22.10.08

O remédio sueco

O comércio de bebidas alcoólicas será também estatizado? Pelo que entendi, o plano americano para solucionar o caos financeiro é socializar o sistema, estatizá-lo, pelo menos em parte. Um editorial do New York Times diz que “injetar dinheiro diretamente nos bancos em troca de uma fatia da propriedade resultaria num impulso mais rápido e poderoso ... seria também melhor negócio para os contribuintes pois daria a eles o direito imediato a lucros gerados pelos bancos”. A prática se estende à Europa e até no Brasil já começa a ser cogitada.
Mas ela já aconteceu na Suécia, em 1992, onde estourou uma bolha semelhante, o governo interveio. Muito das presentes iniciativas têm base na chamada “solução sueca”. A estatização lá se estendeu até ao comércio de bebidas alcoólicas.
O governo sueco, na ocasião, criou o Systembolaget, um monopólio estatal de vinhos e destilados, até recentemente, o maior comprador de bebidas alcoólicas do mundo. No site da empresa explica-se que o tal controle não visa o lucro através da venda de álcool: sem essa motivação, não há razão de persuadir consumidores a comprar além da conta e nenhuma razão para vender a pessoas de menos de 20 anos. Aparentemente, essa idéia provou-se eficiente na prática. O consumo de álcool na Suécia estaria entre os mais baixos da Europa (no início do século XIX ficava entre os mais altos). O argumento é o de que capitalismo é muito bom, os incentivos para o lucro são poderosos. E o álcool é legal, também. Mas os problemas acontecem quando as duas coisas se misturam. Daí, a criação de um monopólio estatal nesse setor.
Systembolaget (ou “A Companhia do Sistema”) é dona de uma vasta rede de lojas de bebidas espalhadas por toda a Suécia: a única autorizada a vender bebidas alcoólicas contendo mais de 3,5% de álcool. As bebidas precisam ser compradas individualmente (não entregam em casa); as promoções (“compre uma leve outra grátis...”) são proibidas; nenhum produto pode ser favorecido (por exemplo: todas as cervejas têm de ser refrigeradas; ou nenhuma delas); a idade limite para a venda é 20 anos (segundo o site, a principal razão do monopólio é forçar esse limite); é proibida a venda para pessoas embriagadas ou suspeitas de comprar para terceiros (e, implicitamente, para aqueles abaixo da idade limite).
O Systembolaget serve a um mercado de nove milhões de suecos e é um dos maiores compradores de vinho e destilados do mundo, aparentemente só perdendo para a Tesco, a grande rede inglesa de supermercado.
O monopólio está organizado em princípio para atender à demanda dos consumidores por vinhos e destilados, mas não para promover vendas e encorajar o consumo excessivo de álcool. Suas lojas são bem organizadas, os funcionários continuamente treinados, havendo eventos regulares de degustação. (Saiba mais em http://en.wikipedia.org/wiki/Systembolaget).
O economista e crítico de vinhos Mike Veseth pergunta se os suecos estão certos de que o motivo do lucro é perigoso em alguns mercados. Perigoso como o álcool. Essa, afinal, é a idéia por trás do Systembolaget. Será que finanças e bebidas alcoólicas são iguais – úteis, mas potencialmente letais? Excelentes quando atendem a necessidades legítimas, mas explosivas quando o objetivo do lucro leva ao abuso? Mike Veseth acha que a crise financeira está levando os EUA (e o mundo) a adotar um Systembolaget para os bancos.
Tomara que a intervenção estatal fique restrita a bancos e afins. As bebidas alcoólicas já possuem leis e controles suficientes na maioria dos países. O próprio Systembolaget parece contraditório. O lucro dessa estatal em 2007 foi de 74 milhões de dólares. O lucro, então, não é uma motivação?
