28.11.06

A Dieta do Vinho

Tem um guru novo na praça, que promete vinho, chocolate e vida longa e boa para os seus seguidores. Já estamos na estação de grandes comilanças e muitos copos; na época de mostrar os corpinhos sarados nas praias. Logo, não custa contar para vocês as novidades do professor Roger Corder, um respeitadíssimo cientista inglês, que acaba de lançar em Londres o livro The Wine Diet, a Dieta do Vinho.
O professor é especialista em doenças cardiovasculares e propõe uma dieta eclética e liberal que vai de vinhos de Rioja, Espanha, aos Cabernets sul-americanos. Ele lembra o que as pessoas sabem há séculos: o vinho pode ser bom para nós. E cita Paracelso, o físico, alquimista, astrólogo suíço do século XVI: “vinho é um alimento, um remédio e um veneno – é só uma questão de dose”.
Roger Corder é professor de terapêutica experimental no Instituto de Pesquisa William Harvey, pertencente à Escola de Medicina de Londres. Passou anos reunindo evidências dos benefícios médicos, potencialmente gigantescos, dos vinhos tintos. Acrescente-se que ele não esqueceu do que se anda falando a respeito do chocolate preto, com qualidades similares. E, pronto, temos a ciência preferida dos gourmets.
O professor conseguiu inverter o antigo provérbio dos nutricionistas: “Se é delicioso, deve ser nocivo”. Ele começou suas pesquisas em 1999. E já em 2001 anunciou que, com sua equipe, tinha descoberto que o vinho tinto conseguia botar um freio numa das moléculas mais importantes a causar doenças coronarianas. É a tal de endotelina-1. Descobriu que certos tipos de polifenóis (um elemento químico das plantas), chamados de procianidinas, promovem saúde e são chaves do vinho. Não só existem abundantemente nos vinhos tintos como também no chocolate e de algumas frutinhas vermelhas - principalmente o arando (em português) ou cranberry (em inglês), ou canneberge (francês) e ainda arándono rojo (em espanhol).
Em sua essência, o professor afirma que se bebermos vinhos com alto grau de procianidinas estaremos melhorando a função de limpar os vasos sangüíneos e, assim, nos protegendo de doenças cardíacas, enfartos, diabetes, demência e possivelmente de alguns tipos de câncer. “Os bebedores de vinho são geralmente mais saudáveis e com freqüência vivem mais tempo”, afirma o professor. “Isso não é um sonho. Passei muitos anos pesquisando os benefícios do vinho para a saúde e posso afirmar que são esses bebedores que sofrerão menos com doenças cardíacas, diabetes e demência”.
Como é a dieta. Ela é diferente das demais: nada de contar calorias. É muito simples: apenas procura repetir o que fazem alguns dos povos mais longevos do mundo – da Sardenha, Creta e do sudoeste rural da França. Não existem serviços básicos de saúde nessas regiões. E, no entanto, as pessoas vivem bem e por muito, muito tempo. Se cuidam apenas tomando vinho todos os dias e comendo comidas frescas, não processadas.
O caso é buscarmos vinhos tintos com quantidades decentes de procianidinas. Mas os vinhos não são rotineiramente analisados pelo conteúdo dessas substâncias. O recurso é simples: basta sabermos o conteúdo total de polifenóis. Mas como?
Os produtores cada vez mais mencionam um tal de IPT (do francês Indice des Plyphénols Totaux) em suas informações técnicas, que podem ser achadas na internet e em algumas revistas especializadas.
Em geral, quanto mais alto o IPT, maior a quantidade de procianidinas num vinho. O professor criou uma escala, que vai de * (um asterisco) até ***** (cinco asteriscos), onde a maioria dos tintos tem pelo menos um *. Uma taça de um vinho com *****, super rico, contem pelo menos 120 mg de procianidinas. Uma taça com *** terá entre 60 e 90 mg. Um vinho médio poderá conter entre 30-45 mg da substância.
