30.4.09

Às nossas mães

Dois dos maiores vendedores de vinho britânicos, os supermercados Tesco e Marks & Spencer, promovem degustações de vinho a partir dos ciclos lunares. Essas empresas respondem por mais de um terço de todo o vinho vendido na Inglaterra (o que pode ser mais do que a produção de vinhos em alguns países, como o Brasil).
Pois esses dois gigantes só convidam críticos para experimentar seus vinhos quando a lua, segundo o calendário biodinâmico, está em posição propícia para que as bebidas exibam as suas melhores qualidades. Soa esotérico, não? E mais hermético ainda, pois não expliquei ainda o que tudo isso tem a ver com a “grande mãe” do título.
Vamos recordar um pouco o que já falamos aqui sobre biodinâmica. Ela não é principalmente um sistema agrícola. É mais uma filosofia ou visão que pode promover impacto na prática da agricultura. Quem produz vinhos biodinâmicos tem, em primeiro lugar, que pensar biodinamicamente.
Misto de filosofia, ciência e técnica a biodinâmica aplicada aos vinhos tem sua origem em palestras que o filósofo e cientista austríaco Rudolf Steiner realizou em 1924. Ele havia criado um método para estabelecer uma ponte entre o mundo material e espiritual através de seu sistema filosófico, a “ciência espiritual” da antroposofia, usada até hoje como base do sistema pedagógico da Escola Waldorf, criada na Alemanha em 1919.
Vital para a biodinâmica é considerar a terra como um sistema vivo, auto-sustentável, entendida no contexto dos ritmos cósmico e lunar. Para ela, o solo é um organismo vivo de direito e não apenas um resíduo para o crescimento de plantas. A idéia de utilizarem-se fertilizantes sintéticos ou pesticidas é condenada. Em seu lugar emprega uma série de preparados para melhorar a vida do solo. E que são aplicados em ocasiões apropriadas, de acordo com o ritmo da natureza. As doenças e pragas são vistas como um sintoma de moléstia dentro do próprio sistema ou do organismo que a terra representa. Uma vez corrigidos os problemas nesse sistema, as doenças serão vencidas.
Enfim, os citados supermercados utilizam-se de um calendário lunar criado em 1950 pela alemã Maria Thun, seguidora do movimento de Steiner. Ela plantou grupos de raízes, um por dia, durante toda uma estação. Verificava o desempenho de cada uma dessas raízes em bases diárias. Algumas desenvolviam raízes maiores, outras produziam folhas mais largas; num terceiro lote as flores brotavam mais rapidamente. As áreas com raízes maiores, que resultavam nas mais plantas produtivas, eram as mesmas semeadas quando a lua estava ascendente e passando pelas constelações de Virgem, Capricórnio ou Touro. Por isso, os agricultores biodinâmicos plantam suas sementes nesses dias – dias que Maria Thun chamou de “raízes”.
A alemã categorizava os dias como “raiz”, “fruto”, “flor” e “folha”, de acordo com as configurações da lua e das estrelas. “Fruto” e “flor” sendo os melhores para degustação e “folha” e “raiz” os piores.
A leitora já deve estar vendo druidas dançando em torno de uma fogueira, em devoções para a lua. Só que os dois gigantes das vendas de vinhos na Inglaterra de certa maneira fazem a mesma coisa e promovem suas garrafas já há dois anos com base no calendário de Maria Thun.
Não são poucos hoje os produtores renomados que decidiram adotar as práticas biodinâmicas. É o caso, entre muitos outros, de pesos pesados como Nicolas Joly, James Millton, Michel Chapoutier, Alvaro Espinoza, Randal Grahm e Domaine de la Romanée Conti, a mais famosa vinícola da Borgonha e provavelmente a mais elitista (em termos de qualidade, prestígio e preço) em todo o mundo. No final, temos centenas de produtores de peso adeptos senão da biodinâmica, pelo menos da prática orgânica de cultivar suas uvas e produzir seus vinhos (a colheita, a vinificação e o engarrafamento são também regidos pelas fases da lua).