Além disso, o consumo de álcool foi maior na Suécia do que em qualquer outro país ocidental. Num estudo recente envolvendo 15 países da União Européia, o consumo de vinho na Suécia cresceu 9%. O segundo lugar ficou com a Irlanda (que não tem qualquer tipo de monopólio controlador): mais 3,6%. Veja aqui. O vinho em caixas (bag-in-box) representa 55% do consumo total no país, o que para alguns é um fator de aumento do consumo de álcool às escondidas, em casa. E, portanto, incentivo ao alcoolismo.
Além disso, apenas 50% de todo o álcool consumido na Suécia se origina do Systembolaget. O restante vem de outras fontes, inclusive de destilados (principalmente vodca) ilegalmente feitos em casa, o que certamente pode levar a problemas de saúde e mais uma vez ao alcoolismo.
Acho, sim, que é papel dos governos intervir quando setores da sociedade bagunçam o coreto. Mas levar o estatismo a todas as áreas, como a das bebidas, não funciona, como vimos. Vamos só lembrar de nossas experiências com as autarquias de peixe, açúcar, café etc. Não dá certo. A coisa acaba ficando como aquela fazenda do Orwell (na “Revolução dos Bichos”), onde “todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros”.

Vinho brasileiro para leigos

O primeiro vinho brasileiro Ed McCarthy provou há menos de 20 anos: o Marcus James, da Aurora. Não ficou muito bem impressionado. Voltou recentemente ao Brasil e o panorama mudou. Acho que muitos leitores já conhecem Ed McCarthy, crítico de vinhos, co-autor de um senhor best-seller, “Vinho para Leigos” (“Wine for Dummies”, com Mary Ewing-Mulligan) e autor de vários sucessos da série “Dummies”: “Vinho branco para leigos”, “Vinho tinto para leigos”, “Vinho francês para leigos” etc. Contribui regularmente para revistas especializadas e numa delas, a Wine Review Online, na qual faz um registro sobre esse retorno aos nossos pagos.
Em primeiro lugar, ele acha que logo, logo, os consumidores norte-americanos estarão familiarizados com nossos vinhos. Acha que conseguirão a mesma popularidade dos argentinos e chilenos. “Hoje, diz ele, o Brasil é o quinto maior produtor de vinhos do hemisfério sul – depois da Argentina, Austrália, África do Sul e Chile, e, sim, é maior do que a Nova Zelândia, cujos vinhos conhecemos bem há mais de 15 anos”.
Ed registra o interesse crescente do brasileiro pelos vinhos, visita a nossa principal área produtora, no Rio Grande do Sul, aponta para a importante contribuição dos imigrantes italianos e para o clima temperado do RS. E comenta sobre alguns de nossos problemas: se não somos ainda um país enófilo o devemos em grande parte ao governo, “que ainda taxa os vinhos do país em até 50%”.
Fala das vinícolas que conheceu agora. “Uma grande cooperativa, a Cooperativa Vinícola Aurora, e duas grandes vinícolas, a Salton e a Miolo, dominam os mercados doméstico e de exportação, embora pelo menos 18 outras vinícolas estejam já exportando seus vinhos para todo o mundo.” E cita nossos principais mercados: EUA, Alemanha, Suíça, República Checa e Holanda, com o Canadá e Singapura crescendo rapidamente.
Na sua volta, verificou que o Marcus James continua à venda (inclusive nos EUA), mas que os melhores vinhos da cooperativa são aqueles comercializados com o seu próprio nome: Aurora. Ed visitou oito vinícolas e provou vinhos de pelos menos outras oito, a maioria no Vale dos Vinhedos.
“Minha primeira surpresa agora foi que quase todas as vinícolas produzem tanto espumantes quanto vinhos parados e em geral de muito boa qualidade”. Experimentou espumantes feitos pelos Métodos Tradicional e Charmat e também os frisantes ao estilo do Moscato d’Asti, com a Moscatel, que achou “excepcionais”.
