31.12.06

De poça em poça

Tentei comprar pão na vendinha do seu Plínio, aqui perto de casa, em Secretário. Mas era 1º de janeiro e feriado para todos, inclusive para seu Plínio. Na volta, de mãos abanando, busquei assunto para a coluna, pulando de poça em poça, pois a chuva não para.
Vinho e Tratamento de Beleza. Taí um bom assunto para o Bolsa. Duas repórteres americanas perguntaram a estrelas de cinema quais os seus segredos de beleza. E colocaram tudo num livro, The Black Book of Hollywood Beauty Secrets . E lá descobrimos que Teri Hatcher toma banho com vinho tinto. Fiquei chocada, desperdiçar essa boa bebida na banheira? Teri Hatcher, 42, é quem faz a confusa e divertida divorciada Susan Mayer no Desperate Housewives. Indicada para melhor atriz num Emmy e um Globo de Ouro, ela já foi a Kiki Tango no filme Tango & Cash, Lois Lane, na série Lois & Clark: The New Adventures of Superman, entre outros papéis.
Melhor não. Já andei falando da Caudalie, o famoso spa francês que utiliza vinhos e seus subprodutos (cremes, óleos etc.) e é freqüentado por famosíssimas estrelas de cinema. Dei o nome de algumas delas aqui e uma até botou advogado atrás da Soninha. Não deu em nada, pois nossa referência era legítima. Curioso: elas fazem tratamento mas não querem que ninguém saiba.
Diferente da Teri, que conta tudo o que faz para continuar linda. Mas gastar todo aquele vinho numa banheira, menina?
Fico com a Susan Sarandon. Para ela, a felicidade é a verdadeira arma da beleza.
Splash, pisei numa poça!
Château Al Qaeda. Quem sabe apelar para sensacionalismos? Agora mesmo, no Natal, a polícia peruana apreendeu em Chiclayo, ao norte de Lima, o Champagne Bin Laden.
Custava apenas um dólar a garrafa. Pensa o quê? Que o espumante foi retirado em razão do seu nome? Nada disso: seu fabricante é clandestino e sua venda ilegal. Além disso, a polícia suspeita que o produto pudesse até cegar seus consumidores. Tenho certeza que, se o vinho continuasse no mercado, os franceses iriam protestar pelo uso ilegal da palavra champagne.
O mundo dos vinhos pode cegar, sem dúvidas. Na Itália, o produtor Lunardelli, vende vinhos com fotos de Hitler, Mussolini, Stalin, entre outros, desde 1995. Fatura direitinho, legalmente. Um casal norte-americano ligado à área de entretenimento lançou o vinho Jesus Juice, “Suco de Jesus”. No rótulo, um Michael Jackson desnudo, apenas com uma tanga, fazendo as vezes de crucificado.
Splash, splash! Pronto, acabei de ensopar minhas botinhas, mais meias e pés. Amanhã, é a lama, é a lama. É pau, é pedra! Diacho, as águas de janeiro já estão fechando o meu verão e ainda não encontro um bom assunto para a coluna.
Tá todo o mundo fazendo. Quem sabe não falo do questionário que o site de vinhos do casal De Long está passando para os seus leitores? Na linha das aberrações do Champagne Bin Laden e dos vinhos do Lunnardeli, o site pergunta quais foram os vinhos mais “ultrajantes” de 2006. É um bom assunto, que vez por outra abordo aqui.
No mundo dos vinhos, além da batalha de egos, temos também a moda da permutação: cantores, atores, modelos, socialites, treinadores de futebol, todos fazem ou se ocupam com a bebida. É um troca-troca já conhecido: cantores atuam, atores cantam, esportistas assinam grifes etc. O vinho é apenas uma nova fronteira. Assim, temos o da Madonna, do Francis Ford Coppola e até o da atriz pornô Savanna Samson (seu vinho, o Sogno Uno, recebeu nota 91 do supercrítico norte-americano, Robert Parker).
O casal De Long submete os seguintes rótulos:
Diesel Farm Rosso di Rosso 1999 – criado pelo magnata dos jeans pra lá de caros, o italiano Renzo Rosso, fundador da Diesel. É produzido por Roberto Cipresso, o mesmo que faz o “Sogno Uno”, de Miss Samson. Custa US$ 225,00, em NY.
Royal DeMaria 2000 Chardonnay Icewine. É feito pelo agora ex-cabeleireiro, Jospeh DeMaria, no Canadá. Custa hoje US$ 30 mil. Porém, perto da última unidade, DeMaria promete que seu preço chegará a US$ 500 mil por uma garrafa de 375 ml. O mais caro icewine “normal” (nota 100 de Robert Parker) é o Hermann Donnhof Riesling Eiswein Oberhauser Brucke 2001: US$ 250,00.
Gold – é um Chardonnay com a garrafa carregada de “flocos” de ouro 24 quilates, numa nova criação do vinhateiro americano Jackson Woodbridge, de Napa. O rótulo fala de líderes tribais, reis, lendas, batalhas, mistérios etc. – mas nada indica a safra, nem a região. Apenas que é feito na Austrália. Vende por 30 dólares. Nem tudo que reluz...
Mike Ditka Kick Ass Red. Já falei dele aqui: Mike Dikta, um famoso ex-treinador de futebol americano (aquele em que a bola parece um zepelim), ganhador do Super Ball, a Copa do Mundo deles, também lançou seu vinho. Claro que em parceria com um vinicultor da Califórnia. Seu nome poderia ser “Vinho Legal Tinto de Mike Ditka”. Ou, ao pé da letra, “Tinto Pé na Bunda de Mike Ditka”. Um pé na bunda e você ainda paga 50 dólares.
E tem mais o Kiss This, que comemora os 30 anos da banda de rock “Kiss”. É produzido pela americana Celebrity Cellars – que tem vinhos dedicados a Madonna, Pink Floyd, Rolling Stones etc. Cada beijo custa US$ 100,00.
Eu acrescentaria o espumante austríaco Kattus Hochriegel 2004, cuja garrafa vem adornada com 49 diamantes, e custa US$ 13.200,00. Um joalheiro vienense levou 38 horas para colar os diamantes na garrafa, que será vendida num leilão, no próximo dia 22.
Vinhos? Tá todo mundo fazendo. Melhor assoviar o Let’s do it, de Cole Porter. Ou Façamos, na comportada versão do Chico Buarque.
Enfim, cheguei em casa, completamente encharcada. Depois dos splashes, os atchins vêm aí, sem dúvidas.
Desejo às amigas entradas bem melhores que as minhas. Se tiverem sugestões para a coluna, por favor cliquem aqui para o Bolsa ou para a Soninha no soniamelier@terra.com.br

