28.5.07

Do prêt-à-porter à haute couture

Leitora diz que marido costuma guardar seus charutos no climatizador de vinhos da casa. Isso dá problemas?
Numa adega climatizada, os vinhos ficam guardados sob um regime de 13 graus Celsius e 70% de umidade. Já os charutos, a condição ideal é 21ºC e entre 68 e 72% de umidade. A adega climatizada é gelada demais para os charutos. Se a umidade é relativa à temperatura, para cada grau abaixo dos 21ºC dos charutos, a umidade deveria aumentar proporcionalmente. Então, se a sua adega está na base dos 13ºC, os charutos deveriam ficar sob 80% de umidade. Com o ar ambiente da adega muito frio não teremos muita umidade em suspensão. No climatizador, os charutos acabariam por ressecar. Li isso na Wine Spectator.
Leitora leu que álcool demais faz “encolher” o cérebro. Como é isso?
Mamãe, meu cérebro encolheu! Pois é, amiga, também li sobre isso (na decanter.com).
É um estudo da Academia de Neurologia de Boston, Massachusetts. Diz que se bebermos muito e constantemente nosso cérebro pode ter o volume reduzido em até 1,6%. Pesquisaram 1.839 pessoas entre 34 e 88 anos para concluir que “um maior consumo de álcool tem correlação negativa com o volume do cérebro”. A turma que ficou com a redução maior, 1,6% é a que bebia mais de 14 drinques por semana.
Atenção que o estudo não menciona o vinho. Já que bebo (vinho) desde criancinha meu cérebro deveria ter encolhido uns 50%. Mas balanço a cachola e nada chacoalha.
Lembro que uma semana depois dessa nota (saiu em nove de maio), li uma matéria na Wine Spectator afirmando que o champagne protege as células do cérebro contra danos provocados por insultos cerebrais e doenças como as de Alzheimer e de Parkinson. Nesse caso, a pesquisa resulta de uma parceria entre a Universidade de Reading, Inglaterra, e a Università degli studi di Cagliari, em Monserrato, Itália.
Em resumo, descobriram que o champanhe tem grandes quantidades de polifenóis, poderosos antioxidantes, que podem proteger contra danos neurológicos. Quer dizer: com o champanhe nosso cérebro não “encolhe”. Fica protegido.
Mas por causa disso não saia bebendo champanhe a torto e a direito, amiga. Os testes foram feitos em camundongos. Vamos esperar um pouco mais para ver. Como sempre, continuaremos a beber nossos espumantes com moderação. Estou testando há bem mais tempo e até agora, tudo bem, não fui insultada ainda.
Leitor diz que não tem um climatizador e seu tinto (seu estilo preferido) é refrigerado numa geladeira. Qual é a temperatura correta? O que acontece se estiver muito o pouco gelado.
Amigo, estabeleceu-se que a maioria dos tintos deve ser consumida entre 15,5ºC e 21,1ºC.
Quando os tintos estão muito gelados (digamos que tenham saído direto de uma adega climatizada, nos seus 13ºC, ou da geladeira, lá pelos seus 7ºC), os taninos vão se destacar demasiadamente, o vinho ficará muito adstringente, difícil de beber.
Por sua vez, se a temperatura ficar acima dos 21ºC, o álcool é que vai aparecer mais, com o vinho insosso e esquentando sua garganta.
Se o amigo não tem climatizador, uma dica é deixá-lo num balde com gelo por uns dez minutos. Depois, retire-o e deixe-o chegar até os 16-21ºC.
Outra leitora quer saber quais são finalmente os aditivos do vinho: como o vinicultor “tempera" nossos vinhos.
Ótima pergunta, amiga. Os produtores de vinho tentam sempre passar por cima dela. Para eles, o melhor dos mundos seria continuar com seus rótulos românticos: seu vinho é um pouco de alquimia, misturado a solos e climas maravilhosos e práticas enológicas ensinadas por Noé.
Se tivessem de listar todos os produtos e processos utilizados em nosso vinho, os rótulos teriam de cobrir toda a garrafa. E nós ficaríamos apavoradas.
A lista abaixo foi publicada pela Organização da Vinha e do Vinho (OIV), que reúne 43 países (o Brasil inclusive) do Novo e Velho Mundo e até do Oriente. Ela regula procedimentos científicos e técnicos relativos às vinhas, vinhos e uvas. E estabelece práticas enológicas e processos físicos autorizados. As substâncias abaixo podem ser acrescentadas ao vinho, ao mosto ou a ambos:
ACIDIFICAÇÃO: ácidos láctico, málico e tartárico.
CLARIFICAÇÃO: alginato de
cálcio e de potássio, caseinatos de potássio, caseína, dióxido de silício,
gelatina alimentar, goma arábica (acácia), cola de pescado (subproduto de
peixes, obtido pelo tratamento de matérias primas ricas em substâncias
colágenas: cabeça, pele, esqueleto, bexiga natatória, etc.), leite, proteínas de
origem vegetal, silicato de alumínio, sulfato de ferro, diatomita, celulose.
DESCOLORANTES: polivinilpolipirrolidona (PVPP), carvão
ativado.
DESACIDIFICAÇÃO: bactérias lácticas, carbonato de potássio, tártaro
neutro de potássio, carbonato de cálcio. DESODORIZANTE: sulfato de cobre.
ELABORAÇÃO: lascas de carvalho, acetaldeído, ácido
metatartárico.
ENRIQUECIMENTO: tanino e oxigênio.
ENZIMAS: celulasa,
beta-glucanasa, pectolíticos, uréase.
FERMENTAÇÃO: agente antiespumante
(ácido oléico), bisulfito de amônia, cloridrato de tiamina, paredes celulares de
levedura, leveduras de fermentação, fosfatos diamônico e de amônio.
CONSERVANTES: disulfito de amônia, ácido sórbico, anidrido sulfuroso,
argônio, nitrogênio, bisulfito de potássio, dimetil dicarbonato, dióxido de
carbono, metabisulfito de potássio, lisozima, sorbato potássico, ácido
ascórbico.
REAGENTES SEQÜESTRANTES: fitato de cálcio, ácido cítrico.
ESTABILIZADORES: tartrato de cálcio, manoproteínas de leveduras.
Quanto aos processos físicos, a OIV autoriza a eliminação do dióxido de enxofre por essa via. E ainda: a centrifugação, as micro e ultra-filtração, a osmose inversa, a evaporação, tratamentos térmicos, eletrodiálise, resinas de intercâmbio de íons e o emprego da coluna de cone rotativo.
O documento compara a lista da OIV com o que é permitido na União Européia, na Suíça e nos Estados Unidos. Veja a lista completa aqui.
Não se alarme, amiga: esses produtos e processos são usados ocasionalmente; alguns deles, habitualmente, e sempre em quantidades mínimas, reguladas, e dentro de limites apropriados. A qualidade final de um vinho é devida à interação entre o vinhedo, o clima e o ser humano que faz a bebida. O famoso enólogo e professor francês, Emile Peynaud escreveu que a intervenção humana na vinificação deve “destacar as características naturais do vinho”. Mas às vezes serve para mascarar um simples prêt-à-porter de haute couture.

