31.12.09

O que aconteceu?

Daqui a pouquinho vamos estourar champagne e festejar não só um novo ano como também o início do fim de uma década muito tumultuada. Ela deixou o planeta globalizado, com a internet derrubando barreiras, transpirando tecnologia e modernidade, livre da Guerra Fria, mas ainda sujeito a perigos tenebrosos, como os do terrorismo, dos horrores como os de 11 de setembro, das guerras ainda insolúveis, no Afeganistão e Iraque, e até mesmo de novas ameaças nucleares. Um mundo em que o Brasil, a Índia e a China foram os grandes destaques, como emergências econômicas, embora sem ainda conseguir distribuir melhor o bolo de suas riquezas, com números cabulosos de miseráveis. Um mundo ainda não empenhado em combater o aquecimento do planeta – e que tentará em 2010 recuperar-se da pior crise financeira desde a “Grande Depressão” dos anos 30. Um quadro, até agora, mais para cinza do que para rosa, não é?
E quanto às bebidas, em particular, os vinhos: o que aconteceu de mais notável desde 2000?
O mundo ficou menor. O vinho está agora em todos os cantos do planeta. A China já é grande importadora e crescente produtora. Temos vinhos da Croácia, Turquia, Índia e até do centro-oeste brasileiro (os do nordeste nem precisamos falar). Ainda pensamos que o vinho, que está conosco há milhares de anos, continua preso a tradições, resistente aos ventos de mudança, comuns em outras indústrias ou setores. Nada disso: a indústria do vinho hoje está imersa nos mistérios do marketing, nas estratégias promocionais. Cada um tentando vender o seu peixe.
Os vinhos “verdes”. De repente, começamos a fazer contato com vinhos orgânicos, biodinâmicos, naturais, sustentáveis. Eles estão ganhando cada vez mais espaço, embora sua produção ainda seja modesta. São dos mais bem-vindos acontecimentos da década.
Embalagens. Ainda na trilha de uma preocupação “verde”, em reduzir-se emissões de dióxido de carbono, temos o aparecimento de garrafas de vidro mais leves e das práticas embalagens em tetra pak.
Os Wine Bars. Bares especializados em vinho estão agora em toda a parte. Podem ainda ser poucos por aqui, mas estão ajudando a promover a bebida e tornar seu consumo mais casual, mais natural.
Os rosé. Para o crítico inglês Jonathan Ray, esse período será lembrado pela aceitação dos vinhos rosados. Eles sempre existiram, mas eram coisa do Velho Mundo, em particular das regiões mais quentes da França (Provence, Languedoc-Roussillon). Mas agora saíram do armário e ninguém mais tem vergonha em bebê-los. Enfim, são um sucesso de vendas. Mas por aqui ainda estão na fase do arranco, embora tenham tudo para pegar: além das ofertas de cores e sabores, são, sobretudo, refrescantes, perfeitos para nosso clima.
Novo Mundo. Ainda o crítico inglês: ele destaca o que não se pode esconder: a consagração dos vinhos chilenos, argentinos e os da África do Sul. Vinhos acessíveis, de qualidade. No Chile, o cartão de visita é a Carmenère, embora recentemente a Pinot Noir esteja demonstrando grande potencial. Na Argentina, os destaques são a tinta Malbec e a branca Torrontés. Na África do Sul, onde o destaque recai na Chenin Blanc, o crítico destaque o grande avanço na sua produção e comercialização. Hoje o país é o nono maior produtor de vinhos do mundo (tem 12% do mercado inglês de vinho).
Novas Variedades. E, de repente, uvas até então ignoradas tornaram-se populares: como a italiana Pinot Grigio, a francesa Viognier, a austríaca Grüner-Veltliner, a espanhola Albariño. Por aqui, algumas vinícolas estão nos ensinando a apreciar cepas como a Ancellotta, a Marselan, a Teroldego, ora como solistas, ora como coadjuvantes em surpreendentes blends. Podemos apostar que desde já vamos sair do tradicional círculo formado pela Cabernet, Pinot Noir, Merlot, Chardonnay.
Tampas de rosca metálica. Em 2001, na Nova Zelândia e na Austrália os produtores de vinho começaram a substituir as tampas de cortiça pelas de rosca metálica. O principal motivo alegado era o de eliminar o problema de TCA (2,4,6-Trichloroanisole), um fungo que infectava as rolhas de cortiça, deixando os vinhos com odor de mofado, imprestáveis, um problema que ainda causa grandes prejuízos à indústria (e ao consumidor). O imperador do vinho, o crítico norte-americano Robert Parker chegou a profetizar que até 2015 poucas garrafas ainda utilizariam a cortiça. Acho que as tampas metálicas, perfeitas para vinhos do dia-a-dia, de vida breve, vieram para ficar. Elas são mais práticas e mais baratas que as de cortiça. Porém, a Amorim, o maior fabricante de rolhas de cortiça do mundo, já está garantindo rolhas de cortiça livres do TCA. Não há razão para essas duas opções conviverem pacificamente.
Os franceses. O crítico inglês garante que, apesar de tudo (lembram da “guerra do vinho” iniciada pelo Bush no deflagrar da guerra do Iraque?), ainda estão fazendo o melhor vinho do mundo.
Robert Parker. Jonathan Ray o coloca como um dos “perdedores” da década. Parker foi o criador do sistema de 100 pontos, que todos os críticos adotaram. Mas ele continua supremo como degustador. Uma parte da crítica mundial de vinhos parece que “torce” pela queda desse ídolo. Prefiro torcer pelo aparecimento de um novo grande crítico. Vamos aprender mais ainda.
