20.7.11

Uma cesta com dois lances

A amiga tem outras coisas para pensar e talvez não dê muita bola para o fato de ser a Índia o país com a maior produção de uvas por área plantada do mundo: 25 toneladas por hectare. Agora, sabe quem vem em segundo lugar? Sim, no nosso Brasil, com 18 toneladas por hectare. Ficamos na frente dos Estados Unidos (umas 17 toneladas), Rússia (mais ou menos 16 t.), China (15,5 t.), Uruguai (15 t.), Alemanha (14,5 t.), África do Sul (14.5 t.), Argentina (14 t.), Chile (14 t.) e muitos outros. São 32 países analisados por um estudo estatístico chamada Mercados Globais do Vinho – 1961-2009, um amplo trabalho realizado pelo economista Kym Anderson (com seu colega Signe Nelgen), do Centro de Pesquisa sobre a Economia do Vinho, da Universidade de Adelaide, Austrália.
Falar sobre números pode ser chato, mas as surpresas compensam. Quem diria que produzimos mais uvas por área cultivada que nossos vizinhos mais famosos no que diz respeito aos vinhos: Uruguai, Argentina e Chile?
Quem diria que um país como a França dedica apenas 4,3% da sua terra às uvas? Pela fama que o país tem, somos levados a pensar que na Champs-Élysées encontramos uma parreira a cada metro dos seus quase dois quilômetros. A Itália, sim a própria “Oenotria”, a “Terra da Uva”, só tem 7,8% de sua terra dedicada às uvas. Nessa categoria, em honroso primeiro lugar, temos Portugal, com 13,5%, seguido pelo Chile (11%).
Os dados sobre heterogeneidade das variedades nos espantam também. Eu pensava que nesse quesito a Itália seria imbatível. Mas não é bem assim: as cinco maiores variedades italianas (Trebbiano, Sangiovese, Catarrato, Montepulciano e Barbera) correspondem a 38,2% das plantações do país.
Mas é Portugal que, mais uma vez, se destaca. Entre os 12 maiores produtores mundiais, Portugal é o mais diverso. Nenhuma de suas cinco maiores variedades (Periquita, Fernão Pires, Tempranillo, Malvasia e Tinto Amarela) ocupa mais do que 7% da área de vinhedos. Juntas tomam apenas 24,6% das plantações.
Sempre pensei que fosse a Austrália onde a produção de vinho fosse dominada por grandes companhias: as quatro maiores lá têm 62,3% de participação nas vendas nacionais de vinho. Na verdade, é no Chile que esse tipo de dominância mais acontece: lá apenas três empresas detêm 80% das vendas nacionais de vinho, o que faz do país o menos diverso dos mercados, pelo menos comercialmente. Compare com a Itália, onde as quatro maiores empresas têm apenas 9,7% do mercado doméstico.
E a França, amiga, que se presumia ter a maior participação nas exportações mundiais de vinho, naturalmente liderada pelos rótulos de Bordeaux e Champagne. Mas isso só valeu até o início dos anos 90. Atualmente, é a Itália o exportador líder, com 21,3%. A França, é verdade, continua líder em termos de valor (relação de dólar por litro exportado), com US$ 6,22 em 2010. E você acha que para o país esse número é significativo? Que nada: o vinho lá representou apenas 1,62% das exportações. Campeã nesse quesito é a Moldávia: o vinho lá representa 10% das exportações.
Quanto a volume de vinho, o Brasil fica em 15º lugar, com uma participação de 1,3% da produção mundial, à frente da Hungria (1,2%), Áustria (0,90), Ucrânia (0,9), Bulgária (0,9) e Nova Zelândia (0,8). Em termos de consumo, continuamos patinando. Entre 2000 e 2009, o consumo de vinho por capita caiu 1,32%. Em 2009 ficamos com 2,23 litros de vinho por adulto. Perdemos para a Itália, França, Espanha, Rússia, Argentina, Alemanha, Portugal, Chile, entre outros. Mas estamos na frente de Áustria, Ucrânia, Japão, Suécia.
Sim, em 2009, consumimos mais cerveja per capita (60,25 litros) e destilados (7,24 litros) do que vinho (2,23 litros). Mas dá para perceber que o consumo do vinho está aumentando. Não precisa nem de números para comprovar. Basta entrar num supermercado para sentir como a área dedicada a vinhos vem aumentando nos últimos anos. O que assusta é ver a Finlândia, que não produz vinho, com 12 litros per capita.
Quem quiser dar uma olhada nesse estudo é só consultar esse link e baixar vários arquivos em PDF.
