1.5.12

O Vinho-Carroça


Ainda estou viva, gente. Desculpem pelo longo silêncio. Tinha que voltar para botar minha colher nesse grave caso das Salvaguardas. A essa altura, todos vocês já devem saber que a indústria gaúcha de vinhos (Ibravin, Uvibra, Fecovinho, Sindivinho) quer que o governo imponha cotas e aumente a tarifa de importação de vinhos. Querem proteger os vinhos nacionais das importações europeias e de países fora do Mercosul.
Vamos acabar ficando com um vinho-carroça. Lembram-se do Collor, quando ainda era presidente: “Comparados com os carros do mundo desenvolvido, os carros brasileiros são verdadeiras carroças”. A partir daí o mercado ofereceu carros com, pelo menos, um pouco mais de segurança, embora nossos carros populares continuem sendo carroças.
Minha opinião não é isolada. Ao contrário, está muito bem amparada. Vejam o que me disse o Ricardo Camignani, CEO da Winebrands (uma das mais importantes importadoras nacionais):
“Nossa posição é de perplexidade e surpresa com esta iniciativa de caráter essencialmente protecionista. Em favor de um grupo restrito de produtores do Rio Grande do Sul, todo o mercado Brasileiro vai sofrer com mais burocracia, restrições, impostos, e como consequência preços ainda mais altos. O pior de tudo é que estamos perdendo a perspectiva histórica. São as importadoras que, ao longo de anos, têm contribuído de forma inequívoca para o desenvolvimento do mercado eno-gastronômico no Brasil. Hoje, são milhares de profissionais que trabalham no serviço de vinhos em restaurantes, lojas, supermercados. Vários jovens seguiram pelo caminho do vinho e da gastronomia melhorando e qualificando os serviços. Para o Brasil, é importante que tenhamos restaurantes e comércio de nível internacional, na medida em que o país se credencia como um importante pólo turístico e centro de atração de grandes eventos (Copa do Mundo e Olimpíadas). Medidas como a Salvaguarda nos remetem 20 anos atrás, para um tempo que, tenho certeza, nenhum Brasileiro tem desejo de reviver”.
Quando o Diretor Executivo da Winebrands fala que as tais Salvaguardas nos rementem 20 anos atrás, fala justamente dos tempos dos carros-carroças, do caçador de marajás, da corrupção desmedida do PC Farias, dos jardins da babilônia na casa da dinda e do inédito e tenebroso confisco da poupança. Bem lembrado: tempos que nenhum brasileiro tem desejo de reviver.
Salvaguardas que vão resultar em desastre não apenas para importadoras. Para todo e qualquer negócio ou serviço que produz, comercializa ou ensina sobre vinho no país. Vamos ter o desemprego de milhares de pessoas, a começar por São Paulo, que soma 50% do mercado brasileiro de vinhos. Sofrerá consumidor, principalmente. Ele deixará de saber das infinitas possibilidades de aromas, sabores e cores que os vinhos de outros pagos podem oferecer. Não poderá comparar, logo não poderá indicar aos produtores nacionais caminhos pelos quais produzir seus vinhos e possivelmente melhorar sua produção.
Para comparar, o passo inicial é duvidar, preliminar de qualquer descoberta ou melhoria. A faculdade de duvidar e questionar, sem a qual comparações e julgamentos seriam inúteis, é uma prerrogativa da razão. Vamos ficar sem o direito de duvidar.
Os vinhos gaúchos estão ameaçados? Pelos consumidores é que não estão. Pelos dados do próprio Ibravin, considerando todos os vinhos vendidos no país, de mesa, finos e espumantes, ficamos com invejáveis 77,40% do mercado. Os importados se contentam com um resto de 22,60%. São 265,2 milhões de litros contra parcos 77,6 milhões litros por ano. Veja o gráfico e leia matéria aqui.
Quando esses dados foram apresentados, excluíram espertamente os vinhos de mesa e os espumantes, quando então os nacionais ficam com 21,20% do mercado. Parece mesmo que o calcanhar-de-aquiles é o mercado de vinhos finos: 92 milhões de litros ano passado, 78,8% de importados (principalmente do Chile, Argentina e Itália).
Não estranhei que viessem de chefs e sommeliers renomados os primeiros protestos e ações concretas contra a proposta da Ibravin. Roberta Sudbrak e Alex Atala já retiraram os vinhos brasileiros das cartas de seus renomados restaurantes. Entidades como a Associação Brasileira de Sommeliers e a Sociedade Brasileira dos Amigos do Vinho (que há anos realizam a inestimável tarefa de fazer do vinho um produto amistoso, rico e valioso para o consumidor brasileiro) também disseram não às salvaguardas. Agora mesmo, leio que os maiores exportadores de vinho do mundo levaram queixas à Organização Mundial do Comércio contra essa imposição Chile, Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, além de países europeus. Querem explicações sobre o motivo da medida protecionista. Sim, porque os produtores nacionais estão vendendo e lucrando como nunca.
Nos supermercados encontramos vinhos chilenos e argentinos, entre outros, por menos de R$ 10,00 a garrafa. São importados: pagam IPI, ICM, frete, garrafa, rolha, rótulo, caixas de vinho, fora despesas aduaneiras. São mais baratos que os nacionais porque aqui pagamos Funrural, PIS, COFINS, IR, ICM, IPI e não sei mais quantos tributos municipais, mão de obras etc.
Logo, a solução não é aumentar a carga tributária dos importados e sim diminuir a dos vinhos nacionais. Se o governo é capaz de reduzir impostos dos carros quando de uma ameaça às vendas da indústria, se está brigando com os bancos para que baixem suas taxas, porque não refresca o setor vitivinícola, que está em crescimento acelerado, dá empregos a milhares de pessoas e é hoje uma indústria que já cobre grande parte do território nacional.
Veja o caso dos Estados Unidos. Lá a indústria do vinho nasce pra valer depois que a Lei Seca foi abolida em 1933. Daí em diante, os vinhateiros americanos deram um senhor duro para fazer um vinho decente e converter os americanos. Em 2010, os Estados Unidos passaram a França e tornaram-se os maiores produtores de vinho do planeta. Ainda não são os maiores consumidores per capita: 8,9 litros/ano. O trabalho educativo continua, a liberdade de comércio é plena. Se você quiser conhecer vinhos gregos, libaneses, cipriotas, uma garrafa com uma uva com nome impronunciável cultivada num canto esquecido da terra, é só dar um pulo em Nova York. Garrafas de todo o mundo estão lá, à disposição, dispensando quaisquer tipos de salvaguardas.
Nossa indústria pra valer começa com a chegada à Serra Gaúcha dos emigrantes italianos em 1875. A partir daí só fizemos crescer. Mas nosso consumo per capita ainda é pequeno: mal chega aos dois litros anuais. Mas estamos crescendo, como vimos pelos números acima.
Tanto lá como cá, a maioria dos bebedores bebe vinhos simples ordinários. Esse cenário é geral, acontece da França à Geórgia. É esse consumidor quem não deixou a cachaça morrer. No Brasil Colônia, fomos proibidos de produzi-la. Mas ela servia como moeda de compra de escravos em terras africanas e para aliviá-los (se isso era possível) na travessia. Difícil obedecer a essa salvaguarda. Hoje, é o drinque nacional até por decreto presidencial.
Proibir, como prova a Lei Seca americana e a história da cachaça brasileira, não dá resultados. A solução está aqui mesmo. Baixar impostos, dar mais incentivos à produção e aos esforços de entidades com a ABS e SBAV. Argentinos com sua Malbec, Chilenos com sua Carménère e uruguaios com sua Tannat fizeram o mesmo e estão felizes com suas exportações. E nós, continuamos com essa história de 30 anos atrás, quando a melhor solução estava na ponta da bota: proibir?
Não podemos desconhecer o que os estrangeiros fazem. Sem a influência do jazz não teríamos bossa nova, sem o batuque africano, não teríamos samba, sem os italianos não teríamos Carlos Gomes e sem ele Villa-Lobos. Paul Valery enriqueceu Drummond, assim como Victor Hugo fez com Machado de Assis.
Para cada salvaguarda ou proibição estaremos criando imediatamente um ambiente clandestino, onde o primeiro a sofrer será o consumidor.
Pensei em tudo isso quando assinei a petição contra o aumento do imposto de importação para vinhos e tentar afastar de nós a possibilidade do vinho-carroça. Faça o mesmo, por favor. Assine já!