27.12.06

Não é água, não

Pensei que estava dançando até que alguém pisou na minha mão. Pois é, com muito álcool você vai dançar, de alguma maneira. O Natal na minha casa é pelo menos seis ou sete vezes melhor do que em qualquer outro lugar. Enquanto a maioria vê apenas um Papai Noel, vemos sempre seis ou sete. W. C. Fields (1880 - 1946), o famoso ator cômico e bebum.
O álcool está entre nós há milhares de anos. Não tem cheiro, cor ou sabor. E é venenoso, com exceção do etílico – tolerável em pequenas quantidades. O problema está nessas pequenas quantidades. Quando consumido, ele passa do nosso estômago para o trato digestivo de onde entra na corrente sangüínea, minutos após o ser bebido. Boa parte (90%) é absorvido em uma hora. Viaja por toda a parte de nosso corpo, especialmente o cérebro, o fígado e os rins. Já na corrente sangüínea, o fígado começa a eliminá-lo através dos rins. Uma pequena quantidade sai via nossa respiração, lágrimas, saliva e transpiração. Mas remédio algum vai ajudar a eliminá-lo mais rapidamente.
Quando você acha que o seu trabalho está interferindo com a sua bebida, quando você não consegue chegar até o fim dessa coluna, dorme e se cobre com o jornal, cuidado.
O álcool é um sedativo do nosso sistema nervoso central. Quanto mais bebemos maiores serão esses efeitos sedativos. Tudo vai depender de quanto bebemos, da rapidez com que bebemos e de nosso tamanho e quantidade de gordura.
Se não fosse pela azeitona de seu Martini, você morreria de fome? Com um ou dois drinques, ficaremos mais à vontade socialmente. Em quantidades ainda maiores, nossas funções mentais vão desacelerar, perderemos a memória, o poder de julgamento, a coordenação motora, teremos a fala enrolada, a visão turva, náuseas, vômitos e eventualmente até a morte.
Você acordou sentindo-se estranho porque não percebeu que não tinha ficado de ressaca?
A ressaca é causada por desidratação. O álcool é diurético e aumenta a saída de líquidos do nosso corpo, que fica seco e nos faz mais sedentos. Bebidas escuras (vinho tinto, uísque, conhaque) têm mais congêneres (subprodutos da fermentação), que contribuem para as piores ressacas. Se beber muito e rápido, maior será a quantidade de álcool no sangue e maiores os seus efeitos tóxicos no cérebro e a irritação em nosso estômago. Daí que beber de estômago cheio, bem forrado, vai ajudar a reduzir a taxa de absorção do álcool.
Seus amigos acham que você "fica estranho" sempre que o encontram sóbrio? Para cada drinque, um copo d’água. Sempre acompanhe a bebida com algo para comer. Beba devagar. Dilua seus drinques. Não misture bebidas. Antes de ir para cama beba pelos menos uns três copos d’água. E Feliz 2007. Você não sabe se fui eu ou você que disse isso?

