17.1.08

Leia sem moderação

Uma corte francesa decretou que, a partir de agora, artigos sobre vinhos em jornais devem apresentar as mesmas advertências contidas nos anúncios de bebidas alcoólicas. Quer dizer: qualquer conteúdo jornalístico sobre bebidas alcoólicas, a começar dos vinhos, passa a ser considerado um anúncio pago e deve passar a incluir advertências como “L’abus d’alcool est dangereux pour la santé. Consommer avec modération”, que é utilizada normalmente nos rótulos dos vinhos do país. Nada diferente das nossas “Evite o consumo excessivo de álcool”; “Beba com moderação” etc.
Algum juiz lá leu a matéria do diário Le Parisien, “O Triunfo da Champagne”, sobre o sucesso da bebida nas festas de Natal e imediatamente julgou o texto uma peça publicitária, mesmo que a página do jornal não fosse paga e o texto se identificasse claramente como matéria jornalística.
Claro que uma reportagem dessa natureza, como sempre, qualifica e recomenda marcas, fala sobre os produtores e apresenta preços, um serviço para os leitores. Mas o juiz achou que, até pelos seus entretítulos (“Boas e baratas”, “Champagne, a incontestável estrela da festa”, “Quatro garrafas de sonho”), se identificavam claramente como um anúncio.
Assim, a corte julgou que esse artigo tinha a intenção de “promover vendas de bebidas alcoólicas, exercendo ação psicológica sobre o leitor, incitando-o a comprar álcool”. E que “qualquer comunicação a favor de uma bebida alcoólica (tal como o artigo sobre o espumante) constitui uma publicidade e, portanto, sujeita ao código de saúde pública”.
O Le Parisien foi obrigado a pagar cinco mil euros à Associação Nacional de Prevenção ao Alcoolismo e à Dependência (ANPAA), mas sob protestos de que o artigo era puramente uma peça editorial.
A decisão é, sem dúvidas, uma escandalosa violação da liberdade de imprensa. Um dos dogmas do jornalismo numa democracia é a intocabilidade dos fatos tais como são registrados ou interpretados, sem interferência de governos ou de quaisquer outros órgãos. Nosso trabalho como jornalistas não é simplesmente “comunicar”. É informar, participar da educação dos leitores e não fazê-los encher a cara.
Parece até que o judiciário francês é uma “Appelation Descontrollée”. Em 2003, a corte de Villefranche-sur-Saône quase leva uma revista, a Lyon Mag, à falência, apenas por ter citado o comentário de um eminente crítico, François, Mauss, presidente do “Grande Júri Europeu de Vinhos” sobre os vinhos Beaujolais. Mauss afirmou que a região conscientemente comercializava um “vin de merde”.
A revista foi condenada a pagar perto de US$ 350 mil aos produtores de Beaujolais. Toda a imprensa do país protestou, houve apelação e só em 2005, a corte voltou atrás e liberou a revista da multa.
A publicidade de bebidas alcoólicas e cigarros na França é regida pela severa Lei Evin desde 1991. Ela proíbe desde anúncios dirigidos a jovens, publicidade de bebidas em televisão ou cinema e até patrocínios de eventos culturais e esportivos. Nos veículos, eventos ou lugares onde a publicidade é autorizada o seu conteúdo é controlado.
E mais, as mensagens e imagens contidas nos anúncios devem referir-se estritamente às qualidades dos produtos (como origem, composição, meios de produção, modos de consumo etc.).
Como conseqüência, desde 1991, a linguagem da publicidade perdeu o seu caráter sedutor. Não mais se permite mostrar-se de consumidores ou retratar atmosferas favoráveis ao consumo de bebidas. Por isso, as pessoas foram banidas dos anúncios.
Isso acontece no país que originou o lendário Paradoxo Francês. Em 1991, o famoso programa 60 Minutes, da CBS, levou ao ar uma reportagem mostrando porque os franceses sofrem relativamente pouco com doenças coronarianas, apesar de seu dieta ser extremamente rica em gorduras saturadas. A razão está no consumo regular de vinho, em particular o tinto, cujas vendas cresceram cerca de 40% só nos Estados Unidos, da noite para o dia. Pois a França parece agora preocupada que os leitores passem a achar que os vinhos sejam uma bebida saudável.