23.12.11

Ainda dá tempo


Meio fora de hora, encerro os trabalhos de Natal, tentando driblar o maior de meus resfriados do ano (tenho sempre uns dois, um deles de interromper o trânsito). É sobre as dificuldades de presentearmos com vinhos e seus acessórios.
Só temos até amanhã, sábado, para fazermos nossas escolhas. E se nosso alvo seja não apenas um amante da bebida, mas um daqueles obcecados assinante da Wine Spectator, da Jancis Robinson, sabe do último traque de Robert Parker, têm uma vistosa coleção de vinhos. Toda a vez que você menciona um rótulo ele responde que já conhece (e que não tolerou). Ou, com ar desdenhoso, nos sapeca um “nunca ouvi falar”, sintoma certo de nossa imensa ignorância na matéria. É isso, no final, esse tipo de gente se exercita a partir do acham que conhecem e da estúpida certeza de que sabem tudo sobre a matéria. Para essa figura, não adianta pensarmos em vinhos.
Fazer o quê, leitora? Apelamos para os acessórios. Mas essas pessoas vivem catando modelos e mais modelos de abridores, tampas, decantadores entre dezenas e dezenas de ofertas criativas, sim, embora basicamente inúteis (e caríssimas, invariavelmente).
Veja nesse exemplo, onde temos acessórios e (como dizer?) geringonças, dispositivos tentando facilitar a vida de quem quer apenas tomar uma taça de vinho. São bandejas especiais para taças, que parecem palhetas de pintor, as taças ficam dependuradas. E mais aeradores (ou preservadores) espécie de decantadores que misturam o ar o vinho através de uma torre de acrílico, sem que uma gora seja desperdiçada; um abridor elétrico para rolhas, acompanhado de um termômetro infravermelho e tela digital para leitura; pulseiras de plástico para taças (você fica sabendo quem está bebendo o quê), suportes de plásticos coloridos para a base das taças; um cooler que resfria uma garrafa de vinho em seis minutos; uma tampa para vinhos com segredo, tal e qual o segredo das maletas executivas. Você bebe o seu Lafite e mais ninguém (atenção para anotar o segredo). Tudo isso e mais um “casaco” para manter o seu vinho resfriado adequadamente.
Pode também apelar para o cômico: um prendedor de taças (que fica segura pelo seu pescoço, livrando suas mãos).
Quando você conhece bem o amante de vinhos para quem quer presentear (sabe seus gostos, o tipo de taças e acessórios que usa) a coisa fica mais fácil: escolha aqueles vinhos que você mais admira, o que não quer dizer que sejam os mais caros.
Mas tem aqueles com os quais você não está familiarizado: você corre o risco de escolher mal o vinho ou o acessório. Então, como sugeriu um blogueiro, leve uma comida: algo para contribuir para o natal do presenteado, um tender especial, um azeite de primeiríssima, queijos artesanais (não necessariamente importados: os da Serra da Canastra são divinos). Todo bom amante de vinhos gosta de comer bem.
Minha sugestão é muito simples: dê vinhos, mas vinhos brasileiros. As nossas ofertas aumentaram em quantidade e sobretudo em quantidade. Temos vinhos de norte a sul do país, ofertas que valem ser provadas, vinhos que vêm conquistando prêmios e mais prêmios internacionais.
Para quaisquer das turmas, em particular para o a dos narizes em pé, é o tipo de presente que vai demonstrar que os ventos estão mudando (e mudando a nosso favor). Tente escolher alguns dos vinhos selecionados no 8º Concurso Nacional de Vinhos Finos. Você fará a escolha mais acertada, sem patriotadas. Os vinhos são bons, mesmo.
Corra que ainda dá tempo. E feliz Natal, mais uma vez.

