29.3.11

Fukushima e os vinhos


Já nas primeiras notícias que li sobre o desastre nuclear de Fukushima o vinho tinto aparecia como santo remédio para neutralizar os efeitos da radiação, ao lado dos tabletes de iodeto de potássio. Um Google depois, víamos que na catástrofe de Chernobyl, em 1986, o vinho tinto tinha sido utilizado, além da vodca, como solução para os mesmos problemas.
Será que os tintos estão que essa bola toda? As matérias que li falam de um estudo feito em 2008 pela Escola de Medicina da Universidade de Pittsburgh, EUA, afirmando que o resveratrol, um antioxidante natural encontrado fartamente nos vinhos tintos, pode proteger nossas células dos danos da irradiação. Só que a experiência foi feita em ratos. Os doutores de lá ministraram o resveratrol antes de expor os ratos à radiação.
Além disso, o resveratrol não foi administrado puro, mas combinado com a acetila, outro produto químico (chamam de grupo funcional: é a acila do ácido acético com a fórmula química COCH, conforme uma nova ida ao Google, só para conferir). Os dois combinados aparentemente aumentam a eficácia do resveratrol. Os grupos acetila são usados para, por exemplo, transformar a morfina, um anestésico natural, em diacetilmorfina, ou heroína. A acetila-resveratrol é solúvel na água (mas não o resveratrol), o que melhora sua utilização em produtos para a saúde.
O resveratrol age diretamente sobre uma enzima chamada Sirtuin 1, que faz a mitocrôndia funcionar. Ou seja, ajuda justamente as áreas de nossas células hospedeiras de substâncias como o oxigênio e a glicose, que processam e convertem em energia. As mitrocrôndias estão presentes em grande quantidade nas células do sistema nervoso, do coração e do sistema muscular, justo as que mais necessitam de energia. Numa pesquisa feita pelo National Institute of Allergy and Infection Disease, também na América, 80% dos ratos tratados com o combinado de resveratrol-acetila sobreviveram, comparados com os 30% que sobreviveram entre os que não foram medicados com a droga.
Porém, todos os estudos sempre lembram que o resveratrol contido nos vinhos não tem essa potência toda. Ele pode, sim, agir como um antioxidante, como um protetor natural da mesma maneira que as vitaminas E e C. Para dar combate a doenças e males como a radiação teríamos de beber vinho tinto ou comer uvas até dizer chega. E ainda não conseguiríamos chegar à dosagem necessária.
Teríamos de beber cerca de 720 garrafas de vinho para chegar aos resultados do composto de resveratrol criado por eles. Só que, 720 garrafas depois, teríamos que procurar nosso fígado em alguma lixeira.
Pelo menos até agora, Chernobyl continua sendo o pior acidente nuclear do mundo. Esse desastre foi o impulsionou os vinhos americanos na Europa. As nuvens radioativas do reator ucraniano se se espalharem por grande parte da Europa, levada pelos ventos, contaminando o solo. O pânico foi geral em todo o Velho Mundo.
Naquela época, como agora, a prioridade era evitar a contaminação radioativa: fique em casa, não coma alimentos originários de áreas submetidas às chuvas ou poeiras radioativas; não beba leite ou coma a carne dos animais que vivem nessas áreas. Não beba vinhos franceses!
A maior parte dos vinhos vendidos na Suécia vinha de várias regiões da França, que estavam no caminho daqueles ventos danados. E o consumidor sueco buscou opções. Foi então que os americanos apresentaram seus vinhos, com estilos próximos aos de Bordeaux. Desde então, os vinhos made in America viraram uma realidade na Europa. Por puro acidente.
Ainda na toada nuclear, em 2010 um professor da Universidade de Adelaide, Austrália, o químico Graham Jones, descobriu, em 2010, que as bombas atômicas poderiam identificar vinhos falsificados.
Seguinte: a datação por carbono opera comparando-se a quantidade de carbono 14, a menos comum e estável forma de carbono, com o formato mais abundante, o carbono 12. Por milhares de anos a razão entre essas duas formas de carbono se manteve estável. Então, acontecem as bombas em Hiroshima e Nagasaki, e logo depois os testes atômicos na atmosfera que só pararam em 1963. Aí o carbono 14, diluído pelo dióxido de carbono, é depositado no solo e é capturado pelas plantas, pelas uvas e é eventualmente transformado em álcool e logo em vinho. Para resumir: até os anos 50 tínhamos uma presença maior de carbono 12. De lá pra cá, passamos a contar também com o 14. Comparando-se os dois tipos de carbono, seus níveis, podemos chegar exatamente à idade de um vinho. Se a datação por carbono der uma idade e o rótulo outro, o vinho é falso.