26.12.06

Milhões de bolhinhas para você

Sabe mesmo qual a diferença entre Cava, Prosecco, Sekt e Crémant? Prefere seu Champagne brut, sec ou demi-sec?
Já que vamos brindar o 2007 daqui a pouco e quase que certamente com um espumante seria interessante falarmos um pouco mais sobre essa maravilhosa bebida.
Aquele monge. Claro que você já ouviu falar em Dom Perignon, um monge beneditino francês do século XVII tido como o “inventor” do champagne. Acontece que os espumantes já existiam muito antes do monge. O que ele fez foi melhorar muitos dos procedimentos utilizados na produção desse famoso espumante. Ele chefiava as adegas da Abadia de Hautvillers, em Epernay (região de Champagne). Aplicou suas idéias de colher as uvas seletivamente, durante um período de dias e não todas de uma vez; e também de misturar vinhos de diferentes variedades e vinhedos. Seus métodos são seguidos até hoje pela casa Moêt & Chandon (seu vinho principal tem seu nome) e por outras.
Mas de onde? Todo o Champagne é espumante. Mas nem todos os espumantes são champagne. O nome champagne pertence por tradição e direito aos espumantes feitos numa região do nordeste da França centrada em torno da cidade de Reims, bem perto de Paris. É uma área mais fria, as uvas são colhidas menos maduras e mais ácidas.
O nome Champagne, inclusive, foi protegido pelo Tratado de Versalhes, que deu fim à 1ª. Guerra Mundial. Só que os Estados Unidos já eram o que são hoje: não honraram o Acordo de Kyoto, sobre o meio ambiente, como não assinaram oficialmente o Tratado de Versalhes. Daí que muitos produtores americanos chamam o seu espumante de champagne – uma prática que a União Européia muito recentemente conseguiu abolir (é o que declaram).
A região de Champagne produz quase que 10% de todos os espumantes do mundo. Os borbulhantes franceses produzidos fora dessa região são chamados de crémant. Portanto, crémant du Jura, crémant d’Alsace, crémant de Bordeaux são Appellation d’Origine Contrôlée para suas respectivas regiões.
Nos Estados Unidos, os espumantes se originam principalmente da Califórnia e de Nova York e são produzidos (inclusive por muitas casas francesas) a partir de uvas colhidas mais maduras e, por isso, resultam mais frutados.
A Espanha é a terra dos deliciosos Cava, produzidos em sua maioria na região de Penedés, ao sudoeste de Barcelona. São produzidos pelo mesmo método de Champagne: uma segunda fermentação dentro da garrafa.
Na Itália, o nome é Spumante. Se for feito com a uva moscatel é chamado de Asti. O norte do país produz uma penca deles: o doce Asti, o seco Franciacorta e o frutado e nosso muito conhecido Prosecco.
Na Alemanha são chamados de Sekt, na maioria das vezes originários dos Vales do Reno e do Mosel. Temos Sekts feitos pelo mesmo método de Champagne ou pelo sistema do tanque (método Charmat). O alemão é o maior consumidor de espumante do mundo. Sekt é uma redução popular que substitui o “caminhão” Qualitätschaumwein-(“vinho espumante de qualidade”). Em vez de você pedir: “Me dá um Qualitätschaumwein”, pede um Sekt. Bem melhor, né?
Temos ainda a Austrália, com o Hot-Red (que tem uma cor rubi), feito com a uva Shiraz.Agora, você não pode esquecer dos nossos espumantes. Esse ano vou provar um prosecco da Casa Perini, feito em Garibaldi, RS. Confio muito nessa produtora, cuja enóloga, Vanessa Stefani, foi jurada (a convite da Associação Brasileira de Enologia) no VI Concurso La Mujer Elige, realizado em Mendonza na Argentina, em outubro. Considere alguns dos mais premiados nesse concurso. Veja aqui.
Por falar em uvas. Já viu que os espumantes se utilizam de diferentes uvas.
Quando no rótulo de um champagne você encontrar a palavra Cuvée, ela se refere a um “blend”, a uma mistura de vinhos. Em Champagne, as grandes produtoras criam os seus estilos exclusivos misturando vários vinhos antes de chegar ao produto final, ou seja: produzindo uma segunda fermentação dentro da garrafa, o chamado Méthode Champenoise. Cuvée deriva de cuve, tanque, denotando “o conteúdo de um tanque”.
Fora de Champagne, cuvée é também utilizado para vinhos parados (sem borbulhas). Pode significar vinhos com uvas de diferentes vinhedos, ou mesmo uvas de variedades diferentes.
Em Champagne, na grande maioria das vezes, temos um cuvée de três uvas: Pinot Noir (que dá corpo e estrutura ao vinho); Chardonnay (frescor e delicadeza) e Pinot Meunier (aromas de flores e de frutas).
Fora dessa região outras uvas são utilizadas, como vimos acima.
Os estilos. São três: o Blanc de Noir (Brancos de Pretos). As cascas da uva tinta Pinot Noir são prensadas de modo a ficar pouco tempo em contato com o suco – e daí não impregna-lo com a sua cor. O resultado, claro, é um vinho branco feito com uma uva preta.
Blanc de blanc: um branco de branca – que apenas utiliza a Chardonnay, uma uva branca e de cascas brancas.
Por fim, temos o Rosé: um vinho rosado feito com a adição de vinho tinto ao branco. Ou deixando-s as cascas da uva tinta um tempo maior em contato com o suco branco.
Os métodos. O segredo é prender as famosas bolinhas dentro da garrafa. Elas são formadas pelo dióxido de carbono, o gás resultante da fermentação. Para isso, os produtores se utilizam de dois recursos.
O histórico, muito trabalhoso, que implica numa segunda fermentação na garrafa, é chamado de Méthode Champenoise, Classique ou Traditionelle. O suco das uvas fermenta em tanques de aço inoxidável por duas ou três semanas. Em seguida é misturado com açúcar e fermento (chamado liqueur de tirage) e colocado em sua garrafa com uma tampa metálica. A segunda fermentação, que vai acontecer de um a três anos, captura as famosas bolhas na garrafa.
Quando finalmente esse sedimento é retirado, rapidamente o produtor coloca uma dose de açúcar na garrafa e só então a garrafa é arrolhada. É essa dosagem de açúcar (chamada de açúcar residual) que vai decidir pelas várias categorias da bebida, a partir da sua doçura.
Veja abaixo, tal como o Oxford Companion to Wine nos ensina (o que temos aí são gramas de açúcar residual por litro):
Brut nature: 3 gramas de açúcar;
Extra brut: 6 gramas;
Brut: 15 gramas;
Extra sec (extra seco): 12 a 20 gramas;
Sec (seco): 17 a 30 gramas;
Demi-sec (meio seco): 33 a 50 gramas;
Doux (doce): 50 gramas.