22.5.07

A bola da vez

Jornais e revistas estão cheios de matérias sobre vinho. Pode ser o efeito do inverno chegando. Mas acho que já deu pra todo mundo notar que a bebida está ficando mais democrática, mais acessível e, mais importante, caindo no gosto de todos, não importam as estações, pois temos vinhos para todas elas.
Uma longa e ótima matéria é a que li agora na Época. Seu título destaca que o vinho agora é o rei do supermercado e que deixou de ser um produto das elites para ser adotado pela nossa classe média. Veja toda a matéria aqui.
Em todo o mundo, o vinho vai abraçando não apenas todas as classes sociais, mas também todas as faixas de idade. Sim, o que tenho lido por aqui versa mais sobre o maior acesso da classe média aos vinho, até então considerada bebida só acessível aos mais endinheirados e mais maduros de idade.
Mas isso vem mudando em todo o mundo. A Vinexpo, organizadora, da maior feira do vinho do mundo, realizada a cada dois anos em Bordeaux, realizou uma pesquisa entre jovens em idade legal de beber, em vários países. E seus resultados mostram que esse público importantíssimo está muito interessado nos vinhos, mas precisa de maior atenção por parte dos produtores.
A pesquisa reuniu 100 bebedores ocasionais de vinho, na faixa de 20 a 25 anos. Recrutou gente de Londres, Paris, Bruxelas, Nova York e Tóquio – 20 de cada cidade para discussões em grupo. (Acho essa amostragem pequena; a revista Decanter, inglesa, realizou outra, semelhante, mas com 500 jovens, entre 18 e 15 anos).
O que pensam os jovens entrevistados pela Vinexpo?