O professor cita os vinhos do Madiran, região do sudoeste francês, um santuário do vinho tinto. E os cabernet sauvignon argentinos, que o cientista toma como padrão. Assim, fica mais fácil nos abastecermos para essa dieta. Agora, pode ter como certo, amigas, que nossos tintos estão em pé de igualdade, são ricos em polifenóis. Não precisamos de *****. A turma em Creta e na Sardenha bebe direto do barril. São vinhos caseiros. Lá, ninguém se importa com asteriscos e procianidina é palavrão.
Ele reprova vinhos com alto teor de álcool (ficamos com a média tradicional de 12% de álcool por volume) e recomenda que só os bebamos às refeições, moderadamente (uma ou duas taças).
Um outro grupo de alimentos apresenta-se como fonte alternativa de procianidinas. Exemplos: o chocolate preto, maçãs, as frutinhas vermelhas citadas acima. A romã é fonte muito rica de diferentes polifenóis e pode substituir muito bem as procianidinas do vinho. Para quem não pode consumir álcool, temos, portanto deliciosos substitutos.
As maçãs contêm quantidades modestas de vitamina C, potássio, ácido fólico e fibras. Recentemente, descobriu-se que são uma fonte rica em procianidinas. As boas cidras, feitas ao modo tradicional, podem conter altos níveis desse elemento, mais alto até do que muitos vinhos e com apenas 6% de álcool. São boas alternativas (e mais baratas) do que o vinho tinto. Mas cuidado com as cidras industrializadas (as que vemos chegar aos montes nas prateleiras de supermercado, para as festas): o suco de maçã é rotineiramente filtrado, removendo grande parte das procianidinas. Melhor ficar com uma maçã por dia, cujo conteúdo médio desse polifenol é equivalente a uma taça de 125 ml de vinho tinto.
A arando (ou cranberry etc.) é fonte rica de procianidina, além de prevenir infecções do trato urinário, como a cistite. A recomendação do cientista é a de fazermos nós mesmas nosso próprio suco, pois o industrializado leva muito açúcar.
De um modo geral, a maioria das frutinhas vermelhas forma uma rica fonte de vários polifenóis. Na média, 100g dessas frutinhas podem conter uma quantidade de polifenóis igual a uma taça de 125 ml de vinho tinto rico em procianidina.
E também temos as nozes. Elas aparecem aqui como uma surpresa, pois são ricas em gordura. Pois o professor Corder descobriu que pessoas que costumeiramente comem nozes apresentam um índice de doenças cardíacas mais baixo do que as que nunca ou raramente as comem. Um estudo investigou 34 mil adventistas do Sétimo Dia, na Califórnia. Os que comiam nozes mais de cinco vezes por semana apresentaram um nível de doenças cardíacas 50% mais baixo. É que esses frutos são uma das mais ricas fontes de polifenóis.
Outra grande fonte de procianidinas é a canela, aquela mesma da Gabriela. É um tempero versátil, tanto para pratos doces como para os salgados.
O chá, preto ou verde, tem também bons níveis de polifenóis. O cientista cita estudos concluindo que três xícaras de chá diariamente podem reduzir o risco de doenças cardíacas em apenas 11%. Outras pesquisas, feitas em hospitais, demonstraram que 900 ml de chá preto por dia, durante quatro semanas, melhoraram a condição de pacientes com doenças coronarianas.
Assim, jogando com uma dieta mediterrânea, com muitos legumes, frutas, azeite, pouquíssima ou nenhuma fritura, chocolate e muitas das frutinhas citadas aqui e uma ou duas taças de vinho tinto por dia, podemos seguir adiante com mais saúde e por mais tempo.