Impressionou-o bem a quantidade de variedades que estamos utilizando em nossos vinhos parados. Destacou a Tannat, que aqui é mais frutada e menos tânica; a Cabernet Franc e a Teroldego. Achou melhor a Cabernet Franc da Casa Valduga: “sabor intenso, grande estrutura”. Embora produzido por poucas vinícolas, adorou todos os vinhos com a Teroldego (principal variedade tinta da região italiana de Trentino-Alto Adige). “A versão brasileira tem menos taninos e mais frutos do que o original italiano”.
Degustou também outras das varietais aclimatadas aqui: Tempranillo (gostou), Pinot Noir (apenas correto), Syrah/Shiraz, Barbera, Gamay, Malbec, Ancellota (italiana da Emilia-Romagna), Marselan (francesa, cruza da Cabernet Sauvignon com a Grenache) e a Nebbiolo (da Lídio Carraro, “muito boa, com o caráter da Nebbiolo original”).
Achou muito bons os brancos que provou. “Os Chardonnay são competentes, mas não espetaculares. Preferi os Sauvignon Blanc”. Gostou também do Pinot Grigio e do Viognier da Miolo, e do Gewürztraminer da Famiglia Valduga.
Miolo e Salton, segundo ele, têm seus vinhos bem distribuídos nos EUA. Indicou em particular os vinhos “Reserva da Família”, da Salton, “e especialmente sua linha Volpi”. Achou os vinhos da Miolo de “primeira categoria”. Os da Famiglia Valduga, da Lídio Carraro e da Aurora também os impressionaram. Como também os vinhos da Pizzato, Luiz Argenta, Perini, Courmayeur, Don Laurindo (estas do RS) e da catarinense Panceri.
Ed McCarthy tem seu valor como crítico de vinhos consagrado pela série “Vinho para Leigos”, competentes guias, feitos com extremo cuidado e correção. Seus comentários vão ajudar certamente a promover os nossos vinhos. O Ed andou um bocado para prová-los, leitor. Você não vai precisar de tanta trabalheira.
Para o crítico americano, nossos vinhos são bem produzidos, interessantes e com bons preços. “Visitei o Brasil com poucas expectativas. Retornei impressionado”. Não vou ficar surpresa se em breve o Ed publique “Vinhos Brasileiros para Leigos”.
Da Adega.
Domno, a nova empresa dos Valduga. O Grupo Famiglia Valduga acaba de abrir a
Domno do Brasil, que cuidará da importação de vinhos e da elaboração e exportação de espumantes. Ou seja, o grupo está seguro do crescimento do setor no Brasil. A nova empresa já está operando em Garibaldi, a terra dos espumantes desde agosto de 2008. Veja só no site o belo prédio (60 mil m2) onde funciona.
No braço dedicado aos espumantes, a Domno já oferece o Ponto Nero (ou ●Nero), versões Brut (Chardonnay, Pinot Noir e Riesling Itálico) e Moscatel (100% Moscato, estilo Asti, que o Ed McCarthy achou excepcional). Ambas as versões em garrafas de 750 e 187 ml (embalagem prática, ajudando a relaxar o conceito de que espumantes são apenas para ocasiões especiais). A Domno também vai passar a produzir a linha Alto Vale (anteriormente com a Famiglia Valduga): espumantes feitos pelo processo Charmat, nas versões Brut (Chardonnay, Pinot Noir e Riesling Itálico) e Demi Sec. Nessa linha, ainda, um Cabernet Sauvignon num bag-in-box de 5 litros.
Quanto aos importados, a nova empresa já está distribuindo os vinhos do argentino Carlos Pulenta, produzidos pela sua vinícola em Luján de Cuyo, Mendoza. Teremos as linhas Tomero, Árido e Vistalba, o Corte A, Corte B e Corte C. Os vinhos da argentina Sottano serão brevemente comercializados, bem como rótulos chilenos e de outros países.
O Gerente Geral da Domno Brasil, Jones Valduga, garante que o objetivo é inovar sempre e “colocar na mesa do consumidor brasileiro o que há de melhor no mundo enológico”.