No Brasil, o primeiro produtor de vinhos orgânicos foi Juan Carrau, com o seu Cabernet Sauvignon Orgânico, de 1997. Conheço apenas ele, mas sei que existem outros. As práticas orgânicas e biodinâmicas são primas, mas a primeira é menos radical.
Podemos pensar que tudo isso é algum tipo de alquimia. Mas Pierpaolo Petrassi, Master of Wine e Diretor de Vinhos da Tesco não pensam assim. “Para degustação de vinhos pensamos logo num dia de “fruto” e evitamos os de “raiz” e “folha”, numa referência do calendário de Maria Thun. O mesmo pensa outro Master of Wine, Joa Aherne, do Marks & Spenser.
Bem, não podemos negar que a lua afeta as marés. Sei que mexe com nossa imaginação e corações. E talvez tenha mesmo a ver com nossa análise sensorial. Não é bom degustar nada, seja vinho, água ou café quando sob resfriados, dívidas, dor de dente, brigas com o namorado, marolinhas políticas etc. Tudo isso influencia os nossos sentidos e humores. Estamos muito bem num dia e péssimas no outro.
Mas isso acontece conosco. Será que o mesmo ocorre com o vinho que está preso dentro da garrafa? Ele está preso, mas não está morto. Ao contrário, está bem vivo e operante. Será que a lua ajuda, mesmo? Vamos experimentar, não tenha dúvidas.
Louvo tudo o que possa ajudar a Mãe-Terra a sobreviver. A nossa biosfera, essa película de terra firme, água e ar que envolve o nosso planeta Terra, nunca sofreu tanto quanto nos últimos duzentos e poucos anos. Ela contém um estoque limitado de recursos de que todos os seres vivos dispõem para a sua sobrevivência. Seu tamanho é pequeno, como também são os recursos que oferece. Ela é bem mais nova do que o planeta que ora envolve. Começou a existir muito tempo depois do globo ter esfriado para que partes de seus componentes, originariamente gasosos, se liquefizessem ou solidificassem.
É o nosso único habitat. E precisamos lutar para que continue habitável, pois o poder material da humanidade aumentou em tal grau que está a caminho de torná-lo inabitável, em razão da extrema poluição e espoliação infligidas à biosfera pela ganância cega da humanidade.
A adoção de práticas agrícolas sustentáveis, não poluidoras, não espoliativas como as dos cultivos naturais, orgânicos ou biodinâmicos são ótimos sinais de uma tentativa de recuperação.
E o que poderia ser uma corriqueira promoção de vendas de vinhos é na verdade uma declaração de adesão a essas práticas. Apesar de seu formato em nada ortodoxo, a degustação dos ingleses está, afinal, premiando a nossa Mãe-Terra.
Hoje, 30 de abril, pelo calendário de Maria Thun, a lua é crescente e está em Câncer. Dia bom para plantar flores e ervas e cozinhar um pão.
No Dia das Mães, teremos lua cheia, em Escorpião, dia propício a atividades, à construção. Ótimo para mexermos com plantas frutíferas. Será um dia de “fruto”, ótimo para abrirmos um vinho. E saudarmos nossa outra mãe, igualmente provedora.
Da Adega.
A Experiência da WinePro
. Aberta há alguns meses, a
WinePro oferece mais do a venda de vinhos. Nela, seus clientes podem degustar conhecimentos sobre a bebida. E assim apreciar melhor os mais de 500 rótulos das principais regiões produtoras do mundo distribuídos num amplo e elegante espaço. Nas suas prateleiras não estão produtos de preços altos, mas sim os de boa relação preço X qualidade. Beber bem, sem gastar muito é a norma da casa.
