27.12.07

As sobras da festa

O que fazer das sobras de vinhos, do que restou nas garrafas abertas na festa de ano-novo? É certo que no Natal você ficou com garrafas inacabadas. E o mesmo vai acontecer, agora, no réveillon. Você não vai jogar fora o que sobrou, vai? Só não sabe exatamente como guardar essas garrafas por mais algum tempo e, ainda assim, proteger o vinho de alguns de seus mais poderosos inimigos. O problema das sobras não diz respeito apenas às ocasiões de festas. Às vezes, sozinha, abro uma garrafa regular, de 750 ml (tamanho perfeito para duas pessoas). Vai sobrar metade, no mínimo. O que fazer?
Quando você abre uma garrafa de vinho, a bebida é apresentada ao ar, essa mistura de gases que responde pela atmosfera terrestre e é composta principalmente de Nitrogênio (78%), Oxigênio (21%), Argônio (1%) e dióxido de carbono (0,033%).
O oxigênio é que é o bicho-papão numa garrafa quase vazia. Sua presença transformará o vinho em vinagre. Ele dará vida à acetobacter, um gênero de bactérias aeróbicas com alta capacidade oxidativa. Ela vai o oxidar o álcool (etanol) e transformá-lo em ácido acético, o nosso querido vinagre. Dependendo da quantidade de ar na garrafa, o seu vinho estará cheirando a vinagrete entre três e cinco dias.
O oxigênio é também o principal instigador da oxidação de um vinho, mesmo que a garrafa esteja bem fechada. Um vinho branco bem guardado pode levar de 10 a 15 anos em bom estado. Durante esse tempo, o oxigênio consegue infiltrar-se pelas células da cortiça e, no final, a bebida vai ficar cheirando tal e qual a um Jerez.
Por isso, todos os dispositivos que se propõem a prolongar a vida de uma garrafa aberta visam sempre minimizar a exposição da bebida ao oxigênio. Vamos comentar os principais aparelhos ou recursos disponíveis – alguns deles se encontram nas caixas de brinquedos de seus filhos, podem acreditar.
Bombas ou fechadores a vácuo. O objetivo é retirar o ar da garrafa e, com ele, o oxigênio. Existem de vários tipos, como o Wine Vac ou, mais conhecido, o Vacu Vin, ambos disponíveis em lojas de vinhos aqui no Brasil.
Esses aparelhos vão realmente remover alguma quantidade de ar. Mas o oxigênio permanecerá no vinho, dissolvido. Quando bombeamos o ar para fora da garrafa com um equipamento como o Vacu Vin, baixamos a pressão na área livre (o espaço vazio, sem a bebida). Essa diferença de pressão permite que o oxigênio e os ésteres (componentes voláteis responsáveis pelos aromas do vinho) ocupem esse espaço de modo a criar um ambiente equilibrado. A observação é de Roger Boulton, professor de enologia e engenheiro químico na Universidade da Califórnia, em Davis, o principal centro de educação enológica dos Estados Unidos. “Assim, o vácuo pode reduzir a quantidade de oxigênio no vinho, mas ainda vai restar o suficiente para oxidá-lo”. E, pior, podemos perder os aromas da bebida.
Gás inerte. É um aerossol que, borrifado na garrafa vai substituir o ar por nitrogênio naquele espaço livre. É um gás inerte, sem odor. Para uso caseiro, temos frascos metálicos parecidos com embalagens de desodorantes domésticos. Veja uma versão caseira aqui. Em algumas lojas brasileiras de vinho ou de acessórios para cozinha podemos encontrar algumas marcas. As versões mais conhecidas por aqui são encontradas, porém, em alguns restaurantes e wine bars. São equipamentos parecidos com a Cruvinet ou com o WineKeeper, ideais para degustar um pouco dos vinhos de várias garrafas.
O problema aqui é saber se o que colocamos de gás lá dentro é o suficiente. Algumas instruções dizem que basta apenas um pffft!. Mas um pffft é o bastante para ocupar, digamos, dois terços vazios de uma garrafa? Não estaria mais para um pffffffffffft? Alguns fabricantes especificam um longo pfffffffft seguido de quatro pequenos pfft. O problema é que não podemos ver nem o ar sair nem o gás entrar. A quantidade deveria variar de acordo com o nível de vinho deixado na garrafa, não é?
Esse método é melhor, tem algum suporte científico? Mais uma vez o professor Boulton intervém. “O crédito desses métodos é baseado apenas no que dizem os fabricantes, mais do que em qualquer evidência científica de seu desempenho”. Realmente, não encontramos dados que cientificamente provem que os dois métodos acima sejam satisfatórios.
No caso do gás inerte, teríamos de utilizar, segundo o professor, todo o conteúdo do spray para fazer com que a maior parte do ar saia da garrafa. “Caso contrário, estaremos apenas diluindo o oxigênio”.
Métodos caseiros. Eis alguns deles:
a) Garrafas menores. A técnica é você decantar o vinho que sobrou em garrafas menores e de preferência enchê-las até o topo de modo a eliminar qualquer espaço livre. Para isso, é bom ter em estoque meias garrafas (375 ml) e garrafas de um quarto (187 ml), dessas utilizadas por empresas aéreas.
b) Bolas de gude. Pois é, não jogue fora as bolas de gude do Júnior, de preferência aquelas menores, lindas, que o meu afilhado, o Guilherme, chamava de “olhinho”, com manchas internas. Ferva-as e vá enchendo a garrafa de modo a que o vinho chegue até a borda inferior da rolha, não deixando espaço para ar no vasilhame. Na hora de voltar a servir a bebida, use um decantador e um coador, para que as bolas não quebrem suas taças (e façam com que o convidado fuja de sua casa). Sem dúvidas é ridículo oferecermos uma garrafa cheia de bolas de gude.
Esses dois métodos, mais simples e baratos, são mais eficientes do que a bomba a vácuo e os spray de gás inerte. Pelo menos, ficamos sabendo que não vamos perder aromas. Algum oxigênio ainda vai restar nas garrafas, mas os danos serão mínimos já que iremos “matar” aquele vinho em mais dois ou três dias. O segredo aqui, nessas soluções caseiras, é fazer a bebida encostar-se à rolha. É quando as bolas de gude funcionam melhor, pois nem sempre sobrou vinho bastante para encher sequer uma meia garrafa. As bolinhas de gude resolvem esse problema. Só não resolvem o grotesco da situação.
c) Refrigeração. Muitos recomendam congelar o vinho que sobrou. Mas o professor Boulton lembra que os vinhos, quanto mais gelados, mais solúveis ficam para o oxigênio. Ele sugere que refrigeremos os vinhos, apenas – desde que sejam bebidos em mais um ou dois dias.
Algumas pessoas congelam suas sobras. O princípio é o mesmo que manteve animais pré-históricos nas geleiras praticamente perfeitos depois de milhões de anos. Esses vinhos congelados são ressuscitados após uns quatro minutos no microondas, meia hora em banho-maria ou em quatro horas em temperatura ambiente. A situação garante que o vinho não vai se alterar.
Mas a oposição jura que o congelamento modificará a estrutura molecular do vinho, tal como acontece com comida congelada. O frio extremo torna o oxigênio mais solúvel. O estrago continuará a ser feito.
Opções não faltam para que a amiga aproveite as sobras de vinho. O que falta é um consenso: qual o melhor método?
Experimente alguns deles. São não os utilize em vinhos mais velhos, com 10 anos de idade ou mais. Você os deve beber de uma vez só – já que eles se encontram bem oxidados. Mais um pouco de oxigênio, eles vão pro vinagre. Não adianta, também, tentar alguma coisa com os vinhos doces ou com os espumantes. Os primeiros oxidam muito vagarosamente. Os outros são protegidos do ar pelo dióxido de carbono (as bolinhas).
Para o professor Boulton, quaisquer desses métodos carecem de comprovação científica. “Devemos duvidar de todos eles”, diz o enólogo.
As amigas podem até deixar sobras de vinho para 2008. Só não podem é poupar sua alegria em comemorar a passagem de mais uma etapa de vida.