Como vê, amiga, demi confuso, não?
Já o método Charmat (nome do francês que o patenteou) é mais econômico e rápido. O vinho é submetido a uma segunda fermentação em tanques de aço e engarrafado sob pressão.
Para entender os rótulos. A maioria dos espumantes (isso vale particularmente para os de Champagne) não traz o ano da safra nos rótulos. São os NV (Non-vintage), pois dentro da garrafa temos uma mistura de vinhos de safras diferentes. Muitos NV são misturas de 30 ou 40 diferentes vinhos.
Mas quando no rótulo temos o registro do ano, o Champagne é Vintage, significando que aquele ano em particular resultou em uvas espetaculares. E o espumante é feito apenas com as uvas daquela safra.
Um Champagne Non Vintage reflete o estilo do produtor, enquanto o Vintage espelha o ano.
Cuvée, já vimos, é o termo francês para mistura, “blend”. A expressão Prestige cuvée significa que o produtor usou as melhores uvas de uma determinada safra: é um espumante de longa vida e normalmente custa mais.
Por falar nisso, os mais caros espumantes são os que têm as menores bolhinhas, cerca de 50 milhões delas, presas dentro da garrafa sob um pressão de 90 libras (o pneu de um carro médio leva umas libras). O que explica porque os vidros e as rolhas das garrafas de espumantes são mais grossos dos que os das demais garrafas.
Mas os espumantes não precisam amadurecer, ficar algum tempo na adega antes de serem consumidos. São vendidos prontos para beber.
Devem ser bebidos em torno dos 8º C. E abertos assim: segure a rolha com o seu polegar e uma toalha. Vagarosamente, gire a garrafa (e não a rolha). Não deixe a rolha se ejetada. É perigoso. Quanto mais silenciosa é sua retirada mais perfeito e elegante foi o seu trabalho.
E, pronto, dê vivas ao ano novo que chega. Ou a qualquer coisa que você ache que vale a pena brindar. Até mesmo o espumante que você escolheu. Você e todas as minhas amigas merecem.