Vinhos alcoólicos. Alcoólicos, frutados e com muita madeira. Parece que ficaram na moda em razão do próprio Parker, que os prefere dessa maneira – vinhos com até 16, 17% de volume alcoólico. Mas nos últimos tempos, registrou-se uma sensata volta aos 12, 13%.
A crise financeira. Na nossa área, essa crise pode ser resumida assim: que consumia vinho continuou consumindo – só que optando por rótulos mais baratos. A venda por volume até aumentou, apenas o total em dinheiro ficou um tanto reduzido. Para os vinhos, penso eu, a crise está sendo uma marolinha.
Pesquisas. Não passa semana e a imprensa divulga pesquisas sobre vinho e saúde. Isso vem acontecendo desde o início dos anos 90, quando o programa 60 Minutes, da CBS News, fez uma matéria sobre o “Paradoxo Francês”, explicando porque os franceses, adeptos de queijos, manteigas e pratos ricos em gordura, tinham muito poucos problemas cardíacos, em comparação com os americanos. Resposta: porque eram bebedores de vinhos, em particular dos tintos. Essa reportagem fez maravilhas pela indústria do vinho em todo o mundo. E as matérias revelando novas potencialidades dos vinhos para a saúde continuam fazendo o mesmo.
Só que isso vem confundindo os consumidores. Em primeiro lugar, acho que as pesquisas destacam mais a face positiva. O vinho só faz o bem? É um elixir milagroso? A história verdadeira não é bem essa. Por exemplo, ora lemos que o vinho apresenta baixo risco para a degeneração da retina (o que pode levar à cegueira); ora lemos em outra matéria que pesquisas demonstraram que bebedores contumazes têm seis vezes mais possibilidades de desenvolver a pior forma de degeneração macular. Acreditamos em que matéria? (Voltaremos ao assunto.)
Em milênios de história, o vinho vem conquistando cada vez mais público e chegando a lugares os mais improváveis não porque seja um remédio. Se precisarmos de um remédio devemos consultar um médico, não é? Não, amiga, vinho é um prazer.
E é com ele, amigas, que a Soninha aqui espera que festejem o novo ano. Com ele, tenho certeza, vocês continuarão tendo grandes prazeres. Muito obrigada pelas atenções e um felicíssimo 2010.

24.12.09

O direito de ser feliz

Você bobeou e ficou intoxicada. E o excesso de álcool acabou com a sua festa. Com toda essa euforia de festas, do Natal até o réveillon, periga de você tomar um drinque a mais (que você ignora se foram dez a mais), justo aquele que vai entornar o caldo. No dia seguinte, não saiba o que aconteceu. Além do terrível mal estar, aquele enorme peso em sua consciência. Sente-se culpada, só não sabe exatamente de quê. Já sente vergonha de amigos, colegas de trabalho, de vizinhos e parentes.
Reconheço que não é fácil ficar de fora de tanto espumante, tanta cerveja, tantos coquetéis nesse período de festas. Com alguns artifícios, contudo, é possível escapar de problemas com o álcool. De uma maneira ou de outra, já falei disso aqui. É hora de um repeteco.
Eis aqui algumas dicas. Não sou de dar conselhos, não sou dona da verdade. Mas, anos de prática no mundo das bebidas, experimentada em escapar da intoxicação alcoólica, acho que posso falar como não entrar numa fria. Pelo menos, em como tentar evitá-la.
Para começar, vamos esquecer histórias da Carochinha, como a de tomar leite para forrar o estômago ou de tomar café para nos tornar novamente sóbrias. A absorção do álcool pelo nosso corpo varia de pessoa para pessoa. Essa variável compreende desde a quantidade de alimento em nossos estômagos, à composição e o tamanho de nosso corpo, sexo e até medicações que estejamos tomando. Tudo isso importa para o nosso comportamento diante do álcool.
Uma pessoa de 70 quilos ao tomar um destilado (uísque, rum, gim, vodca etc.) de 40% de volume alcoólico produzirá em média uma concentração de 0,02% de álcool na corrente sanguínea (ou 0,6 gramas por litro de sangue). Se a pessoa é mais leve, de uns 60 quilos, a concentração será de 0,03%. Isso para apenas um drinque. Só para compararmos: o Código de Trânsito Brasileiro limita o máximo aceitável de concentração de álcool no sangue em 0,6 g (seis decigramas) por litro de sangue. Ou seja, com apenas um drinque você já atingiu o limite. Em outros países, ele é maior (0,08 nos EUA). No Japão, é zero.
Nosso fígado só pode metabolizar apenas uma limitada quantidade de álcool por hora. Um homem de tamanho médio metaboliza cerca de nove gramas de álcool por hora. Se nesse período bebermos apenas um drinque, certamente vamos ajudar o fígado em seu trabalho de filtragem, de renovação de estruturas celulares, produção de energia e tudo o mais o que se entende por metabolismo.
Agora, se bebermos mais rapidamente, mais de um drinque por hora, o álcool em excesso fica numa espécie de fila, acumulando-se em nossa corrente sanguínea, que passa a funcionar como um depósito, uma adega. Ele estará como num rio, movendo-se e, logo, logo, esse sangue visitará nosso cérebro – devidamente acompanhado pelo álcool em excesso que ficou esperando na porta do fígado e não pode entrar. Isso porque você tem a boca nervosa, não parou de beber. E tem mais: nesse período de festas, é bom ficar de olho na quantidade de álcool em cada drinque. Sabemos que a ocasião implica em desmedidas atitudes de generosidade, inclusive com os drinques. Sabemos também que, no meio da festa, ninguém está aí para medir as doses corretas: uma dose freqüentemente tem o equivalente a dois, três drinques. Preste atenção.