21.11.06

Os esnobes do vinho

A maioria da crítica o chama de enochato. O esnobe do vinho leva com ele uma mancha negativa, tão negativa quanto a definição do Aurélio para a palavra: esnobe é quem pratica o esnobismo, por sua vez, a pessoa com “tendência a desprezar relações humildes, a aferir méritos pelas exterioridades, e, pois, a admirar e/ou respeitar exageradamente os que têm grande prestígio ou alta posição social. Esnobismo é um “exacerbado sentimento de superioridade”, uma “afetação de gosto e/ou admiração excessiva ao que está em voga”.
Os esnobes do vinho existem em diversas vestes, em várias subespécies e são fáceis de identificar. Num jantar, será ele quem vai contradizer a pessoa tida como a mais conhecedora de vinho na mesa. Ao cheirar o vinho, vai identificar não apenas a região e a vinícola, mas também o que o vinicultor decidiu no dia em que as uvas foram colhidas. Fala demais.
Uma outra subcategoria é representada pelo tipo acima que começa a vomitar jargão técnico. Toca a falar de “fermentação malolática”, “maceração carbônica”, “micro-oxigenação”, “pneumatage”, “batonage”, “pigeage”. É o tipo técnico.
Ao seu lado, desfila o colecionador: possui todas as grandes garrafas de todas as grandes safras. “Também tenho esse vinho” é o seu refrão. E suas regiões queridas são sempre Bordeaux e Borgonha. Conhece todos os chateaux e domaines, sem falar de seus donos e donas e de seus produtores como se os conhecesse desde criancinha. Não adianta visitá-lo em casa na esperança de provar algumas daquelas maravilhas. Só estarão “prontas” daqui há dez, vinte anos. Vão às lojas e procuram os vinhos mais caros, fazem o mesmo nos restaurantes. Entre eles, temos os endinheirados de verdade e os caloteiros.
A crítica Natalie MacLean ainda identificou mais uma subespécie: a do “maníaco por saúde”. Não gosta de vinho necessariamente, mas o consome como remédio. “Em vez de uma tabela de safra, carrega uma lista com o nível de resveratrol de vários vinhos. Recalculou sua expectativa de vida baseado num reduzido risco de ataque cardíaco, pois bebe uma taça e meia de vinho diariamente”. É o eno-hipocondríaco.
Mas esnobes e esnobismos são parte fundamental desse mundo, tanto quanto as formigas em piqueniques.
No dicionário Webster, snob é uma pessoa tida como “arrogante, desagradável; um indivíduo que se arroga méritos que não possui...”; “aquele que tem um ar de superioridade ofensivo, em matérias de conhecimento ou gosto”. Ou seja, o Webster está semelhante ao do Aurélio e da maioria das definições.
Contudo, o dicionário de Cambridge acrescenta uma qualidade na definição: esnobe é uma pessoa “dotada de altos padrões e que não está satisfeita com as coisas que as pessoas comuns gostam”. Se há uma desaprovação, por outro lado acrescenta uma explicação para o esnobismo: a insatisfação com os padrões adotados pela galera.
Se a amiga viu o filme Sideways (que não cansa de passar na televisão) notou que o personagem principal, Miles, é vidrado em vinho, mas não tem nada de esnobe: é um humilde professor, escreveu um cartapácio que os editores recusam, sua esposa o abandonou. Está duro, mas surrupia dinheiro da mãe para visitar vinícolas no Vale de Santa Ynez, na Califórnia. Viaja com um amigo, ator, que não entende nada de vinhos, apenas gosta de bebê-los, e tenta encontrar o melhor Pinot Noir que a terra pode oferecer.
Miles é um personagem inseguro, carente. Mas é vidrado em vinhos, está absolutamente apaixonado e sabe quase tudo sobre a bebida. É o que os americanos chamam de wine geek.