E o saquê, a bebida nacional japonesa? Um terremoto de 9.0 de magnitude, seguido imediatamente de um tsunami com ondas de 14 metros praticamente destruiu o nordeste do país. Milhares de mortos e muitos outros milhares desaparecidos, nada de eletricidade, água e transportes. Claro que a indústria de saquê sofreu. As mais atingidas foram as localizadas na área de Miyagi, o epicentro do terremoto, de Iwate e Fukushima – onde ainda temos uma usina nuclear perigando fundir de vez e já contaminando o solo e as águas. As fábricas de saquê de Suisen, em Iwate, bem como as de Hakurakusei, em Miyagi, foram completamente destruídas. Na região, são 100 fábricas (o Japão tem cerca de 1.800), algumas produzindo algumas das marcas de maior qualidade.
O recomeço será difícil, com a falta de matéria prima, combustível, transporte e infraestrutura. Em particular, o grande desafio será plantar e cuidar dos campos de arroz quando a primavera chegar. Fora a radiação, o tsunami também se espalhou pelas fontes de água, de produtos químicos e de esgoto em natura.
Há alguns meses os vinhos da obscura Appellation Coteaux du Tricastin, na região do Ródano, passarão a ser chamados, já a partir da colheita de 2011,
de Grignan-les-adhémar. O motivo é que para os vinicultores locais “Tricastin” significa “usina nuclear”. A Appellation fica à sombra da segunda maior usina nuclear da França, além de uma instalação para enriquecimento de urânio. Houve por lá dois pequenos tremores, em 2002 e 2003. Mas o problema mais sério resultou de erro humano, com o vazamento de 75 kg de urânio nos rios locais, no verão de 2008. Dá pra entender a mudança de nome.
A França é o líder mundial em energia nuclear para fins civis. Tem 58 reatores e 79% da eletricidade se origina deles. A usina nuclear de
Chinon tem quatro reatores, resfriados pelas águas do Loire. São famosos seus tintos com a Cabernet Franc e os brancos com a Chenin Blanc. Na pequena região de Bugey, na parte superior do Ródano, existem mais quatro reatores. Bugey, conhecida pelo seu Roussette, um branco muito delicado, desde 2009 teve seus vinhos elevados à condição de AOC.
E a região de Bordeaux entra também nessa lista, com a usina nuclear de
Blayais: quatro reatores cujo resfriamento é feito pelas águas do rio Gironde. Fica a apenas 10 km dos vinhedos de Latour, Lafite e Mouton. Um furacão, com ventos de 200 km/hora, obrigou o seu desligamento. Foi chamado de “Tempête Martin”. Já pensou, um acidente nuclear como o japonês nessas regiões?
As ocorrências de tsunamis são menores, claro, na Europa e aqui. Mas o risco não é zero: a área do Atlântico também sofre abalos sísmicos, como o terremoto e tsunami que destruiu Lisboa em 1755.
O planeta sofre com meio milhão de terremotos todos os anos. Mas só percebemos um em cada cinco. Na média, podemos prever 18 grandes tremores (entre 7-7,9 na escala Richter) por ano. E mais um grandão, com magnitude 8 ou mais, tal como o que destruiu o norte do Japão.
O de Lisboa foi um dos maiores da história, com 8.7. O de Messina, na Sicília, tem 7.1 e foi também foi seguido por uma onda de 12 metros. O resultado foi a destruição de tudo num raio de 300 km, matando entre 100 e 200 mil pessoas, em 28 de dezembro de 1908.
A natureza chuta o balde mesmo é no chamado “
Círculo de Fogo do Pacífico”: 91% de todos os terremotos (81% deles os maiores) acontecem lá. Não é nada fácil ser vinicultor no Chile (teve três dos nove piores terremotos da história, como o de Maule, ano passado). O sul da Califórnia também sofre. A Nova Zelândia teve dois grandes tremores nos últimos seis meses, a maior parte deles em regiões vinícolas.
Aqui, ainda não tivemos problemas com terremotos e tsunamis. A usina de Angra estaria segura. Só fico cismada é com os deslizamentos continuados na região. Basta fazer uma rápida busca no Google para saber mais. Volta e meia a rodovia Rio-Santos está fechada. Volta e meia esses acidentes transformam-se em tragédias como a da Praia do Bananal, na Ilha Grande, em janeiro de 2010. As usinas ficam na Praia de Itaorna, que em tupi-guarani quer dizer “pedra podre” ou “pedra mole”. Céus!
Por aqui, a contaminação tem outro nome: agrotóxicos. Só no município de Lucas do Rio Verde, note de Mato Grosso, utilizaram 5 milhões de litros de agrotóxicos em 2009. Técnicos da Universidade Federal de Mato Grosso descobriram a presença de agroquímicos até no leite materno. Parte daqueles milhões de litros está acumulada no organismo da população local. O Brasil é o primeiro consumidor de agrotóxicos da América Latina e o terceiro do mundo.
Na área de Fukushima o consumo de leite, verduras e água estão proibidas. E aqui, será que não vão fazer nada?