20.12.07

Como será 2008?

O que poderá acontecer com as minhas bebidas, em particular com os meus vinhos em 2008? Examinei minhas folhinhas de chá e não descobri muitas novidades.
Vamos continuar ouvindo falar (mal, na maioria das vezes) dos vinhos com muito álcool, lendo sobre intermináveis e absurdos debates sobre a influência do terroir, sobre a massificação dos vinhos. E mais declarações sobre a falência (ou a propriedade) dos sistemas de pontuação (100 pontos, 20 pontos, três ou cinco estrelas?); sobre as picuinhas entre Robert Parker e seguidores e Jancis Robinson e acólitos; das novas regiões do vinho em razão do aquecimento global. E os rosados? Estão todos encantados com eles; voltaram a ocupar lugares de destaque na preferência dos consumidores. Volta e meia ouviremos sobre alterações nos rótulos para incluir todos os ingredientes que o enólogo utilizou para produzi-lo. E teremos mais sobre as inesgotáveis e surpreendentes descobertas sobre os benefícios do vinho para a nossa saúde. E mais a respeito dos vinhos exclusivos para a comunidade GLS, sem falar das inimagináveis combinações de vinhos com os pratos típicos de Cabrobró, bem como de harmonizações fantásticas de vinhos com música (já falamos disso aqui), com dor de cotovelo e com a exaustão (dirija 36 horas ininterruptamente: o vinho que você experimentar quando parar será di-vi-no!). A lista é enorme, mas déjà vu.
O oráculo do chá não operava ao meu gosto. Queria mesmo era comentar sobre algo que viesse afetar concretamente o mundo dos vinhos. Então, resolvi olhar de longe, o que é fácil quando se mora na Serra de Petrópolis. E acho que consegui divisar alguns tópicos importantes, pelo menos para mim.
O mundo verde. É assunto da máxima importância, por isso volto a ele. Vocês já entraram numa vinícola tradicional? Pela manhã, não se para de tossir e esfregar os olhos, pois o vinhedo está recebendo sprays de produtos químicos. Mas essa situação está mudando. Aos poucos, mas está mudando. Nos Estados Unidos, a cada semana uma vinícola converte-se de tradicional para orgânica ou biodinâmica. Cerca de 2% de todo o suprimento alimentar norte-americano compõe-se de orgânicos. Nos últimos dez anos, os produtos orgânicos cresceram pelo menos 20% no país (é o setor que mais rapidamente na agricultura do país). Alimentos orgânicos já podem ser encontrados em qualquer lugar. Nos EUA, a venda de vinhos orgânicos cresceu 28%, chegando aos 80 milhões de dólares. A Espanha já tem mais de 100 vinícolas praticando a produção orgânica ou biodinâmica. Já podemos tomar excelentes vinhos orgânicos na Borgonha.
Porém, o debate não é sobre a maior ou menor qualidade desses vinhos sobre os tradicionais. Destaco é a prática de não se utilizar herbicidas e pesticidas, de buscar-se a todo o custo respeitar a natureza, de plantar árvores como uma compensação pelo dióxido de carbono despejado na atmosfera como resultado da fermentação (as árvores podem absorver até uma tonelada de CO2 por ano). Falo é de práticas corretas sob o prisma ambiental, que podem ajudar a reparar o estrago que promovemos no meio ambiente (vide aquecimento global).
Daí, que consegui enxergar um pouco mais longe. E me preocupei.
O dragão chinês. Vi imediatamente a imensa sombra lançada pelo fogoso e descomunal dragão chinês. Sim, ela consegue chegar até aqui em casa.
A China já tem 450 mil hectares de vinhedos plantados, mais do que os Estados Unidos. Em 1997 tinha 200 mil hectares. A produção de uvas cresce 17% ao ano. O país é hoje potencialmente o maior mercado de vinhos do mundo.
Na maioria das vinhas cresce espécies selvagens da Vitis (como a Longyan, ou “olho do dragão”). As novas plantações são predominantemente da Vitis vinífera, com um forte domínio das uvas tintas, sendo a Cabernet Sauvignon a mais popular.
O chinês já foi um consumidor ingênuo, chegando a misturar refrigerante com o Bordeaux mais fino. Hoje, pelo menos o noveau riche de lá é mais esperto e muito guloso: é um dos maiores compradores nos leilões de vinhos raros ocidentais. Mas a pirataria e negócios por debaixo do pano ainda imperam. A qualidade é, em geral, suspeita. A maioria dos rótulos resulta de uma mistura de vinho a granel (quase todos do Chile) com vinho local (e até com suco de frutas e água).
Pesquisa da Vinexpo desse ano revela que a China será o oitavo maior consumidor de vinho do mundo lá pelo ano de 2012. Já está entre os 10 maiores consumidores de vinho desde 2006 e crescerá 70% até 2011. Esse ano a indústria de vinhos do país cresceu 26%, vendendo um total de US$ 813 milhões. Em 2017, os chineses estarão bebendo 50 milhões de caixas de vinho. Quem não quer ficar com um pedaço desse mercado? Os franceses são hoje os maiores exportadores (40%), seguidos pelos australianos (20%) e, de perto, pelos EUA e Chile.
Quem já opera lá hoje sofre com regras “não escritas”. Restaurantes e bares são os maiores compradores internos: mas figurar na lista de vinhos deles custa um bocado. Existem taxas por debaixo do pano para tudo, inclusive a obrigatoriedade de “presentinho$” de fim de ano para se manter na lista. Nos hotéis, praticamente todos os gerentes cobram por “incentivos” de venda, naturalmente tudo nas sombras. Não é bem uma novidade para os ocidentais.
Com todo esse monumental crescimento, a pergunta é: haverá uvas suficientes na China para atender a tal demanda? Aliás, haverá também uvas nos vinhedos ocidentais para atender à sede chinesa. Restará alguma coisa boa para o consumidor comum, para quem mora por aqui? A qualidade dos vinhos remanescentes será marcada pelo bafo do dragão? O vinho industrializado definitivamente vai imperar, com as Constellations da vida comprando mais e mais vinícolas para saciar o dragão (e encher seus bolsos)? Bordeaux já especula com preços por conta de uma suposta escassez de vinhos em razão do mercado chinês.
No rastro do dragão. As garrafas de vidro já começam a falar. O mercado chinês é monumental, sesquipedal: todos os esforços serão feitos para atendê-lo. Comentei numa coluna passada que produtores importantes, como o francês Castel, estão substituindo suas garrafas de vidro pelas de plástico.
Ora, só para água mineral engarrafada, produzem-se por ano, em todo o mundo, 2,7 milhões de toneladas de plástico. Elas são feitas a partir do petróleo cru, do qual se consome 1,5 milhões de barris de óleo (o suficiente para abastecer 100 mil automóveis por ano).
Cerca de 90% dessas garrafas de plástico são jogadas fora. Às vezes, no lixo. Mas em grande parte no solo. Elas podem levar até mil anos para se degradarem. Enquanto isso não acontece, despejam inexoravelmente produtos químicos que contaminam, não apenas o solo, mas a água existente no subsolo. É irônico, não? Supostamente, as água engarrafas deveriam ser pelo menos as mais saudáveis. Mas veja de onde as empresas vão retirar suas águas para abastecer o consumidor no futuro.
E não apenas as águas para consumo humano ficarão contaminadas. As utilizadas para irrigação também. Logo, a qualidade de nossas frutas (entre elas a uva) e legumes corre perigo.
A mania de água engarrafa acaba de receber uma senhora puxada de orelhas. A revista inglesa Decanter promoveu uma degustação onde se comparava a água de bica de Londres (originária do rio Tamisa) com 24 marcas de águas de todo o mundo. A degustação buscava analisar a qualidade, sabores etc. Pois á água fornecida pela CEDAE inglesa ficou em terceiro lugar em termos de sabor. É a mais barata delas. Leia sobre o teste aqui. Que pena que ainda não tenha chegado aqui a prática de servir apenas água filtrada, praticada agora pelos mais estrelados restaurantes de Nova York e San Francisco.
Pois é isso, amiga não poderia imaginar que um dia o Livro Vermelho do Camarada Mao acabaria no Irajá, transformado numa carta de vinhos, que de vermelho mesmo tem é uma grande quantidade de tintos.
Também não desconfiávamos que tal fato tem o potencial de danificar ainda mais o nosso sistema ambiental, via a produção de mais garrafas, sejam as de vidro ou as de plástico, via a industrialização das vinhas, o uso intensivo de químicas para aumentar a produção. Nossa sorte, ainda, é a de que aqui, os nossos melhores vinhos ainda resultam de produtores familiares, pequenos, que querem apenas conquistar o consumidor doméstico. Buscam qualidade.
Nesse Natal, beba vinho apenas por prazer, amigas. O mesmo prazer com que envio daqui o meu abraço para todas vocês. Feliz Natal.Se sonharem com algum dragão, escrevam aqui para a Soninha.