14.10.08

O Milagre

A vontade que dá é mudar para a Itália. Não é nada bom continuar a falar dessa fenomenal crise econômica, ficar à sombra da máxima de que más notícias são boas notícias. Na Itália acontecem milagres, como explico adiante.
A crise já chegou à camada milionária do mundo dos vinhos. O Comitê Interprofissional do Vinho de Champagne (o órgão representativo dos produtores da região) lamenta informar que as vendas da sua preciosa bebida, que só faziam crescer, caíram 3% nos primeiros oito meses desse ano, em todo o mundo. Na França, onde o consumo da bebida corresponde a 55% das vendas totais, a queda foi de 5%.
As exportações para os EUA sofreram mais: 22% de queda só no primeiro semestre. O consumidor está se virando com simples espumantes (o que pode ser bom para o nosso e ótimo produto). Ao contrário do que disse na coluna passada, os vinhos finos de Bordeaux, alvos de colecionadores e investidores, já começam a sofrer com tsunami financeiro: perderam 25% de seu valor nos últimos meses, segundo a importadora inglesa Berry Bros. O sommelier do elegantéérrimo e carííííssimo The Dorchester, um dos restaurantes do famoso Alain Ducasse na Inglaterra, revela que as notas pretas de seus augustos clientes estão acizentando: eles agora substituem os primeiros vinhos pelos terceiros e cortam pela metade suas despesas com bebidas. Em Nova York, o diretor de bebidas do grupo Jean-Georges (18 restaurantes, entre eles o Jean-Georges, com três estrelas do Guia Michelin) confirma a tendência: “os clientes estão comprando menos dos grandes vinhos e optando por vinhos mais baratos”.
Lojas com seleção de vinhos tidos como referência de qualidade e preço, como a inglesa Sainsbury's, estão passando a oferecer vinhos como o espanhol Don Simón Selección Tempranillo por apenas 2,99 libras (12 reais). Ou seja, fazendo descer ainda mais os preços dos seus vinhos médios (normalmente entre 25 e 40 reais). O crítico de vinhos do jornal The Guardian, o inglês Tim Atkin (um Master of Wine), diz que o Don Simón foi pior vinho que provou em muitos anos. A situação está preta em todos os andares: da cobertura ao térreo.
Na França, os protestos contra restrições à propaganda estão se alastrando, envolvendo produtores de todo o país. Boa parte da crise de vendas é atribuída lei Evin, que proíbe a promoção da bebida até na Internet. Como vender, então? Os franceses estão protestando também contra a pesada e cega burocracia que cerca as apelações e tolhe a liberdade de criação dos produtores e a possibilidade de, sem descurar da qualidade, encontrar melhores chances tornar seus vinhos mais competitivos seus vinhos. Mas há quem encontre maneiras criativas de protestar.
Jean-Marc Speziale, dono do restaurante La Terrasse, na cidade de Aniane, no Languedoc-Roussillon (740,300 acres de vinhedos, três vezes a área de Bordeaux; produz mais vinhos que a Austrália), cansado com a omissão das autoridades ante ao que considera a injusta má reputação dos vinhos da região, tomou uma atitude. Chamou um amigo enólogo para fazer um vinho de qualidade e bom preço. E conseguiu, com uvas da safra de 2007, um blend de syrah e grenache. As primeiras cinco mil garrafas que colocou no mercado foram vendidas imediatamente.
Nome do vinho: “Le Vin de Merde” (acho que não preciso traduzir). Jean-Marc burlou leis, infringiu regulamentos, mas conseguiu chamar a atenção para os vinhos da região, incluindo aí uma irônica crítica ao comportamento dos técnicos do sistema de apelações do governo. Seu vinho está sendo muito bem considerado. Veja aqui: http://www.berthomeau.com/article-22990520.html
Porém, solução mesmo seria mudar para a Itália. Lá pelo menos, abrimos a bica e jorra vinho, nada mais nada menos do que o simples e refrescante Frascati. E de graça. Semana passada, uma dona de casa de Marino, uma vila 40 minutos ao sul de Roma, abriu a torneira da cozinha e, pronto: jorrou vinho. Milagre! E o mesmo aconteceu em várias outras casas.