Que o vinho tem uma imagem saudável; que não é uma bebida para jovens; quem bebe vinho quase sempre tem um emprego (?). Todos querem que a imagem do vinho seja mais jovem e que o mito seja retirado da cultura envolvendo a bebida.
Preferem vinhos varietais, que sejam “leves e frutados”, que sejam menos confusos e fáceis de comprar. As centenas de possibilidades de escolha, os vários estilos, os rótulos complicados e a imagem “pomposa” dos vinhos os confundem e desencorajam.
Para esse grupo o vinho é um lubrificante social, uma fonte de prazer sem culpa.
Esse “prazer sem culpa” é explicado melhor pela pesquisa da Decanter, onde os jovens afirmaram que o vinho não é o culpado pelo “beber até cair” (um problemaço na Inglaterra: a turma não sai para beber socialmente, sai para tomar porre).
E, bem mais importante, que "a responsabilidade por beber adequadamente é dos pais e não do governo". Olha que são os próprios jovens ingleses falando.
Isso pode até ser uma boa dica para o movimento Propaganda sem Bebida, (do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo e da Unidade de Álcool e Drogas da Universidade Federal de SP). O movimento já recolheu 700 mil assinaturas para motivar o Congresso Nacional a aprovar lei que proíba a publicidade de bebidas alcoólicas (tal como a de cigarros).
Educação começa em casa, como sabemos. Nos pubs ingleses é comum proibir a entrada de crianças e cachorros. Proibição funciona? Olha só o exemplo da Lei Seca americana, entre 1920 e 1933. Os Al Capones da vida adoraram.
Mas voltemos às pesquisas. A da Vinexpo me parece um tanto banal. Anotei respostas bobas como “Vinho nos ajuda a participar das festas”; “Uma taça de vinho ... “É bonita pelo seu brilho ... brilho dourado ... vermelhos densos como veludo...” E, do Japão, veio essa: “Virou moda oferecer à namorada uma garrafa de vinho feito no ano em que ela nasceu”.
Mais importante para mim, considerando os jovens, é uma pesquisa informal reunindo 181 estudantes da Columbia Business School, feita recentemente pelo diretor da revista Wine & Spirits, Philipe Newlin. Esse grupo tinha entre 26 e 30 anos.
Eis algumas respostas:
Imagem: 86% dos respondentes acham a imagem do vinho “sofisticada” (contra 5% que julgam “legal” e “na moda”, e 5% que consideram “esnobe”, “elitista”).
Saúde: a maioria concordou que o vinho é uma escolha mais saudável, mas 65% acham que a preocupação com a saúde não é o que promove a sua escolha por beber vinhos.
Freqüência: 65% declaram beber vinho de 2 a 4 vezes por semana. Apenas 6% afirmam beber uma taça diariamente.
Recomendações: compram vinho a partir do boca-a-boca: recomendações de amigos, em particular.
Social: 39% dos pesquisados apontam os restaurantes como o principal lugar onde bebem vinho. Seguem-se reuniões com amigos.
Varietais: Os tipos de uvas são a primeira coisa que 35% olham nos rótulos quando compra vinhos. Seguem-se o país de origem e o preço. A marca do vinho (por exemplo: “Miolo”, “Chateau de tal”) são é importante para 2%.
Média de gastos: garrafas entre US$ 15,00 e US 20,00 (há dois anos, numa pesquisa idêntica, na mesma Columbia, os jovens gastavam um pouco menos: entre 10 e 15 dólares).
Educação: 61% acreditam que beberiam mais vinho que conhecem mais sobre a bebida.
Porque bebem: 80% bebem vinho porque dão mais ênfase à qualidade do que à quantidade da bebida.
Temos aqui, por exemplo, que esses jovens aceitam mais recomendações de amigos e do seu círculo social do que dos críticos, da mídia. Os críticos estão distantes, já os amigos estão logo ali. Você pode dividir um vinho com eles, bater um papo. A bebida foi feita para isso.
É esse o grupo que fez do vinho a sua bebida preferida, tomando o lugar da cerveja, nos Estados Unidos.
Carlos Cabral, diretor de vinhos dos supermercados Pão de Açúcar, revela que “o vinho se tornou um item comum no carrinho da classe média”. As vendas dessa rede crescem 20% ao ano. "O vinho está substituindo o refrigerante no almoço de domingo e a cerveja à beira da piscina. E se tornou protagonista de uma das maiores explosões de consumo em curso no Brasil", diz Cabral.
Tenho certeza que esses jovens adultos (25-30 anos) já estão nesse trem há tempos. Tive loja de vinhos em Itaipava e testemunhei a presença dos jovens. Em 2000, quando o Periquita completou 150 anos, compramos umas 20 caixas. 80% desse vinho foram consumidos por jovens. Era julho, frio na Serra. Entravam na loja, compravam uma ou duas garrafas levavam o vinho para suas festinhas. A turma mais velha olhava o Periquita com superioridade. Azar o deles. Escolhiam pelo preço (maior).
Que os jovens precisam saber mais é o óbvio ululante. Vale para todas as gerações. Todas nós já passamos por isso. Gostamos da bebida e fomos à luta para saber mais, não importando a chuva, vento e poeira que pegamos. Está valendo à pena.O vinho é ou não é a bola da vez, leitora?

17.5.07

Cianidina ou Pinot Noir?