19.12.06

Evite as tarântulas

Já planejou o que vai servir na ceia de Natal? Já sabe que vinho ou vinhos deverão ser oferecidos para combinar com os acepipes?
Olhe, já li sobre como combinar vinhos e insetos! Pensa que foi algo ligado a treinamento de boinas verdes? Nada disso: o redator da revista especializada Wine Spectator, Nick Fauchald, relata uma experiência sua em 2004, quando até gostou de escorpião bem torradinho com Sauvignon Blanc. “Nada mau”, confessou. Ah, teve também uma tarântula que foi bem com um Chardonnay amanteigado. “Combinam muito bem!”, revela o herói. Pois ainda temos grilos com Pinot Noir. Eu estaria dependurada no lustre da sala, berrando por socorro, pedindo um copo de Listerine, pelo amor de Deus. Isso é matéria para os enochatos. “Ontem, comi uma centopéia com Cabernet, não qualquer um, mas um vero Bordeaux; a bichinha perfeitamente tostada. Experiência única, imperdível”. Fala de boca cheia e eu com ânsias de vômito. Veja aqui.
Alguns princípios. Tiro da frente a idéia de que combinar comidas e vinhos seja uma ciência misteriosa. Ela é até muito simples, basta que não paremos de experimentar – e de nos divertir. O que está abaixo vem de experiências pessoais, em casa e em restaurantes. Nessas experiências procurei repetir dicas de críticos e selecionei as que para mim deram mais certo. Entre esses críticos figuram: o inglês Jamie Goode e o jornalista Craig Schweickert (que escreve eventualmente para o site Wine LoversPage.com). Alguns princípios foram seguidos:
Tintos com carne vermelha, brancos com carne branca. Claro que você já ouviu isso centenas de vezes. Mas esse velho princípio funciona bem quando você tem um vinho tinto jovem, com muitos taninos, que vai suplantar um prato delicado de carne branca, um simples peixe, por exemplo. Ao mesmo tempo, um vinho branco, bem fresco e delicado, como o Viognier, vai sumir perto de um suculento rosbife.
Mas temos as exceções. Uma galinha assada não deixa de ser carne branca, mas em termos de paladar, presença e potência, funciona como carne vermelha. Logo, o melhor é optar por um tinto para acompanhá-la. O mesmo acontece com peixes de grande presença como o salmão.
Essas exceções acontecem também com o divórcio entre vinhos e comidas na gastronomia atual. Temos vinhos cada vez mais alcoólicos, potentes, “bombas de fruta”, incompatíveis com comidas. Por outro lado, a cozinha da moda ficou muito eclética. São mais ingredientes por prato, com grande participação de itens orientais, entre molhos e especiarias. É a tal da fusion. São cada vez mais pratos por refeição. Fica complicado (e caro) escolher apenas uma garrafa por refeição.
Iguais com iguais. Procure um vinho com sabores e aromas que lembrem os sabores e aromas de sua entrada. Se ele é ligeiramente doce, por exemplo, tente um vinho que tenha essas características. Não, ele não deve ser necessariamente um vinho de sobremesa, cuja doçura pode matar a sua entrada. Pode ser, por exemplo, um bom Chardonnay do Novo Mundo (quando acompanhando uma rica lagosta).
Os opostos se atraem. Aqui, colocamos a regra anterior de cabeça para baixo. Assim, um vinho ácido como o Sauvignon Blanc (do Loire) pode se dar bem com um peixe rico, de carne gorda, oleoso, como a anchova (não a de lata) ou a cavala.
Beba o que quiser. Agora, se você quiser beber o seu vinho branco preferido com aquele bife mal passado, ótimo! O privilégio é todo seu e não vai ter esnobe para dizer que você está errada. Cada um com a sua experiência e preferência. Revelo agora algumas dessas preferências – minhas, naturalmente.
Carne de Porco. Para mim, fica melhor com brancos bem ricos, como a maioria dos Chardonnays e Pinots Blanc. Um alsaciano com a uva Riesling ou Gewürztraminer: os dois também funcionaram (embora me custassem caro). E até mesmo um Pinot Noir e um Beaujolais Villages assentaram bem. Isso vale para carne de porco, bem como galinha e vitela.
Presunto. Difícil faltar um Tender na mesa natalina. Mas não é muito fácil achar um vinho para combinar com ele, que é muito salgado, sabor muito presente, que ainda por cima costuma vir temperado por cravos e calda de damasco. Procuro vinhos que não briguem com ele, como um Beaujolais, um Pinot Noir saboroso, mas discreto. Se optar por brancos, fico com Riesling ou Chenin Blanc.
Peru. Também não é muito simples escolher um vinho para ele, que oferece tanto carnes brancas como escuras. ambas um tanto oleosas, nem sempre muito amigas de vinhos secos. Minhas escolhas aqui são as mesmas para o Tender: Beaujolais se quiser beber com um tinto. E Riesling e Chenin Blanc caso prefira os brancos.
Bacalhau. Não sei qual das 365 receitas de bacalhau você vai utilizar. Mas, mesmo em Portugal, há um time enorme de gente que prefere o prato com um refrescante vinho verde (que dribla muito bem o sal que costuma ser abundante em qualquer uma das receitas do peixe). Ou um tinto até encorpado. E é fácil conseguir esses vinhos.
Na venda mais próxima aqui de casa, bem pertinho, seu Plínio voltou a vender vinho. Começou com o Periquita 2004 (tinha só uma caixa; seis garrafas ficaram comigo: o 2004 acabou logo e hoje só tem o 2003). Depois, teve uma recaída e passou a oferecer o “Nossa Ceia” (um “Cooler de vinho tinto e suco de uva”, diz o rótulo) que seu Plínio comprou aos montes e vende por R$ 4,50. Mas em seguida, como bom português, comprou o que classifiquei de “Seleção do Mandrake”: além do Periquita, o verde Acácio, o Porca de Murça (o branco e o tinto, da Real Companhia Velha, da região do Douro) e um Dão Terras Altas.
O Mandrake é o personagem principal do ótimo “A Grande Arte”, de Rubem Fonseca. Esse advogado mulherengo bebe vinho sempre que pode – e de preferência os portugueses. Seu Plínio não sabe, mas todos esses são consumidos no livro. Menos o tal do “Nossa Ceia”. E do Acácio ao Terras Altas todos vão bem com bacalhau.
Saladas. Em qualquer dia, inclusive no Natal e Ano Bom, temos saladas lá em casa. Ideal para o calorão. Mas todo mundo sabe que vinagre é um inimigo natural do vinho. Eu raramente tempero minhas saladas com vinagre: uso azeite e sal – no máximo uma ou duas gotinhas de limão. A solução é não tomar vinho durante a salada. Ou criar uma mais amistosa com os vinhos. Por exemplo, a “Caesar Salad”, que leva alface, azeite, pão francês, alho, filés de anchova, um tantinho de mostarda, um tantinho de suco de limão, um pouquinho de pimenta do reino, sal, gemas de ovo, queijo parmesão. Nada de vinagres ou molhos vinagretes. Com esse tipo de salada, a minha escolha é a de um vinho rosado – da Provence ou, mais baratos, alguns da Argentina, com a uva Malbec (mas preste atenção para o volume de álcool: nada que ultrapasse os 13%).
Agora, um bom espumante, dos Champagnes, às cavas, os premiados nacionais – todos eles suportam bem acompanhar todos esses pratos. E podem até fazer par com suas sobremesas – desde que estas não sejam aquele banho de açúcar e chocolate.
Boas Festas, amigas. Evitem as tarântulas e fiquem com os vinhos.