Um drinque normalmente é igual a uma latinha de cerveja, uma taça de vinho ou um copo com dois dedos de destilado. Se bebêssemos tudo isso numa hora, nosso corpo precisaria de duas a três horas para realizar o seu trabalho. E todo o processo pode ficar pior quando estamos bebendo com o estômago vazio. Com o estômago cheio a absorção acontece mais rapidamente – talvez em vinte minutos, considerando o exemplo acima.
O truque aqui é não parar de comer enquanto está bebendo. Com o estômago vazio, o álcool passa rápido pelo estômago e duodeno e logo chega à corrente sanguínea e daí alcança o fígado. Na primeira passagem, o fígado começa a metabolizá-lo, ou seja, a tentar se livrar dele, destruindo suas moléculas e expelindo uma pequena parcela via urina, suor, hálito. O que sobra vai agir em todo o seu organismo. Serão necessárias várias passagens pelo fígado para que seja destruído completamente. Com o estômago cheio, o processo é retardado. Não é que os alimentos absorverão o álcool. É que retardarão a sua chegada à corrente sanguínea. Outro detalhe a observar é que alguns alimentos têm impacto maior do que outros em tornar essa absorção mais vagarosa. Esqueça o que seja “diet” ou “lite” nessas ocasiões. O fígado continuará agindo, mas desse modo, vagarosamente, alterando a estrutura química do álcool e decompondo-o em gás carbônico e água (que sairá pela urina, suor, hálito – não pense que ficará hidratada, muito pelo contrário).
Uma boa festa é aquela em que a comida circula tempo todo, nada falta para beliscar ou comer nas mesas. Em alguns lugares distribuem-se várias mesas, vários bufês, de modo a facilitar ainda mais o acesso.
Agora, a comida sozinha não vai fazer mágica alguma. Uma pessoa com o estômago cheio pode consumir uma quantidade tal de álcool num curto espaço de tempo achando que não será afetada. Vai aprender, amargamente, que o álcool que não puder ser processado pelo fígado será retido na corrente sanguínea. A comida sozinha não vai neutralizar o efeito do álcool, vai atrasar a sua chegada ao sangue e a todo o nosso corpo: pode ser o começo do fim da nossa festa. Um fim nada cor de rosa.
Em muitas festas encontramos drinques não alcoólicos, mas “vestidos” como se o fossem, camuflados, servidos nos mesmos copos e decorados (com folhas, frutas etc.) de modo convincente.
Alguns anfitriões e bufeteiras experimentadas lançam mão de recursos equivalentes. Como o espumante é popular nessas ocasiões, dá bons resultados colocar ao lado das garrafas borbulhantes, várias opções de sucos de frutas ou refrigerantes, club soda etc. para que os convidados façam os seus próprios drinques. Essas frutas vão ajudar a diluir o álcool nas taças.
Outro bom truque dos anfitriões é começar a reduzir o serviço de bebidas alcoólicas no terço final das festas e continuar oferecendo bebidas não alcoólicas. A essa altura, todo mundo está mais é a fim de refrescar-se. Talvez nem notem a ausência do álcool.
Como dissemos no início, um drinque apenas afeta mais uma pessoa leve do que uma pesada. Taí o porquê das mulheres correrem mais riscos do que os homens, pois são na média mais leves. Além disso, nós tendemos a ter menor quantidade da enzima responsável pela metabolização do álcool no fígado, chamado de álcool desidrogenase (ADH). Essa escassez faz com que processemos menos quantidades de álcool, fazendo com que ele chegue logo à corrente sangüínea e a todos os nossos sistemas.
O peso de um bebedor é, assim, importante para enfrentar o consumo de álcool. Uma pessoa pesada resistirá mais do que uma de pouco peso, bebendo a mesma quantidade de álcool, pois ele será distribuído por uma massa corpórea maior. Portanto, quanto menor o seu peso, mais sujeita estará a um porre. Veja só o caso daquela moça na novela do Manoel Carlos: sempre magrinha, sempre querendo perder peso e não comendo. E sempre bebendo: a Renata de “Viver a Vida” sofre de anorexia alcoólica ou drunkorexia. O álcool dá uma impressão de energia quando na verdade vai fazer com que a pessoa fique mais rapidamente à deriva, entregue às baratas. A Renata está sempre perdendo para o álcool, perdendo para ela mesma.
O Natal e o Ano Novo são desafiantes e até estressantes, tensos e podem fazer com que bebamos além da conta. Muita gente acha que a bebida vai ajudar a relaxar, a suavizar algum ângulo emocional pelo qual se esteja passando. Beber para se divertir não tem nada demais, desde que aquela deliciosa taça de vinho não seja utilizada para que nos sintamos mais seguras, mais bem humoradas. É engano pensar que um drinque equivale a uma pílula antiestresse, segura o bastante para evitar a chegada sorrateira e inexorável do álcool.
Nessas festas, movimente-se bastante, teste sua capacidade motora, tente não ficar parada. Mexa-se! Não deixe de testar sua capacidade de focar imagens, de equilibrar-se. E, principalmente, de fixar limites.