Da Adega
Dilma cria o PAV
. Além do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) a presidenta Dilma acaba de criar o PAV (Plano de Aceleração do Vinho). Brincadeiras à parte, dá gosto ver que a presidenta tá lá promovendo nossos vinhos. E foi com eles que brindou Barack Obama, no almoço oferecido ao presidente americano em Brasília. Todos os convidados aprenderam a harmonizar picanha e baião de dois com o Gran Reserva Chardonnay, o Gran Reserva Cabernet Sauvignon e o espumante Premium Brut – os três da
Casa Valduga, vinho oficial da Presidência.
Sem Agrotóxicos. Puríssimo, naturalíssimo. A
vinhosweb está oferecendo o Avondale Julia, da região do Paarl, África do Sul, 100% orgânico, por R$ 40,50. Depois de falar tanto em radiação, contaminação, tínhamos que oferecer pureza.
Compare os Malbec. Já a
Vinitude oferece uma caixa (6 garrafas) com o Malbec francês (lá também chamado de Cot, Auxerrois, Pressac etc.) e o Malbec argentino (o que tornou famosa essa uva e colocou a Argentina no mapa dos bons vinhos). Pela França, temos o Chatons du Cèdre 2008. Pela Argentina, dois rótulos: Xama Che Malbec 2004 e Dante Robino Malbec 2008.
Aurora na Holanda. O mais importante jornal holandês, “The Telegraaf” considerou o Aurora Millésime Cabernet Sauvignon como “um grande vinho”. O vinho foi apresentado, ao lado do Pequenas Partilhas, de um evento de negócios na embaixada brasileira na Holanda. Saiba mais
aqui

16.3.11

A rolha do rosé

Foi na loja, comprou dois vinhos e, em casa, tentou abrir um deles, o rosé, não conseguiu. Tentou três vezes e nada. A consumidora achou um site de reclamações e botou a boca no trombone. A vinícola prontamente respondeu e já está providenciando a troca das garrafas.

Isso aconteceu agora, em março. A consumidora, de Praia Grande, SP, comprou dois vinhos da Salton: um branco e um rosé, o mesmo com a rolha emperrada. A praiagrandense teve o cuidado de informar o número do lote, L1025115, nesse caso mais importante do que a safra, pois permite que o fabricante identifique das uvas, aos tanques, à linha de produção (onde engarrafam, colocam os rótulos e as rolhas).

A consumidora depois das tentativas de abrir o rosé, nem tentou fazer o mesmo com o branco, temendo quebrar a garrafa ou danificar a rolha. Quanto ao problema propriamente: a consumidora notou que “existe uma pressão muito grande entre a garrafa e a rolha”.

A Salton respondeu imediatamente, através de sua Coordenadora de Qualidade. A empresa investigou o lote e nenhum problema foi revelado. Suspeita que tenha havido alguma variação no tratamento da rolha e já pediu que seu fornecedor de rolhas e também do de garrafas estudem o problema.