O Presidente Nicolas Sarkozy, em sua campanha eleitoral ano passado, prometeu reformar a Lei Evin. Mas nada fez até agora. Ele que, sobre os vinhos, diz que França deixou de ser competitiva por conta de uma legislação de má qualidade.
Paris Hilton e o Prosecco. E se a moda pega? Uma reportagem sobre o recém-divorciado Sarkozy e o seu anunciado casamento com a modelo e cantora Carla Bruni deveria conter também uma advertência: “O casamento pode ser prejudicial à sua saúde”.
Ou sobre as biografias da ex-mulher de Sarkozy, sempre apimentadas com as histórias de seu caso com um publicitário. Como terminaríamos uma matéria a respeito? “Maridos: evitem ser chifrados”. Ridículo!
As matérias sobre políticos deveriam ser acompanhadas por avisos como: “Atenção, políticos podem causar apoplexia”. As placas nas estradas também poderiam avisar: “Muito cuidado: estrada consertada pelo governo”.
E se os jornais franceses apenas reproduzissem a Marselhesa, o hino nacional francês: “Aux armes citoyens! Formez vos bataillons! Marchons, marchons, Qu'un sang impur abreuve nos sillons”. Seria uma incitação à violência e à ordem pública? Seriam multados também?
As matérias sobre a modelo (e celebridade) Paris Hilton promovendo anúncios de uma empresa de bebidas austríaca, a Rich Prosecco, também mereceriam cuidados. Vamos lembrar que a bisneta do fundador da cadeia de hotéis de mesmo nome conseguiu os seus 15 minutos de celebridade com um filme de TV fazendo sexo com seu namorado. Não processou ninguém. Deu certo e os 15 minutos estão se estendendo. A moça já tem uma bagagem invejável como atriz, cantora e modelo. Conhece bem o métier.
Hilton aparece nessa campanha como sempre: com roupas minúsculas e até nua e toda pintada de dourado, lembrando a loura de Goldfinger, um dos filmes de James Bond. Veja aqui.
Ela é o pulo do gato da empresa austríaca para vender um prosecco (uma uva italiana de origem, responsável por famosos espumantes) em três versões: um com sabor maracujá (Rich Passion), outro de cassis e morango (Rich Royal) e o terceiro de prosecco propriamente dito.
Os anúncios falam de um “drinque perfeito para começar a noite ou para um prazer especial, um prêmio ao final do dia”.
Já viram que não se trata de vinho, mas de marketing. Não entendo porque os produtores italianos do prosecco autêntico estejam uma fera. Vociferam contra o produto austríaco. Acham que ele (vem numa latinha) pode deformar a imagem do espumante original. Penso que eles deveriam parar de protestar e contra-atacar com uma campanha educativa, demonstrando as qualidades do espumante original.
Caso contrário, terão de protestar também contra o Marilyn Merlot, um sucesso de vendas nos Estados Unidos. Ou os vinhos da Madonna, sem falar do rótulo da atriz pornô, a norte-americana Savanna Samson, o Sogno Uno, italiano legítimo, feito pelo enólogo Roberto Cipresso – e elogiado (o vinho) até pelo imperador dos críticos, Robert Parker. Ninguém ficou desesperado com possíveis danos às imagens dos vinhos norte-americanos ou italianos, para ficar apenas nos exemplos acima.
Mas voltemos ao problema da censura, a sarna que os franceses ameaçam espalhar pela imprensa mundial. E se a moda pega?
As matérias sobre lançamento do Rich Prosecco da Paris Hilton deveriam incluir também uma advertência, como “Melhor beber com camisinha”, tal é a folha corrida da modelo?
Continue lendo esse blogo sem moderação.
Da Adega.
Casillero del Diablo com tampa de rosca
. A conhecida marca segue agora uma tendência renovadora e troca as tampas de cortiça, pelas “screwcaps”, de rosca metálica, nos vinhos brancos (Sauvignon Blanc). A nova versão chega ao mercado brasileiro ainda este mês.
A marca, que no Brasil é comercializada pela multinacional Pernod Ricard, está promovendo a substituição da cortiça por tampas de rosca metálica apenas nos seus vinhos brancos. As de cortiça permitem um acesso mínimo de oxigênio que favorecem mais à evolução dos tintos. Essa característica, contudo, é indesejável para os brancos, afetando em particular os seus aromas. O Casillero del Diablo é um dos carros-chefe da famosa vinícola chilena Concha y Toro e uma lenda, origem do seu nome, alimenta a sua história. Saiba mais
aqui.