Tenho um amigo, o Eduardo Courreges, engenheiro, possui uma gráfica aqui na Washington Luis, e roda o novo Jornal do Brasil. Ele é capaz de passar todo um dia conversando a respeito de serifas e pontos e se uma letra em particular tem o formato correto para a sua fonte. O Eduardo, na sua especialidade, é um geek, palavra que até o Shakespeare usou e que em seu tempo tinha o significado de tolo, idiota. Mas que chegou ao século XXI associada a computadores e à internet designando “uma pessoa com um talento e um interesse por tecnologia e programação acima do normal”. Bill Gates e Paul Allen, os fundadores da Microsoft, são geeks em suas origens. Ainda muito jovens criaram um sistema operacional que puxou o tapete debaixo da então poderosa IBM e mudaram a face da informática em todo o planeta. Hoje os dois são apenas bilionários, que não dão jeito nas “windows” do meu computador. O sistema deveria ter mais “gates”.
Um wine geek, tal como um geek da informática é completamente consumido pelo seu campo de interesse, o vinho. Ele experimenta de tudo, quer saber tudo sobre vinhos, sem preconceitos. Prova vinhos secos e doces, brancos, tintos e rosados, vinhos do Velho e do Novo Mundo, degusta uvas pouco conhecidas, está sempre em busca de aventuras enológicas. Em português, ele seria um CDF (sabe, aquele menino chato, de óculos, que vive estudando, tira nota máxima em todas as matérias). Mas um CDF não necessariamente chato, quase sempre casual, que não se importa em saber o que vai comer para escolher o vinho. Ele primeiro escolhe o vinho e a harmonização pouco importa.
Mais uma vez os americanos têm uma expressão para definir o que nós, no começo da nossa conversa, chamamos de esnobe, no sentido negativo.
É o cork dork, mais ou menos, “o idiota da rolha”, uma pessoa tola e presunçosa – a respeito do vinho. É ele quem vai segurar a taça pela base. Não admite nem pega-la pela haste. Vai girá-la até a exaustão. Antes do colocar o nariz na taça fará um longo discurso sobre as supostas características do vinho que seque provou. Por fim, ao cheirar o vinho, anunciará o seu desapontamento com o aroma. O cork dork ama tudo o que é francês, os barris têm de ser de carvalho novo e os vinhos bem velhos (e sabemos que essas escolhas não são necessariamente as melhores). É capaz de, além de cheirar o vinho, escutá-lo também. Coloca os ouvidos na taça de champagne, pois afirma que, pelo som do borbulhar do espumante, consegue distinguir um Krug de um Roederer.
Esnobes, wine geeks, cork dorks, enochatos: eles podem ser maçantes por vezes. Mas sem eles saberíamos cada vez menos sobre o mundo dos vinhos e o que essa bebida pode nos oferecer.
Seja com comida, vinho, café, azeite etc. não há nada de errado em tentar dotar-se de altos padrões e desejar o melhor, o acima do comum. E acho que podemos continuar buscando esses “altos padrões” sem levantar nossos narizes e, ainda por cima, ajudar as pessoas a se aventurarem em experiências mais ousadas seja com o vinho, a comida, o café, roupas etc.
Amiga, você gosta de vinhos como uma wine geek ou cork dork? Para você, valem mais as definições do Aurélio e do Webster para esnobe e esnobismo no vinho? Ou você se encaixa mais nos altos padrões do verbete do dicionário de Cambridge?

16.11.06

O Nouveau e as panacéias

Já que esta coluna sai justo no dia do lançamento do Beaujolais Nouveau, oficialmente, a partir da meia-noite da terceira quinta-feira de novembro, em todo o mundo, vamos comentar a respeito. O Nouveau tem uma história bastante original: é uma uva, um vinho, uma região e seus vinicultores se promovendo às suas próprias custas.
Mas lembraremos também outros experimentos promocionais: como a de se promover à custa do vinho ou de vender-se um vinho via celebridades. O vinho é a panacéia da moda.
Beaujolais Nouveau. Poucos conseguem o sucesso de imagem e vendas desse vinho jovem. Ele não dependeu até hoje a não ser de sua humilde, mas resistente uva, a Gamay. E do esforço de centenas de vinicultores.