Os donos da nova loja, Egidio Silvestri e Marcelo Toledo, com mais de 20 anos de experiência nessa área, oferecem cursos, degustações, palestras temáticas, mostras de filmes, bibliografia especializada. O objetivo é transmitir conhecimento de modo simples e atraente.
Egidio Silvestre observa que “a opção não é encher a loja de garrafas e deixar o cliente escolher como se estivesse num supermercado, mas sim a de dar todas as informações que o cliente, conhecedor ou não de vinhos, pode precisar para ajudar em sua decisão”.
A WinePro conta com um wine bar, com vinhos em taças e petiscos; mesas confortáveis para degustar vinhos na loja; sofás onde se pode folhear revistas especializadas, sala de leitura, sala de degustação, sala de aula para 30 pessoas, com mesas para degustação.
Além de cursos, o espaço é utilizado para reuniões de confrarias, formação de enófilos. Seu sommelier pode se deslocar para empresas e treinar executivos, dar aulas ou acompanhar harmonizações. Os donos ainda montam e avaliam adegas e indicam vinhos para festas, formam grupos para viagens de enoturismo, escolhem vinhos para restaurantes e montam eventos externos onde o vinho é a principal atração.
Enfim, a WinePro é mais uma visita obrigatória para quem se interessa por vinho. Tire a prova: WinePro, Av. Cidade Jardim, 976, Jardins, São Paulo, tel.: (11) 2609-2822. Ou use o
e-mail. Para maiores informações, fale com a Denise Cavalcante

23.4.09

Batidos e Mexidos

Um Bond chamado Bradford. Sempre perguntam se o verdadeiro Martini é mexido ou batido. O fato é que James Bond e seu pai, Ian Fleming promoveram uma grande confusão com este que é ainda o mais famoso dos drinques. Em primeiro lugar, o espião inglês queria vodca em seu Martini e não gim, como manda o figurino. Segundo, porque não esquecia nunca de comandar: “O meu é batido, nada de mexido”.
A regra é que se a receita de um coquetel pede dois ou mais destilados (o Martini tem dois: gim e vermute) ele deve ser mexido. Se pede sucos de fruta ou clara de ovos (como o Pisco Sour) deve ser batido vigorosamente para combinar bem os ingredientes.
Um Martini batido ficará aguado, pois vai misturar-se com o gelo na coqueteleira. A única maneira de conseguirmos aquela limpidez e textura aveludada é fazendo o contrário de Bond e obrigando que o seu drinque seja delicadamente mexido.
David. A. Embury, no clássico The Fine Art of Mixing Drinks (“A admirável arte de misturar drinques”), de 1948, afirma: “Se você bater um Martini ele se transforma num “Bradford”. Logo, com perdão pelo trocadilho, 007 pegou o bonde errado.
Ganhei uma garrafa do gim inglês Plymouth, considerado uma das melhores marcas do mundo (existe desde 1973), mas que não conhecia até agora. Vou fazer o meu Martini com ele (três doses), Noilly Prat (acho que foi o primeiro vermute seco a ser criado, em 1813, pelo comerciante de vinhos e destilados Joseph Noilly; basta uma dose) e apenas uma azeitona verde. Mexido, claro. Deixo o Bradford para o Bond
Champagne com rolha metálica? Um produtor de Champagne, a casa Duval-Leroy anunciou que substituirá a rolha de cortiça por uma tampa de metal, tão revolucionária que poderá continuar a produzir o familiar “estouro” e ainda jorrar fartas espumas em convidados ou em pilotos de Fórmula I, segundo matéria da BBC.
Os detalhes sobre essa nova tampa, criada pela canadense Alcan especialmente para garrafas de espumantes, são ainda segredo guardado a sete chaves.
Elas primeiros aparecerão num número limitado de garrafas do Clos dês Bouveries, uma linha que a Duval-Leroy destacou para testes de mercado.