19.12.11

Papai Noel existe

Minha sobrinha-neta, a Bebel, que vai fazer cinco anos, está aqui na Serra para passar o Natal. Ela mora em Campinas, onde nasceu, de pais cariocas, embora fale “polta”, deixando para trás o “porta” e o falar chiado da parentada daqui. E, como toda a criança nessa idade, imagino, começa a duvidar de quase tudo. Está há dois dias aqui em casa e, claro, já descobriu aquela caixa grande, com embrulho rebuscado, que tentei esconder num vão da casa. Perguntou logo se era o seu presente de Natal. Disse que não sabia direito, teria que esperar por Papai Noel. Mas ele existe, perguntou ela? Minha resposta foi uma tentativa de reproduzir o que escreveu o editor do falecido jornal americano, The Sun, para a menina Virgínia O’Hanlon. Ela queria a confirmação para a existência de Papai Noel e, aconselhada por seu pai, escreveu uma cartinha para o editor, Francis Church. Na sua cartinha, Virgínia dizia que muitos de seus amiguinhos afirmavam não existir Papai Noel. “Por favor, diga-me a verdade, Papai Noel existe?” Eis a resposta do editor (que, por minha vez, editei): “Virgínia, seus amiguinhos estão errados. Estão na idade de duvidar de tudo. Só acreditam no que veem. Acham que nada existe a não ser o que suas cabecinhas posam compreender. E todas as cacholas, Virgínia, sejam de gente grande ou de crianças, são pequenas. Nesse nosso grande universo somos meros insetos, formiguinhas, nossa inteligência é incapaz de perceber toda a verdade e conhecimento. Sim, Virgínia, Papai Noel existe. Existe tanto quanto amor, generosidade e devoção que fartamente nos dão beleza e alegria. Ai de nós se não existisse Papai Noel. Seria tão triste quanto à ausência de Virgínias. Não haveria poesia, romance nem a fé das crianças para fazer tolerável essa existência. Não teríamos prazer a não ser no que víssemos ou sentíssemos. A luz eterna com a qual a infância preenche o mundo seria apagada. Não acreditar em Papai Noel? Você pode também não acreditar em fadas! Pode pedir a seu pai para contratar homens e vigiar todas as chaminés na véspera do Natal e flagrar Papai Noel. Mesmo que eles não vejam Papai Noel descendo, o que seria provado? Ninguém vê Papai Noel, mas não existe sinal de que ele não exista? Você já viu fadas dançando no jardim? Claro que não, mas não temos provas de que elas não estejam lá. Ninguém pode imaginar todas as maravilhas não vistas ou invisíveis que existem no mundo. Você pode abrir uma boneca para descobrir o que faz ela falar, mas há um véu cobrindo o mundo invisível que nem o mais forte dos homens, nem mesmo um time de todos os mais fortes homens que já viveram podem rasgá-lo. Apenas fé, fantasia, poesia, amor, romance podem abrir essa cortina e ver essa beleza e glória celestial. Ela é real? Ah, Virgínia, em todo esse mundo não existe nada mais real e duradouro. Sem Papai Noel? Graças a Deus, ele vive e vive para sempre. Daqui a mil anos, Virgínia, daqui a dez vezes dez mil anos ele continuará a alegrar os corações das crianças”. Descobri essa carta num site interessantíssimo, o http://www.lettersofnote.com/, que reúne cartas, cartões postais, telegramas, faxes, memos desde Virgínias até Groucho Marx, John Kennedy, Benjamim Franklin. George Orwell, Elizabeth Taylor etc. Veja http://www.lettersofnote.com/2009/12/yes-virginia-there-is-santa-claus.htmlos originais da cartinha da Virgínia e do editor do The Sun. Na parte das chaminés achei prudente acrescentar janelas e portas. No fim, Bebel apenas me olhou desconfiada e saiu, talvez em direção daquele embrulho pobremente escondido. Feliz Natal, Bebel e leitores! Da Adega Estojos de Natal. Vou participar de um “Amigo Oculto” (ou “Secreto”) onde sei que vários participantes pediram vinho. Fora desse tipo de festas, conheço muito gente para quem uma garrafa de vinho seria o presente ideal, o mais oportuno – afinal, estamos em tempo de festas. Por isso, a iniciativa da Vinícola Aurora de oferecer estojos de vinhos premiados para essas festas é um senhor quebra-galho. Facilita demais o processo de escolha. Embalagens especiais com uma ou duas garrafas de vários vinhos e espumantes, com uma ou duas taças e até mesmo um decantador. Há estojos em que encontramos também um diário de viagens: a época é de férias. Eis as opções: Aurora Espumante Moscatel (o mais premiado do Brasil no exterior), com 2 taças de vidro; Aurora Espumante Prosecco (com 2 taças); Espumantes Conde de Foucauld Branco, Brut ou Demi-Sec – cada maleta contém 1 garrafa e 2 taças de vidro para espumantes; Marcus James Happy Hour frisantes - embalagem com 1 garrafa de Marcus James Happy Hour Branco e 1 garrafa de Marcus James Happy Hour Rosé; Aurora Varietal Cabernet Sauvignon - 1 garrafa e 1 taça de vidro; Marcus James Cabernet Sauvignon apresenta-se em 2 opções: 1 garrafa com 1 decantador de vidro e 1 garrafa com 1 taça de vidro; Aurora Colheita Tardia vinho de sobremesa– 1 garrafa e 1 taça de vidro; Saint Germain Cabernet Franc - 1 garrafa e 1 taça de vidro; Country Wine com 2 garrafas – 1 garrafa de Country Wine Tinto Suave e 1 garrafa de Country Wine Branco Suave. Veja mais no site da http://www.vinicolaaurora.com.br/ou na matéria da revista http://www.revistafator.com.br/ver_noticia.php?not=185426