Sobre vinho e saúde, temos uma nova estrela. Não, dessa vez não é o resveratrol. A boa novidade tem um nome complicado: Cianidina-3-ramnosídeo, uma antocianina, um pigmento que vai do roxo ao azul encontrado largamente em frutas e vegetais.
A cianidina é o tipo mais comum de antocianina. No caso dos vinhos, é o elemento químico que fornece a cor vermelha das cascas das uvas e da própria bebida. Em particular, a Cianidina-3-ramnosídeo (C-3-R, para os íntimos), protege a fruta (no caso, a uva) das radiações ultravioletas. Possui também qualidades antioxidantes, entre elas a de prevenir de certos tipos de cânceres.
O pessoal do Departamento de Patologia da Escola de Medicina da Universidade de Pittsburgh, na Pensilvânia, responsável por esse estudo, testou a C-3-R em vários tipos de leucemia e de linfomas.
Todas as células cancerosas morreram em 18 horas e até em menos tempo. E, melhor ainda: nenhuma das células normais (não atacadas por esses dois tipos de câncer) foi danificada ou intoxicada.
Os testes continuam, mas parece que, agora, os cientistas identificaram um novo aspecto positivo para beber-se vinho tinto. Não apenas ele vai ajudar na digestão, um delicioso companheiro das comidas, como pode ser chave para um coração mais saudável. É agora um possível preventivo para o câncer e talvez um eliminador de quimioterapias.
Só tem um porém: sabe-se que os níveis de C-3-R utilizados para eliminar leucemia e linfoma, segundo o referido estudo, são muito grandes. Teríamos que beber garrafas e mais garrafas de vinho. Portanto, não saia correndo para as lojas e gaste todas as suas economias em caixas de vinho. Há sempre o risco de uma cirrose hepática.
Certamente, esse trabalho vai resultar em fórmulas que a indústria farmacêutica disponibilizará nas doses apropriadas. Enquanto isso, quem quiser driblar futuros problemas pode continuar a beber o seu vinho tinto, sabendo que a C-3-R vai atingir células de nosso corpo e talvez prevenir doenças que silenciosamente tentam se conjurar.
O que sabemos, por estudos da Universidade da Califórnia (Davis) é que algumas varietais, de algumas regiões, produzem quantidades maiores de antioxidantes. Em particular, a Pinot Noir foi identificada como possuidora de grandes quantidades da C-3-R e de resveratrol. As regiões são o Oregon, nos Estados Unidos, e a Borgonha, na França, sempre áreas mais frias, portanto.
Cuidado. Mas temos que considerar que esses suplementos ainda não foram devidamente testados. Sabe-se que esses antioxidantes do vinho possuem importantes atributos.
Publiquei aqui, há tempos, uma pesquisa feita pelo Instituto Nacional de Saúde sobre Envelhecimento, nos Estados Unidos. Alimentaram camundongos com uma dieta de muita gordura (que poderia levar a diabetes e doenças do coração). Após engordarem bastante, alguns desses animais receberam mega-doses de resveratrol.
Os camundongos que não receberam o antioxidante, farto nas uvas e vinhos tintos, contraíram várias doenças e morreram rapidamente.
Os tratados com resveratrol não desenvolveram quaisquer doenças e viveram tanto quanto os animais alimentados com uma dieta sadia.
Quando isso foi noticiado, a indústria farmacêutica jogou no mercado vários suplementos alimentares com base no resveratrol. E as vendas explodiram.
Mas o médico Felipe Sierra, envolvido na citada pesquisa, alerta que o trabalho, nesse estágio, “não significa nada para as pessoas, pois não sabemos o que acontece com o resveratrol em nossos corpos. Nosso metabolismo é diferente dos camundongos”.
O resveratrol é um componente natural encontrado nos vinhos tintos que se provou bom para a nossa saúde, mas as quantidades ministradas aos bichinhos foram exorbitantemente altas, bem mais do que qualquer pessoa possa consumir.
Câncer nas tampas de metal? Poderia escrever o ano todo sobre vinho e saúde: não há semana em que não leia alguma coisa a respeito sobre a face saudável do vinho. Porém, não faltam notas alarmantes.
No início de maio, um crítico de vinhos neozelandês, Keith Stewart, afirmou que há uma relação entre o um selo de plástico utilizado nas tampas de rosca metálica, (cada vez mais adotadas principalmente na Nova Zelândia) e o câncer de mama.
O tal selo é feito de um tipo de plástico, o PVDC, utilizado como uma camada para melhorar a impermeabilização de uma vasta gama de embalagens (inclusive garrafas) de alimentos e bebidas. É uma barreira contra oxidação, vapores, aromas e gases. Segundo o crítico, o PVDC seria um dos elementos químicos que afetam o sistema endócrino e impedem que os hormônios cumpram suas funções no corpo humano.
Só tem um detalhe: a indústria vinícola da Nova Zelândia solicitou em peso que Stewart apresentasse os estudos que o levaram a criar a nota. Imploraram que citassem os vinhos contaminados por esse selo nas roscas metálicas.
E o crítico até agora não apresentou qualquer evidência. Diz que sabe dos riscos desse tipo de selo desde 2003 e que a indústria neozelandesa não está pesquisando o bastante sobre esse tipo de tecnologia (as tampas de rosca metálica).
O caso é que a maioria de garrafas com tampa de rosca metálica utiliza desse selo há muitos anos (na maioria dos destilados: uísques, gins, vodcas etc.) e até hoje não se registraram casos de câncer.
O crítico diz que os casos de câncer de mama na NZ aumentaram 98% nos últimos 50 anos. “Mais ainda agora que as mulheres são as maiores compradoras de vinho e os principais alvos da campanha em prol das tampas metálicas”, afirma.
Diz ainda que existe evidência científica contra o PVDC e que se deve alertar contra beber-se vinho em garrafas de tampa metálica. Em tempo: 80% do vinho neozelandês e quase que 100% do seu Sauvignon Blanc estão em garrafas com esse tipo de tampa.
Só que as provas ainda não foram apresentadas. Alarmar apenas por alarmar também faz mal à saúde.
O que faz bem? E alarme é também o que acontece quando descobrem mais algum benefício no vinho e todos saem correndo atrás da bebida ou de seus suplementos.
Acho melhor é seguir o conselho do médico Stuart Seides, cardiologista do Washington Hospital Center. Ele acha que devemos parar de buscar no vinho outra coisa que não seja o prazer pela bebida.
“Meu conselho é economizar dinheiro e, em vez de suplementos alimentares, comprar uma boa garrafa e desfrutá-la aos poucos nas refeições”.