17.12.07

O Livro Vermelho dos vinhos

Penso que toquei em alguns dos principais fatos e tendências do mundo das bebidas, em particular, o dos vinhos, nesse ano cujo fogo agora se apaga. Falar do que vem pela frente parece fácil, dada a imensa sombra lançada pelo fogoso dragão chinês que chega até aqui em casa, na Serra de Petrópolis.
A China já tem 450 mil hectares de vinhedos plantados, mais do que os Estados Unidos. Em 1997 tinha 200 mil hectares. A produção de uvas cresce 17% ao ano. O país é hoje potencialmente o maior mercado de vinhos do mundo.
Na maioria das vinhas cresce espécies selvagens da Vitis (como a Longyan, ou “olho do dragão”). As novas plantações são predominantemente da Vitis vinífera, com um forte domínio das uvas tintas, sendo a Cabernet Sauvignon a mais popular.
O chinês já foi um consumidor ingênuo, chegando a misturar refrigerante com o Bordeaux mais fino. Hoje, pelo menos o noveau riche de lá é mais esperto e muito guloso: é um dos maiores compradores nos leilões de vinhos raros ocidentais. Mas a pirataria e negócios por debaixo do pano ainda imperam. A qualidade é, em geral, suspeita. A maioria dos rótulos resulta de uma mistura de vinho a granel (quase todos do Chile) com vinho local (e até com suco de frutas e água).
Pesquisa da Vinexpo desse ano revela que a China será o oitavo maior consumidor de vinho do mundo lá pelo ano de 2012. Já está entre os 10 maiores consumidores de vinho desde 2006 e crescerá 70% até 2011. Esse ano a indústria de vinhos do país cresceu 26%, vendendo um total de US$ 813 milhões. Em 2017, os chineses estarão bebendo 50 milhões de caixas de vinho. Quem não quer ficar com um pedaço desse mercado? Os franceses são hoje os maiores exportadores (40%), seguidos pelos australianos (20%) e, de perto, pelos EUA e Chile.
Quem já opera lá hoje sofre com regras “não escritas”. Restaurantes e bares são os maiores compradores internos: mas figurar na lista vinhos deles custa um bocado. Existem taxas por debaixo do pano para tudo, inclusive a obrigatoriedade de “presentinho$” de fim de ano para se manter na lista. Nos hotéis, praticamente todos os gerentes cobram por “incentivos” de venda, naturalmente tudo nas sombras. Não bem uma novidade para os ocidentais.
Com todo esse monumental crescimento, a pergunta é se haverá uvas suficientes na China para atender a tal demanda. Aliás, se haverá também uvas nos vinhedos ocidentais para atender à sede chinesa. Restará alguma coisa boa para quem mora por aqui? A qualidade dos vinhos remanescentes será marcada pelo bafo do dragão? O vinho industrializado definitivamente vai imperar, com as Constellations da vida comprando mais e mais vinícolas para poder dar conta do dragão. Bordeaux já especula com preços por conta de uma suposta escassez de vinhos em razão do mercado chinês.
Quem diria, o Livro Vermelho do Camarada Mao acabou no Irajá, transformado numa carta de vinhos, que de vermelho mesmo tem é uma grande quantidade de tintos. Um Natal pra lá de feliz e muito azul para você e família, leitor.