Mais informações pelo SAC 0800 014 2011 ou pelo site da
Pernod Ricard.
Sou insuportavelmente otimista. Não sei como foi possível. Mas ontem bateu um motoqueiro da ECT na minha porta com um elegante embrulho cor-de-rosa. Achar a minha casa, aqui em Secretário, gente, é como conseguir entrar no Uzbequistão e chegar a Samarcanda, a cidade do Tamerlão, por onde esteve Marco Polo. O embrulho continha uma caixa também cor-de-rosa abrigando uma belíssima garrafa de cava rosé e duas belas flutes de cristal. Um gesto gentilíssimo do pessoal do Bolsa, que me classificou como no título acima. Estou insuportavelmente grata. E preocupada com o motoqueiro. Será que conseguiu voltar?

3.1.08

Pit Stop

Acho que vou começar o ano com o pé direito. Fiquei quase duas semanas sem beber, sem colocar nada, nadinha de álcool na boca. Só voltei a beber na antevéspera do Natal. Estava com problemas? A fim de me “livrar das toxinas”, de purificar meu corpo? Não, nada que passasse perto do Ganges.
Em primeiro lugar, finalmente, fiz o meu grande exame clínico, que deveria ser anual. Só que estava devendo uns bons três anos ao médico. Marquei para meados de outubro, fiz as malas e passei duas semanas no Rio, em casa de amigas – preocupada com meus cachorros e minhas galinhas em Secretário. Mas fiz todos os exames possíveis.
Entrei confiante. Afinal, colocava grande crédito nos vinhos que consumo há anos: meia garrafa diariamente. Esperava que ou o resveratrol ou as procianidinas dos tintos estivessem funcionando, como antioxidantes e drenos para minhas artérias. Meu estilo de vida é saudável, acho eu. Não fumo, como frugalmente, muita fruta e vegetais, evito frituras, carne só de vez em quando etc. Minha lida no sítio, correndo atrás de galinhas, limpando o terreno, arrumando a casa etc. contam como exercício físico regular. Não sou nem obesa, nem sedentária.
Bem, os resultados foram um tanto decepcionantes. Minha pressão está supimpa. Mas o colesterol, tanto o bom (LDL) quanto o ruim (HDL) estão altos. Um resultado ao mesmo tempo ruim e bom. Os triglicerídeos (que armazenam gordura) oscilam para cima e para baixo – mas na média estão perigosamente no limite (exatos 150 mg/dl).
E, novidade para mim, o médico, desta vez, pediu um exame adicional. É o que determina uma tal de Proteína C-reativa (PCR). Ela é produzida pelo fígado: aumenta quando temos alguma inflamação causada por doenças, acidentes ou estresse. O médico fala que é o único indicador de inflamação que sozinho prediz o risco de um ataque cardíaco. Não há riscos, mas o médico confessou que gostaria que os marcadores estivessem melhores, mais baixos (mais uma vez, o nível estava no limite: 1.0 mg/L. Abaixo disso, é baixo o risco de desenvolvermos alguma encrenca cardiovascular. Acima disso, bandeira amarela. Se passar de 3.0, o risco é muito grande.
Ele não condenou minha dieta, nem meu estilo de vida. Mas me receitou pílulas de estatina, para colocar os níveis de meu HDL em ordem. Não sei se vou tomá-las. Falam que as estatinas podem causar problemas nos músculos e no fígado. Com a quantidade de vinho que tomo, elas podem até ser fatais. Tenho a meu favor não fumar e um exemplar estilo de vida.
Mas muita coisa não conseguir responder ao médico. Quanto de vinho tenho de consumir para o resveratrol fazer efeito: uma taça, uma garrafa, um galão, uma caixa? Não adianta argumentar com as procianidinas, pois elas são encontradas em maiores quantidades nos tintos com a uva Tannat, da Gasconha, região do sudoeste francês. Teria de me mudar para lá.
E agora temos um estudo ligando colesterol com etanol, o álcool do vinho. O Departamento de Doenças do Fígado da Escola de Medicina da Universidade de Nova York pesquisou o consumo de etanol por ratos. Aparentemente, eles inibem a secreção de um ácido produzido pelo fígado e que, quando chega aos intestinos, funciona como um detergente para ajudar na absorção das gorduras.
