Ainda
estou viva, gente. Desculpem pelo longo silêncio. Tinha que voltar para botar
minha colher nesse grave caso das Salvaguardas. A essa altura, todos vocês já
devem saber que a indústria gaúcha de vinhos (Ibravin, Uvibra, Fecovinho, Sindivinho)
quer que o governo imponha cotas e aumente a tarifa de importação de vinhos.
Querem proteger os vinhos nacionais das importações europeias e de países fora
do Mercosul.
Vamos
acabar ficando com um vinho-carroça. Lembram-se do Collor, quando ainda era
presidente: “Comparados com os carros do mundo desenvolvido, os carros
brasileiros são verdadeiras carroças”. A partir daí o mercado ofereceu carros
com, pelo menos, um pouco mais de segurança, embora nossos carros populares
continuem sendo carroças.
Minha
opinião não é isolada. Ao contrário, está muito bem amparada. Vejam o que me
disse o Ricardo Camignani, CEO da Winebrands
(uma das mais importantes importadoras nacionais):
“Nossa posição é de perplexidade e
surpresa com esta iniciativa de caráter essencialmente protecionista. Em favor
de um grupo restrito de produtores do Rio Grande do Sul, todo o mercado
Brasileiro vai sofrer com mais burocracia, restrições, impostos, e como
consequência preços ainda mais altos. O pior de tudo é que estamos perdendo a
perspectiva histórica. São as importadoras que, ao longo de anos, têm
contribuído de forma inequívoca para o desenvolvimento do mercado
eno-gastronômico no Brasil. Hoje, são milhares de profissionais que trabalham
no serviço de vinhos em restaurantes, lojas, supermercados. Vários jovens
seguiram pelo caminho do vinho e da gastronomia melhorando e qualificando os
serviços. Para o Brasil, é importante que tenhamos restaurantes e comércio de
nível internacional, na medida em que o país se credencia como um importante
pólo turístico e centro de atração de grandes eventos (Copa do Mundo e
Olimpíadas). Medidas como a Salvaguarda nos remetem 20 anos atrás, para um
tempo que, tenho certeza, nenhum Brasileiro tem desejo de reviver”.
Quando
o Diretor Executivo da Winebrands fala que as tais Salvaguardas nos rementem 20
anos atrás, fala justamente dos tempos dos carros-carroças, do caçador de
marajás, da corrupção desmedida do PC Farias, dos jardins da babilônia na casa
da dinda e do inédito e tenebroso confisco da poupança. Bem lembrado: tempos
que nenhum brasileiro tem desejo de reviver.
Salvaguardas
que vão resultar em desastre não apenas para importadoras. Para todo e qualquer
negócio ou serviço que produz, comercializa ou ensina sobre vinho no país.
Vamos ter o desemprego de milhares de pessoas, a começar por São Paulo, que
soma 50% do mercado brasileiro de vinhos. Sofrerá consumidor, principalmente.
Ele deixará de saber das infinitas possibilidades de aromas, sabores e cores
que os vinhos de outros pagos podem oferecer. Não poderá comparar, logo não
poderá indicar aos produtores nacionais caminhos pelos quais produzir seus
vinhos e possivelmente melhorar sua produção.
Para
comparar, o passo inicial é duvidar, preliminar de qualquer descoberta ou
melhoria. A faculdade de duvidar e questionar, sem a qual comparações e
julgamentos seriam inúteis, é uma prerrogativa da razão. Vamos ficar sem o
direito de duvidar.
Os
vinhos gaúchos estão ameaçados? Pelos consumidores é que não estão. Pelos dados
do próprio Ibravin, considerando todos os vinhos vendidos no país, de mesa,
finos e espumantes, ficamos com invejáveis 77,40% do mercado. Os importados se
contentam com um resto de 22,60%. São 265,2 milhões de litros contra parcos
77,6 milhões litros por ano. Veja o gráfico e leia matéria aqui.
Quando
esses dados foram apresentados, excluíram espertamente os vinhos de mesa e os
espumantes, quando então os nacionais ficam com 21,20% do mercado. Parece mesmo
que o calcanhar-de-aquiles é o mercado de vinhos finos: 92 milhões de litros
ano passado, 78,8% de importados (principalmente do Chile, Argentina e Itália).