O vinho na cesta básica. Não poderia deixar de comentar a isenção fiscal que o governo do Rio de Janeiro concedeu à Enoteca Fasano, uma faustosa importadora de vinhos. A medida foi fundamentada em decreto relativo à venda de alimentos da cesta básica, de 2002, que inclui os suspeitos de sempre: arroz, feijão, farinha, açúcar, café, carnes etc.
O que queria aqui é lembrar que, mais uma vez, o vinho volta a ser considerado como um alimento e não como uma bebida alcoólica – uma antiga pretensão de produtores e comerciantes. Como alimento, a alíquota seria menor e o produto poderia ser vendido mais em conta.
Projeto de um deputado gaúcho já andou por Brasília defendendo justamente esse ponto: o vinho faz parte da dieta de milhões de pessoas há milênios, ajuda a sustentar nosso organismo com vitaminas e minerais. Logo, seria também um alimento. O projeto não passou, ainda.
É bom que se diga que o Grupo Fasano nega ter solicitado benefício fiscal para a sua Enoteca. No site da Enoteca Fasano só encontramos vinhos e algumas massas – essas da própria Fasano, originárias do Uruguai: 500 g por R$ 27,00 (no supermercado, a massa nacional fica por R$ 3,00). E por mais que o vinho alimente, não dá para imaginar uma dieta sem feijão, arroz etc. A garrafa mais barata lá, na minha busca, foi o Rey de Los Andes Reserva Sauvignon Blanc 2008, por R$ 29,00. O consumidor poderia comprar seis garrafas dessas mais uma massa uruguaia e chegaria aos R$ 202,00, preço médio de uma cesta básica com 20 itens. Mas não se aguentaria em pé por muito tempo.
Veja que coluna de hoje virou uma cesta: de números e dúvidas. Já disseram que se usa estatística com um bêbado se socorre num poste, mais para suporte do que para iluminação. O trabalho dos australianos está seguramente no segundo caso. Já o decreto estadual mostra que a cesta bateu no aro e não entrou. Mas a idéia do vinho como alimento e com alíquota reduzida é muito boa.
Da Adega
Vinhos Bacalhôa premiados. Nada menos do que 42 prêmios os vinhos Bacalhôa conseguiram no International Wine Challenge, de Londres (24 medalhas, uma de ouro, seis de prata, dez de bronze e dez recomendações) e no Concours Mondial de Bruxelles, na Bélgica (um ouro e duas medalhas de prata). Mais prêmios ainda foram concedidos na International Wine & Spirits e no Decanter World Wine Awards (só aqui, nove medalhas).
A Importadora Portus Cale, SP, já oferece alguns desses premiados: JP Azeitão Branco 2010 (Concours Mondial de Bruxelles – Prata); JP Azeitão Branco e tinto 2010 (Intern. Wine & Spirits Competition – bronze); Tinto da Ânfora 2007 (International Wine & Spirits Competition - bronze); Quinta da Bacalhôa Tinto 2008 (Concours Mondial de Bruxelles – prata); Quinta da Bacalhôa branco 2009 (no International Wine Challenge - prata); Bacalhôa Moscatel de Setúbal 2004 (Concours Mondial de Bruxelles – Ouro e Troféu no Decanter World Wine Awards); Bacalhôa Moscatel Roxo 2000 (International Wine Challenge – prata).
Saint Germain de roupa nova. Uma das marcas de maior sucesso da Vinícola Aurora, a Saint Germain, substituiu a cortiça por tampa de rosca, passou a utilizar garrafas mais leves (menos vidro, mais vidro reciclado, menos efeito estufa, mais cuidado com o meio ambiente) e rótulos com identificação de cores por tipo de uva.
Gostei do resultado: agora ficou mais fácil identificar os Merlot, o Assemblage tinto, o Rosé de Noirs e o Cabernet Franc. Isso é igual a mais facilidades, segurança e elegância para o consumidor e mais carinho pelo planeta. Confira só no site da Aurora.

2.7.11

A cor do xixi

Lei & Vinho. Matéria recente da revista Wine Spectator informa que os crimes do vinho acabam de entrar da cultura pop, mais precisamente em séries de sucesso da TV americana. Num episódio de Law & Order: Criminal Intent deste mês, temos o assassinato de um importador de vinho, logo após ter vendido falsas garrafas de Bordeaux datadas do século 18 e com iniciais de George Washington gravadas.
Em capítulo também recente de White Collar (Crimes do Colarinho Branco) acontece um assassinato quando dois falsificadores tentam uma garrafa de Bordeaux, também do século 18 – garrafa essa que supostamente teria sido presenteada por Marie Antoinette a Benjamin Franklin. Já em Bones, o corpo de um crítico de vinhos é encontrado num barril de Cabernet Sauvignon.