13.12.07

Sobre pérolas

Acho que podemos sempre criar ocasiões para brindar, festejar, ofertar. Mas essa é a época do ano em que fazemos isso com mais freqüência, em que o espírito de fraternidade atinge o seu auge. E brindamos, brindamos sem parar. A história começou na Antiguidade com brindes à saúde – para que nossos convivas não pensassem que a bebida estivesse envenenada e que ninguém fosse fazer com eles o que os pombos fazem com as estátuas. E os espumantes são, com certeza, a grande pedida nas festas de fim de ano, onde além de saúde se deseja felicidade. E sobre eles as bolhinhas tenho três comentários:
A razão das bolhas. A fermentação do vinho produz álcool e dióxido de carbono (CO2) – que é o gás presente nos espumantes, o responsável pelas queridas bolhinhas (ou “pérolas gasosas”, como li outro dia). Falam os técnicos que uma garrafa de 750 ml de espumante pode conter até 20 milhões de unidades dessas “perolas”. Não me pergunte como contaram. Muitos profissionais acreditam que essas bolhas brotam de imperfeições, riscos e saliências nas taças. Muitos restaurantes, inclusive, arranham suas taças esperando servir espumantes mais borbulhantes.
Nada disso. Físicos brasileiros e franceses (entre eles, Gérard Liger-Belair, da Universidade de Reims, França, e Alberto Tufaile, da Universidade de São Paulo) fizeram um grande estudo sobre os ritmos das bolhas nas flutes. E descobriram que elas nascem de sujeirinhas na taça, em pontos da parede do copo aos quais aderiram diminutas impurezas, em geral fibras de celulose de 100 micrometros vindas do ar, inofensivas à saúde. Ou, sim, são subprodutos de copos mal lavados.
Assim, amiga, não adianta colocar uma colher de chá no gargalho das garrafas para segurar as bolhas. Podem lavar à vontade que aquelas microscópicas sujeirinhas vão estar sempre no ar. E estimular as nossas bolhinhas. Leia a interessante matéria no Jornal do Vinho.
Para quem não se importa. Não se importa com o aquecimento global, com diferença cada vez maior entre ricos e pobres, não dá a mínima para a exclusão social; não está nem aí para assuntos como risco ambiental, desmatamento, proteção da flora e fauna, conservação da biodiversidade. Então, temos um espumante especial para você.
É a Yellowboam – a garrafa mais preciosa até hoje produzida pela Veuve Clicquot, uma venerável casa de Champagne com mais de 200 anos de história, em comemoração ao 130º aniversário do Veuve Clicquot Yellow Label, o seu rótulo mais importante. São 3.600 garrafas Jeroboam (de 3 litros), com cápsulas pintadas a ouro de 22,4 quilates e a tela de metal (de proteção da rolha) inteiramente em ouro de 24 quilates gravados com a assinatura de Madame Clicquot, a própria viúva. Os rótulos da garrafa não utilizam papel, mas são feitos de três tipos de peles exóticas. Você escolhe: crocodilo, avestruz ou arraia. Cada garrafa vem numa caixa de madeira finíssima, dentro da qual é anexada uma carteira de couro. Veja aqui. Preço: 1.250 Euros, ou 2.600 reais (sem impostos etc.). Pode ser que seja um bom presente. Mas a Yellowboam me envergonha. Eu me importo com cada um dos itens listados no início desse tópico. E me dói pensar no destino de crocodilos, arraias e avestruzes.
Gosto mais do filme. Pois o Martin Scorsese criou e dirigiu um documentário de quase 10 minutos para a Freixenet, uma das maiores produtora de espumantes da Espanha. Lá espumante é chamado de cava, palavra de origem catalã que significa adega. A cava vem da região de Penedés, na Catalunha, e compreende uma dúzia de produtores usando a mesma técnica de Champagne, o “método tradicional”.
Pois a Freixenet resolveu mudar a sua promoção de Natal (há 40 anos, comerciais com uma celebridade acompanhada por bailarinas representando as bolhinhas e um tema musical). Agora, porém, a empresa decidiu renovar. E encarregou Martin Scorsese para rodar um curta metragem, onde só impunha três itens: que fosse exibida uma garrafa do seu espumante “Cava Nevada”, aparecesse a palavra “Reserva” e de que houvesse um brinde.
O premiadíssimo diretor resolve então virar a mesa e prestar uma homenagem a Alfred Hitchcock, o mestre do suspense (“Janela Indiscreta”, “Intriga Internacional”, “Psicose”, “Os pássaros” etc.). Ele descobriu o roteiro de um filme que o mestre não conseguiu realizar. O roteiro, contudo, estava incompleto. Mesmo assim, ele filmou o roteiro sobrevivente e recriou a parte que faltava. O nome do documentário é “A Chave para o Reserva” (“The Key to Reserve”). Mostra um homem carregando uma caixa no Carnegie Hall de Nova York, durante um concerto, cuja peça tocada é o tema musical do filme “Intriga Internacional”. O personagem guarda a caixa e entra num camarote à procura da chave para abri-la. Ela está numa lâmpada, que ele abre com seu lenço. Mas é visto por um violinista, cúmplice do marido de sua amada (ela e o marido assistem ao concerto nas poltronas). Acontece uma luta mortal. E, portanto, está na hora de você ver o documentário (em espanhol, catalão ou inglês). Adorei as referências a Hitichcock, com lembranças a Cary Grant (o lenço com as iniciais ROT, do personagem de Cary Grant em “Intriga Internacional”), um flash tal e qual o disparado em “Janela Indiscreta” e os pássaros se reunindo ameaçadoramente na janela da sala onde o diretor comenta o filme.
