Pinot Noir.
Só essa uva possui pelo menos 46 clones autorizados na França (veja os casos da Pinot Blanc, Pinot Gris e Pinot Meunier), todos por mutação natural. Existem pelo menos 10 mil variedades conhecidas da vinifera.
Se quisermos “novas nuances” basta escolher uma entre as centenas de garrafas num supermercado. Tem Pinot Noir francesa, alemã, italiana, americana, australiana, neozelandesa etc. E isso sem “ligar e desligar” genes, sem alterar DNAs. Como “fazer melhor”?
Acho que experiências genéticas com as vinhas podem vir a se constituir numa verdadeira revolução, mas se tratadas com muito cuidado, com as pesquisas sendo verificadas por um organismo independente e realizadas num ambiente confinado, por prazos muito longos, assegurando-se que as inovações ocorram a partir de métodos compatíveis ecologicamente.
Já aconteceu com as culturas geneticamente modificadas de milho e soja contaminaram outras culturas antes que as devidas pesquisas fossem feitas.
O mesmo pode acontecer com as vinhas, com conseqüências irreversíveis. E o tal João poderá até virar um monstro.
Essa história de genes mais resistentes a doenças dá o que pensar. Denis Dubourdieu é figura conhecida e respeitada em Bordeaux. Pesquisador e ao mesmo tempo vinicultor, é respeitado mundialmente pelos seus trabalhos sobre a vinificação do vinho branco.
Eis o que ele afirmou uma entrevista à revista Decanter: “Um grande vinho é igual a complexidade e o papel dos produtos geneticamente modificados é o de simplificar. Apenas isso já os faz desinteressantes. Os que estão a favor argumentam que as vinhas geneticamente modificadas eliminariam a necessidade, por exemplo, de fungicidas. Mas eles não dizem que as plantas geneticamente modificadas trazem dentro deles um fungicida”.
Querem mais? Li num artigo científico sobre vinhos GM, do professor Joe Cummins, do Instituto de Ciência em Sociedade, de Londres, que “genes sintéticos, toxinas e cianureto são alguns dos elementos que poderão estar nos vinhos em sua mesa”. Confira aqui.
Acreditem, não sou contra a intervenção humana no processo: eletricidade, tanques de aço, gás inerte, lascas de carvalho, lençóis de plástico sob as vinhas, seleção de clones, enzimas, filtragem estéril etc. Tudo bem. O problema é que engenharia genética para os vinhos ainda está em testes, mas já é um grande negócio.
O mais famoso consultor de vinhos do mundo, o francês Michel Rolland, certa vez declarou ao New York Times que, essencialmente, o “vinho é um negócio”.
Vale tudo para vender. Também entendo isso, mas brincar de Deus para no final colocar cianureto numa garrafa é dose.
A amiga acha que o vinho é apenas um negócio ou um prazer a ser desfrutado com segurança? Fale aqui para a Soninha no soniamelier@terra.com.br
Da Adega
ProChile 2007
. A 4ª. Degustação Anual de Vinhos Chilenos, com degustações no Rio e em São Paulo, no final de agosto, foi sucesso absoluto. Os vinhos chilenos já estão em primeiro lugar entre os vinhos que importamos, deixando para trás a Argentina, Itália e Portugal. Os chilenos, de janeiro a maio deste ano, já exportaram 6.255.492, 50 litros de vinhos. E olha que somos apenas o 8º maior mercado para o Chile, ficando atrás do Reino Unido, Estados Unidos, Alemanha, Canadá, Holanda, China e Dinamarca. De 100 marcas contidas nas listas de restaurantes americanos, 15 são franceses, 7 são italianos, 2 australianos e 1 é chileno (segundo o relatório anual do The Restaurant Magazine). Eles não só sabem fazer como promover seus vinhos.
Casa Valduga é Ouro. O espumante Casa Valduga Extra Brut Gran Reserva 2002 conquistou a Gran Medalha de Ouro no “Wine Brasil Awards 2007”, premiação do Concurso Mundial de Bruxelas destinada aos vinhos brasileiros. O espumante, no início do ano, já havia recebido uma medalha na França. O espumante é feito pelo método champenoise, com as uvas Chardonnay e Pinot Noir.
A Casa Valduga, no mesmo Brasil Awards, obteve mais dois ouros: pelo seu Casa Valduga Identidade Ancelotta 2005, um tinto, e pelo branco Casa Valduga Chardonnay Gran Reserva 2005.
A Valduga fica no Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves (RS). Visite o site:
www.casavalduga.com.br.