17.11.11

As grandes jogadas

Neste 17 de novembro, a terceira quinta-feira do mês veremos mais uma vez o lançamento mundial do Beaujolais Nouveau. Por mais que uma pessoa viva com a cabeça enfiada na terra, como uma ema (ou avestruz, você escolhe), já ouviu sobre esse vinho e sua aparição mundial nos 17 de novembro. Acontece em meio a muito estardalhaço, festivais, em todo o mundo desde 1985. Antes, a promoção se restringia à França, mais precisamente à região de Beaujolais. Já escrevi aqui sobre isso aqui, em 2006, quando venderam 60 milhões de garrafas (“O Nouveau e as panaceias”).
Pois só esse ano, o Beaujolais Nouveau 2011 deverá vender mais de 67 milhões de garrafas em todo o mundo, um terço ou mais do que produz toda a região. Um vinho fresco, engarrafado apenas 6-8 semanas depois da colheita, feito para ser bebido logo. A maior parte da produção, 60%, fica na França. O restante viaja pelo mundo: os japoneses, grandes fãs do vinho, ficaram esse ano com sete milhões de garrafas.
O blogueiro Steve Heimof classifica o Beaujolais Nouveau como o maior esquema de marketing da moderna história do vinho. Mas ele chama atenção para outros grandes esquemas para vender mais vinhos. Vejamos:
1. O Paradoxo Francês: em 1991, o cientista francês Serge Renaud foi entrevistado pelo programa “60 Minutes”, da TV americana CBS, e explicou que, em razão principalmente do vinho tinto, os franceses tinham muito menos problemas cardíacos que os americanos, mesmo com uma dieta muito mais rica em gordura. Houve uma verdadeira revolução no mundo dos vinhos: com uma multidão correndo atrás do vinho, em particular o tinto (e, através dele, do hoje famoso resveratrol), para resolver problemas de saúde.
2. O Julgamento de Paris. Ele aconteceu em 24 de maio de 1976, criado e organizado pelo inglês Steven Spurrier, autor, crítico e comerciante de vinhos com forte base em vinhos franceses. Ele promoveu um confronto em vinhos da Califórnia e de Bordeaux. O “julgamento” resultou de duas degustações às cegas: uma para Chardonnays e outra para Cabernets (ou blends de Cabernets), todos topo de linha das duas regiões. Ao todo, foram onze jurados, mas as notas de Spurrier e da americana Patricia Gallagher não foram consideradas, deixando assim nove jurados franceses, sumidades em vinho todos eles. O resultado é sabido: os vencedores foram o tinto americano Stag’s Leap (concorrendo com um Mouton Rothschild, por exemplo) e o branco, também americano, o Château Montelena (à frente dos grandes borgonhas presentes). Virou livro e filme.
3. Sideways, o filme. Com base na novela quase autobiográfica de Rex Picket, o filme de 2004, dirigido por Alex Paine, colocou o vinho efetivamente na história do cinema. Claro que promoveu além de promover os vinhos em geral e as lindas vinícolas da Califórnia, fez a Pinot Noir disparar nas vendas, dando uma senhora derrubada na Merlot. É uma história simples, que viajam para provar vinhos. E descobrem muita coisa a respeito deles mesmos. Também já escrevi sobre o filme aqui, logo que saiu.
4. Cult Cabernet. É mais um fenômeno californiano: vinhos feitos com a Cabernet, que alcançaram celebridade (como é caso do Stag’s Leap, com justiça), criados por vinhateiros famosos, reputados, acompanhados por ótimas resenhas e produzidos em pouquíssima quantidade (como resultado, seus preços são altíssimos). São vinhos de boutique, com uvas colhidas à mão e selecionadas uma a uma, às vezes em duas tentativas. Formam uma elite e muitas vezes o consumidor tem de entrar numa longa fila para conseguir uma garrafa, quando consegue. E vai pagar caríssimo.
As marcas mais conhecidas seriam: Marcassin, Screaming Eagle, Bryant Family, Araujo, Shafer, Harlan Estate, Dalla Valle, Colgin, Grace Family etc.
Talvez pudéssemos acrescentar dois itens na lista do blogueiro:
1º) Fumé Blanc. Em 1968, entre o assassinato de Martin Luther King, o sucesso do musical Hair, a ofensiva do Tet no Vietnam e a invasão da Checoslováquia pelos russos, inesperadamente aparece no mercado o Fumé Blanc. Um novo vinho francês?
É que o hoje lendário vinicultor (e grande divulgador do vinho) Robert Mondavi, tão americano quanto Michael Corleone, comprou uma grande quantidade de uvas Sauvignon Blanc de um produtor local. Ora, as Sauvignon da Califórnia não vendiam muito bem naqueles dias, tinham paladar muito herbáceo, gramíneo. Daí que Mondavi decidiu por uma cortina de fumaça. Fez o vinho e o colocou em barris de carvalho para madurar.
Daí o nome o “fumé”, defumado pelo carvalho, um nome francês para emprestar prestígio e lembrar o vinho aos Pouilly-Fumé do Loire. Deu certo, certíssimo: as vendas foram às alturas. E vende até hoje. Fumé, inclusive, é reconhecido oficialmente como vinho feito com a Sauvignon Blanc, embora a maioria do consumidor americano até hoje não repare nisso.