O filme, em minha opinião, é superior à cava da Freixenet. Mas certamente será um estímulo para que a empresa eleve a sua qualidade. Ela sabe tudo sobre espumantes.
Os espumantes nacionais. Suas vendas não param de crescer, até porque suas qualidades são cada vez mais reconhecidas. Estão sempre figurando nos primeiros lugares de concursos internacionais importantes. Inclusive, a francesa Béatrice Da Ros, diretora da União de Enólogos da Franca e do concurso Vinalles Internationales, declarou que “os espumantes brasileiros são comparáveis a alguns dos melhores do mundo”.
No Concurso Vinus, realizado em setembro último na cidade de San Rafael, em Mendoza, Argentina, os brasileiros apresentaram 24 amostras para concorrer com 684 garrafas de 24 países. Ganhamos 17 medalhas: sete de ouro e 10 de prata. E os nossos espumantes se destacaram, com sempre, com nove dos nossos 17 ouros. Eis os premiados:
Medalha de Ouro: Aurora Espumante Moscatel (Cooperativa Vinícola Aurora), Casa Valduga Espumante Moscatel Premium 2006 (Casa Valduga Vinhos Finos), Panizzon Espumante Prosecco Brut 2006 (Sociedade de Bebidas Panizzon), Valmarino Espumante Moscatel 2007 (Estabelecimento Vinícola Valmarino).
Medalha de Prata: Casa Valduga Espumante Brut Premium 2004 (Casa Valduga Vinhos Finos), Cave D’Castro Espumante Moscatel 2006 (Vinhos Finos Casa Garcia), Conde de Foucauld Espumante Brut (Cooperativa Vinícola Aurora), Panizzon Espumante Moscatel 2007 (Sociedade de Bebidas Panizzon), Salton Espumante Brut Reserva Ouro (Vinícola Salton),
Nessas festas, inclua sempre as nossas “pérolas”, são sempre preciosas e a preços convidativos.
Se quiser uma lista com mais espumantes é só clicar aqui para a Soninha no soniamelier@terra.com.br
Da Adega.
Os espumantes da Famiglia Fornari. Continuamos com os espumantes. Agora, os argentinos da Famiglia Fornari, que a Importadora
Cantu está trazendo para cá. São vinhos assinados pelo enólogo Ceza Azevedo, que já respondeu pelos espumantes Mumm, da Pernod Ricard. São três estilos: os Famiglia Fornari Brut, Demi-Sec e Brut Reserva.
Porchetta Allá Romana. O chef Chico Ferreira, da
Romã Produções Gastronômicas, oferece essa deliciosa receita de porchetta para incrementar as festas de fim de ano. Vamos a ela, que pode ser servida para 20 pessoas.
Ingredientes:
1 leitão inteiro de 7 kg, que, após desossado inteiro, sem cabeça, paleta e pernil fique com algo em torno de 2,8 e 3 kg;
2 colheres (sopa) de sementes de erva-doce levemente amassadas;
5 ramos de alecrim picado;
1 xícara de salsinha picada;
12 dentes de alho amassados;
1 xícara de vinho branco;
1 xícara (chá) de suco de limão;
1 xícara (chá) de óleo de oliva;
1 kg de lingüiça toscana fresca sem pele e desmanchada;
300 kg de pancetta em fatias finas;
Óleo de oliva;
Sal;
Pimenta-do-reino;
Modo de preparo:
Sua preparação tem início ainda no açougue. Peça ao açougueiro que desosse o leitão, descartando a cabeça e separando os pernis e as paletas. Corte a carne destas partes em cubos e reserve. O restante do leitão deve ficar com o formato de um retângulo com a pele intacta e algumas partes mais carnudas, como o lombo, e outras menos, como a coluna. Apare a carne das partes muito grossas de forma que fique o mais nivelado possível, corte essas aparas em cubos e junte à carne dos pernis e paletas.
Tempere a porchetta e os cubos de carne com o sal, a pimenta do reino, as sementes de erva doce, o alho, o alecrim, a salsinha, o vinho branco, o suco de limão e um pouco de azeite de oliva. Deixe marinando na geladeira por uma noite. No dia seguinte tire a porchetta do tempero e deixe escorrer para secar bem (isto facilita o trabalho de costurar). Abra-a em uma tábua e distribua as fatias de porchetta, a lingüiça e os cubos de carne. Enrole tudo e feche a carne costurando pelo couro. Amarre a porchetta com um barbante para que fique com o formato cilíndrico.
Leve a porchetta para assar em cima de uma grelha dentro de uma assadeira grande com o lado da costura virado para baixo (quem não tiver assadeira com grelha, pode improvisar usando alguns palitos japoneses, os hashis). Regue com a marinada, cubra com papel alumínio e asse por 3 horas, regando e virando constantemente. Sempre deve restar algum líquido no fundo da assadeira, se secar demais junte um pouco de água.
Depois deste tempo, retire o papel alumínio, pincele com um pouco de azeite de oliva e leve para dourar em fogo forte por aproximadamente 20 minutos. Retire do fogo, espere esfriar um pouco e retire o barbante. Enrole a porchetta em papel alumínio, enrole bem forte por fora com fita adesiva e leve à geladeira para que permaneça bem firme. No dia seguinte desembrulhe, corte em fatias finas e sirva a porchetta fria com gomos de limão, azeite de oliva e uma salada de folhas verdes.
Bom apetite!