12.12.06

Festas à brasileira

Não entenderia alguém não gostar de receber uma garrafa de vinho cuidadosamente escolhida. Também passo ao largo das questões de etiqueta: o vinho presenteado deve ser servido logo ou o pode ser guardado para uma outra ocasião? A craquérrima Jancis Robinson, inglesa crítica de vinho, Master of Wine etc. e tal, fala de sua experiência: Se alguém me traz um vinho branco ou um espumante, já resfriados, ou um tinto já decantado, entendo que o presenteador espera que o seu vinho seja bebido na ocasião. Já se o convidado coloca a garrafa de lado, sem comentários, você não está obrigada a abri-la. Contudo, a anfitriã perfeita iria desembrulhá-lo, agradecer e perguntar se o seu convidado gostaria de degustá-lo...
Mas o que comprar? As ofertas são tantas, tão variadas que esse é o menor dos problemas. Você estabelece os seus limites: por preço ou por algum diferencial: garrafas assimétricas, com rótulos intrigantes, vinhos com uvas deferentes ou de regiões poucos conhecidas. Ou que pretendam uma redefinição nos hábitos de beber vinhos.
Esse é o caso, por exemplo, do novíssimo Shuttle, uma garrafinha de 187 mililitros que tem como tampa uma taça (também de plástico). Basta girar, virar todo o vinho na taça e pronto. É um lançamento da australiana Hardy Wine Company, no momento em teste apenas no país. Mas se você estiver nadando em dinheiro, quase se afogando nele, pode também tentar comprar uma garrafa (na verdade, meia-garrafa, 375 ml) do canadense Royal DeMaria Chardonnay Icewine, que vai custar 330 mil euros ou meio milhão de dólares.
Pode ainda escolher Champagne – sempre apreciada. Se quiser gastar dinheiro, e achar que a pessoa a ser presenteada é daquelas que bebe o produto francês desde criancinha, tente as Bollinguer, Louis Roederer, Cristal ou as mais caras ainda Krug e Dom Pérignon.
Quais as minhas escolhas? Repito o que venho pregando há tempos: minha grana é curta e o produto nacional melhorou substancialmente. E não apenas os já consagrados espumantes da Serra Gaúcha, mas também tintos e brancos.
Agora mesmo acabo de receber nota informando que nossos vinhos conquistaram 69 medalhas (sendo duas Grande Ouro, 59 de Ouro e oito de Prata) no 3º Concurso Internacional de Vinhos do Brasil, promovido pela Associação Brasileira de Enologia. 420 vinhos de 13 países foram inscritos e 125 receberam medalhas.
Recebemos mais da metade dos prêmios. O júri foi formado por 42 especialistas de oito países, que analisaram vinhos da África do Sul, Alemanha, Argentina, Austrália, Brasil, Chile, Espanha, França, Itália, México, Nova Zelândia, Portugal e Uruguai. O evento acaba de acontecer em Bento Gonçalves, RS, e os premiados brasileiros estão abaixo:
Cavalleri Cabernet Sauvignon (Adega Cavalleri Ltda.) - PRATA
Adega Chesini Gran Vin Cabernet Sauvignon (Adega Chesini) - OURO
Boscato Reserva Merlot (Boscato Indústria Vinícola Ltda.) - OURO
Boscato Gran Reserva Cabernet Sauvignon (Boscato Indústria Vinícola Ltda.) - OURO
Boscato Gran Reserva Cabernet Sauvignon (Boscato Indústria Vinícola Ltda.) - OURO
Calza Cabernet Sauvignon (Calza Júnior Ind. e Com. de Vinhos) - PRATA
Fabian Reserva Merlot (Cantina de Vinhos Fabian Ltda.) – PRATA
Casa Valduga Espumante Brut 130 Anos (Casa Valduga Vinhos Finos Ltda.) - OURO
Casa Valduga Espumante Brut Premium (Casa Valduga Vinhos Finos Ltda.) - OURO
Casa Valduga Cabernet Sauvignon Premium (Casa Valduga Vinhos Finos Ltda.) - OURO
Casa Valduga Duetto Cabernet Sauvignon / Merlot (Casa Valduga Vinhos Finos Ltda.) - OURO
Casa Valduga Identidade Arinarnoa (Casa Valduga Vinhos Finos Ltda.) - OURO
Casa Valduga Gran Reserva Cabernet Sauvignon (Casa Valduga Vinhos Finos Ltda.) – PRATA
Família Piagentini Espumante Moscatel (Cia Piagentini de Bebidas e Alimentos) – OURO
Família Piagentini Prosecco Espumante Brut (Cia Piagentini de Bebidas e Alimentos) – OURO
Décima Gran Reserva Vinho Tinto (Cia Piagentini de Bebidas e Alimentos) – OURO
Aurora Espumante Brut (Cooperativa Vinícola Aurora Ltda) – OURO
Conde de Foucauld Espumante Brut (Cooperativa Vinícola Aurora Ltda) – OURO
Aurora Reserva Chardonnay (Cooperativa Vinícola Aurora Ltda) – PRATA
Garibaldi Chardonnay Espumante Brut (Cooperativa Vinícola Garibaldi Ltda) - OURO
Garibaldi Prosecco Espumante Brut (Cooperativa Vinícola Garibaldi Ltda) - OURO
Castellamare Chardonnay Espumante Brut (Cooperativa Vinícola São João Ltda) - OURO
Aliança Espumante Moscatel (Cooperativa Viti-Vinícola Aliança Ltda.) - OURO
Aliança Varietal Chardonnay (Cooperativa Viti-Vinícola Aliança Ltda.) - OURO
Dal Pizzol Tannat (Dal Pizzol Vinhos Finos) – GRANDE OURO
Dal Pizzol Espumante Brut (Dal Pizzol Vinhos Finos) - OURO
Dal Pizzol Espumante Brut Charmat (Dal Pizzol Vinhos Finos) - OURO
Estrela do Brasil Prosecco Espumante Brut (Estrelas do Brasil Com. e Ind. de Vinhos) - OURO
Estrelas do Brasil Espumante Brut (Estrelas do Brasil Com. e Ind. de Vinhos) - OURO
Dall Agnol Superiore Vinho Tinto (Estrelas do Brasil Com. e Ind. de Vinhos) - OURO
Terranova Shiraz (Fazenda Ouro Verde Ltda.) – OURO
Miolo Fortaleza do Seival Tempranillo (Fortaleza do Seival Vineyards) - OURO
Fortaleza do Seival Sauvignon Blanc (Fortaleza do Seival Vineyards) - OURO
Mistela Reggio di Castela Moscato Giallo (Irmãos Molon Ltda.) - OURO
Il Vino Venerabile Cabernet Sauvignon (Sakura Nakaia Alimentos) - PRATA
Panizzon Espumante Moscatel (Sociedade de Bebidas Panizzon Ltda) - OURO
Panizzon Prosecco Espumante Brut (Sociedade de Bebidas Panizzon Ltda) - OURO
Panizzon Moscato Giallo (Sociedade de Bebidas Panizzon Ltda) - OURO
Terrasul Espumante Moscatel (Terrasul Vinhos Finos Ltda) - OURO
Cave Antiga Espumante Moscatel (Vinhos Finos Velha Cantina Ltda) - OURO
Cave Antiga Gran Reserva Cabernet Sauvignon (Vinhos Finos Velha Cantina Ltda) - OURO
Valdemiz Reserva Touriga Nacional (Vinhos Monte Reale Ltda) – OURO
Rendeiras Cabernet Sauvignon / Syrah (Vinibrasil) - PRATA
Luiz Argenta Espumante Moscatel (Vinícola Argenta Ltda.) - OURO
Luiz Argenta Cuveé (Vinícola Argenta Ltda.) - OURO
Amadeu Espumante Brut (Vinícola Cave de Amadeu Ltda) - OURO
Cordelier Espumante Moscatel (Vinícola Cordelier Ltda) - OURO
Granja União Espumante Brut (Vinícola Cordelier Ltda) - OURO
Cordelier Reserva Cabernet Sauvignon (Vinícola Cordelier Ltda) - OURO
Cordelier Reserva Merlot (Vinícola Cordelier Ltda) - OURO
Courmayeur Espumante Demi-Sec (Vinícola Courmayeur Ltda) - OURO
DC Merlot Dom Cândido (Vinícola Dom Cândido Ltda) - OURO
Don Abel Merlot (Vinícola Don Abel Ltda) - OURO
Gheller Cabernet Sauvignon (Vinícola Gheller Ltda.) - OURO
Giacomin Espumante Moscatel (Vinícola Giacomin Ltda) - OURO
Quinta do Jubair Chardonnay (Vinícola Góes e Venturini Ltda) - OURO
Miolo Espumante Brut (Vinícola Miolo Ltda.) - OURO
Miolo Reserva Chardonnay (Vinícola Miolo Ltda.) - OURO
Miolo Reserva Merlot (Vinícola Miolo Ltda.) - PRATA
Casa Pedrucci Millesime Espumante Brut (Vinícola Pedrucci Ltda) - OURO
Casa Perini Espumante Moscatel (Vinícola Perini Ltda) - OURO
Casa Perini Marselan (Vinícola Perini Ltda) - OURO
Casa Perini Ancellotta (Vinícola Perini Ltda) – OURO
Fino Peterlongo Espumante Demi-Sec (Vinícola Peterlongo S.A.) – GRANDE OURO
Armando Peterlongo Espumante Brut (Vinícola Peterlongo S.A.) - OURO
Salton Espumante Brut (Vinícola Salton) - OURO
Salton Espumante Moscatel (Vinícola Salton) - OURO
Salton Volpi Merlot (Vinícola Salton) - OURO
Salton Volpi Chardonnay (Vinícola Salton) – OURO