2º) A Classificação de 1855. Pois nesse ano, o imperador Napoleão III, imperador da França, sobrinho do grande Napoleão, decidiu realizar uma Exposição Universal em Paris. Seu título oficial foi Exposition Universelle des produits de l'Agriculture, de l'Industrie et des Beaux-Arts de Paris. Segundo os desejos do imperador, os vinhos deveriam ser destaque entre os produtos agrícolas e para isso chamou a Câmara de Comércio de Bordeaux para organizar uma exposição.
Essa a origem da famosa “Classificação Oficial de Vinhos de Bordeaux de 1855”. A tarefa representava um vespeiro, mas os comerciantes conseguiram uma lista, hoje famosa e ainda pouco alterada. São 58 châteaux, ao todo: quatro premier crus, 12 seconds, 14 troisièmes, 11 quatrièmes e 17 cinquièmes crus.
Foi a primeira classificação desse tipo no mundo. A classificação acontecia pelos preços que os vinhos conseguiam no mercado, num critério que considerava não os preços do ano anterior, mas de centenas anos passados. Claro que é uma lista que justifica polêmicas. Sem dúvidas, contudo, foi ela que estabeleceu a região de Bordeaux como uma das fontes mais confiáveis de vinhos finos de toda não só de toda a Europa, mas de todo o mundo, muito antes, claro, que se pudesse pensar que poderíamos ter vinhos finos de qualquer outro lugar.
Acabou sendo uma senhora jogada mercadológica. Os vinhos de Bordeaux continuam sendo o grande padrão de qualidade e ajudaram a criar uma mística, com rótulos, classificações complicadas, além de preços assustadores, que serviu paradoxalmente para aumentar mundialmente o interesse na bebida. E até hoje o modelo de Bordeaux (ou da França), no que diz respeita a vinhos, é imitado.
E talvez justifique uma promoção como a do Nouveau. Afinal, “vinho jovem” ou "vin primeur", a Itália e muitos outros países também fazem. Os vinhos finos já estão pra lá de promovidos, via Bordeaux. Mas poucos conseguiram dar uma levantada em seus vinhos simples com tamanho sucesso. O problema é quanto gastam em transporte aéreo: um terço daquelas 67 milhões de garrafas chega aos seus destinos via área, elevando em muito a pegada de carbono, tornando pior os gases do efeito estufa. De qualquer modo, o pessoal de Beaujolais conseguiu transformar o Nouveau no vinho mais conhecido do mundo.
Da Adega
8º Concurso Nacional de Vinhos Finos e Destilados do Brasil, uma realização do Concurso Mundial de Bruxelas (considerado o mais importante e um dos maiores do mundo), realizado em Santana do Livramento (RS), de 12 a 14 de novembro, premiou 57 vinhos e Oito cachaças com medalhas Grande Ouro, Ouro e Prata.
Entre os vinhos, sete foram contemplados com medalha de Grande Ouro, 30 com medalhas de Ouro e 21 com Prata (veja a relação completa a seguir). Desses, o vinho Dom Pedrito Sauvignon Blanc 2011 foi escolhido como o “Vinho Branco do Ano de 2011”, o Espumante Habitat Dom Bonifácio Champenoise Brut 2009 o “Espumante do Ano de 2011” e o Salton Desejo 2007 o “Vinho Tinto do Ano de 2011”. Esta edição contou com um júri de 13 especialistas, brasileiros e estrangeiros, que avaliou as cerca de 200 amostras inscritas em provas às cegas, dentro dos padrões internacionais e do rigoroso controle técnico da entidade belga.
De acordo com Eduardo Viotti, diretor da revista Vinho Magazine e responsável pelas degustações do concurso, as oito edições têm apresentado uma média de notas sempre crescente, o que atesta a rápida e segura evolução da qualidade média do vinho brasileiro ao longo dos oito anos em que o evento é realizado no Brasil.
Os sete jurados estrangeiros, experientes jornalistas especializados de Nova York (Marc Golodetz) e San Francisco (Willian Blake Gray), dois jurados de Paris (Xavier Leclèrc e Marie Joanna Roginska) e dois de Montevidéu (Isabel Mazzucchelli e Daniel Arraspide) e também da Alemanha (Walter Eberenz) e de Bruxelas (Baudouin Havaux, presidente do júri), foram unânimes em reconhecer a alta qualidade alcançada pelos vinhos finos brasileiros e o nível médio excelente da produção.
Completaram o time de degustadores os experts, jornalistas e sommeliers Helena Hamu Mattar, Eduardo Viotti, Didú Russo, César Adames, Jairo Monson e Affonso Ritter.
Também foram premiadas cachaças nacionais, representando a mais típica e autenticamente brasileira de todas as bebidas. Os destilados premiados foram:
Cachaça Branca Itagibá Descansada (Itagibá) - Grande Ouro; Cachaça Colônia do Pito Ouro (Antonio Dias) – Grande Ouro; Cachaça Casa Bucco Envelhecida (Casa Bucco) – Ouro; Cachaça Branca Casa Bucco (Casa Bucco) – Ouro; Cachaça Branca Calor Brasilis (Casa Bucco) – Ouro; Cachaça Bendita Excelência (Bendita) – Prata; Cachaça Poesia Branca (Poesia) – Prata.
Para quem não tem o costume de dar uma pro santo, cachaça descansada é aquela que, após produzida, fica armazenada em recipiente neutro, por algum tempo (normalmente de 2 a 4 meses), de modo a ter tempo de saber o que vai ser de sua vida. Fica lá, encucando como vai nos encantar quando pudermos servi-la.