O que vai no seu vinho

Se os produtores de vinho tivessem de listar todos os produtos e processos utilizados em nosso vinho, os rótulos teriam de cobrir toda a garrafa. E os consumidores ficariam apavorados. A lista abaixo foi publicada pela Organização da Vinha e do Vinho (OIV), que reúne 43 países (o Brasil inclusive) do Novo e Velho Mundo e até do Oriente. Ela regula procedimentos científicos e técnicos relativos às vinhas, vinhos e uvas. E estabelece práticas enológicas e processos físicos. As substâncias abaixo podem ser acrescentadas ao vinho, ao mosto ou a ambos:
Acidificação: ácidos láctico, málico e tartárico. Clarificação: alginato de cálcio e de potássio, caseinatos de potássio, caseína, dióxido de silício, gelatina alimentar, goma arábica (acácia), cola de pescado (subproduto de peixes, obtido pelo tratamento de matérias primas ricas em substâncias colágenas: cabeça, pele, esqueleto, bexiga natatória, etc.), leite, proteínas de origem vegetal, silicato de alumínio, sulfato de ferro, diatomita, celulose. Descolorantes: polivinilpolipirrolidona (PVPP), carvão ativado. Desacidificação: bactérias lácticas, carbonato de potássio, tártaro neutro de potássio, carbonato de cálcio. Desodorizante: sulfato de cobre. Elaboração: lascas de carvalho, acetaldeído, ácido metatartárico. Enriquecimento: tanino e oxigênio. Enzimas: celulasa, beta-glucanasa, pectolíticos, uréase. Fermentação: agente antiespumante (ácido oléico), bisulfito de amônia, cloridrato de tiamina, paredes celulares de levedura, leveduras de fermentação, fosfatos diamônico e de amônio. Conservantes: disulfito de amônia, ácido sórbico, anidrido sulfuroso, argônio, nitrogênio, bisulfito de potássio, dimetil dicarbonato, dióxido de carbono, metabisulfito de potássio, lisozima, sorbato potássico, ácido ascórbico. Reagentes Seqüestrantes: fitato de cálcio, ácido cítrico. Estabilizadores: tartrato de cálcio, manoproteínas de leveduras.
Quanto aos processos físicos, a OIV autoriza a eliminação do dióxido de enxofre por essa via. E ainda: a centrifugação, as micro e ultra-filtração, a osmose inversa, a evaporação, tratamentos térmicos, eletrodiálise, resinas de intercâmbio de íons e o emprego da coluna de cone rotativo. O documento compara a lista da OIV com o que é permitido na União Européia, na Suíça e nos Estados Unidos. Veja a lista completa aqui.
Não se alarme, leitor: esses produtos e processos são usados ocasionalmente; alguns deles, habitualmente, e sempre em quantidades mínimas, reguladas, e dentro de limites apropriados. A qualidade final de um vinho é devida à interação entre o vinhedo, o clima e o ser humano que faz a bebida. O famoso enólogo e professor francês, Emile Peynaud escreveu que a intervenção humana na vinificação deve “destacar as características naturais do vinho”. Mas às vezes serve para mascarar um simples prêt-à-porter de haute couture.

8.5.07

O que se perde

SARKOZY E OS VINHOS. Li na inglesa Decanter que a categoria dos vinicultores, produtores e negociantes de vinhos franceses votou em Nicolas Sarkozy, eleito novo presidente francês. Os principais órgãos de classe, a CIVC (Champagne), BIVB (Borgonha) e a CIVB (Bordeaux) ficaram em cima do muro, sem posição oficial. Mas muitos vinicultores acham que Sarkozy vai afrouxar as restrições quanto à publicidade de vinhos. Referem-se à famosa Lei Evin, instituída em 1991 com a finalidade de lutar contra o alcoolismo e proteger os jovens. Na prática, impede a publicidade de bebidas alcoólicas no país.
Os editoriais falam que a França passará por uma reforma radical, que o novo presidente é forte e não é paternalista. Sei não, mas no geral essa classe na França, ao menos pelo que leio, sempre gostou de se encostar na “viúva”. Se o governo lhes retira a ajuda, perdem a cabeça.
L’irrigation légalisée. Não sabia? A irrigação dos vinhedos franceses era proibida. Oficialmente, as autoridades viam uma boa chuvarada como uma bênção e a irrigação como uma maneira perigosa de fazer aumentar o volume de vinho. O aquecimento global, ao que parece, fez mudar essa atitude. A irrigação será permitida entre 15 de junho e 15 de agosto. Para irrigar, cada vinhedo AC (Appellation d’Origine Contrôlée) terá de obter autorização dos fiscais do governo. O curioso é que sistemas como a eficiente irrigação por gotejo, ecologicamente correta, estão fora da lei. É de perder a paciência.
ELA NÃO GOSTOU, ELE SIM. A consagrada Jancis Robinson baixou o sarrafo no que provou do Bordeaux 2006. “Diria que, com um punhado de exceções, essa é uma safra para ser comprada apenas se houver algum espaço na adega”. “Uma boa safra só para cogumelos e trufas, mas não para vinho”. A Wine Spectator, também acha que 2006 foi uma safra irregular.
Já o “imperador do vinho”, Robert Parker, saúda a safra como “superior à de 2004”. Seus destaques são: Mouton Rothschild, La Mission Haut Brion e Bellevue Mondotte de St. Emilion. Claro que nenhum desses está na lista de JR, que salienta, entre os brancos: Haut-Brion Blanc, Laville Haut-Brion, Margaux, Yquem. Entre os tintos: Cos d’Estournel, Haut-Brion, Lafite, Latour, Léoville Barton, Léoville Las Cases, Margaux, Palmer, Angélus, Le Pin, Vieux Château Certan, Lafleur, La Fleur Pétrus. Parker, parece, impediu que os bordelenses perdessem o sono.
O VINHO DE ANTONIETA. Enquanto isso, a realeza francesa revive dias de glórias. Um dos mais famosos pontos históricos do país, o Palácio de Versalhes, antiga residência de Maria Antonieta e do seu marido Luiz XVI, está produzindo vinho. Videiras foram plantadas ao redor do Trianon, a residência particular da rainha. Essas vinhas já deram frutos (Merlot e Cabernet Sauvignon) e o primeiro vinho (prensado, fermentado e amadurecido na Provence) é um Colheita Tardia rosado, o “Le Vin de Marie-Antoniette”. Preço: cada garrafa custará 11 mil reais. Por essas e outras é que Maria e Luiz perderam a cabeça.