Tente consumir não mais do que um ou dois drinques por hora. Se você já sabe que bebe aceleradamente, um copo atrás do outro, prefira cerveja a vinho ou destilados. Mais do que cinco drinques numa noite costuma ser demais. Não perca a contagem do que está bebendo. E continue se mexendo.
Não beba álcool para matar a sede. Intercale bebida alcoólica com copos de água de modo a também permanecer hidratada (o álcool, você sabe, é um poderoso desidratante). Além disso, a maior parte do que você está comendo é salgado e seco. Prefira água nesses intervalos.
Preste atenção a sintomas como, por exemplo, o do frio. Está começando a sentir frio, num ambiente cheio de gente, todo mundo dançando, pulando, andando pra lá e pra cá, num clima já quente? Você já está ou começa a ficar perigosamente intoxicada. O álcool aumenta a perda da temperatura corporal, fazendo com que sinta frio. Se isso acontecer, está na hora de parar, hidratar-se, botar mais comida no estômago. E olhar em volta por uma carona. O seu carro merece um descanso, precisa ficar longe de outros carros, de outros motoristas e de pedestres que poderia atropelar pelo caminho, caso você insista em dirigi-lo.
Chegue na festa de táxi e com o telefone da cooperativa, para voltar. Arrume caronas confiáveis. Não acredite em frases como “eu estou bem”, “sou resistente”, “estou acostumada”, “conheço essa estrada de olhos fechados”. Não tem carona confiável e não tem táxi, sente-se e espere o tempo passar. Arrume um canto e tire um cochilo. Daqui a pouco, perceberá que aquela pane em seus sentidos cessou. Seus circuitos voltaram a funcionar. Você está bem, sem culpas, lembrando de tudo o que aconteceu e pode então terminar o seu Natal ou réveillon em paz.
Em paz não porque tenha escapado das tradicionais fofocas. Quem se importa, não é? Mas porque você não subestimou um direito que é todo seu e é a razão dessas festas: o direito de ser feliz.
Feliz Festas.
Da Adega
Maquis Lien no Brasil. Esse é um vinho de Xavier Choné, o mesmo viticultor que cuida de “monstros’ como o Chateau D’Yquem, Haut Brion, Cheval Blanc. O Maquis Lien 2005 chega ao Brasil através da
Terramatter Importadora. É um blend de Syrah, Carmenère, Cabernet Franc, Petit Verdot e Malbec. Vem do Vale do Colchagua, Chile, onde passou 12 meses em barricas novas de carvalho francês. Está entre os melhores vinhos chilenos, segundo a revista Descorchados, o mais importante guia de vinhos do Chile.
Vitis Vinifera. Retribuo em dobro os votos de felicidade da grande importadora carioca, da
Vitis Vinifera
Vinhos de garagem. Três profissionais do vinho acabam de lançar o projeto Era dos Ventos, uma verdadeira vinícola de garagem. Bem uma vinícola de garagem costuma ser bem pequena, funcionar num espaço diminuto, como o de uma garagem, e ter produção igualmente diminuta, mas de qualidade altíssima. É o que criaram Pedro Hermeto (do restaurante Aprazível), Luís Zanini (enólogo da Vinícola Vallontano) e Álvaro Escher (enólogo, ex-Cave Ouvidor). São apenas 500 garrafas de um Teroldego (uma tinta italiana normalmente do Trentino-Alto Adige), de um blend de Teroldego com Merlot e um Peverella (outra italiana, mas branca). Esses vinhos estarão disponíveis apenas no
Aprazível, na loja da Confraria Carioca e no restaurante da chef Roberta Sudbrack. O vinhedo de origem fica na cidade de Bento Gonçalves, RS.

17.12.09

O vinho das deusas

Será que Dionísio, o deus grego do vinho, merece todo esse cartaz? Qual, afinal, o papel das mulheres na história do vinho. Dionísio e, tempos depois, seu equivalente romano Baco, são criações masculinas e muito recentes historicamente. Nos primórdios, quando as civilizações eram basicamente matriarcados, as divindades regentes do vinho e da vinha eram mulheres, o que é deixado esquecido pela maioria dos livros de história. Mas na história que conta, Dionísio foi dos últimos a chegar. Inclusive, foi o último deus a entrar no Olimpo, o 12º.
Ao que parece, não há muitas dúvidas de que foram mulheres as “descobridoras” do vinho. Está demonstrado que tecnologicamente o vinho feito de uvas cultivadas já era feito por volta de 6.000 a.C. no que é hoje a Geórgia, nas montanhas do Cáucaso. Existem até registros mais antigos de traços de vinho na Armênia, Iraque, Irã e China, embora haja confusão se de uvas, arroz, tâmara ou de mel.
Normalmente, eram as mulheres as encarregadas da colheita e Fo transporte desses frutos para vasilhames, a serem guardados em depósitos. Não é de estranhar, que uma dessas mulheres, ao dar uma olhada no depósito, se deparou com um desses jarros transbordando de bebida fermentada. Ela provou e adorou. Pronto, o vinho fora descoberto.
É mais ou menos isso o que conta uma antiqüíssima lenda, documentada na Epopéia de Gilgamesh, envolvendo um poderoso rei sumério do 28 a.C. Dizem que é o texto literário mais antigo que se conhece. Uma das mulheres do harém do rei Jamshid sofria de pavorosas enxaquecas (ah, nós e as enxaquecas!). Um dia, o rei descobriu que o vaso contendo suas uvas favoritas estava espumando e tinha um odor estranho. Assustado, mandou colocá-lo de lado, inseguro de comer as uvas. Ao ouvir isso, a odalisca decidiu beber daquele estranho líquido, para acabar logo com sua vida e o seu sofrimento. Mas aconteceu o contrário: ela adorou a bebida, que além de tudo a curou das dores e fez melhorar o seu humor. Logo, contou o acontecido ao rei, que então ordenou que se fizessem mais daquela bebida.