4.11.11

Saúde, Knip Schlip...

Falo primeiro de lua de mel. Tive que sair às pressas: primeiro para Campinas e em seguida São Vicente, onde fui madrinha de um casamento. Tive problemas para blogar, pois meu laptop começou a fazer greve desde Petrópolis. Em Campinas, um dos maiores centros científicos e tecnológicos do país e onde poderia colocar minha máquina funcionando novamente, o tempo foi consumido em contatos com potenciais compradores de minhas pintadas, afinal vivo disso. Resultado: corri para São Vicente: era uma das trocentas madrinhas do casamento de uma sobrinha que repentinamente lembrou-se de mim.
Sei que o sucesso de um blog depende em muito de sua frequência. E tenho blogado muito pouco. Em parte, de tempo, de viagens como essa, quando invariavelmente esqueço notas, documentos etc. em casa. E quando o laptop insiste em ficar calado. Pior é insisto em fundamentar o texto, informar sobre fontes, acrescentar referências, buscar algo novo. E isso atrapalha. Escrevo há 12 anos sobre o mesmo assunto. Muitas vezes fica difícil encontrar algo novo.
Mas o fato de ter parado em São Vicente já ajudou. A ilha paulista foi a primeira vila fundada pelos portugueses nas Américas. A expedição de Gaspar de Lemos chegou à ilha justamente no dia 22 de janeiro de 1502, que celebra São Vicente, padroeiro de Lisboa e também dos vinhateiros e vinagreiros – o que dá na mesma, tudo depende da mão de quem está fazendo a bebida: ou temos vinho ou temos vinagre.
Em tempo: de São Vicente rumei para Sampa onde o problema do laptop foi resolvido: era a bateria, que estava usando de maneira errada; quando ligo a máquina na corrente elétrica, devo retirar a bateria, o que nunca fiz. De SP para o Rio, de avião, e do Rio para a Serra de ônibus já deu para colocar esboçar minha coluna, que continua aí embaixo.
Poderia continuar a falar de outros santos padroeiros do vinho, como Santo Armando de Maastricht. Francês (584 – 675), nascido nobre, catequizador e bastante popular. É o santo padroeiro de cervejeiros, estalajadeiros, plantadores e mercadores de vinho. Falando assim, mais parece que era um alcoólico. Ah, é também o santo dos escoteiros, não me perguntem a razão.
Mas já falei de alguns padroeiros do vinho (veja aqui). Portanto, voltemos ao casamento, acontecimento que também poderia considerar para uma coluna. Pois falou em casamento, falou em lua de mel. E a lua de mel teria esse nome por um costume que data mais de dois mil anos. Na Babilônia, a noiva ganhava do pai um dote de hidromel (vinho à base de mel e água), em quantidade suficiente para pelo menos um mês de farra, período chamado para de “mês do mel” ou para o que é hoje “lua de mel”. Pelo que sei, talvez o único fermentado a desfrutar dos efeitos do pólen, a grande fonte de proteína das abelhas. Saiba mais sobre o vinho de mel ou hidromel.
Consegui chegar em Secretário na noite de 31 de outubro e nada indicava que estávamos em pleno Halloween, o dia das bruxas. A noite friiiiia, estava calma, muito calma. Como aproveitar a data nesse blog de recomeço? Foi uma velha amiga quem me ajudou.
Vocês conhecem o Maria Geek, um site, claro, para geeks, novidadeiras, doidas por tecnologia? Pois é dirigido pela Marcella Brum, minha editora em aventuras passadas (e que editora, gente). Pois ela e a Ciça Mattos bolaram esse espaço que põem a tecnologia a serviço das mulheres, tanto como entretenimento, socialização, como um instrumento de trabalho.
No Maria Geek achei uma receita do Bloody Mary, a “Maria Sanguinária” como uma lembrança de um dos muitos personagens cultuados durante o Halloween, os vampiros. No tópico “Os vampiros estão soltos” é feita referência ao Vampiraria, blog cheio de sangue e dedicado ao “sedutor submundo dos vampiros” (tenho certeza que eles não acham que o seu é um submundo). Até agora não entendi direito como uma festa nórdica veio parar por aqui e o que o Bloody Mary estaria fazendo num site de vampiros. Tá bom que tem esse “sanguinário” no nome.
O Bloody Mary foi criado por um francês, Fernand “Pete’ Petiot, barman do Harry's Bar de Paris, em 1920. Em 1934, o milionário John Astor, dono do famoso hotel St. Regis, na 5ª. Avenida, convence Fernand a se transferir dirigir o bar do hotel, onde ele apresenta o drinque, mas como o nome de Red Snapper (“Pargo Vermelho”), até que dez anos depois Astor decidiu que o nome original poderia ser do agrado do público. As receitas de ambos são absolutamente iguais. (Depois explico a história do Red Snapper).
Veja a receita do Maria Geek no filmete e saiba como fazer.
Tudo em cima? Padroeiros do vinho, origem da lua de mel, o espaço geek da amiga Marcella e suas incríveis novidades e com um drinque combinando com o dia das bruxas. Puxa, acho que já tenho uma coluna até que movimentada.
O título de hoje achei por último. Serve como um pedido de desculpas pela ausência um tanto longa. Fucei daqui, remexi dali e achei um tópico onde seu autor descobriu como brindar em dezenas de idiomas. Sabe como se brinda em zulu, língua do maior grupo étnico da África do Sul? Lá, tim tim é úugui uaua! Com todo o respeito, soa mais a grito de dor depois de uma topada. Em havaiano é Okole Maluna (sim, tem aquele gingado sensual do hula, a dança havaina); em hebreu é לְחַיִּים!, L’Chaim!; em húngaro, Egeszsegere!, que só saberia dizer sóbria. Já em grego é στην υγειά σας! (stin eyiassou!). Acho que os gregos não vão poder brindar tão cedo, pelo andar da carruagem na área do Euro. Também não sei se é só no Brasil que se dá um pro santo.
Saúde para todos e em 51 idiomas (até em marciano, como no título).
Da Adega
Aurora cheia de ouros e pratas. Cinco espumantes da vinícola foram premiados na 7ª Edição do Concurso do Espumante Brasileiro, realizado dias 25 e 26 de outubro na Câmara da Indústria e Comércio de Garibaldi, na Serra Gaúcha. O Aurora Chardonnay Brut, Aurora Moscatel e Marcus James Brut receberam medalha de ouro, enquanto os Conde de Foucauld Rosé Brut e Branco Brut ficaram com medalha de prata. Um senhor resultado, já que o concurso avaliou um total de 231 amostras de espumantes inscritas por 70 vinícolas. Saiba mais no site.
Circuito de Vinhos Brasileiros de Degustação. Olha só o estrago que essa viagem (veja cima) causou. Perdi esse evento, em particular as palestras de Marcelo Copello e de Deise Novakoski. Podia ter ficado no Rio para depois seguir para São Paulo. A coisa toda aconteceu dia 27 de outubro, no Iate Clube.
Os selecionados. Na 19ª Avaliação Nacional de Vinhos, safra 2011, realizada pela Associação Brasileira de Enologia e coordenada pela Embrapa Uva e Vinho, entre os dias 06 e 26 de agosto em Bento Gonçalves, RS, foram selecionados 16 vinhos entre 383 amostras apresentadas por 72 vinícolas, avaliados por 113 enólogos. Os vinhos foram testados às cegas:
Na Categoria Vinho Base para Espumante: 1) Chardonnay, da Domno do Brasil; 2) Chardonnay, da Casa Valduga.
Na Categoria Branco Fino Seco Não Aromático: 3) Riesling Itálico, da Cooperativa Vinícola Aurora; 4) Chardonnay, da Cooperativa Vinícola Nova Aliança; 5) Chardonnay, da Vinícola Góes & Venturini; 6) Chardonnay, da Vinícola Don Giovanni.
Na Categoria Branco Fino Seco Aromático: 7) Moscato R2, da Vinícola Perini; 8) Moscato Giallo, da Vinícola Don Guerino.
Na Categoria Rosé Seco: 9) Cabernet Sauvignon, da Vinícola Almadén.
Na Categoria Tinto Seco Jovem: 10) Merlot, da Vinícola Salton.
Na Categoria Tinto Fino Seco: 11) Merlot, da Basso Vinhos e Espumantes; 12) Merlot, da Luiz Argenta Vinhos Finos; 13) Syrah, da Vinícola Almaúnica; 14) Cabernet Sauvignon, da Rasip Agropastoril; 15) Tannat, da Vinícola Gheller; 16) Tannat, da Seival Estate.
Veja o resultado completo no site da Associação Brasileira de Enologia.