Diz o produtor que o principal interesse foi o de evitar incidências da “doença da rolha” (o TCA, um fungo que ataca a cortiça e torna a bebida imprestável). A facilidade em abrir-se a nova tampa vem como um segundo benefício. Mesmo de rosca e fácil de abrir o som, o “espocar” de uma rolha de cortiça está garantido. E também as fartas espumas ao abrir. Estima-se que as metálicas compreendam hoje 15% do total de tampas de vinhos em todo o mundo.
Poderia ser até 99%. Com elas, vamos perder categoria, classe. Essa história do POP e do festival de espumas é bobagem. Para mim, abrir um espumante com rolha de cortiça é não só muito fácil como obrigatório que não exista estouro algum ou desperdícios de espumas. Vamos deixar isso para os pilotos de corrida, pois a trepidação faz parte da vida deles.
Veja nesse vídeo como é que uma garrafa de espumante deve ser aberta.
Algumas regrinhas. 1. Os vinhos são companheiros naturais da comida. Num restaurante, em dúvida e não querendo passar por “embaraços” por harmonizar erradamente vinho e prato escolhidos, peça um Riesling ou um Pinot Noir, o primeiro para peixes ou segundo para carnes.
Costuma dar muito certo.
2. Embora eu tenha e adore taças espetaculares (tenho quarto Riedel, a verdade é que não importa nada o formato: pode usar até copos simples de vidro que dá certo. Procura na sua locadora Sob o Sol da Toscana e delicie-se com os exemplos que os personagens fornecem diante daquela maravilhosa paisagem.
3. Insegura ao comprar determinado vinho? Vire a garrafa e leia o rótulo do verso. Se ele diz que o vinho foi “engarrafado e armazenado” pelo nome do vinho (ou do produtor do mesmo) que está na frente da garrafa, significa que se trata de um vinho a granel. Ou seja: o produtor comprou o vinho de outros produtores. O que ele fez foi apenas engarrafar, armazenar e, claro, colocar seu nome no rótulo. Isso não quer dizer que o vinho acabe sendo ruim. Contudo, prefiro ver uma garrafa cujo contra-rótulo indique “produzido” seguido pelo nome do vinho ou do produtor que apareça no selo principal. O vinicultor plantou, cuidou, colheu suas próprias uvas. E depois as transformou, ele mesmo, em vinho. Acho melhor dessa maneira.
4. Você entra na loja ou no supermercado e, com freqüência repara que muitos vinhos trazem uma espécie de placar: “90 pontos da Wine Spectator”; “95 pontos de Robert Parker” etc. No geral, qualquer vinho que apresente esse tipo de placar pode ter certeza de que é, no mínimo, decente. Mas esses pontos não devem ser a única razão para comprarmos vinhos (nem o motivo para não comprá-los). O Flamengo tem inúmeros títulos, nacionais e internacionais. E já esteve a milímetros de ser rebaixado. Você é Flamengo na vitória ou na derrota. Isso vale para todos os torcedores. Respeite, mas não se importe muito com os pontos.
5. Muitas pessoas falam que os sulfitos no vinho causam reações alérgicas. Bem, os vinicultores vêm aplicando dióxido sulfúrico em seus vinhedos e em seus vinhos por pelo menos dois mil anos. Esse tipo de enxofre inibe a oxidação. Com ele o vinho pode viajar, ficar na loja um tempo e chegar à sua mesa. Mas algumas autoridades descobriram que ele pode provocar, entre outras coisas, asma em pessoas mais sensíveis. Mas a sua quantidade é tão pequena que, se dermos bola, não vamos mais sair de casa num dia de primavera.
6. Vinho tinto não é causador de dores de cabeça. Beber demais e com o estômago vazio, sim, causam dores de cabeça.
7. Numa loja eu sempre pergunto: “Qual o vinho bom que não está vendendo?” O vendedor aí me apresenta uma garrafa de R$ 60,00. Depois pergunto a razão das vendas fracas. Vai falar do produtor pouco conhecido, que a região era nova etc. Aí eu devolvo: quero o mesmo tipo de vinho, mas que custe R$ 20,00. O vendedor vai se virar e descobrir essa garrafa. Costuma dar certo.