O império sumeriano ficava no que é hoje o Iraque. E é de lá que se registra a mais antiga divindade do vinho: Gestin, uma deusa, já adorada desde 3.000 a.C – isso por registros em tabuinhas de escrita cuneiforme. O provável é que seu culto tenha começado bem antes da invenção da escrita naquela região. Gestin em sumeriano pode ser traduzido por vinho, vinha ou uvas. Ela também é mencionada pelo Rig Veda, o “Livro dos Hinos” dos indianos, escrito entre 1.700 e 1.100 a.C. talvez o mais antigo texto religioso do mundo numa língua indo-européia. Os historiadores acham mais do que razoável que essas primeiras divindades do vinho fossem mulheres, pois as mais antigas deusas regiam a terra e a fertilidade. Gestin veio dessa base agrícola. Era ao mesmo tempo deusa do vinho e da lua. A relação com a lua identificava a deusa (e as mulheres) com as fases do nosso satélite. E com as alterações sazonais com a vida animal e vegetal: uma fase vegetativa produzindo apenas folhas e brotos, outra de floração, a penúltima de colheita e, por fim, a infecundidade. A analogia era feita com as fases férteis e estéreis da mulher, com o ciclo menstrual, normalmente de 28 dias. E o ano era dividido em ciclos lunares de 28 dias, num total de 12 ciclos, o período das revoluções da lua com relação ao sol.
Gestin não estava sozinha. Com o nome de Geshtinanna era a deusa do vinho e da fertilidade dos assírios (que viviam no norte do Iraque, Síria e em parte da atual Turquia). Muito mais tarde, em 1.500 a.C., na mesma região, é mencionada outra deusa do vinho, Paget. Ela trabalhava na vinha e ajudava a produzir vinho.
Entre 300 e 400 a.C., temos uma nova deusa na Suméria, Siduri. Os egípcios também tinham a sua, Renen-utet mencionada em hieróglifos datados de 1.300 a.C. Mais adiante, datado de 1.500 a.C descobrem-se estátuas da Deusa de Myrtos na ilha de Creta. Suas estátuas eram colocadas nos lugares dedicados à produção de vinho: a deusa tinha um pescoço de girafa, o corpo, no formato de uma barrica, era um vasilhame para vinho.
Falamos de um tempo em que as mulheres governavam. Aos homens era permitido caçar, pescar, colher alguns frutos, pastorear e ajudar a defender o território da tribo ou do clã contra invasores.
Milhares de anos depois, o Olimpo dos gregos reflete uma reviravolta nesse quadro. O deus-sol toma o lugar da mãe-lua, os homens passam a governar e as mulheres transformam-se (aos olhos deles) no “sexo frágil”.
Homero ignorou Dionísio em seus dois poemas. Dionísio era muito popular. Não tinha nada de seus parentes: não hera um herói, um titã. Os registros relativos ao deus grego do vinho só aparecem por volta de 500 a.C., enquanto os de Gestin datam de 3.000 a.C. As lendas falam que Dionísio teria vindo da Suméria e um autor se pergunta sobre possíveis conexões com Gestin, Paget e Siduri. Baco, o nome romano de Dionísio, só teve registros escritos por volta de 200 a.C., na decadência do império grego.
A cultura mudou, os homens começaram a comandar e as mulheres ficaram em segundo plano. Em Roma, se o marido pegasse a esposa bebendo vinho podia, por lei, matá-la no ato.
Nos tempos que correm, as mulheres já deram a volta por cima, apesar da atividade ser ainda preferentemente masculina. E seu papel nessa indústria só faz crescer. Basta lembrar de Nicole-Barbe Ponsardin, a lendária Veuve Clicquot, viúva aos 27 anos, inventora do remuage, aquele ritual de girar as garrafas para conduzir as borras de fermento para os gargalos, facilitando a sua retirada. Fez mais: ela popularizou o champagne em todo o mundo. Era a bebida consagrada na longínqua corte russa, isso em pleno século 19.
Falar da relevância feminina no mundo dos vinhos hoje é fácil, mas alongará demais essa coluna. Vamos lembrar-nos da Dra. Ann Noble, professora, durante 25 anos, de viticultura e enologia na Universidade da Califórnia, em Davis. Especializada nos aspectos sensoriais, ensinando a milhares de alunos como perceber aromas e como degustar vinhos. Ficou mais conhecida por ter criado a famosa Roda do Aroma, um soberbo recurso para descrever a complexidade de aromas e sabores da bebida.
Já a Dra. Carole Meredith chocou o mundo dos vinhos revelando a modesta origem genética da nobre uva Chardonnay: ela é originária de uma medíocre e quase extinta Gouais Blanc. A Dra. Meredith, também professora da Universidade da Califórnia, é uma das mais respeitadas geneticistas, especializada em plantas.
A inglesa Jancis Robinson será para sempre a minha guru, talvez a guru de todos os que se ocupam com os vinhos. É das mais notáveis autoras, com livros indispensáveis sobre os vinhos, em particular a monumental e imprescindível The Oxford Companion to Wine, a mais completa enciclopédia sobre a bebida escrita até hoje.