21.9.11

Uma vida boa

“Essa é uma carta difícil de escrever porque, quando postada, servirá para informar aos membros do fórum, convidados e amigos que eu morri”. Daniel Rogov, um dos mais influentes críticos de vinho e gastronomia que o mundo conheceu, postou seu próprio obituário apenas três dias antes de morrer, no último dia 7, em Telavive.
O grande crítico está se dirigindo aos participantes do fórum que moderava no Wine Lovers Page, onde também produzia artigos, além daqueles que publicava no diário israelense Ha’aretz.
Descobri Daniel Rogov na Internet, lá pelos idos de 2000, num site aparentemente já desativado, o stratsplace.com. Somava dezenas e dezenas de artigos sobre história, literatura, costumes quase sempre a partir de culinária, bebidas em geral e, claro, dos vinhos. Daniel queria, sobretudo, nos ensinar: “vinho e comida não são simplesmente coisas que entram em nosso corpo. São um reflexo de nossa antropologia, história, psicologia, necessidades sociais e, claro, prazer”.
Ensinava entretendo, com muito humor. Por ele ficamos sabendo quem foi a Suzette do famoso e flambado crepe, e como o pai do romantismo, François-René de Chateaubriand inventou o famoso bife, hoje mais famoso do que seu prolífico autor, sempre na cabeceira de Machado de Assis. Com Daniel aprendi como se faz o empadão de alho-poró, criado em homenagem a Lucrécia Bórgia para um de seus casamentos (e sem usar poções venenosas, especialidade da família).
Ele vai dos dois Apicius a Zola, do Maxim’s em Paris, ao Castelinho, em Ipanema nos ensinando uma centena de pratos, suas histórias, os costumes e os drinques e, sobretudo, os vinhos consumidos no percurso: temos a Sopa à Apicius (ou seja, do segundo deles, Gavius Apicius, autor do mais antigo livro de culinária, ainda em uso, De re coquinaria (“Sobre culinária”), a Perdiz à Borgonha, do Marques de Sade, os Bolinhos de Lagosta ao Molho de Camarão do jornalista norte-americano A. J. Liebling, que fez a fama da revista The New Yorker; o Fois Gras Sautéed (ou salteado) de Hemingway, seu preferido em Paris; o pato de Alice B. Toklas (escritora, magnífica cozinheira e eterna parceira de Gertrude Stein), temperados sempre com eau de vie, a guerra entre o braço britânico e o ramo francês dos Rothschilds (Château Mouton Rothschild vs Château Lafite).
Há tempos, procurava material especial para a Páscoa e me socorri em Daniel, lendo o que escreveu sobre o que se comia na Terra Santa em 2000 a. C. E lá estão dicas valiosas sobre o que foi comido e bebido por Jesus e seus discípulos na famosa Última Ceia. A matéria gerou polêmica; a turma que não admite que Jesus e seguidores tenham consumido uma bebida alcoólica protestou. Na Bíblia, onde se lê vinho querem que seja suco de uva. Só não posso é negar sete mil anos de evidências arqueológicas e químicas. Que milagre seria transformar água em suco de uva? Se fosse suco, a Bíblia não pediria moderação ao bebê-lo.
Mais recentemente, Rogov me passou dicas valiosas sobre a organização de degustações de vinho em casa, os bistros à vin (wine bars) de Paris (“dos poucos lugares de Paris onde se pode escapar das hordas de turistas e aprender muito sobre vinhos”) e um bocado sobre caviar, “a iguaria definitiva”, da qual Daniel nos oferece até uma receita, de Blinis com caviar, “a preferida do Tsar Nicolau II”.
Viajou um bocado. Esteve até no Rio de Janeiro, em fins de 1960. Daqui ele lembra um “wine bar-bistro”, localizado “na praia de Ipanema na interseção com a Rainha Elizabeth”. “Todas as suas paredes internas eram feitas de garrafas de vinhos dispostas horizontalmente. Um charme absoluto…” Será que Daniel conheceu o célebre Castelinho, reduto da boemia que transformou o bairro numa República independente, conhecida em todo o mundo? Foi o primeiro “point” da praia. Será que a caipirinha lhe escapou? Duvido.
Daniel Rogov nasceu nos Estados Unidos, filho de imigrantes judeus russos, financeiramente confortáveis e bem equipados culturalmente, para quem vinho e boa comida eram importantes.