É uma senhora manobra de coordenação e marketing. Beaujolais fica ao sul da Borgonha (oficialmente é um distrito dela). A turma colhe rapidamente as uvas, Gamay, a fermentam e engarrafam seu suco de modo a que as 60 milhões de garrafas, esse ano, estejam nas lojas à meia-noite de hoje. Viajam de avião, trem, caminhão, cavalo, elefante etc. Um senhor exercício de coordenação, driblando diferentes fusos horários. Metade dessas garrafas fica na França, mesmo, e já vi parisienses tomar o primeiro gole logo no café da manhã. Lá, o comerciante que vender o nouveau antes do seu lançamento oficial é pesadamente multado.
A festa em torno do Nouveau começou na França logo depois da II Guerra e se espalhou para o resto do mundo a partir dos anos 80. Hoje chega a 150 países, pelo menos. As uvas são colhidas em setembro e o vinho fica pronto já nos primeiros dias de novembro. Um Bordeaux de classe leva pelo menos dois anos para chegar ao mercado depois das uvas colhidas. Um Barolo Riserva, uns cinco anos.
Mas atenção que não é o primeiro vinho do ano. Em outras partes do mundo, da Itália à Califórnia, em regiões da França como a Provence e o Languedoc, vinhos similares chegaram ao mercado antes do nouveau. Na Itália, temos os “novellos”, por exemplo, com uvas pouco conhecidas como a Teroldego e Lagrein. Isso sem contar com o hemisfério sul, onde a colheita é feita entre março e abril.
Não é também um vinho “cult” ou para colecionadores ou mesmo para contemplação. A pressa com que é feito compromete a sua profundidade. Mas quando a safra é boa, como dizem foi a desse ano (dizem isso sempre) e os frutos são colhidos bem maduros, o Nouveau é bem fresco e leve. E vem com muita fruta. Imagine: as uvas são jogadas, inteiras, num tanque inox onde injetam dióxido de carbono. A possibilidade de aromas e sabores de frutos, assim, é bem grande. Pense assim: se um Borgonha pode ser uma sonata de Beethoven, um Beaujolais chega a ser uma gostosa balada.
Brindo em particular à teimosia da uva Gamay. O Duque da Borgonha, um certo Felipe, ordenou em 1395 que essa uva fosse eliminada da região, pois a tinha como “daninha e desleal”, talvez pelo seu vigor rústico. Queria espaço para a Pinot Noir. Mas como um gato teimoso, a Gamay voltava sempre até que se transformou, nesse sucesso – comercial e didático, pois por ela muita gente começa a conhecer o mundo dos vinhos.
Falam que esse ano o vinho virá com fortes aromas de frutinhas vermelhas. Mas isso dependerá do produtor. O mais famoso é Georges Duboeuf, chamado “O Rei de Beaujolais”, que controla 10% de toda a sua produção. Experimente também os de Bouchard Aîné, Joseph Drouhin, Louis Jadot, Jaffelin, Mommessin e Rodet. Cuidado com os preços.
O vinho da Madonna. Ela se reinventa a cada dia. Canta, dança, escreve livros infantis, adota crianças africanas, 21 anos de vida profissional exemplar. E agora seu pai, Tony Ciccone(vinicultor desde 1995), vai lançar o “Vinho da Madonna”, diretamente do “Vinhedo Ciccone”, em Michigan, EUA. Será uma edição limitada, com garrafas assinadas pela cantora, dançarina, autora, supermãe, ao custo de 40 dólares a garrafa. “É o melhor vinho que Tony fez até hoje”, diz um amigo da família. Amigo mesmo.Foi o ótimo Sérgio Rodrigues, que assina as também imperdíveis colunas “A Palavra é” e e Todoprosa , quem deu a dica de um artigo de Ed Pilkington no inglês “Guardian”, e que levou à citação abaixo:
Se minha teoria estiver correta, é assustador porque sugere que as celebridades acreditam na publicidade em torno de suas habilidades. Pior, indica uma profundidade de obsessão pública com os famosos que é ainda mais extrema do que costumamos imaginar. Uma coisa é querer saber qual celebridade está dormindo com qual (…). Mas querer ouvir as mais íntimas histórias que uma celebridade conta para seus filhos na hora de dormir, independentemente de seu valor, beira o bizarro. (Leia aqui todo o artigo)
Kick Ass Red. Mike Dikta, famosíssimo ex-treinador de futebol americano (aquele em que a bola parece um zepelim, a porrada come solta e o juiz só apita quando 20 brutamontes do time A estão em cima do gorila do time B), ganhador do Super Ball, a Copa do Mundo deles lá, resolveu lançar um vinho. Claro que em parceria com um vinicultor da Califórnia.