Os falsos Bordeaux do século 18 são uma clara referência ao escândalo das garrafas de Thomas Jefferson, quando em 1985 a bilionária família Forbes arrematou um Château Lafite 1787 supostamente pertencente a Thomas Jefferson, o terceiro presidente norte-americano. Foi a garrafa mais cara até hoje vendida: US$ 156.000,00, num leilão da Christie’s, em Londres. Mas tudo indica que a garrafa era falsa.
Nas duas primeiras séries, temos dois dos “pais fundadores” dos Estados Unidos: George Washington, o primeiro presidente, e Benjamin Franklin, diplomata, inventor, um dos líderes da Revolução Americana.
Thomas Jefferson, o terceiro dos “pais fundadores” aparece no Lafite 1787. Fazia parte de uma coleção de garrafas de 200 anos de idade, pertencentes a um alemão negociante de vinhos, Hardy Rodenstock. Diz ele que descobriu essas preciosidades escondidas numa adega em Paris, cujo endereço ele se recusa a revelar. As garrafas tinham gravadas as iniciais de Thomas Jefferson, “Th.J.”
Além de Forbes, muitas dessas garrafas de Jefferson foram compradas também em leilão por um bilionário da Florida, William Koch, que começou a suspeitar sobre a autenticidade delas e envolveu a Scotland Yard e até um ex-agente do FBI para investiga-las e tentar alguma luz nessa adega. Por exemplo: as inicias do estadista foram gravadas por algo como uma broca de dentista, inexistente no século 18.
O mistério e as ações legais continuam até hoje. Bill Koch tem tempo e dinheiro e é teimoso. Possui uma adega com 43 mil rótulos e estima que tenha investido entre quatro e cinco milhões em vinhos falsificados. O negociante alemão tem se mostrado uma senhora raposa, difícil de pegar. Essa história já rendeu até um delicioso livro, “The Billionaire’s Vinegar: The Mystery of the World's Most Expensive Bottle of Wine”, de Benjamim Wallace. Não é mistério algum que os bilionários que compraram esse Lafite experimentaram vinagre, mesmo sem beber do vinho.
Nada disso é muito novidade. Por exemplo, a série inglesa Hustle (“O Golpe”, aqui), no ar desde 2005, apresenta um time de vigaristas londrinos cuja característica é só dar golpes em outros vigaristas, um jeito meio Robin Hood de ser. Num dos capítulos (de 2007, se não me engano), descobrem que a gerente de um abrigo para idosos está roubando dos velhinhos. Acontece que ela tem um calcanhar-de-aquiles: adora vinhos, desde que muito caros. E conseguem enganá-la com um Yquem de 1787 avaliado em US$ 8.000,00. Reparem que a safra é o fatídico 1787, ano em que Jefferson servia como embaixador na França. Sabe-se que foi um verdadeiro amante e conhecedor de vinhos – de grandes vinhos.
Diferente de Jefferson, a maioria dos entusiastas do vinho mal sabem distinguir entre uma imitação, mesmo bem feita, e um original. Os crimes de falsificação existem há muitos e muitos séculos. Vão desde forjar rótulos, substituir o conteúdo de garrafas (até comprando garrafas vazias de vinhos cult de sommeliers) e rolhas do que antes foram vinhos caríssimos. Por falar nisso, o eBay vende garrafas vazias de Lafite, Latour e outros vinhos cult bem baratinhas.
A legendária Berry Brothers & Rudd, casa inglesa que negocia vinhos desde 1698 não compra vinhos com safra anterior a de 2000; só oferece os que existem em seus vastos depósitos.
Em dois dos episódios citados, pessoas são assassinadas, o que não é muito comum acontecer no mundo dos vinhos. Mas os crimes atingem trepidantes níveis de filmes de ação e suspense. Recentemente, tentaram extorquir o mais famoso (e caro) vinhedo do mundo: o Domaine de La Romanée-Conti, na Borgonha. Ou pagavam um resgate milionário ou os vinhedos seriam envenenados. Como prova disso, algumas parreiras foram danificadas. A carta pedindo o resgate demonstrava que o chantagista conhecia bem o vinhedo. Mas, como todos os golpistas, esse precisava mais de grana do que tinha talento. E foi pego justamente ao tentar apanhar a mala de dinheiro com o resgate pretendido. A entrega foi num cemitério. Tchan, tchan, tchan!!!
Em tempos de grandes vendas, como agora, com o boom asiático, onde um milionário chinês compra um Latour 1961 por 200 mil dólares (e provavelmente vai bebê-la com Coca-Cola) dá para entender porque os falsificadores estão a todo o vapor.