Não
estranhei que viessem de chefs e sommeliers renomados os primeiros protestos e
ações concretas contra a proposta da Ibravin. Roberta Sudbrak e Alex Atala já
retiraram os vinhos brasileiros das cartas de seus renomados restaurantes. Entidades
como a Associação Brasileira de Sommeliers e a Sociedade Brasileira dos Amigos
do Vinho (que há anos realizam a inestimável tarefa de fazer do vinho um
produto amistoso, rico e valioso para o consumidor brasileiro) também disseram
não às salvaguardas. Agora mesmo, leio que os maiores exportadores de vinho do
mundo levaram queixas à Organização Mundial do Comércio contra essa imposição
Chile, Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, além de países
europeus. Querem explicações sobre o motivo da medida protecionista. Sim,
porque os produtores nacionais estão vendendo e lucrando como nunca.
Nos
supermercados encontramos vinhos chilenos e argentinos, entre outros, por menos
de R$ 10,00 a garrafa. São importados: pagam IPI, ICM, frete, garrafa, rolha,
rótulo, caixas de vinho, fora despesas aduaneiras. São mais baratos que os
nacionais porque aqui pagamos Funrural, PIS, COFINS, IR, ICM, IPI e não sei
mais quantos tributos municipais, mão de obras etc.
Logo,
a solução não é aumentar a carga tributária dos importados e sim diminuir a dos
vinhos nacionais. Se o governo é capaz de reduzir impostos dos carros quando de
uma ameaça às vendas da indústria, se está brigando com os bancos para que
baixem suas taxas, porque não refresca o setor vitivinícola, que está em
crescimento acelerado, dá empregos a milhares de pessoas e é hoje uma indústria
que já cobre grande parte do território nacional.
Veja o
caso dos Estados Unidos. Lá a indústria do vinho nasce pra valer depois que a
Lei Seca foi abolida em 1933. Daí em diante, os vinhateiros americanos deram um
senhor duro para fazer um vinho decente e converter os americanos. Em 2010, os
Estados Unidos passaram a França e tornaram-se os maiores produtores de vinho
do planeta. Ainda não são os maiores consumidores per capita: 8,9 litros/ano. O
trabalho educativo continua, a liberdade de comércio é plena. Se você quiser
conhecer vinhos gregos, libaneses, cipriotas, uma garrafa com uma uva com nome
impronunciável cultivada num canto esquecido da terra, é só dar um pulo em Nova
York. Garrafas de todo o mundo estão lá, à disposição, dispensando quaisquer
tipos de salvaguardas.
Nossa
indústria pra valer começa com a chegada à Serra Gaúcha dos emigrantes
italianos em 1875. A partir daí só fizemos crescer. Mas nosso consumo per
capita ainda é pequeno: mal chega aos dois litros anuais. Mas estamos
crescendo, como vimos pelos números acima.
Tanto
lá como cá, a maioria dos bebedores bebe vinhos simples ordinários. Esse
cenário é geral, acontece da França à Geórgia. É esse consumidor quem não
deixou a cachaça morrer. No Brasil Colônia, fomos proibidos de produzi-la. Mas
ela servia como moeda de compra de escravos em terras africanas e para
aliviá-los (se isso era possível) na travessia. Difícil obedecer a essa
salvaguarda. Hoje, é o drinque nacional até por decreto presidencial.
Proibir,
como prova a Lei Seca americana e a história da cachaça brasileira, não dá
resultados. A solução está aqui mesmo. Baixar impostos, dar mais incentivos à
produção e aos esforços de entidades com a ABS e SBAV. Argentinos com sua
Malbec, Chilenos com sua Carménère e uruguaios com sua Tannat fizeram o mesmo e
estão felizes com suas exportações. E nós, continuamos com essa história de 30
anos atrás, quando a melhor solução estava na ponta da bota: proibir?
Não
podemos desconhecer o que os estrangeiros fazem. Sem a influência do jazz não
teríamos bossa nova, sem o batuque africano, não teríamos samba, sem os
italianos não teríamos Carlos Gomes e sem ele Villa-Lobos. Paul Valery
enriqueceu Drummond, assim como Victor Hugo fez com Machado de Assis.
Para
cada salvaguarda ou proibição estaremos criando imediatamente um ambiente
clandestino, onde o primeiro a sofrer será o consumidor.
Pensei
em tudo isso quando assinei a petição contra o aumento do imposto de importação
para vinhos e tentar afastar de nós a possibilidade do vinho-carroça. Faça o
mesmo, por favor. Assine
já!