Pronto, a sua lista de vinhos está pronta. Pode presentear ou dar uma festa prestigiando a premiada produção nacional. São comprovadas delícias, fáceis de encontrar e com preços pra lá de competitivos.

5.12.06

Você está descrevendo quem?

Eis a série de sabores que o imperador do vinho Robert Parker descobriu em algumas garrafas que degustou (num artigo para “Executive Life”, de 4 de setembro): flores, passas, ameixa, figo, incenso, temperos asiáticos, cedro, ervas secas, creme de cassis, alcaçuz, grafite, azeitonas pretas, cenouras pretas (uma especialidade originária da Turquia: nota minha), amora-preta, fumaça (ou fumo), tempero de churrasco, tapenade (pasta de azeitonas, uma especialidade da Provence), acácia, carne assada, “pain grille” (como o francês chama a sua simples torrada).
Aprendemos muito no uso de caracterização criativa com os críticos de vinho. Recomendo lê-los, principalmente para quem estiver interessado em escrever ficção.
Ao descrever um Châteauneuf-du-Pape La Reine des Bois 2004, o crítico lascou: Uma usina de força para a sua idade ... maravilhosamente equilibrado apesar do seu peso. Tá falando de vinho ou de um velho? Sobre um Finca Mirador, Mendoza 2004: Adorável, mas requer paciência. A moça não deu no primeiro encontro? Paciência. Sobre uma garrafa do Rio Negro 2004, também de Mendoza: Encantadora, densa ... seu paladar continua a nos prender a atenção graças à sua excelente acidez. Está falando da futura esposa? Suculenta, profunda, camada por camada formando um todo coerente. Tem um tremendo estilo, intensidade e longa vida pela frente. É uma “femme fatale” ou o Shiraz Barrossa Valley 2002?
Um Malbec Alfa Crux 2003, do Vale do Uco, tem um estilo floreado, com bastante torrada e bacon, sem perder o foco. Ótimo na boca. Se fosse um homem, mudaria de calçada.
Nossa boca apenas transmite o doce, o salgado, o amargo, o ácido e o novo e misterioso umami. Sabores mais complexos, até mesmo o de uma simples maçã, é na maioria das vezes aroma. Não sabemos ainda quantos componentes de aroma somos capazes de identificar, mas por sorte parece que seu número está na casa das dezenas de milhões. Sem esses aromas nossas vidas seriam horrivelmente mais chatas, em particular para quem gosta de comer e beber.
Será que o Robert Parker e os demais críticos (a maioria aqui da revista Wine Spectator) conseguiram perceber tudo aquilo? A resposta é sim. Só porque eu nunca provei “cenouras pretas” não quer dizer que algumas pessoas não o tenham feito. Acho que a mesma coisa percebeu Proust, ao provar das madeleines de Combray e sua memória disparou em busca do tempo perdido. O poder dos aromas é tal que podemos perceber algo que nem está mais presente, na nossa frente, sob nossos narizes.
Troçar dos críticos, desses “superprovadores”, com os sentidos de olfato afiadíssimos, é facílimo. Mas tente lembrar-se de como você ficou emocionado ao sentir um restinho de aroma há muito esquecido, aquele fac-símile de vida que nos chegou pelo nariz. Voltaremos aos aromas e ao papel dos críticos.