Nome do vinho: Mike Ditka Kick Ass Red, que seria “Vinho Legal Mike Ditka Tinto”. Legal, de bárbaro, formidável etc. Mas, numa tradução mais ao pé da letra, Tinto Pé na Bunda de Mike Ditka. Fico pensando na qualidade ou no nível de álcool desse vinho, que já nos chega com um pé na bunda. E em como essa celebridade acredita em suas habilidades (só para lembrar o artigo do Guardian).
O vinho de Bond. Estou falando de Bond, James Bond. No seu próximo filme, James Bond, numa refilmagem de “Casino Royale”, vai beber um Premier Grand Cru Classe de St-Emilion, o Chateau Ângelus (parece que da safra de 1982), além do champagne Bollinger, desde Moonraker, (“007 Contra o Foguete da Morte”, de 1979) ligada ao 007. Tem sempre um Bond novo, como esse agora, Daniel Craig, também inglês. Mas os vinhos nos filmes do agente secreto costumam ser velhos, como esse Ângelus 82. As mulheres ele as consome jovens mesmo.
Não duvide que Bond, esse personagem ficcional que nos acompanha desde os anos 50 em livros e desde os 60 em filmes, ainda vende mais vinho que Madonna (e seu pai) e do técnico bundão. Mais do que muitas celebridades.
Vinhos podem dar prestígio. Mas só o Beaujolais Nouveau para conquistar essa imensidão de público, em todo o mundo, com a sua simplicidade, pouco status, leveza, às custas apenas de seus anônimos vinicultores e de sua Gamay.

11.11.06

O passarinho do seu Plínio

Na venda mais próxima, há cinco minutinhos daqui de casa, em Secretário, Petrópolis, o seu Plínio voltou a vender vinhos. Ele tem uma vendinha quebra-galhos: o pão vem de uma das melhores padarias da Serra, a Princesa de Bonsucesso (que, naturalmente, fica em Bonsucesso, entre Nogueira e Itaipava). E o resto compra do comércio local, de detergentes, dentifrícios, a arroz, feijão, açúcar, Melhoral etc.
E, agora, vinho. Apenas um rótulo, o Periquita, vendido a R$ 26,00, a garrafa de 750 ml. Não sei como ele conseguir logo o da safra 2004, muito elogiado pelos críticos. Também não sei como ele chegou à barganha dos 26 reais. Será que conseguiu da Diageo, distribuidora da marca? Antes, seu pai, vez por outra, punha um ou dois rótulos na prateleira, vinhos verdes, na maior parte. Passou o tempo, seu Plínio assumiu o negócio e os vinhos foram esquecidos. Por um pouco.
E o Periquita 2004 vem inaugurar esse novo tempo da nossa salvadora vendinha. Não é pouca coisa, não. É difícil pensar em outro vinho com tamanha garra. É a marca de vinho de mesa engarrafado mais antiga de Portugal, uma das mais antigas em todo o mundo. Existe há 153 anos e mantém o mesmo rótulo até hoje. Foi criado por José Maria da Fonseca, em Vila Nogueira do Azeitão, ao sul de Lisboa, a partir de uvas tintas Castelão Francês, que o homem trazia do Ribatejo, de uma propriedade que se chamava Cova da Periquita, na hoje Região Demarcada das Terras do Sado.