Entre as brasileiras, lembro sempre da Rosana Wagner, engenheira química, enóloga, fundadora da Vitivícola Cordilheira de Santana, na fronteira com o Uruguai. Escolheu o local a dedo e logo o seu Chardonnay 2005 recebia prêmios. E tem ainda a Monica Rosseti, diretora técnica da vinícola Lidio Carraro, causando impacto por ocupar uma posição tradicionalmente deixada aos homens. Vanessa Stefani, formada em viticultura e enologia, é uma das quatro enólogas da Casa Perini. Acha que “hoje o setor já sabe respeitar a opinião das jovens enólogas”.
Não podemos esquecer-nos da Deise Novakoski, a nossa primeira sommelière, formada na primeira turma da Associação Brasileira de Somméliers (ABS), há 26 anos. Ela penou: ninguém sabia direito o que era um sommelier, quanto mais uma sommelière. Hoje, está consagrada: é autora de livros sobre vinho, apresentadora de um programa de degustação na TV e segue com uma coluna sobre bebida (o vinho, em particular), na revista Rio Show, de O Globo. É pioneira na divulgação do vinho em nosso país.
As mulheres já são maioria nos cursos de vinhos, organizam confrarias em torno da bebida, são as maiores compradores de vinhos em todo o mundo (nos EUA elas compram 55% de todo o vinho). E assim a conexão das mulheres com o vinho foi retomada e cresce vigorosamente, com foco principalmente na amizade, na saúde, no bom senso e no romance. Somos um orgulho para qualquer deusa do vinho.
Da Adega
Trivento, o melhor argentino. A vinícola Trivento recebeu o troféu de “Melhor produtor de vinhos da Argentina”, em 2009, na International Wine & Spirits Competition, Reino Unido. A cada ano, a IWSC destaca os que fazem diferença na indústria do vinho, considerando seus padrões de qualidade, variedade, valor e educação para o consumidor. No certame, a
Trivento apresentou 22 vinhos, dos quais 18 foram premiados. O Trivento Golden Reserve Malbec 2007 alcançou o ouro no prêmio “Melhor de sua categoria”, de vinhos argentinos.
Geléias gourmet. O grupo
Famiglia Valduga Co, através da sua Casa de Madeira, especializada em alimentos finos, 100% naturais, está apresentando três novas geléias da linha extra gourmet: Malbec, Cabernet Sauvignon e Mirtilo. As iguarias não utilizam aromatizantes, conservantes e são feitas artesanalmente, à moda dos primeiros imigrantes italianos. Saiba mais no site da Casa de Madeira.
Mais mulheres. Só para reforçar a coluna: Janice Casagrande é diretora da Casa Valduga. Maria Inés Pina é gerente da Trivento e quem recebeu o prêmio da IWSC. Estamos em todas, amigas.
Paul Hobbs. Mas não pensem que sou de rasgar sutiãs. Aos homens o que é dos homens. Não deixem de ler a entrevista de Paul Hobbs, um dos mais importantes enólogos e produtores de vinho dos Estados Unidos. Veja
aqui.

10.12.09

As ceias e o buraco negro

Francamente, tropeço quando penso em combinar vinho com peru, galinha, leitão, bacalhau (uma bacalhoada ou os bolinhos), presunto tender, arroz com alguma coisa, farofa com alguma coisa, castanhas, nozes, salada, frutas, doces, panetone e mais não sei o quê?
A ceia natalina traz essa complicação. Não é uma mesa para um prato apenas. Costuma ser uma reunião de família, onde cada facção traz a sua prenda. O bacalhau é, mais uma vez (e graças!), o da vovó, o tender fica por conta da titia, a farofa com bacon é especialidade da prima. A mamãe fica com o leitão assado. E o restante da parentada responde pelos doces, bolos, tortas, sorvetes.
Não é nada fácil encontrar um vinho que consiga combinar perfeitamente com tantos acepipes numa mesma ocasião. Mesmo se tentarmos combinar um vinho com apenas uma dessas entradas seria difícil. Que vinho escolher para pratos com embutidos, condimentos, molhos, ora acentuando o sal, ora o doce. É um desfile de sabores em sua maioria divergentes a cada prato.
Um peru assado, com sua carne branca, mais para seca pode combinar bem com qualquer vinho branco e até mesmo vinhos maduros da Borgonha, segundo dica de um dos mais vendidos guias de vinho do mundo, o “Pocket Wine Book 2009”, de um dos mais destacados críticos de vinhos do globo, o inglês Hugh Johnson. Agora, que vinho acompanhará um peru com molho à Califórnia (alho, limão, vinho branco, azeitonas, pêssego em calda, figo em calda, cereja em calda, azeite, amido de milho, numa de suas muitas versões)? Talvez um espumante?
As dúvidas serão as mesmas ao tentarmos escolher vinhos para escoltar a galinha, o leitão, o tender, o bacalhau. Olha que estou falando apenas do prato principal. E as entradas, as pastas, patês, bolinhos disso e daquilo, torradas de queijo brie, pastramis.
Por exemplo, o mesmo Hugh Johnson sugere para um patê de ganso (foie gras) um vinho doce branco (como o Sauternes), com opções como um Pinot Gris late harvest, um Gerwurztraminer, um Tokaj Aszú 5 puttonyos. Ou um Amontillado maduro. Um presunto cru ficará bem com um Grand Cru da Alsácia, um pata negra ou um jamón com um Jerez ou um Porto Tawny.