6.5.07

Esses nomes...

“Borrado das Moscas”: porque será que os portugueses colocaram esse nome numa uva? E os italianos, com o equivalente “Cacamosca”? Podemos até descobrir a origem do nome “Sauvignon”, parte de Cabernet, Blanc etc. No passado, era uma maneira de dizer “cheiro ou sabor da vinha”. Nomes como o da branca “Albana”, uma variedade de Emilia-Romagna, vem claramente da palavra “alba”, amanhecer, cor da uva na primeira luz do dia. É até poético. Já Malbec, Chardonnay, Grenache etc., talvez quisessem dizer alguma coisa, mas suas raízes se perderam no tempo.
Dizem que a titica de “Cacamosca” e de “Borrado das Moscas” tem origem nas manchas pretas em suas cascas. Divertido, mas pouco apetitoso. A “Borrado” é o nome dado à casta “Bical”, branca, no Dão, Douro e Bairradas.
A “Borraçal” dá pinta que segue essa linha, digamos, excremental. Porém, seu nome quer dizer terreno pantanoso, lameiro. É uma tinta comum em Portugal e Espanha, com vários sinônimos, como: “Caiño Gordo”, “Caiño Grande", “Caiño Grosso”, “Caiño Redondo”, “Esfarrapa” e “Olho de Sapo”. Quase certamente essa “Caiño” significa o mesmo “Cainho” de que fala o Aurélio: algo próprio de cão.
Um cão colhudo? Agora, como traduzir a “Caiño de Bago Gordo”, tinta tradicional da Galiza? Um cão colhudo? Mas colhudo pela anatomia ou pela valentia?
E quanto à “Esgana Cão”? O que será que aconteceu com os pobres cachorros do Porto, onde essas uvas, muito ácidas, entram na produção dos brancos? A “Tinta Cão”, que significa “Cão Vermelho”, é outra referência canina, também da região do Porto.
A húngara “Juhfark” se traduz como “Rabo de Carneiro”, e a portuguesa “Rabo de Ovelha” carecem de boa explicação. Essa é plantada por toda Portugal, em particular na região do Douro. É branca; melhor que fosse tinta.
Da terrinha temos também a tinta, presente no Vinho Verde, “Espadeiro”, ou aquele que maneja bem a espada, espadachim. E ainda a “Bastardo”, uma das variedades tintas do vinho do Porto. O nome diz tudo. Na França, porém, é chamada de “Trousseau”, parecendo que tem pai e mãe conhecidos.
De volta a Portugal, encontramos nomes próprios, como “João de Santarém” e “Maria Gomes”. A primeira, uma tinta do Ribatejo, é a mesma Periquita, Trincadeira ou Castelão Francês. A “Maria Gomes” é a segunda mais importante variedade branca de Bairradas (ao lado da Bical).
Com nomes próprios temos várias, como a Pedro Ximénes ou Pedro Jiménez ou Pedro Giménez, na Argentina. Falam que essa uva tem origem nas Ilhas Canárias e veio para a região de Jerez, Espanha, na bagagem de certo soldado, o próprio Pedro Ximenez. Na Espanha é usada ao lado da Palomino Fino para fazer o delicioso Xerez (ou Jerez) e para fazer o vinho de sobremesa de mesmo nome. Na Argentina é uma uva “criolla”, natural do país, a mais plantada varietal branca, usada para fazer vinhos fortificados como os de Jerez.
“Alvarinho” seria um tratamento carinhoso para Álvaro? O Aurélio diz que alvarinho são bexigas benignas que atacam cabras e ovelhas. Sei não. Quem sabe seu nome se relacione mais a “alvorecer”, “alvorada”, “alvorejar”, pois é uma branca das castas da região dos Vinhos Verdes (na sub-região de Monção).
Um Álvaro Orelhudo? Já a tinta “Alvarelhão” me remete a algum “Álvaro de Orelhas de Abano”. Ou seria o aumentativo de “Alvarinho”, algo com bexigas enormes? Enfim, é uma casta da região demarcada dos Vinhos Verdes. Testes de DNA demonstram que ela tem como ancestral a “Esgana Cão”. Cresce também no Douro e no Dão.
“Louise Swenson”, “Lucie Kuhlmann”, “Kay Gray” são o trio feminino de uma nova série americana? Nada disso: são uvas híbridas criadas por Elmer Swenson (1913 – 2004), famoso enólogo, pioneiro nos Estados Unidos nesse tipo de trabalho. Foram feitas para resistir aos climas muito frios do norte dos Estados Unidos.