6.12.07

A cor da vez

Sabemos que muita gente escolhe vinho pela cor. E por muito tempo a maioria das pessoas decidia apenas entre tintos, brancos e rosados. Mas agora existe um grupo de consumidores, que cresce a cada dia, que só escolhe vinho por cor – apenas por uma determinada cor. Certamente, optariam por uma das três citadas, certo? Mas, não. A cor preferida é outra.
É verde. Não o verde dos vinhos portugueses, aqueles produzidos no noroeste do país, muito refrescantes, com aquela “agulha”, a ligeira efervescência a nos pinicar a língua. São verdes apenas nome (derivado talvez de sua juventude: eles não amadurecem como os demais), pois só os encontramos nas versões tinta e branca.
O verde aqui é qualquer vinho orgânico ou biodinâmico ou natural, uma bebida ecologicamente correta. Nos Estados Unidos, segundo uma pesquisa da National Restaurant Association (Associação Nacional de Restaurantes), são os vinhos orgânicos que estão sendo mais procurados. A revista pesquisou mais de mil chefs sobre o que, entre as bebidas alcoólicas, está atraindo mais os freqüentadores dos seus estabelecimentos.
A surpresa não é grande. A tendência do consumidor de lá pelo que é benéfico para o meio ambiente é bem evidente. Vinhos orgânicos são produzidos e consumidos desde 1960 no país. Só chegaram à Europa na década de 90. No Brasil, que eu saiba, o primeiro vinho orgânico foi o Cabernet Sauvignon Juan Carrau, de 1997. Em 1999, Carrau lançou um segundo, um branco com a Gewürztraminer. Ambos fazem parte da Linha Verde do Velho Museu, vinícola de Carrau na Serra Gaúcha.
O site Planeta Orgânico explica que todo alimento orgânico é mais do que um produto sem agrotóxicos.
“É o resultado de um sistema de produção agrícola que busca manejar de forma equilibrada o solo e demais recursos naturais (água, plantas, animais, insetos, etc.), conservando-os a longo prazo e mantendo a harmonia desses elementos entre si e com os seres humanos. Deste modo, para se obter um alimento verdadeiramente orgânico, é necessário administrar conhecimentos de diversas ciências (agronomia, ecologia, sociologia, economia, entre outras) para que o agricultor, através de um trabalho harmonizado com a natureza, possa ofertar ao consumidor alimentos que promovam não apenas a saúde deste último, mas também do planeta como um todo”.
Nos Estados Unidos, os consumidores compram os orgânicos por que seriam melhores para a saúde; porque são produtos que protegem o meio ambiente. E porque acham que são vinhos de grande qualidade. Noto que os produtos orgânicos produzidos no Brasil (somos até exportadores) também ganharam imagem de produtos de alta qualidade.
De um modo geral, tanto os vinhos orgânicos quanto os convencionais gozam dessa imagem positiva, isenta de reprovações quando pensamos o quanto de danos os humanos estão provocando no planeta: as emissões de carbono, os produtos químicos perigosos, o lixo não-reciclável etc.
Tomamos o nosso vinho envoltas num clima de romance e história: aqueles gregos, romanos, os monges, os artesões produzindo um produto puro, enquanto nós aqui pensando que o aquecimento global está bem a léguas de nossa querida taça.
Será mesmo? Como o vinho poderia prejudicar o meio ambiente?
O problema da água. Fungicidas, herbicidas e fertilizantes usados para combater o mofo, pestes e tornar as vinhas mais produtivas podem afetar o lençol freático, a água subterrânea, que pode ficar contaminada para ser bebida ou utilizada para irrigar outras culturas.
Da mesma maneira, o despejo da água utilizada pelas vinícolas para lavar barris e tanques pode danificar ecossistemas de rios, lagos e lagoas. Não, não culpe apenas os grandes grupos. Os pequenos produtores não fazem diferente dos grandes.
A grande ressalva é a de que 99% da água utilizada na produção de vinho vão para a irrigação, muito mais do que na cultura do arroz, por exemplo (2.380 litros de água por quilo do grão).
O caso das garrafas. Para fazermos vidro precisamos fundir muita areia (mais dióxido de silício, carbonato de sódio e carbonato de cálcio), a uma temperatura altíssima, acima dos 1.500º C. Todo esse calor exige um consumo fenomenal de energia, que vai resultar em emissões de gases do efeito estufa, aqueles que absorvem parte da radiação infravermelha, aumentando a temperatura da Terra, provocando mudanças climáticas. Além disso, o transporte de, digamos, mil garrafas de vidro vai gerar mais energia (mais emissões de CO2) do que o de mil garrafas de plástico, mais leves. Fazer o quê? Substituir o vidro pelo plástico? O vidro é reciclável, já o plástico. O problema aqui está longe de uma solução.