Um patê de galinha pede desde um Amontillado até um Pinot Noir da Nova Zelândia, passando por um branco pungente: o Pinot Gris da Alsácia, por exemplo. Já a recomendação do crítico para o patê de pato é nada menos do que um Châteauneuf-du-Pape. O patê de peixe ficará melhor com um Muscadet ou um Chardonnay da Austrália ou da África do Sul (que não tenha passado por carvalho).
O popular Tender oferece muitas opções: um tinto leve da Borgonha, um Riesling alemão ligeiramente doce, um Cabernet Sauvignon leve (um chileno, por exemplo), um Pinot Noir do Novo Mundo e, mais uma vez, um Jerez (essa, uma combinação “divina”, segundo o grande crítico inglês).
Ainda pelo notável guia do crítico, um porco assado pode ser acompanhado tanto por um tinto leve quanto por um branco de peso. Ser o prato for feito à portuguesa, bem suculento, sugere um tinto da região da Bairrada.
O pastrami seria melhor escoltado por um Riesling da Alsácia ou por um tinto italiano, com a Sangiovese.
E não adianta dizer que devemos respeitar as tradições. Exemplo: fazer como os portugueses: bacalhau vai apenas com vinhos tintos. Já o Hugh Johnson como outro excelente crítico, o brasileiro Saul Galvão, preferem os brancos. O Saul, numa determinada degustação, indicou um branco de Rioja. Hugh Johnson sugere brancos como o Chablis ou com o Châteauneuf branco.
Noutra parte dessa coluna, informo de serviços oferecendo ceias de natal, com seleções de pratos e recomendação de vinhos, todas feitas por sommeliers, por profissionais experientes. Pode parecer, então, que estou andando na contramão.
Não, acho apenas infernal pensar em harmonizações nessas ocasiões. Já falei aqui que em quaisquer ocasiões não devemos seguir fórmulas do tipo “carne com vinho tinto, peixe com vinho branco”. Acho que não devemos nos fixar nos tipos de pratos (peixe, carne, salgados, doces) para escolhermos o vinho. Numa mesa como a que citei no início, cheia de possibilidades (graças à uma farta participação familiar), bastante farta e, sobretudo, muito variada, fica até difícil estabelecer uma sequência de vinhos: brancos antes dos tintos, os mais leves antes dos mais encorpados. Simplesmente, numa mesa dessas, fica impossível determinar qual a ordem de escolha de pratos pelos convidados. Tem gente que vai começar pelo bacalhau, outros pelo Tender, outros ainda começarão mesmo pelas entradas.
É uma grande e felizmente alegre confusão. Qualquer que seja a sugestão acabamos sempre numa encruzilhada.
Mas vou forçar a minha própria barra, com o pensamento voltado para o tempo e naturalmente para o sabor. Aqui, as festas de fim de ano são passadas sob intenso calor. Papai Noel diria “Ho, ho, ho, o calor tá um horror!”. Então, fico com um soberbo e refrescante espumante (o nacional, com certeza) ou uma boa Champagne. Com eles (e com a necessária boa vontade) poderemos acompanhar todo esse festim sem muitos atropelos. E com muito mais economia.
De qualquer modo, continua achado que as ceias natalinas são o Buraco Negro do vinho. E um Felicíssimo Natal!
Da Adega
Ceia sem erros. Já o pessoal da World Wine não tem problemas em sugerir pratos e vinhos para o nosso final de ano. O peru assado com farofa de miúdos é harmonizado com o rosé La Joya, feito com a Cabernet Sauvignon. O Tender assado com arroz com passas, um prato com diversos sabores (abacaxi, cereja, laranja e até cravo-da-índia vai com um Pinot Noir argentino, o Caitec, lá da Patagônia. Para o pernil assado a recomendação é um supertoscano, o Tuttobene. A rabanada é acompanhada por um vinho Madeira doce, o H.M.Borges. Veja esses vinhos no site dessa grande loja
online.
Don Abel. A
vinhos web, outra loja online, está oferecendo o Don Abel Premium Merlot 2005, um dos dois vinhos nacionais classificados pelo Guia de Vinhos do Jornal do Brasil. Na sua lista, na verdade temos dois Don Abel, o Merlot e o Cabernet Sauvignon, também 2005. De só uma olhada.
Saindo à francesa. Pois vamos ter um fim de ano movimentado no tradicional, embora trepidante La Casserole. No célebre restaurante paulista, o fim de ano será mesmo à francesa, com clássicos como salada de folhas verdes e magret de pato defumado o vinagrete de framboesa, omelete de hervas finas e tomate-cereja, Pappardelle ao alho e óleo com minilegumes, filé de truta, manteiga de alcaparras e purê de abóbora, encerrando com semifreddo de frutas vermelhas e coulis de pistache. Mas no cardápio continuarão o Pato com laranja, o steak au poivre, a bouillabaisse e o coelho à provençal, entre outros sucessos. O La Casserole acaba de completar 55 anos no mesmo Largo do Arouche, na capital paulista. Vale a pena considerá-lo. Visite o
site ou ligue: (11) 3331-6283. Espumantes. Veja as sugestões de espumantes e acessórios oferecidas pela Espumantes Web. É outra que também facilita a nossa vida e vende online.

2.12.09

Saindo de uma gelada

A leitora Adriana Chebec está às voltas com o verão, com o calor intenso que pode danificar os vinhos. Ela tem algumas garrafas do espumante Salton em sua geladeira. São sobras de uma festa que ela não pretende utilizar imediatamente. E pergunta se essas garrafas podem ser retiradas da geladeira e guardadas em suas caixas até as festas natalinas.