O 2004 leva 70% de Castelão, 20% de Trincadeira e 10% de Aragonês (a mesma espanhola Tempranillo). O vinho ficou tão famoso, tão querido em todo o mundo, que Periquita passou a sinônimo de Castelão. O caso é que, 153 safras depois, ele continua ótimo de beber: um vinho fácil, muita fruta, muito saboroso, muita personalidade. Ao primeiro gole, você vê Cabral, Caminha, Dom João VI, Eça, Fernando Pessoa, além do próprio seu Plínio. Um verdadeiro português. Sua origem logo se apresenta.
Perguntei a ele como conseguiu o 2004. Respondeu de modo vago: “amigos, amigos”. Perguntei se ia continua trazendo mais vinhos. Disse que ia depender das vendas. Imediatamente comprometi-me com uma caixa, desde que ele aceitasse dividir a conta em três. Aceitou vender apenas seis garrafas. Só tinha duas caixas de 12. Metade de uma caixa para ele, metade para mim e o restante para os demais fregueses.
Fui mais fundo. Quis saber se ele não ia aproveitar o tradicional barulho na mídia e trazer também o Beaujolais Nouveau, com lançamento mundial marcado, como sempre, para a terceira quinta-feira de novembro (dia 16 próximo). Seu Plínio pediu que eu soletrasse o nome do vinho francês. Depois o nome da uva, a Gamay. Expliquei que a cada ano ele tem um sabor diferente, uma surpresa buscada por seus admiradores. Mas seu Plínio disse que não arriscaria. “Ninguém aqui vai entender esse francês. Fico como o meu, que tem nome de passarinho”. Não se pode ver nada de errado na escolha de seu Plínio.

7.11.06

Liberdade para os glutões

Agora, sim. Podemos comer quantos doces quisermos, quantas batatas fritas e picanhas suando gordura desejarmos. Calorias e carboidratos que se danem! E isso graças a uma substância natural encontrada fartamente nos vinhos tintos, o já famoso resveratrol, um componente produzido pelas uvas, entre outras plantas e frutas.
Pelo menos, amigas, isso é o que demonstram pesquisadores da Escola Médica de Harvard e do Instituto Nacional Envelhecimento, ambos nos Estados Unidos. Eles publicaram os resultados de suas novíssimas pesquisas agora no início de novembro na revista Nature.
Segundo o trabalho desses cientistas, grandes doses diárias de resveratrol podem compensar dietas demasiadamente calóricas, em nada saudáveis, aquelas que promovem ou agravam o problema da obesidade em todo o mundo. E faz mais: mesmo com essa dieta e mesmo entre obesos, o tratamento com o fenólico pode prolongar nossas vidas, mais que entre magros que não consomem essa dieta de alta caloria.
Tudo isso se nós, humanos, respondermos ao resveratrol tal como camundongos de laboratório o fizeram. Pois é: primeiro experimentaram neles. Somos as próximas na fila.
O resveratrol é encontrado, entre outras frutas, em grandes quantidades nas cascas das uvas e, portanto, também no vinho tinto. Ele é tido como o responsável pelo chamado Paradoxo Francês, o intrigante fato que deixa o povo francês gozar de uma dieta gordurosa e sofrer menos com doenças cardiovasculares do que os americanos, por exemplo. Essa teoria foi exposta em 1992 na TV, no programa 60 Minutos e fez aumentar a procura pelo vinho tinto em todo o mundo de uma hora para outra.
Os pesquisadores alimentaram um grupo de camundongos com uma dieta na qual 60% das calorias se originavam de pura gordura. Esse regime começava quando os ratinhos, todos machos, atingiam um ano de idade, equivalente à nossa meia-idade.