A vinícola já está providenciando a troca das garrafas e para isso se dispõe a ir até a casa da consumidora. As duas partes estão de parabéns: a paulista por protestar e fazer isso de modo eficiente (dê uma olhada no Reclame Aqui). Ela estava no direito dela, o produto não “funcionava”, explicou seu problema civilizadamente, sem bate-bocas etc.

De parabéns também a Salton, que não discutiu, procurou rapidamente responder à sua consumidora e de modo a satisfazê-la. É um pessoal experiente e sabido, que não quer outra coisa senão deixar seus consumidores satisfeitos. Não é à-toa que tem 101 anos de existência, é uma das maiores vinícolas brasileiras, com vinhos premiados em todo o mundo. E, claro, depende dos consumidores. E olha que produzir vinhos no Brasil é pra lá de espinhoso. (Veja a entrevista da sommelier Ione Fiuza ao Estadão) o nada fácil.

Pois então. Queria mesmo era falar do problema da rolha. O Chalise Rosé é o que chamam de “vinho base”, um vinho de mesa simples, a garrafa não passa dos R$ 10,00 nos sites de compra online que pesquisei. E deve utilizar rolhas sintéticas, de plástico. O meu palpite é esse: se a rolha é de plástico o problema é esse. As rolhas sintéticas têm essa mania: deixar meio mundo furioso.

“Produtores de vinho do mundo, por favor, por favor, por favor, parem de usar rolhas de plástico. São de deixar qualquer furioso”. Isso foi dito pela maior crítica de vinhos do mundo e, repito mais uma vez, minha guru, Jancis Robinson. Ela diz que já ter de usar um saca-rolhas para tirar as tampas de cortiça natural é um tanto bizarro.

“Agora, temos esse problema dos danos causados aos saca-rolhas por essas rolhas de plástico. Na minha experiência, as rolhas sintéticas são muito mais relutantes em deixar os gargalos das garrafas do que suas companheiras naturais”.

Não podemos identificar que tipo de rolha um vinho usa, cortiça ou plástico, pois teríamos de retirar a cápsula que a envolve. Para retirar a cápsula teríamos de comprar o vinho. E aí já era. Ficamos como a praiagrandense: frustradas, no mínimo.

Tá bom que os produtores tenham buscado tampas alternativas para o problema da “doença da rolha” ou da incidência de TCA (tricloroanisole), um fungo que provoca odor desagradável na bebida. Falam que esse problema ataca entre 5 e 6% das rolhas. Jancis Robinson fala entre 3 e 4%. É muita coisa. Daí que os produtores buscaram alternativas. As principais são as rolhas sintéticas, como a supostamente utilizada pelo rosé dessa história, e as de rosca metálica.

Li numa reportagem do Wall Street Journal que o mercado de tampas hoje está no seguinte pé: as naturais (de cortiça) continuam na liderança; em segundo lugar temos as de plástico, personagem dessa coluna, com consideráveis 20% (e olha que elas só estão no mercado há doze anos). Em terceiro, com 11%, temos as roscas metálicas.

O caso é que já foi demonstrado que o tal do TCA pode ser originário não apenas de rolhas de cortiça, mas de outras fontes numa vinícola, como por exemplo, estante ou caixas de madeira.

Existem estudos sérios demonstrando que as sintéticas começam a deixar o ar penetrar na garrafa depois de apenas 18 meses. Acho que o sucesso do sintético é o econômico: uma rolha de cortiça custa pelo menos 300% mais do que uma de plástico. Já as roscas metálicas tem preço unitário igual ao das sintéticas com a vantagem de dispensarem a cápsula sobre o gargalo.

Ambas, porém, não são biodegradáveis, ao contrário das de cortiça. Esse um ponto negativo pra lá de considerável.

Mas chega de dar palpites na reclamação alheia. Acho que o que mais me atraiu nessa história foram as uvas que compõem o Chalise Rosé. Preciso conhecê-las já: Isabel, Herbemont e Seyve Villard. São todas híbridas, americanas. Não figuram no Olimpo das uvas, são Gatas Borralheiras, mas valiosas. Sem elas, os americanos, por exemplo, jamais teriam bons vinhos. Europeus imigraram para a América, trouxeram algumas mudas, fizeram enxertos, casamentos de espécies e conseguiram a base para terem a Vitis Vinifera lá. Aqui também aconteceu o mesmo.