O encarregado das investigações sobre os vinhos do bilionário da Flórida, Brad Goldstein, revela que os Bordeaux e uns poucos Borgonha estão entre os vinhos mais falsificados do mundo. Os rótulos mais visados seriam:
Château Cheval Blanc 1947 (existem mais garrafas desse vinho no mercado do que a vinícola produziu), Château D’Yquem 1811 (esse lendário Sauternes só chegou ao mercado em 1970; talvez o 1811 tenha sido produzido pela raposa alemã); Mouton Rothschild 1924 (esse foi o ano em que pela primeira vez a vinícola engarrafou seus vinhos; evidente que as centenas de garrafas com safras anteriores a 1924 e constando no rótulo que o vinho foi engarrafado na vinícola são falsas); Pétrus 1924 (é um dos favoritos dos fraudadores, criando cápsulas com a cor errada e rótulos feitos com papel artificialmente envelhecido) e o grande Domaine de la Romanée-Conti La Tache 1952 (é o alvo preferido dos falsários, quando buscam um Borgonha para vender).
Acabaram-se os tempos em que os filmes destacavam mais cerveja e uísque, geralmente envolvendo a Máfia, a Lei Seca etc. O vinho é a bebida da vez, talvez em razão de sua maior presença em todo o mundo e de sua história e imagem um tanto exclusivista. Isso é igual e mais lucros para o crime, morador mais antigo nesse cenário.
E se os vinhos fossem falsificados antes mesmo de fermentarem? E se, nesse caso, não existissem “bandidos” no sentido mais comum do termo?
Um vinho qualquer coisa. Já pensou em tomar um vinho fluorescente? Pegaram um gene de água-viva (a medusa) e o transferiram para a folha de uma parreira, mais precisamente da Vitis vinifera - a mais cultivada para a produção de vinhos finos em todo o mundo.
Pois esse gene fez com que a folha da parreira ficasse brilhando: um verde de letreiro de néon, sob uma luz ultravioleta. Não duvide, amiga, que daqui a pouco, transferem esse gene para uma uva e veremos uma garrafa de vinho brilhando na prateleira.
O autor dessa proeza é o Dr. Dennis Gray, professor de biologia desenvolvimentista da Universidade da Flórida, Estados Unidos. E infelizmente seu interesse principal é a uva. O “pai das parreiras brilhantes” acha que a parte mais difícil de suas pesquisas está mesmo é na indústria e nos consumidores, relutantes em aceitar vinhos geneticamente modificados.
Já existe um fermento geneticamente modificado, o ML01, criado em 2006 por outro biólogo, da Universidade de Colúmbia. O ML01 é o único organismo geneticamente modificado aprovado para uso comercial por vinicultores pelos Estados Unidos, Canadá, Moldávia e África do Sul. Em todo o resto do mundo está proibido. Essa cepa permite que se realize de uma só feita, a fermentação alcoólica e a malolática, encurtando o tempo de processamento do vinho: menos tempo, menos dinheiro.
Falam que com cepas geneticamente modificadas poderão tirar mais aromas e sabores dos vinhos. O que você acha, amiga? Se fermentos geneticamente alterados se espalharem, o vinho vai virar de vez um produto manufaturado, mais um refrigerante no mercado. Todos terão os mesmos sabores. Tudo o que o vinho tem de natural, tudo o que resulta de uma dádiva da natureza, onde o homem sempre teve muito pouco o que fazer; todas as características do lugar de origem, do famoso “terroir”, que dão aos vinhos qualidades exclusivas se perderiam.
Em troca, poderíamos ter vinhos “fashion”, mais amarelos, laranjas e vermelhos para o verão, mais violetas, cinzas e marinhos para o inverno. Talvez, nossas bochechas ficassem também amarelas (ou cinzas etc.) e todos saberiam que vinho bebêramos. Um show.
E toda essa artimanha genética teria a capacidade de transformar o vinho numa bebida qualquer, que deixaria como única lembrança não os seus aromas e sabores, mas a cor e o brilho do nosso xixi.
Da Adega
Aurora leva ouro em Bordeaux. A Vinícola Aurora conquistou três prêmios no 11º concurso Les Citadelles Du Vin, durante a maior feira de vinhos do mundo, a Vinexpo, realizada em Bordeaux, França. No concurso, realizado de 28 a 30 de maio com o apoio da Organização Internacional da Uva e do Vinho (OIV), teve a participação de mais de 300 appellations, 76% delas fora da França, 20 países representados, o que garantia diversidade. O júri foi formado por mais de 70 especialistas internacionais, aprovados pela OIV.
A Aurora recebeu medalha de ouro com o seu Marcus James Brut e medalha de bronze com o Espumante Aurora Chardonnay Brut, além de um prêmio especial, conferido ao produto que obtém maior pontuação entre os inscritos pelo país. Saiba mais.