8. Comece a treinar o seu paladar lendo as resenhas de vinho. E compare-as com o que conseguir dominar de aromas com o mesmo vinho resenhado. Faça isso com todos os vinhos que vier a experimentar, cada vez mais tentando determinar as características olfativas e gustativas dominantes dos vinhos. Quando você se achar mais seguro e estiver sabendo tanto quanto o que lê nas resenhas, pare de lê-las. E escreva as suas. Mas não deixe, nunca, de continuar se experimentando, a cada vinho.
9. Faça testes cegos. É um passo adiante do que se propõe no item acima. Requer, sobretudo, humildade. Você como eu e a maioria dos amantes de vinho não terá sucesso logo no início. Afinal, é mesmo difícil experimentar um vinho sem saber sequer se é tinto ou branco. Mas, com o tempo, acabará por diferenciar um Cabernet Sauvignon de um Merlot, um Syrah de um Cabernet Franc, um Sauvignon Blanc de um Chardonnay.
10. Estude: aprenda o que puder sobre todas as regiões vinícolas, do Brasil e de todo o mundo. Estude os mapas, saiba como pronunciar os nomes dessas regiões e das variedades de uvas. Saiba que uvas são produzidas em cada uma das regiões. Leia sobre a história e a geografia dessas áreas. Não pare de ler e aprender. Beber apenas não é o bastante.
Os Martini de Bond é assunto batido. Apenas dei uma mexida revelando o Bradford. Rolhas metálicas também são assunto batido. Mas tampas metálicas para espumantes vão dar uma senhora mexida no mercado. Regrinhas sobre como beber etc. são batidíssimas. Mas essas minhas são mexidas. Afinal, são minhas.

Faxina

Estou tentando, mais uma vez, colocar os assuntos em dia. Eis aqui um primeiro filtro dessa faxina.
Vertical, Horizontal. Leitor quer saber que história é essa de vertical e horizontal, freqüente nas resenhas sobre vinhos.
Pois é, amiga, são palavras utilizadas principalmente com relação à degustação. Na degustação vertical, provamos várias safras de um mesmo vinho, ao mesmo tempo. Assim, podemos analisar como o vinho evoluiu (ou não) com o tempo, quais foram as safras ótimas, medianas ou ruins ou se técnicas vitivinícolas foram alteradas ou introduzidas.
A degustação vertical pode ser feita nos dois sentidos: da safra mais antiga a mais atual. Ou no sentido inverso. Pessoalmente, prefiro provar da mais antiga para a mais nova. Os vinhos mais antigos, mais maduros costumam ser menos encorpados, mais leves, com taninos mais suaves dos que os mais jovens. Se eu começasse dos mais jovens, meu paladar ficaria bem marcado pela maior quantidade de taninos, acidez etc.
Se estiver interessada em participar de uma vertical não perca amanhã, dia 17, a degustação na Vinheria Percussi do Erasmo, um Cabernet Sauvignon chileno, 91 pontos do imperador Robert Parker. A degustação será escoltada por costeletas de cordeiro preparadas com risotto de açafrão. Veja detalhes na Da Adega.
Na degustação horizontal provamos diferentes vinhos de uma mesma safra. Esses vinhos deverão ser de uma mesma região produtora ou de uma mesma variedade de uva (ou de uvas). Ou ambos.
Ficamos sabendo mais sobre as diferenças regionais (do solo, do terroir ou das técnicas aplicadas aos vários vinhos experimentados).
Quais são as principais áreas produtoras da Borgonha?
A Borgonha é dividida em cinco regiões principais. São elas, de norte para sul: Chablis, Côte d'Or, Côte Chalonnaise, Mâconnais e Beaujolais (sim, Beaujolais é administrativamente parte da Borgonha, embora tenha clima parecido com o do Ródano e seu vinho singular o bastante para distanciar-se da Borgonha e do Ródano).