Uma uva híbrida é produto de um cruzamento entre variedades da mesma espécie, tipicamente da Vitis Vinifera, a espécie européia de uva, originária da Eurásia, e que deu variedades nobres como a Riesling, Chardonnay, Cabernet Sauvignon, Pinot Noir, Merlot, Gamay etc.
E se enganou quem pensa que “Branquinha” é água do ribeirão ou vem de um alambique. Ela é portuguesa com certeza, casta branca das regiões de Lafões e Encostas da Nave.
Um pé no saco? Da Itália, temos a branca e aromática “Arneis”, do Piemonte. No dialeto local significa “uma pessoa difícil, nervosa, um pé no saco”, difícil de cultivar que é. Em outras regiões é chamada de Nebbiolo Blanco. É de lá também a “Pediroso” ou “pés vermelhos” por sua habilidade em manchar (os pés, na “pisa” das uvas).
Os italianos, contudo, têm uma casta que soluciona grandes problemas. É a “Pagadebit”: por ser muito produtiva e resistente à parasitas e a clima adverso, ela “paga os débitos” dos vinicultores, mesmo em anos ruins.
A argentina “Criolla Chica” tem casca rosada e é usada para vinhos brancos simples. É a mesma “Pais” chilena, sinônimo da tinta “Mission”, de origem espanhola e muito plantada no México e Califórnia no século XVIII, apenas para uso religioso, como indica o seu nome.
(“Criollo” é o nome utilizado para representar, na América Espanhola, filhos de espanhóis com mestiços, índios ou com pessoas nascidas localmente de pais espanhóis.).
A Turquia oferece a complicada tinta “Okuzgozu”. Pelo som de seu nome seria incapaz de adivinhar que significa “Olho de Vaca”. Da Grécia, vem a “Xinomavro”, ou “Negro Amargo”, e a “Agiorghitiko”, literalmente “São Jorge”.
E “Negroamaro” (novamente “Negro Amargo”) é o nome dessa uva do sul da Itália, de onde temos também a “Tazzelenghe”, que se traduz como “serrote de língua”, pela sua grande adstringência. Na mesma linha, os franceses têm a “Picpoul” ou “Picapoll” (em catalão), pois “pica os lábios” por sua forte acidez. É de lá também a “Pignolo” ou “coisa espinhenta, dificultosa”.
A “Tinta Roriz” é presença certa em quase todos os cortes de vinho do Porto. Parece que é apenas uma indicação geográfica: Roriz é uma freguesia seja no Concelho (circunscrição administrativa inferior a distrito) de Chaves, no de Barcelos ou no de Santo Tirso. Na Espanha, é a famosa “Tempranillo”.
Uma uva para o Lula? Curiosos e carinhosos são os nomes das também brancas “Viosinho” e “Donzelinho”, variedades usadas, ao lado da “Malvasia Fina”, Codega e Rabigato, para fazer vinhos do Porto brancos.
A espanhola “Bobal”, lembra “bobagem”, “bobalhona”, mas é uma uva tinta usada em cortes pela potência de sua cor. Tem sinônimos como Provechón e “Requena” e é plantada por todo o país.
Com um nome que lembra festa, música, a “Balada” é também uma variedade tinta da Espanha.
A “Uva Rara”, da Lombardia, é a mesma Bonarda, do Piemonte. É tudo, menos rara. E a “Schiava” quer dizer “escrava”, uma variedade tinta, base dos vinhos do Trentino Alto Adige. É chamada de “Vernatsch” ou “Trollinger” no sul do Tirol, Alemanha. Pelo que apurei, “Vernatsch” quer dizer simplesmente “local” ou “vernacular” (que quer dizer “linguagem local, genuína, pura”). “Trollinger” pode ser uma evolução de “Tyrolinger” (ou “algo que vem do Tirol”). A própria “Schiava”, além de “escrava”, lembra “Slavic”, por suas origens eslavas.
Podíamos escrever muitas colunas sobre nomes e apelidos de uvas. A cada dia colecionamos um novo, quase sempre uma divertida surpresa, como a italiana “Cagnina”, que literalmente significa “cadelinha”. Seria uma referência canina ou humana?
E se aqui no Brasil começássemos a dar nomes às uvas novas, criadas por aqui mesmo? A uva “Lula” seria uma branca para acompanhar frutos do mar? Ou uma tinha perfeita para pizzas?