É que agora, em fins de setembro, a cidade realiza a sua festa da uva, a Sagra dell’Uva, quando de uma das fontes da cidade, a Fonte dos Quatro Mouros, na praça principal, jorra vinho. Só que a bebida foi parar nas bicas de várias residências deixando os Quatro Mouros a seco. A população, munida de baldes, jarras, galões etc., em volta da fonte ficou chupando o dedo.
O prefeito da cidade desculpou-se. Os engenheiros da prefeitura fizeram a bebida percorrer tubulações erradas. O defeito foi reparado e a fonte de Marino voltou a jorrar vinho. Talvez o prefeito, agora, mande colocar um aviso no departamento de engenharia: “Não bebam antes de entubar qualquer coisa”. A entubação é global e talvez precisemos de milagres de verdade.

8.10.08

A crise e os vinhos

Um amigo afirma que o segmento de vinhos é à prova de recessão, que o tsunami de Wall Street não afetará muito o setor. Para ele, bons vinhos representam um estilo de vida e não um luxo. “Sempre teremos bons vinhos por preços razoáveis”, diz.
A julgar pelo topo da pirâmide, aquele composto por investidores e colecionadores, o otimismo do meu amigo pode até se justificar. Os leilões de vinhos finos raros, de casas consagradas ou de safras espetaculares continuam a acontecer num ritmo frenético. Em plena implosão de Wall Street, a Hart Davis Hart, leiloeiro de Chicago, vendeu 1.745 lotes de vinhos premium e faturou mais de 11 milhões de dólares. As duas maiores casas leiloeiras norte-americanas, a Acker Merral & Condit e a Zachys continuam a ter ótimos desempenhos. O índice Liv-ex 100 (que compreende apenas vinhos blue-chips de Bordeaux e da Borgonha) cresceu 9% em 2008.
Se tormenta ainda não chegou nesse segmento milionário, onde estará se concentrando? Um dos indicadores mais importantes está no setor de hotelaria e restauração. Em tempos ruins como esses, comer em restaurantes, viajar, ficar em hotéis são despesas imediatamente cortadas. Logo, com menos consumidores em restaurantes e hotéis as vendas de vinho caem. Com o custo de combustível alto, também caem as viagens (inclusive de carro) e sofre o turismo enológico.
Segundo o instituto Nielsen, os negócios em bares, restaurantes nos EUA vêm caindo há tempos. A freqüência cai, os que aparecem bebem menos e mais barato (mais cerveja e apenas vinho da casa). O economista e crítico de vinhos Mike Veseth revela que em supermercados e lojas de vinho os consumidores já estão buscando os rótulos mais baratos. O segmento que mais cresceu nos últimos dois anos é o de vinhos a partir de US$ 10,00. Ou seja, a porção intermediária do mercado. O consumidor estava evoluindo em direção aos vinhos premium. “Mas o ritmo de crescimento diminuiu consideravelmente: fica evidente que os clientes estão procurando vinhos ainda mais baratos”. Agora, a fatia que mais cresce é a de US$ 4,00 e menos.
O custo de distribuir um vinho de, digamos, 14 reais é o mesmo do que um de 16. Apenas, o lucro com o de 14 será menor. Logo, esse movimento descendente terá efeitos negativos nos lucros de produtores e varejistas. Com o inevitável apertão no crédito sofrerão ainda mais.
Fazer vinho compreende decisões de longo prazo, mas viver de vinhos significa depender de compradores no curto prazo. Mike Veseth acredita que os problemas de crédito vão piorar nos próximos três anos, pois a economia tornou-se dependente de crédito rápido. E produzir vinhos é depender de crédito. Varejistas e distribuidores deverão ser levados a reduzir drasticamente seus custos e isso costuma ser igual a vinhos medíocres.