A Côte d'Or incorpora duas sub-regiões importantes e bem diferentes entre si: a Côte de Nuits e a Côte de Beaune.
A Côte de Beaune é a terra dos broncos bem secos. Já na Côte de Nuits imperam os tintos escuros como a noite.
Chablis, a Côte de Beaune e o Mâconnais (terra do Pouilly-Fuissé) são regiões mais conhecidas pelos seus brancos. Brancos que podemos achar também em várias áreas da Côte Chalonnaise. São feitos quase que inteiramente da Chardonnay e estão entre os exemplares mais ricos (e caros) dessa uva.
Os tintos dominam na Côte de Nuits e no Beaujolais, embora feitos com uvas diferentes.
A Côte de Nuits é a casa da grande Pinot Noir, a uva preferida do Miles, no filme Sideways. Já em Beaujolais quem impera é a Gamay, que faz vinhos mais leves, mais refrescantes e bem mais baratos do que os da Côte de Nuits.
O que é Vin Chaud? Aqui na Serra não deixo de tomar o meu especial Vin Chaud. Pois apresento-lhe o popular e querido Quentão. Os franceses o chamam de chaud, os ingleses e americanos de mulled.
É um vinho, normalmente tinto, temperado com especiarias e servido quente. Em épocas passadas, quando alguma coisa dava errada com o vinho, misturavam mel, cravo, canela – enfim, as especiarias à mão. E o tornavam bebível. Hoje, o Quentão impera nos invernos dos dois hemisférios.
Sei que a leitora pode estar em dúvida, pois Quentão por aqui é aguardente mais gengibre, açúcar e as tais especiarias. Mas vinho quente (e especiarias) também é Quentão.
Quem é Meunier? Leitora sabe que o francês Meunier é moleiro em português. Daí que ficou curiosa como a uva Pinot Meunier, uma das três utilizadas na região de Champagne, recebeu esse nome.
Bem, como muitas variedades de uva, a Pinot Meunier (parente da famosa Pinot Noir) tem seu nome em razão da sua aparência. Suas folhas parecem salpicadas de farinha. Veja aqui. Em várias partes da França, a Meunier é apelidada de “Farineux" e "Noirin Enfariné". Pois não é o moleiro quem mói cereais e os transforma em farinha?
Apimentados. Toda vez que leitora lê sobre cozinha asiática e pratos apimentados os vinhos recomendados são brancos. Por que?
Os taninos presentes nos vinhos tintos tornam-se ainda mais adstringentes. Sua boca poderá ficar completamente seca. Daí que a melhor aposta está nos vinhos brancos, leves e frutados. Mas se a amiga não dispensa os tintos tente com os Beaujolais, os Dolcetto, Chianti (não os Riserva) ou os Rioja.
Da Adega
Nero incendeia Espanha
. Não se espante: o Espumante Brut Ponto Nero @008, da Domno do Brasil, acaba de receber a medalha de prata no Concurso Internacional de Vino Zarcillo, que aconteceu entre 30 de março e 2 de abril, na Espanha, com o apoio da Organização Internacional da Uva e do Vinho (O.I.V.), da União Internacional de Enólogos (UIOE) e da Federação Mundial dos Grandes Concursos (VinoFed).
O concurso reuniu 3.099 amostras de 787 empresas provenientes de 23 países. Mais de 100 avaliadores provaram e qualificaram essas amostras. Já pensou, entre mais de três mil vinhos ganhar uma medalha de prata?
É a primeira premiação internacional da Domno do Brasil, a nova empresa do Grupo Famiglia Valduga. Saiba mais visitando o
site da empresa.
Erasmo na Vinheria Percussi. A casa fica na Rua Cônego Eugênio Leite, 523, Pinheiros, São Paulo, SP. Reservas pelo telefone (11) 3088-4920 e 3064-4094.