A minha outra metade

Parece que beber um vinho com o seu ou a sua parceira, o seu ou a sua amiga já não é simples e prazeroso o bastante. A novidade agora é cooperar: casais dividindo uma garrafa de vinho devem colaborar um com o outro. Caso contrário, alguém ficará a ver navios.
Explico, amiga leitora: criaram agora um jogo de taças que obriga a que os casais bebam praticamente ao mesmo tempo. É a tal cooperação.
São duas taças de vinho tal como as conhecemos. Porém, estão interligadas, a partir de suas bases, por um tubo de plástico – como se fossem irmãs siameses ligadas por esse moderno cordão umbilical.
As taças, assim, transformam-se em vasos comunicantes. Quando colocamos vinho numa taça, a bebida vai passando para a outra. Se você encher uma delas pela metade, a outra também terá o mesmo nível.
E aí entra um problema: se você tentar beber sozinha a sua taça (isto é: sem a “cooperação” do seu parceiro), terá de levá-la a boca, naturalmente. Para isso, você terá que colocá-la no nível de seus lábios. A taça ficará mais alta, portanto, do que a da seu parceiro, para onde correrá a bebida. E sua taça ficará vazia.
Entendeu a cooperação? A danada da dinâmica dos fluidos obrigará os parceiros a beberem ao mesmo tempo, o mesmo gole, a mesma quantidade e sempre no mesmo nível.
O criador das taças, o designer Jim Rokos as chama de “Minha Outra Metade”.
Se você for esperta, e dominar por completo a teoria dos vasos comunicantes, poderá deixar que seu (ou sua) colega de copo beba mais que você e transforme-se numa presa mais fácil. Basta colocar sua taça em mais alto do que a dele. Mas se estiver mais a fim da bebida, basta apertar o tubo, impedindo que o vinho passe para o vizinho e beber o que quiser. Quanto devolver a taça à mesa, parte do vinho que estava na taça vizinha correrá para o seu copo. É quando você desistiu de cooperar.
Veja aqui as duas taças e, em seguida, um casal em ação no site do Gizmodo, especializado em engenhocas e brinquedos.
A humanidade já bebeu vinho (e outras bebidas) utilizando-se de chifres ocos (inclusive, de crânios), vasilhames de cerâmica, de madeira, de barro, de latão, em copos e taças de vidro, cristal, prata e ouro. Em “botas” de couro (usadas até hoje na Espanha) e até direto das ânforas, utilizando canudinhos de papiro (no Antigo Egito).
Sempre me pareceu muito simples buscar prazer numa simples taça de vinho durante uma refeição ou ao lado de amigos. Mas volta e meia, aparecem com essas engenhocas: ora para ajudar a abrir a garrafa, seja para resfriá-la, servir o vinho, decantá-lo, guardá-lo e até, nos últimos tempos, envelhecê-lo em três tempos.
Essas criações surgem sempre como a última novidade, itens essenciais. Seus formatos são interessantes, mas na maioria das vezes revelam-se desnecessárias, bobinhas.
E a experiência de dividir um vinho com alguém sempre foi um importante degrau no processo de socialização, de conhecimento mútuo. E, claro, de romance. Ninguém até agora precisou de taças “siamesas”, unidas por um cordão umbilical de plástico, para esquentar uma amizade, melhorar um papo, colocar os assuntos em dia.
Mas vivemos tempos “mudernos”, sujeitos a criações tais como essas taças da “Minha outra metade”: uma engenhoca bizarra, freak. Podem ser até divertidas. Mas é o desastroso da situação que vai fazer rir: um casal tentando manejar taças e tubos, coordenar movimentos para beber ao mesmo tempo.
Um comentarista acha inclusive que para beber teremos de ficar de cabeça para baixo, de modo a manter a taça sempre no nível da mesa onde está colocada. Já pensou se tentarmos essa operação e estivermos usando saia na ocasião? Tem tudo para virar “pegadinha”.
A taça de Kunigunde. Essas taças são, digamos, uma versão mais tecnocrática e muito menos romântica do que a taça de Kunigunde. Já ouviram falar? Dela, só temos uma lenda, medieval, do tipo “Era uma vez...”
Era uma vez uma linda dama que se apaixonara por um jovem ourives. Ela já tinha recusado muitos pretendentes, todos ricos e nobres. Então, resolveu confessar o seu amor secreto ao seu pai, um poderoso senhor da região.
Ele ficou tão furioso que mandou jogar o pobre ourives na mais escura das masmorras.
Kunigunde ficou desesperada, o coração partido, não parava de chorar. Mas, enfim, conseguiu comover seu pai.
Seu pai um dia a chamou e disse: “Se o seu ourives conseguir fazer um cálice com o qual duas pessoas possam beber ao mesmo tempo, sem respingar uma única gota, eu o libertarei e você poderá tornar-se sua esposa”.
Ele estava certo que ninguém poderia vencer esse desafio. Mas o amor inspirou o jovem e em poucos dias conseguiu criar um cálice com o formato de uma saia. Ninguém jamais vira um igual.
Na parte de cima do cálice, um modelo de sua bem-amada com os braços levantados segurando um vaso bojudo e móvel (através de eixos em cada uma das mãos da preso modelo).
Nada mais fácil para duas pessoas beberem simultaneamente nesse cálice. Foi o que Kunigunde e seu amado fizeram. E seu pai finalmente cede.
A nossa história termina bem, como seria de esperar. A a jovem dama e o seu ourives se casam e vivem felizes para sempre.
A partir daquele dia só beberam seus vinhos naquela taça, que se transformou num símbolo de amor, fidelidade e boa sorte para todos os casais que bebessem dele.
Esse cálice, que é comercializado e custa muito caro, aparece exclusivamente nos rótulos dos vinhos da Warwick Estate, de uma das mais importantes regiões vinícolas da África do Sul, Stellenbosch. Parece que essa “lenda” foi criada por lá.
E a taça casamenteira você pode ver aqui.
A amiga ficaria com qual das taças: a “Minha outra metade”, a da Kunigunde ou com nenhuma delas?