São três questões, na verdade. As garrafas podem ficar longo tempo em geladeiras? O que acontecerá se voltarem repentinamente para um ambiente tórrido? E, depois, como se comportarão voltando para a geladeira?
Já falei aqui que as geladeiras não são nada boas para o armazenamento de vinhos por um longo prazo. Quebram um bom galho numa ocasião especial, uma festa, o caso da Adriana. E podem ficar lá por alguns poucos dias. Mais que isso se correm riscos.
É que as geladeiras são projetadas para manter a temperatura interna em torno de 3,8º C. Fora isso, são muito secas para os vinhos, com sua umidade variando entre 45 e 60%. As rolhas precisam de mais umidade para que se mantenham expandidas nos gargalos, impedindo a saída da bebida e a entrada do ar. Ah, temos também a vibração do motor, prejudicial ao vinho.
O problema maior aqui é mesmo a baixa umidade, que pode ressecar as rolhas: elas ficam com seu volume reduzido, permitindo a saída do líquido e a entrada de ar, mesmo dispostas na horizontal. Rolhas ressecadas assim ficam fragmentadas, farelentas, um perigo para os vinhos.
A temperatura ideal para o armazenamento de vinhos é de 12,8º C, mais realisticamente: entre 10 e 15,6º C. O nível de umidade deve ficar nos 70%. É o que fornecem a maioria dos climatizadores de vinho, que além de tudo não possuem compressores e, portanto, não vibram.
Mas a maioria das pessoas não possui climatizador, compram vinhos para consumo imediato e não para armazená-los, para esperar cinco, dez anos até que estejam maduros. E aqui, abaixo da linha do equador, já que não existe pecado, o calor é impudente, descarado. Afinal, não moramos em castelos com suas adegas frias e úmidas.
Onde guardar os vinhos? A Adriana quer devolver as garrafas do espumante para as suas caixas de embarque originais. Presumo que essas caixas estejam em algum lugar sob o que chamamos de temperatura ambiente. Ou seja, seus vinhos sairão de 3,8º C para ficar entre ardentes 25 e 35º C (e muitas vezes, mais, chegando aos 40º C), pelo menos no Rio de Janeiro. A única sorte é que a umidade relativa do ar costuma ser mais alta.
O que esse choque térmico poderá provocar nos vinhos? Diplomaticamente, dizemos que um vinho exposto prolongadamente a temperaturas acima dos 38º C vai amadurecer mais rapidamente. A verdade é que ele provavelmente vai “cozinhar”. E esse será o seu sabor: de cozido ou de queimado. Perderá sua acidez, o seu frescor, roubará os seus deliciosos aromas e sabores.
Antes de entrar numa geladeira ou num balde, para que chegue àquelas temperaturas de serviço (entre 10 e 16º C, como vimos acima), os vinhos devem ser guardados em ambientes cuja temperatura fique entre 25 e 36º C.
Portanto, os vinhos da Adriana podem ser retirados da geladeira, sim, guardados em suas caixas (desde que fiquem na posição horizontal, permitindo que a bebida umedeça as rolhas), num vão escuro, sossegado, longe de máquinas de lavar, geladeiras, aspiradores etc.
Porém, convém ficar atenta a flutuações rápidas de temperatura – que provocarão mudanças de pressão dentro das garrafas, forçando as rolhas para cima o que poderá resultar em vazamentos e entrada de ar nas garrafas (olha o perigo da oxidação).
Cabe mais uma observação: os vinhos da Adriana são espumantes, mais delicados, muito mais sensíveis à luz e a flutuações de temperatura do que os vinhos parados.
O dióxido de carbono é o gás que provoca as bolinhas nos espumantes. Ele é solúvel e sua solubilidade depende da temperatura da bebida. Na medida em que essa temperatura sobe, o dióxido de carbono fica menos solúvel e procura escapar do meio onde está mais rapidamente. Já experimentou abrir uma latinha de refrigerante quente?
Agora, inversamente, se a bebida está bem gelada, a solubilidade do gás é maior, tornando mais difícil que queira escapar. Essa mudança da solubilidade não é instantânea. Leva um tempinho para que todo o gás se recombine dentro do vinho. Se vamos gelar rapidamente uma garrafa quente (ou seja, aquela que está guardadinha na caixa, em temperatura ambiente), o gás ainda vai querer fugir da garrafa, mesmo que ela pareça gelada. Se quisermos preservar o gás (e não perder boa parte do vinho ao abri-lo, resultado do jorro agressivo de bolhas) temos de gelar essas garrafas aos poucos. A recomendação é de que fiquem 30 minutos num balde com gelo e água em vez de cinco minutos no freezer.
Quando o Natal chegar, a Adriana deve fazer nova mudança: as garrafas saem das caixas e voltam para a geladeira. Quando chegar a hora de servir, vão para o balde por meia hora. E, pronto, Feliz Natal!
Da Adega
Marcus James é ouro
. A Vinícola Aurora ganhou medalha de ouro com o seu espumante Marcus James, no 7º Effercescents Du Monde, realizado entre 19 e 20 de novembro em Dijon, França, justo a terra do champanhe. É o segundo prêmio que o Marcus James ganha esse ano. O seu Aurora Chardonnay Brut ganhou uma medalha de prata também nesse concurso. Esse é o quarto prêmio internacional recebido pelo Brut Chardonnay esse ano (e a 19ª nos últimos cinco anos). Nesta edição, o Effervescents Du Monde avaliou 519 amostras de 24 países, com um júri formado por 75 degustadores internacionais. Saiba mais sobre a
Aurora.