O calor da festa

As festas chegaram, você vai servir vinho – para as amigas (ou para você mesma). E quer que tudo funcione direitinho. Entre outras coisas, isso quer dizer que você precisa armazenar e servir seus vinhos nas temperaturas corretas.
Agora, atenção que servir o vinho na temperatura correta é uma coisa; degustá-lo na temperatura ideal é outra.
A temperatura certa de servir um vinho produz um senhor efeito nos aromas e sabores da bebida. Cada estilo de vinho deve ter a sua temperatura de serviço apropriada (vai realçar os pontos positivos e esconder os negativos da bebida).
A maior parcela de prazer ao bebermos vinhos está relacionada com seus aromas. Sabor mesmo, o que está na boca, só oferece quatro possibilidades: o doce, o amargo, o salgado e o ácido. É o nosso nariz que faz todo o restante da festa. Eles precisam sentir aqueles vapores que saem da taça.
E tais vapores são criados na medida em que o vinho vai aquecendo.
Quanto mais alta a temperatura, mais facilmente os componentes de sabores se evaporarão da superfície da bebida na taça. Daí que servir um vinho lá entre os seus 16 e 18oC (já um tanto lépido) faz sentido, pois estaremos enfatizando os aromas da bebida.
Com temperaturas acima de 20oC, o álcool começa a evaporar-se de tal modo que desequilibra a bebida. Assim, temos: excessivamente gelado, ele vai perder todo o seu sabor e aroma. Muito quente, ficará intragável, apenas o sabor de álcool se destacando.
Um vinho muito gelado liberará muito pouco de seus sabores e aromas. Os defeitos gustativos de um vinho simples, de má qualidade, podem ser mascarados pela baixa temperatura de serviço.
As temperaturas mais frias deixam nosso paladar mais sensível à doçura, daí que se recomenda servir vinhos doces, os de sobremesa, mais frios.
Já esse mesmo paladar é mais suscetível a taninos e ao amargor em temperaturas mais quentes. Os vinhos tânicos ou amargos, como muitos italianos e qualquer tinto jovem de qualidade, devem ser servidos relativamente lépidos.
A temperatura influencia também vinhos contendo dióxido de carbono: os espumantes em geral. Quanto mais gelado, mais gás será liberado. Ou seja, nossos espumantes podem se tornar intragáveis lá pelos seus 18oC.
Em resumo: esses vapores são criados, como vimos, na medida em que o vinho se aquece. Daí que ele precisa estar alguns poucos graus abaixo de sua temperatura de degustação para que possa liberar seus aromas.
Temperatura de serviço. Eis aqui uma tabelinha para a sua orientação (a temperatura está em graus Celsius):
Temperatura (Celsius)
19º - Vinho do Porto Vintage
15 – 18º - Bordeaux, Syrah (vinhos tintos tânicos, complexos)
17º - Borgonha tinto, Cabernet Sauvignon
16º - Rioja, Pinot Noir
15º - Chianti, Zinfandel
14º - Porto Tawny e Non Vintage
13º - Temperatura ideal para armazenar qualquer vinho
12º - Beaujolais e vinhos rosados.
11º - Viognier, Sauternes
9º - Chardonnay
8º - Riesling
7º - Champagne, espumantes em geral
6º - Ice Wines
5º - Asti-Spumanti

E a temperatura para beber o vinho? A crítica americana Lisa Shea pesquisou, testou, pesquisou, testou e chegou a esta tabela (a temperatura está em Celsius e é a de uma geladeira comum). Os tempos marcados são os minutos decorridos de uma garrafa retirada da geladeira.
Retire o vinho da geladeira e sirva depois de ...
0:10 (dez minutos depois) - 8º - Chablis/Riesling
0:30 - 12º - Sauvignon Blanc
0:50 - 13º - Chardonnay
1:00 - 14º - Zinfandel/Chianti
1:50 - 17º - Pinot Noir
2:00 - 18º -Cabernet Sauvignon
Mas, por favor, entendemos que a “tal temperatura ambiente” do local onde você está servindo seus vinhos não se refira ao Amapá, logo ali perto da linha do Equador. Se for esse o caso, você deve tomar seus vinhos dentro da geladeira mesmo.
O que essa tabela diz é que os vinhos não devem ser servidos na temperatura em que saíram da geladeira. E não tão quentes quanto a falada “temperatura ambiente” comentada acima.
Climatizadores, geladeiras e principalmente os baldes com gelo fazem um ótimo trabalho gelando e conservando nossos vinhos. Mas para aquecê-los, prefiro o calor de minhas mãos em cada taça.
Assim, amiga, para manter o calor da festa, sua ou dos amigos, o melhor é gelar o vinho (na temperatura certa para cada estilo) e deixá-lo entre suas mãos até ficar no ponto. Aromas e sabores vão justificar a presença das garrafas que você com tanto cuidado escolheu.