O economista Chistopher Ruhm, da Universidade da Carolina do Norte, é conhecido estudioso da relação entre o consumo de bebidas alcoólicas e as recessões. Diz que as pessoas tendem a pegar leve durante tempos mais magros. Seja porque têm menos dinheiro para gastar ou porque temem ficar mais vulneráveis em seus empregos. “Há uma clara evidência de que quando a economia enfraquece, as vendas de bebidas alcoólicas caem”. Com menos dinheiro, as pessoas saem menos, passam ao largo de bares e restaurantes.
Para ele, o vinho parece mais bem posicionado do que as cervejas e os destilados. “Os consumidores de vinho tendem, a ser mais velhos e mais afluentes”. Segundo o Nielsen, bares e restaurantes nos EUA já estão sofrendo uma brusca queda nos negócios, com menos clientes aparecendo, bebendo menos e mais barato. As pesquisas de Ruhm estão sendo confirmadas.
Porém, nas lojas as vendas de vinho parecem continuar indo bem, segundo o mesmo Nielsen, com a recessão econômica tendo pouco ou nenhum efeito sobre a bebida. As vendas cresceram 4,7% num período de 52 semanas encerrado em 23 de agosto. E o segmento de melhor desempenho (10% de crescimento) foi o de vinhos mais baratos. Essa é a situação nos EUA. Acho que se reproduzirá em quase todo o mundo.
Está na hora, portanto, dos produtores aumentarem as ofertas de meias garrafas (375 ml), de contarem até dez antes de estabelecerem suas margens de lucro, e não perderem de vista variedades fora do circuito Cabernet Sauvignon-Merlot-Chardonnay-Pinot Noir. Ou seja: dar uma maior chance às Malbec, Sangiovese, Zinfandel, Shiraz, Sauvignon Blanc, Muscat, Chenin Blanc. Como consumidoras, devemos pensar primeiro nos vinhos nacionais e nas novas e deliciosas variedades que nossos produtores, como a Vinícola Perini, por exemplo, estão oferecendo (a preços bem camaradas), como a Ancellotta, a Marselan, a Barbera.
Talvez meu amigo tenha acertado: quem gosta de vinho, vai continuar fiel, só que passará a comprar de olho nos preços. Sempre busquei preço e qualidade. E até que conseguia boas barganhas. Ter que descer mais alguns degraus nessa escala é que me assusta. Será que vou encontrar bons vinhos?
Da Adega
Milk Thistle
. Uma paciente leitora, a Stela Regina, leu uma matéria nossa, de janeiro do ano passado, onde falo sobre o Milk Thistle, um milagroso protetor do fígado. Para a minha guru Jancis Robinson, ele “é o amigo dos bebedores, uma erva milagrosa”.
A Stela queria saber onde esse remédio pode ser encontrado e se é verdade que está sendo proibido. Respondi muito rapidamente e disse que não sabia onde encontrá-lo. Errei! Na matéria original dava até os nomes das versões brasileiras do Milk Thistle: Silimalon, Legalon, Milk Thistle e até um Leberschutz. Triste memória a da Soninha.
O Silimalon pode ser encontrado
aqui. E o Legalon aqui. O Milk Thistle original, americano, pode ser comprado através da Amazon.com, entre outros importadores. Confira aqui.
Não encontrei quaisquer advertências quanto a proibições. Se existissem, a Amazon, por exemplo, sequer colocaria o produto à venda.
Minhas desculpas, Stela.
Vinhos Bacci. A Terramatter Importadora apresentará os vinhos Castello di Bossi, Terre di Tálamo e Renieri, da Bacci, uma centenária e louvadíssima vinícola toscana, produtora, entre outros, de Chianti Clássico, aquele do galinho preto. Será neste sábado, 11 de outubro, em degustação no restaurante Borsalino (Av. Armando Lombardi, 633, loja 111 - Terraço Market Street, Barra da Tijuca – RJ).