9.4.09

Doce Páscoa

Quando menina, Páscoa era uma festa doce. Lá estava eu em busca de um escondido “ninho” de coelho e nele um imperdível ovo de chocolate. E às vezes até mais do que um, quando o meu comportamento era ainda bem avaliado. Já maior, admitida na mesa dos adultos, a festa era claramente salgada. Os doces aconteciam ao final na forma de bolos ou tortas. E os meus queridos ovos de chocolates ficavam no esquecimento. Crescer é um problema.
Hoje quando falo de Páscoa, estou tentando harmonizar peixes e vinhos, na maioria das vezes. Ou vinhos e carnes, principalmente presuntos. Tudo dependendo dos costumes de quem está nas mesas.
Mas e os chocolates, foram mesmo esquecidos? Afinal, como é que eles entraram nesta festa?
Páscoa é uma festa religiosa de origens pagãs. A cristã que celebra a ressurreição de Jesus. A palavra deriva de Pessach, a Páscoa Judaica, que festeja a fuga dos judeus da escravidão no Egito, há uns 3.500 anos. O hebraico Pessach significa “passagem”. O anjo “passava” sobre as casas dos judeus, devidamente sinalizadas. Evitava-as, poupando os primogênitos que nelas habitavam. Mas levando os primogênitos egípcios. Depois dessa praga, o faraó egípcio permitiu a partida dos judeus cativos para a sua terra prometida.
Os espanhóis chamam essa festa de Pascua, os italianos de Pasqua, os franceses de Pâques. Na maioria das línguas a origem é a mesma. Do hebraico Pessach, pelo grego Páscha e dele pelo latim Pascha.
Mas em inglês o nome é Easter, completamente divorciado das raízes hebraicas, gregas ou latinas.
Na antiguidade, os povos observavam o sol, que ora se mostrava bem vivo e atuante. Mas que parecia morrer no inverno. Assim, criavam-se rituais tentando devolvê-lo à vida. No inverno, em muitas partes do mundo, a vegetação não cresce, é tempo de escassez. Sem o sol, nada feito. Com ele, temos as estações do ano, o ciclo anual das plantações, no qual a vida se renova a cada primavera.
E na maioria das civilizações antigas esse processo mágico de ressurreição após a morte foi ligado a entidades sobrenaturais, a deuses e deusas. O Sol era visto como o elemento masculino fertilizante. E não poderiam faltar nas religiões deusas da fertilidade, celebradas compreensivamente na primavera.
Na Grécia antiga, Perséfone era a deusa do mundo subterrâneo, que retornava à superfície toda à primavera trazendo fartas colheitas, abundância para o mundo dos vivos.
Os fenícios tinham Astarte e os babilônios Ishtar, cuja lenda dizia que nasceu de um ovo lançado no Eufrates. Além da fertilidade, Ishtar era guerreira. Tal como Esther, a rainha judia que salvou todos os hebreus de um governante persa, que pretendia matá-los, assim como Moisés salvou seus irmãos dos egípcios. Se o Pessach lembra o feito de Moisés, a festa do Purim celebra a valentia de Esther. Mas em ambas o ponto fundamental a luta pela sobrevivência, a luta pela vida.
Bem mais tarde, aparece Eostra, a deusa da fertilidade dos celtas, cujos símbolos eram o ovo e o coelho. O ovo indicava a promessa de vida e o coelho a fertilidade.
O culto a Eostra foi adaptado quando alemães e anglo-saxões se converteram ao cristianismo. É por isso que, ao contrário de outras culturas européias, os ingleses e alemães dão o nome da maior data cristã a essa deusa. Eostra virou Easter em inglês e Ostern em alemão.
E ovos naturais coloridos eram presenteados. E, a partir do século 18, foram disseminados por todo o mundo, mas feitos de chocolate. A sobrevivência ficou bem mais doce.
E os vinhos?