Como era de se esperar, os camundongos desse grupo logo apresentaram sinais de diabetes, de fígados aumentados e acabavam morrendo muito mais cedo do que o grupo de ratinhos alimentados com uma dieta padrão.
Aí entra um terceiro grupo de ratinhos. Foram alimentados com dieta de muita gordura, tal como aconteceu com a primeira turma. Só que, além dessa alimentação, eles consumiam uma grande dose diária de resveratrol.
O resveratrol não impediu que ganhassem peso ou que ficassem gordos como barriquinhas, tal como os do primeiro grupo. Mas evitou os altos níveis de glicose e insulina na corrente sangüínea, sinais evidentes de diabetes. Além disso, os seus fígados mantiveram-se no seu tamanho normal.
Agora, o mais espantoso: o resveratrol fez com que os ratinhos desse ganhassem mais tempo de vida.
Eles morreram muitos meses depois do que os camundongos alimentados com muita gordura. E no mesmo período de tempo do que os ratinhos com a dieta padrão, saudável.
Ou seja: tiveram todos os prazeres desfrutados por um glutão, mas sem pagar com diabetes, doenças cardíacas etc.
Os pesquisadores tentaram também estimar o efeito do resveratrol na qualidade da vida física dos camundongos. Fizeram os ratinhos andarem no equivalente a uma espécie de esteira ergométrica. E a turma que consumia resveratrol saiu-se melhor na media em que envelhecia, terminando com o mesmo nível de potência física do que os que consumiam a dieta normal.
Os pesquisadores foram liderados por David Sinclair e Joseph Baur, na Escola Médica de Harvard, e por Rafael de Cabo, no Instituto Nacional de Envelhecimento.
Acham que, em princípio, o seu estudo mostra que o resveratrol, consumido “em doses apropriadas, pode reduzir muitas das conseqüências negativas do consumo excessivo de calorias e ainda melhorar a saúde e estender o tempo de vida dos humanos”.
A amiga está pensando em imediatamente aumentar a quantidade de taças de vinho tinto no seu dia-a-dia? Não é por aí, cuidado!
Os nossos simpáticos ratinhos consumiam uma pesada dose de resveratrol: 24 miligramas por quilo de peso.
O vinho tinto pode ter entre 1,5 a 3 miligramas de resveratrol por litro. Portanto, uma pessoa lá nos seus 70 quilos precisaria beber entre 1.500 a 3.000 garrafas de vinhos todos os dias para chegar à dose consumida pelos ratinhos.
Convenhamos, amigas, pode ser a quantidade de resveratrol ótima para estender a sua vida de glutona. Mas é álcool demais para qualquer pessoa, não é não? Você não vai viver a tempo nem para curtir aquela ressaca.
Existem empresas que vendem extratos de resveratrol. Uma delas é a Longevinex. Seus comprimidos, alega ela, podem conter de cinco a 15 taças de um bom vinho tinto. Saiba mais sobre ela aqui.
Fico intrigada é com o fato de que o Dr. Sinclair, figura principal nessa pesquisa, é também o fundador de uma empresa, a Sirtris Pharmaceuticals, responsável por desenvolver várias drogas que imitam a ação do resveratrol.
Seria melhor, pelo menos para a minha cabeça, que o grupo responsável pela pesquisa não tivesse qualquer tipo de relacionamento (em particular o comercial) com drogas que competem ou imitam o principal pesquisado: o resveratrol.
A Sirtris está testando uma dessas drogas, que seria uma versão melhorada do resveratrol, com o objetivo de verificar se ela ajuda a controlar os níveis de glicose em diabéticos. Um dos executivos da empresa diz que não acreditar que se possam alcançar níveis terapêuticos em humanos com o resveratrol comum.
Enfim, vamos esperar para ver. Enquanto isso, que tal uma tacinha de vinho? Ela vai valer pela bebida, pelo prazer que nos dará e não pela suposição de que é um remédio.