Mal completou o secundário e suas boas notas lhe valeram um presente de viagem a Paris. Logo se apaixonou pela cozinha e vinhos locais. Chegou e ficou: foi em Paris onde começou sua carreira jornalística. Começou a enviar matérias sobre comida e vinhos para revistas e jornais da América e mais tarde para publicações francesas e suíças. Não queria nada com trabalho físico. Preferia acionar sua cachola. Ninguém conhecia quem era Daniel Rogov. “Não sabia nada sobre comida ou vinho, mas pense bem: nem os americanos”, diz Rogov. “Era tudo na base da Betty Crocker” (personagem criado pela General Mills em 1921, rapidamente transformado num símbolo culinário da América de antanho: dava receitas, respondia a perguntas das donas-de-casa e criava produtos prontos. Aqui no Brasil tivemos uma equivalente, criada pela antiga Fleischman-Royal, nos anos 60: a nutricionista Maria Silveira, de grande sucesso). Naquela época éramos todas “do lar”.
Depois de anos viajando pelo mundo, resolveu conhecer Israel, onde chegou em 1976. “Era quente o bastante para pegar uma praia, por isso fiquei”. Não foi só o clima que o motivou: trouxe com ele o endereço de uma amiga feita na França. Juntaram-se novamente e juntos ficaram até a sua morte. O casal tem uma filha que mora nos Estados Unidos.
Na sua chegada, os vinhos de Israel eram um xarope apenas tolerado nas ceias de Páscoa, nada que valesse a pena comentar. Na mesma época, um professor da Universidade da Califórnia em Davis em visita ao país aponta uma região ao norte, as Colinas de Golan (entre Israel, Síria, Líbano e a Jordânia) como ideais para o cultivo de vinhas. Daniel talvez tenha sido o primeiro a promover a região. Aliás, ele é considerado como o um dos responsáveis pelo grande salto de qualidade conseguido pelos vinhos do país, hoje aplaudidos pela crítica internacional.
Nome respeitado em todo o mundo, Daniel Rogov, além de crítico de vinhos e gastronomia do jornal Ha’aretz e autor de guias de vinhos israelenses sempre procurados, foi consultor de Hugh Johnson, um dos mais respeitados autores e críticos de vinho do planeta, para a Modern Encyclopedia of Wine e os Pocket Wine Book. Para o prolífico Tom Stevenson, outro grande autor, reconhecida autoridade em champanhe, contribuía para o Wine Report.
Muito pouco se sabia sobre a vida privada de Daniel. Rogov era como se assinava, mas seu sobrenome era Joroff. Até mesmo sua idade correta não é conhecida. Falam que morreu aos 70 anos, mas todos afirmam que tinha muito mais.
Para seus seguidores no fórum do Wine Lovers Page, deixou no último dia 7, o seu obituário, “uma carta difícil de escrever”, tinha consciência que sua morte era iminente. Estava mal (morreu de câncer no pulmão), o final não foi fácil, mas “consegui manter-me à custa do meu otimismo”. Quanto à comida e ao vinho, “escrevi sobre eles por todos esses anos com um profundo sentimento de amor e devoção, ambos emocional e intelectual”. Ele se considerava um Umberto Eco do vinho, escrevia de modo a deixar o leitor inteligente chegar às suas próprias conclusões. Ao final da carta, a nota de otimismo e esperança para os vivos: “No fim do dia, foi uma vida boa”.
Da Adega
Rapariga da Quinta. A wine.com anuncia o alentejano Rapariga da Quinta, com a Alicante Bouschet, Aragonês e Trincadeira, um português mais moderno, elogiado pela Wine Enthusiast. Veja aqui.
Bebida Online. Rum, whisky, licor, vodca, vinho: consulte o site Bebida Online e receba bebidas em casa. A base fica no Paraná, os preços são bons, mas há uma taxa pelo transporte, naturalmente. Se comprar acima dos R$ 799,00 o frete é grátis.
Compre 4 e leve mais duas. A Vinitude oferece o Elegance de Lesparre Merlot 2004, o Elegance de Lesparre Rosé 2005, e ganha duas meias garrafas do Les Grands Bois Chantant 375 ml 2008. Todos bordaleses. Veja aqui.
Espanhóis. Dê só uma olhada na Península Vinhos. Seus espanhóis são muito atraentes.
A Aurora foi longe. Está chegando agora na Nova Zelândia e com isso se faz presente em todos os cinco continentes. Os neozelandeses, com ótima mão para vinhos com a Sauvignon Blanc e Pinot Noir, vão agora poder experimentar nas festas de fim de ano do Espumante Aurora Boreal Moscatel.
De quebra, a vinícola de Bento Gonçalves conquistou seis prêmios no Vinus 2011, em Mendoza, com os espumantes Marcus James Demi-Sec (ouro duplo), Aurora Brut Chardonnay (ouro) e Conde de Foucauld Branco Brut (ouro). Medalhas de pratas foram conquistadas pelos espumantes Aurora Moscatel Rose, Aurora Pinot Noir Brut e Marcus James Brut. Saiba mais.