A pegada de carbono. É a medida do impacto das atividades humanas sobre o meio ambiente, em termos da quantidade de gases do efeito estufa produzido. A medida é feita em unidades de dióxido de carbono. O processo de fermentação nas vinícolas gera CO2, outros equipamentos na vinícola (prensas etc.) também produzem esse gás. Mas a maior quantidade de pegadas está nas viagens que os vinhos fazem da vinícola para seus destinos. Perambulam por todo o mundo. Não existem muitas estatísticas a respeito, mas a Viña Ventisqueiro, chilena, calculou que um container com 1.540 caixas de seus vinhos, do Chile para a Inglaterra, equivale ao consumo de duas toneladas de petróleo. É praticamente impossível projetar o dano causado pelo transporte do vinho, por qualquer meio, em qualquer lugar. Mas devem ser menores do que as emissões promovidas por qualquer bebida em garrafas de plástico. Pobre consolo.
O lixo do vinho. Vinho não é apenas juntar uvas com fermento. Parece limpo, mas deixa, ao final, um monte de lixo, na forma de cascas, talos, hastes, sementes, polpas - é um bagaço pouco utilizado pelas vinícolas. Algumas, o emprega como fertilizante, outras para fazer destilados (grappa, bagaceira etc.). Uma boa novidade é que já estão conseguindo transformá-lo em combustível. A vinícola canadense Inniskillin, importante produtora de “vinhos de gelo”, já está enviando o bagaço de sua produção para uma empresa de Ontário especializada em energia alternativa. Lá o bagaço se transforma em biogás, enquanto se decompõe ajudado por microorganismos, liberando gás metano. Aliás, o lixo orgânico, do óleo de cozinha ao cocô do totó, pode ser transformado em gás metano. Residências em Ontário já começam a ser aquecidas através desse recurso. Enquanto isso, a União Européia já votou a favor, por razões de proteção do meio ambiente, da obrigatoriedade da destilação de subprodutos do vinho, como o citado bagaço. Serão transformados em álcool. Mas soluções como a Inniskillin são até melhores.
O problema humano. Do Novo ao Velho Mundo, a indústria do vinho utiliza intensivamente o trabalho humano, trabalho manual, com trabalhadores recrutados sazonalmente. Em qualquer parte vamos encontrar imigrantes ilegais, como os mexicanos na Califórnia, ou Tailandeses na Nova Zelândia trabalhando sob condições inadequadas ou inescrupulosas. Pois é, bóias-frias são tratados da mesma maneira em todo o mundo. E essa é uma pegada desumana, que precisa ser corrigida.
Diante disso, acho ótimo que vinhos orgânicos estejam sendo mais procurados. Acho que sua maior qualidade é um manejo correto do meio ambiente, o que implica em saúde para a Terra e para os seus moradores. Mas eles não estão livres dos problemas relatados acima.
Preferiria que a moda pelo verde não ficasse restrita a um sistema de produção agrícola. Mas a um cuidado maior, necessário e urgente com a Mãe Terra.
Como estão suas pegadas de carbono, leitora? Fale aqui com a Soninha : tenho dicas para reduzi-las.
Da Adega
Loja Virtual vai atender todo o país. A World Wine, uma das três maiores importadoras de vinhos finos do país, inaugurou no último dia 4, terça-feira, a sua primeira loja virtual. A empresa possui uma lista de 1.200 rótulos de mais de 220 produtores de 15 países (como França, Itália, Chile, Argentina etc.). Desses, 160 estão já disponíveis no site (veja
aqui). O objetivo da WW é gradualmente aumentar a oferta até chegar ao total importado.
Noto que eles não cobram (ou embutem no preço) o custo do transporte, na maioria dos casos. Para quem mora na Grande São Paulo, no Rio (capital) e Vitória, o vinho chega em 3 dias úteis. Para o interior de São Paulo, do Rio de Janeiro e Espírito Santo e também para Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul e Salvador a bebida chega em 5 dias. Bahia, Distrito Federal, Goiás e Minas Gerais: 7 dias. Amazonas: 15 dias (sujeito a taxa de armazenamento). As demais regiões em 10 dias úteis.
Além da Internet, a WW oferece um serviço de televendas, para auxiliar o consumidor para tirar dúvidas, oferecer dicas etc. A World Wine confia no crescimento do comércio virtual, que em 2006 resultou num faturamento de R$ 4,4 bilhões (cresceu 76%) vendendo livros, revistas, CDs, DVDs e equipamentos eletrônicos. As regiões sul e sudeste lideram as vendas (na base de 70% de participação).