Na ocasião, Marco Bacci, proprietário do Grupo Bacci, Marcio Moualla, sócio da Terramatter, e Avelino Zanetti Filho, enólogo da Vino!, importadora exclusiva dos vinhos Bacci, apresentarão os rótulos Vermentino Vento Terre di Talamo, Rosso di Montalcino Renieri e Regina di Renieri Syrah IGT, Chianti Classico Castello di Bossi e Girolamo IGT Castello di Bossi.
Mais informações com a
Lygia Bittencourt (21_2226-1346 ou 21-9156-5988).

2.10.08

Que cheiro é esse?

“Aromas quase sobrenaturais de gordura de bacon, pão frito, cassis, flores brancas, amoras silvestres e, ocasionalmente, azeitonas provençais”. Qual será a origem desses aromas: do solo, dos barris ou tanques, durante a fermentação do vinho ou da cabeça de um degustador?
Quando nomeia um aroma, o degustador não pode deixar de ser subjetivo, pois está utilizando a sua memória olfativa e assim associa certas fragrâncias a diferentes itens que armazenou em sua memória ao longo do tempo. Pode, assim, diferenciar simples azeitonas de azeitonas provençais; flores amarelas de brancas, especificar que a gordura é de bacon e o que o pão é frito. O arquivo olfativo desse particular degustador é enciclopédico!
O mundo dos aromas é vastíssimo e desnorteante. Possuímos um equipamento olfativo incrivelmente sensível: podemos distinguir aromas em quantidades tão pequenas que mal pode ser mensurados nos laboratórios. E nossa capacidade de identificá-los é extraordinária. Estima-se em mais de dez mil a quantidade de aromas diferentes que podemos determinar. E o vinho tem é o que ser cheirado.
Num estudo sobre avaliação sensorial dos vinhos, dois professores da Universidade da Califórnia, Maynard Amerine e Edward Roessler, afirmam que no vinho estão identificados aromas de pelo menos 181 ésteres, 52 alcoóis, 75 aldeídos e cetonas, 22 acetais, 18 lactonas, seis acetamidas secundários, 29 compostos contendo nitrogênio e 18 contendo enxofre, dois éteres, 11 furanos, 18 epóxidos, bem como 30 outros compostos variados.
Por favor, não me perguntem o que é lactona ou furano. O importante é que esses elementos reagem entre si, modificando-se, mascarando-se, acrescentando-se, criando aromas sobre aromas. E é por isso que o vinho cheira muito mais do que apenas uvas. Aliás, raramente lembra o aroma da fruta que lhe deu origem. Análises dos seus componentes voláteis já identificaram as mesmas moléculas que deram a itens familiares seus aromas distintos. É o caso da rosa, da iris, da cereja, do pêssego, mel e da baunilha.
As fontes de todos esses aromas são esses componentes aromáticos voláteis, alguns dos quais originários das uvas ou de subprodutos da fermentação do suco delas. Outros deles resultam da maturação do vinho seja em barris de carvalho ou já nas garrafas.
O francês Émile Peynaud, talvez o maior nome da enologia até hoje, professor da Universidade de Bordeaux, o pai da moderna vinicultura, estabeleceu a diferença entre aroma e bouquet (buquê). Para Peynaud, a palavra aroma descreve o que percebemos num vinho quando jovem. Aquelas fragrâncias de frutos misturados com álcool e levedo. Abra a garrafa de um vinho jovem, de um Beaujolais Nouveau, por exemplo, e vamos ter uma idéia do que falamos.
Para o enólogo, falecido em 2004, aos 93 anos, bouquet é o resultado de um vinho maduro, quando muitos dos aromas não diretamente derivados da uva começam a reagir entre eles e a se apresentar. São odores novos, resultantes da interação daqueles primeiros componentes aromáticos com influências externas, como barris de carvalho, o oxigênio e o álcool. Um vinho que já estagiou nos barris e nas garrafas.