A Isabel é uma tinta híbrida, parte Vitis Vinifera (europeia) e parte Vitis Labrusca (americana). De longe, a uva mais plantada no Brasil, aonde chegou no século 19. Muito resistente e fértil, é usada para sucos, geleias. E vinhos.

A também tinta Herbemont é uma variedade americana (Vitis Bourquina), ora chamada de “Borgonha”, ora de “Belmonte”, é originária inicialmente da França, mas que chegou aqui depois de adaptada nos EUA. Dá vinhos brancos e também é base para destilados. A Herbemont, por sinal, tem o nome do primeiro grande vinicultor americano, Nicholas Herbemont (1771-1830), um imigrante francês que conseguiu fazer vingar híbridas de origem europeia no solo americano.

A branca Seyve-Villard é outra híbrida, resultado do cruzamento da Seibel 5656 e Seibel 4986. Muito utilizada entre nós para a produção de brancos. Mais uma vez, sua origem é europeia. É uma híbrida francesa criada por Bertille Seyve e Victor Villard.

Vai ver, a rolha é de cortiça mesmo e o problema é outro. Se for de plástico, como penso, vou tentar retirá-la. Se não conseguir, imito a praiagrandense.

Da Adega

Abrindo garrafas. Veja no youtube vários métodos para abrir uma garrafa de vinho sem o saca-rolhas.

Ragù alla Bolognese. Saiba como fazer esse delicioso prato, interpretado pelo chef Newton Figueiredo. E qual o vinho escolhido para acompanha-lo. Repare no saca-rolhas utilizado pelo sommelier Manuel Luz.

E bom apetite.

8.3.11

Folias

Aquele susto quando cheguei em casa nesse domingo de carnaval. A caseira me entregou uma embalagem com vinhos que nunca ouvira falar: Ménage à Trois. Um tinto, um rosé e dois brancos: teria vinho novo para brincar o meu carnaval. E quem os mandou estava querendo assunto. No horizonte, a possibilidade de passar o carnaval acompanhada. E o meu mestre-sala estava a fim de sacanagem. Prometedor, não? Para quem chega cansada de viagem e sem tempo para se organizar (ou seria desorganizar?) para o carnaval, abriam-se as perspectivas de folia.

Mas quem foi o autor dessa proeza? Na aflição de abrir o volume (eram quatro formas de isopor, no formato de garrafas de vinho, protegidas por uma caixa de papelão). Você pode até encontrá-las em alguns aeroportos lá fora. Tava lá: "SFO", sigla do aeroporto de San Francisco, a linda cidade dos hippies, dos poetas beat e de gente mutcho doida, uma espécie de Ipanema dos tempos da Gal na Califórnia. Veio pela DHL. O cargueiro deve ter ido para Sampa. De lá pro Rio e chegou aqui como? A caseira não soube dizer. “O moço pediu só que eu assinasse um papel e pronto, sumiu”. E não tinha um cartão, lembra? Não, ela não lembrava. Quem teria me mandado vinhos da Califórnia, logo do maior produtor de vinhos do continente?

Meu palpite, na verdade o único: um amigo meu aqui da Serra que está há um par de anos América. Fazendo o quê eu não lembro (não posso me queixar da caseira).

Trocamos e-mails de vez em quando, tudo na base do como vão as coisas, como está o tempo por aí etc. Mas fiquei com a pulga atrás da orelha (e ainda estou). O problema é que esse meu amigo, o mais provável suspeito, é batista e tratava o consumo de álcool com um pé na frente e outro atrás. Sim, concordava que na Bíblia, os dois testamentos, não proibia o consumo de álcool (ou de vinho, a bebida bíblica). Porém, temia que as bebidas, vinho ou não, pode levar a excessos – isso sim condenado pelas escrituras.

Ora, que diabos (sem ironias), ele vez por outra comprava algum vinho na minha antiga loja e, ocasionalmente, aceitava experimentar uma taça. Talvez para se mostrar agradável, talvez de olho numa paquera (sim, batistas também azaram, por que não?). Parecia gostar realmente de vinho e tinha ótimo nariz. Poderia ser um ótimo sommelier se quisesse.