Se a mesa está mais para as tradições de nosso hemisfério, onde os peixes são dominantes, temos muitas opções:
- para o tradicional bacalhau seco e salgado, ficamos com a tradição: tintos portugueses do Dão e Douro, de preferência não muito jovens (os taninos vão brigar com o sal).
- para filés (pescada, linguado, robalo) feitos na manteiga, minha primeira indicação é um Sancerre, o famoso e delicado branco feito com a Sauvignon Blanc, no Vale do Loire. Ou um Chardonnay nacional (o Casa Valduga Premium Chardonnay 2004, por exemplo). De um modo geral, os brancos secos são uma escolha mais adequada.
Quanto ao chocolate, o problema é mais sério. A regrinha básica para harmonizarmos vinho com doces é a de que o vinho deve ser mais doce do que o alimento. O açúcar produz uma espécie de efeito de entorpecimento em nossas papilas gustativas, impedindo que possam captar a sutileza dos sabores do vinho. Quanto mais doce é a comida, menos sabores você perceberá em seu vinho.
A minha sugestão seria um Recioto della Valpolicella. É um vinho feito em Valpolicella, na região do Veneto, Itália, com as uvas Corvina, Corvinone, Rondinella e Molinara. Deixam secar as uvas no tempo até que se transformem em passas. Nesse momento, são prensadas e levadas a fermentar. Mas fermentam de modo natural, sem intervenções humanas. Se ao final do processo, o fermento ganha do açúcar temos o famoso Amarone, um vinho seco. Mas se o açúcar ganha, ficamos com o não menos delicioso Recioto. Contudo, não é um vinho muito fácil de achar e também com preço amistoso.
Tentaria opções com vinhos fortificados: Porto, Banyuls, Jerez, Madeira, Marsala, Moscato d’Asti.
Já experimentei um Espumante Moscatel Processo Asti, da Casa Perini, no Vale Trentino, bem perto de Farroupilha e de Caxias do Sul, RS. E deu muito certo no paladar e na carteira.
Hoje, basta entrar num supermercado para ver as pegadas de coelho levando à barraquinha dos ovos de chocolate, uma simpatia que me faz lembrar os tempos em que eu ainda podia me entupir com essa herança de uma daquelas deusas - devidamente reformada por esperto comerciante dos tempos modernos.
O que importa é que a Páscoa festeja a vida. E isso merece sempre ser brindado. De preferência com um vinho.
Da Adega
ABS lança curso de formação profissional. Mesmo que você não trabalhe no mercado de vinhos poderá fazer o curso de formação profissional da
Associação Brasileira de Sommeliers-SP, que completa 20 anos em 2009. Com início para 7 de maio próximo, terá quatro módulos seqüenciais. O primeiro vai de maio a dezembro (base teórica: viticultura, vinificação, degustação etc.). O segundo, de janeiro a junho de 2010 (viagem virtual por todos os países produtores do mundo, com degustação e análise dos vinhos representativos dos países produtores).
A partir daí, os alunos poderão escolher entre dois novos módulos: o de Marketing e Estratégias de Vendas em Vinhos. E o do Serviço do Vinho. O primeiro se destina a quem pretende operar no mercado de vinho como consultor; o segundo vai formar especificamente sommeliers. Completado essa última etapa, prestarão exame para qualificar-se como Sommelier Profissional pela ABS, único título emitido no país reconhecido internacionalmente e que conta com o aval da Alianza Panamericana de Sommeliers, presidida por Danio Braga, que também preside da ABS nacional.
O curso continua sendo dirigido para quem já trabalha ou pretende trabalhar no mercado de vinhos. Mas agora, foi aberta a chance para aqueles que querem aprimorar seus conhecimentos.
As inscrições já estão abertas na secretaria da
Associação Brasileira de Sommeliers-SP. O endereço é Avenida Faria Lima 1800, oitavo andar, telefone (11) 3814-1269. O programa completo dos dois primeiros módulos pode ser consultado no website da ABS-SP:
www.abs-sp.com.br