De qualquer modo, tudo começa com as uvas. Dois pesquisadores da Universidade de British Columbia, no Canadá, Steven Lund e Joerg Bohlmann, publicaram recentemente um estudo demonstrando como diferentes fatores afetam os aromas primários. Como e onde a uva é cultivada vão em última análise revelar qualidades como o caráter, a personalidade da cepa e “as dezenas e até centenas de componentes químicos que ainda precisam ser descobertos e caracterizados”.
Isso quer dizer que a mesma uva cultivada em solos diferente e em anos diversos vai produzir aromas variados. E a interação e quantidade desses componentes vão, por fim, afetar o bouquet na medida em que o vinho envelhece.
Lund e Bohlmann chegaram a determinar os compostos aromáticos de algumas uvas. Se a Gewürztraminer cheira como flores, isso em parte é devido aos compostos monoterpenos, principalmente o geraniol e o citronelol (o geraniol é a parte primária do óleo de rosas e o segundo do óleo de citronela).
O aroma ligeiramente herbáceo da Sauvignon Blanc, considerado normalmente como uma falha, tem origem na metoxipirazina, composto desenvolvido quando a uva ainda é verde e só metabolizado quando ela amadurece. Se um Sancerre tem um sabor herbáceo e um Bordeaux branco não, embora ambos sejam feitos com a Sauvignon Blanc, isso é porque o segundo foi produzido com uvas mais maduras e, portanto, com menos metoxipirazina.
Como dissemos, muitos dos componentes voláteis do vinho só despertam quando o vinho já passa da juventude. Num vinho jovem, o aroma de carvalho (do barril) aparece muito pronunciado, inconfundível. Na medida em que ele envelhece, a vanilina (um componente orgânico volátil do carvalho e parte da família dos aldeídos) vai reagir com oxigênio e dar à bebida um aroma claro de baunilha.
Os barris de carvalho são também fonte de muitas das especiarias que encontramos nos vinhos, como a canela, coentro, a noz-moscada. Cada barril, dependendo da região de onde o carvalho foi colhido, oferecerá um coquetel aromático diferente para o vinho.
É por isso que Robert Parker ficou atônito com os vinhos Guigal Côte Rôtie de três pequenos vinhedos (La Mouline, La Landonne e La Turque, do vale do Ródano, França). O mais poderoso crítico de vinhos do mundo, cujo paladar é considerado o equivalente enológico ao cérebro de Einstein, conseguiu identificar até aromas “sobrenaturais”.
E a amiga também pode, sem precisar ser enóloga ou ter diplomas acadêmicos (Parker é advogado, mas com um nariz privilegiado). É apenas uma questão de desenvolver sua memória aromática, carregando-a com o que o seu nariz encontrar pela frente. Primeiro registre o aroma e descreva-o ao seu jeito. O que importa é isso: criar um banco de dados de odores em sua memória. E deixar que os cientistas descubram a sua origem.
Da Adega
Um site só para espumantes. A
Vinhosweb estará lançando agora em outubro o primeiro site brasileiro com enfoque nos espumantes: e champagnes a cavas, o que a amiga pensar de vinhos borbulhantes encontrará nesse espaço.
A empresa, especializada na venda de vinhos pela internet, colocará à disposição de quem se cadastrar no novo espaço a enóloga e sommelière, Patrícia Possamai, com quem se poderá tirar dúvidas. Alguns vídeos serão gravados pelos próprios enólogos responsáveis pela elaboração dos espumantes colocados à disposição dos consumidores.
É uma boa dica, pois já estamos em cima da época de estourar mais espumantes, do que o normal. O consumo deles vem crescendo na média de 25% ao ano e não ocorre apenas em ocasiões festivas. Já os estamos bebendo cotidianamente. Dê uma conferida, amiga. E não esqueça que os espumantes brasileiros estão acima da média em termos de qualidade e seus preços são bem competitivos. Além disso, o certo é consumir o que está perto.