Mantive uma simpática distância, pois, como ensina o Chico Buarque, “não põe corda no meu bloco, nem vem com teu carro-chefe”. Temia que se mais próximo, o batista amigo ia começar a rezar no meu ouvido sobre o meu caso com os vinhos.

Agora, escolher o Ménage à Trois, faça-me o favor! Será que foi ele mesmo?

Na dúvida, dedico esse post ao meu amigo batista, talvez ele se lembre do meu blog aqui. Vou comentar sobre um dos vinhos que experimentei, mas com um olho na Bíblia, em homenagem a esse suposto paquerador.

“E o vinho que alegra o coração do homem” (Salmo 104:15)

Ménage à Trois tinto, 2008. Em primeiro lugar, esse vinho é feito pela vinícola Folie à Deux. Olha só o nome: “Loucura a Dois”. Será que o meu amigo batista queria, mesmo à distância, pular do primeiro capítulo para o epílogo, o Ménage à Trois, descartando os entretantos?

Ménage à Trois queria, na origem, dizer apenas um domicílio habitado por três pessoas. Depois é que absorveu esse caráter surubento. Já “Folie à Deux” não tem o sentido que pensamos, de uma balada a dois. Nada disso.

Acontece que a vinícola foi fundada, em 1981, por dois psiquiatras que nomearam seus vinhos a partir de uma expressão psiquiátrica que define uma ideia fixa, uma fantasia, transmitida de uma pessoa para outra. O termo técnico, em francês, é “Folie à Deux”. Se for entre três pessoas é Folie à Trois. E vai por aí. Entenda-se ai que, nesse caso, é a fantasia que se transmite dos Cabernet, Zinfandel, Merlot e o branco Chardonnay aos seus consumidores. São sucessos de venda na Califórnia.

Mais tarde, os dois psiquiatras, talvez de sacos cheios de tanta “folie”, venderam a vinícola para a Família Trinchero, dona de best sellers, como o Sutter Home, que cheguei a vender na minha loja.

A partir do Folie à Deux lançaram o “Ménage à Trois”, nome derivado dos blends que fazem com seus vinhos. O tinto 2008 reunia na garrafa as uvas Zinfandel, Cabernet Sauvignon e Merlot. O destaque era para a Zinfandel, com aromas de geleia de ameixa, um tantinho de Merlot, com frutinhas vermelhas. O Cabernet entrava para dar estrutura, mas alguns taninos. Um vinho deliciosamente fácil de beber. Muito refrescante. É um dos tintos que mais vendem na Califórnia. E lá não custa mais de 10 dólares a garrafa. Que batista unha de fome, pensei. Acontece que o custo-benefício do vinho é patente. Uma senhora compra. E por esse preço, um vinho suculento, provocativo, que pode ser degustado sem comida. Mas idealmente em alguma companhia. Ah, danado de batista!

Que teus seios sejam qual cachos de videira

e como de maçã, o olor de teu nariz,

teu paladar, como um vinho de qualidade,

indo direto para meu querido,

colando nos lábios dos que vão dormir.

Cântico dos Cânticos, 7:9-10

Espero resolver essa charada até o final dessa semana. Quem me enviou esse presentão de Carnaval? Até lá minha folia continuará sendo solitária ou a dois mesmo, eu e meus vinhos. E pensamentos como esses (seios como cachos de videira etc. e tal). Não foi sempre assim?

Da Adega

Da África do Sul. Sim, do primeiro país do Novo Mundo a elaborar vinhos, em 1660, a importadora KMM Vinhos está lançando aqui rótulos das vinícolas Namaqua (Olifants River) e Mont du Toit (Wellington).

Entre os vinhos da Mont du Toit, está o BlouVlei (“poça d’água azul”), feito pelos funcionários da vinícola. O proprietário deu a eles essa marca e eles dividem os lucros.

Já os vinhos da Namaqua, cooperativa da Namaqua, uma região de grandes contrastes climáticos, temos oito vinhos, numa linha que vai do premium Spencer Bay, 100% Cabernet, aos Bag in Box, em embalagens de 3 litros: brancos com a Chenin Blanc e a Colombard e tintos com a Shiraz, Merlot e Pinotage (a uva da terra).

Vale conferir: consulte o site da KMM ou ligue: 11-3819-4020.