3.12.07

Saber sobre vinhos

Leitor pede que eu recomende livros sobre vinhos. Quer “ter o maior conhecimento possível sobre a matéria”. É um pedido recorrente. Só que, antes, acho melhor fazer um rápido comentário sobre o que entendo por conhecimento.
Penso que é preciso mais horas de samba para apreciarmos um Chico Buarque do que um Adoniran Barbosa. Olha que ambos são gênios da classe. Mas um é mais simples e outro mais complexo (oferece mais elementos para a nossa degustação). No o assunto é cinema, repare nos graus de complexidade que existem num Chaplin, Hitchcock, Glauber Rocha ou Bergman. Igualmente, todos eles pilares no seu ofício, mas com diferentes escalas de acessibilidade.
Cultura – ou conhecimento – implica na conquista de habilidades para percebermos todos os atrativos e singularidades de qualquer coisa: cerveja, literatura, moda, gastronomia, fumo, arquitetura, galinha d’angola (o meu caso) etc. À medida que acumulamos essas habilidades, armazenamos mais conhecimentos.
O economista americano (nascido na Hungria) Tibor Scitosky (1910-2002), professor de Stanford, definia cultura como “essa parte do conhecimento que provê a redundância necessária para tornar um estímulo desfrutável. A cultura é a informação preliminar que se tem de possuir para gozar do processamento de informação posterior” (The Joyless Economy, Oxford, NY).
Portanto, comece por aqueles estímulos mais desfrutáveis. Se o caso é literatura policial, inicie pelo princípio, Edgard Allan Poe, Conan Doyle, Agatha Christie; e continue com Hammett, Chandler, Rex Stout, Simenon. Não esqueça os nossos: Eliane Paiva, Patrícia Melo, Tony Belloto, Luiz Alfredo Garcia-Roza. Saboreie o travesso do Mandrake, de Rubem Fonseca. Compare-o com o Maigret, com o Bellini, o Nero Wolfe ou o Poirot. Vai notar que esses personagens oferecem camadas variadas e diferenciadas de prazer. E assim acumulamos bastante conhecimento sobre o romance policial. Sem mistérios.
A mesma coisa com os vinhos. Saber sobre eles é experimentá-los, antes de tudo. Anote o que provou: cores, aromas, sabores. E siga em frente, não pare nunca. A cultura – ou conhecimento – não se nutre de teorias, mas de familiarização ou, como diz o filósofo espanhol Juan Antonio Rivera, “da freqüência a estímulos que faz com que a novidade inicial que continham para nós vá se tornando pouco a pouco reduzida”.
Um dia, você conhece um vinho novo, com uvas que nunca ouviu falar, de uma região e vinícola desconhecidas. Novidades implicam sempre num desafio à nossa capacidade de avaliação. Muita gente prefere ficar no conforto do já conhecido. Mas o desfrute máximo é quando aceitamos o risco de experimentar. A essa altura, já teremos muitos conhecimentos para avaliar devidamente qualquer novidade. Estaremos mais sabidos do que qualquer enciclopédia. Querido leitor, não pare de experimentar. Nos intervalos, leia algum livro sobre vinhos. Você vai poder até criticá-lo.
Sabores chilenos. No Brasil, a enóloga chilena Marcela Chandía, da Viña Calina, para conhecer o nosso mercado e apresentar seus vinhos. Entre eles, o Calina Chardonnay Reserva 2004, o Calina Carbernet Sauvignon Reserva 2006 e o Alcance Carmenère 2005. A Viña Calina é uma das vinícolas de maior sucesso no Chile. A enóloga vem a convite da importadora World Wine.