Se não formos moderadas no consumo de vinho, estaremos contribuindo para aumentar os níveis de colesterol. Taí, o nó da questão. Estou torcendo para que essa pesquisa não dê em nada. Pobre dos ratinhos!
Meu médico concorda que o consumo moderado de vinho é recomendável. Mas pediu-me que considerasse melhor o meu, digamos, estilo de moderação. Também não me pediu para parar com as bebidas. Sugeriu, contudo, a alternativa de uma “descansada”. Em primeiro lugar ele quer ver os índices caírem, em particular o do tal PCR.
Acho que ele também quer saber se sou dependente, seja de vinhos ou de qualquer outra bebida alcoólica. Por quase toda a minha vida adulta venho bebendo diariamente. Moderadamente, afirmo eu!
Portanto, decidi aceitar o desafio. Logo após ter retornado a Secretário, com uma senhora pulga atrás das orelhas, fiquei as duas primeiras semanas de dezembro a seco. Apenas água, água, sucos e sucos, café e chás e mais café e chás.
Não tive problemas, pois me submeto a esse “descanso” há muito tempo (e, se não me engano, já escrevi sobre isso aqui). Não, não sou uma dependente física do álcool, nada de tremedeiras. Até agora, estou conseguindo parar sem precisar que me tranquem num quarto.
Claro, que, principalmente nas refeições, sentia a falta da minha taça de vinho. Mas olhava o copo com água com muito carinho e seguia em frente. À noite, a saudade do vinho aumentava. Televisão não é a fogueira da minha caverna, para lembrar o Veríssimo. O escritor disse que a fogueira deve ter sido a TV do homem das cavernas. Ele ficava lá hipnotizado pelo fogo, assim como se faz hoje quando se assiste TV, esperando o sono chegar.
Bebo vinho por puro prazer. E o prazer, como ensina o filósofo espanhol Juan Antonio Rivera, é um fenômeno cinético, que consiste na viagem da falta de comodidade para a comodidade. Sem dificuldades, encontrei ótimos e cômodos substitutos.
À noite, costumo beliscar uma fruta, tomar umas duas taças de vinho e prosseguir na leitura do livro da vez.
Nas duas semanas de abstenção, à noite, substitui o vinho por chás e a minha leitura foi a de “Milênio”, do Manuel Vázquez Montalbán, que criou o detetive Pepe Carvalho.
Pepe me colocou à prova. Ele, além de detetive e gourmet, é um sabido bebedor. Pois, amiga, o detetive espanhol me ajudou muito nessas duas semanas. A nossa imaginação concebeu um paliativo astuto e sutil para resolver o divórcio entre a vida real e os nossos apetites desmedidos: a ficção. Através dela, somos mais, somos outros, sem deixarmos de ser nós mesmas. É uma espécie de droga que consumo sem moderação.
Nada de tremedeiras, alucinações, aranhas gigantes nas minhas costas. Ótimas noites de sono profundo, uma sensação de mais tempo sobrando, pois não tinha que provar desse ou daquele vinho, não tinha que tomar notas etc.
Há muito tempo, li uma entrevista com o mestre Maynard A. Amerine, professor de enologia da Universidade da Califórnia, em Davis. Ele pesquisou aspectos técnicos do cultivo da uva e da produção de vinho. Seu trabalho é considerado peça fundamental pela sucesso da indústria vitivinícola em todo o mundo. Morreu aos 86 anos em 98.
Pois o professor Maynard dizia que se, num mês, pudermos parar de beber uma semana, ou “descansarmos” um mês inteiro num ano, então podemos estar certas de que temos um relacionamento saudável com o vinho.
Se eu bebo regularmente, não custa tomar um ou dois cuidados. Estou consumindo agora de duas a três taças por dia. Sei que não vou sair viva desse mundo (só para lembrar uma música do cantor country Hank Williams: “I’ll never get out of this world alive”). Agora, o vinho está entre as coisas que fazem esse mesmo mundo mais palatável para mim.
Se algumas das leitoras for uma bebedora regular de vinhos (ou de qualquer outra bebida alcoólica), porque não faz um teste, um pit stop ao contrário: parar para desabastecer. É só uma semana por mês. Faça isso e em seguida anote as suas reações e conte tudo aqui para a Soninha