30.3.06

A nota do vinho

A avaliação de um vinho é hoje um dos mais importantes instrumentos de marketing de toda a indústria. Está aí o proclamado “Imperador do Vinho”, Robert Parker Jr., o mais influente crítico do mundo, que não me deixa mentir. Ele criou um sistema de pontuação, de zero a cem para classificar os vinhos que prova. Estranhamente, suas notas vão apenas de 60 a 100. Uma nota alta sua, entre 90 e 100 provoca uma corrida frenética pelo vinho, resultando num absurdo aumento de preços nas lojas (e na felicidade do produtor da bebida). Mas é um sistema confuso, já que os números de zero a cinqüenta nunca são utilizados.
Muita gente acha que os atuais estilos de vinho são controlados pela preferência de consumidores, por sua vez fortemente influenciados pelas análises e notas de críticos na mídia. Robert Parker fez e continua fazendo seguidores.
Mas bem antes dele, a questão de avaliar vinhos preocupava educadores, degustadores profissionais, comerciantes, críticos. Como avaliar os vinhos? Que tabelas usar? Como tornar suas degustações mais objetivas?
Essa história de pontos nasceu nos anos 50 na Universidade da Califórnia, na cidade de Davis, mais exatamente no seu Departamento de Viticultura e Enologia. Criaram um sistema para ajudar o departamento a avaliar vinhos experimentais, para identificar defeitos de produção. Mais tarde, esse sistema foi utilizado por acadêmicos da Universidade e como uma ferramenta de treinamento para estudantes de enologia.
Assim, esse método de pontuação historicamente nunca se preocupou com os comerciantes de vinho e com os críticos. Isso aconteceu bem depois, quando a bebida começou a acontecer na mídia. Quando a tabela foi finalmente publicada, reconheceu-se que poderia ser muito útil. E ela tornou-se um modelo para sistemas de notas para outros departamentos de enologia em universidades, para degustadores profissionais, críticos de vinho na mídia e também para amadores.
A tabela da Universidade da Califórnia, a pioneira, fornece um método analítico, criando uma classificação numérica relativa à sua qualidade. Antes disso, os sistemas davam notas sem qualquer base racional. A tabela identifica os principais parâmetros para o julgamento do vinho. Cada um deles é analisado independente e objetivamente e recebe um valor. Essa tabela, a pioneira, totaliza 20 pontos.
Quem sabe não aprendemos a usar essa tabela? Avaliar um vinho é simples, divertido. É um bom exercício de nossas sensibilidades. É beber com inteligência. Qualquer um pode fazê-lo, desde que seguindo umas regrinhas muito simples.
Preliminares. Lembre-se que não estamos numa reunião social, na mesa de um restaurante. Vamos participar de uma experiência: avaliar um vinho. Assim, o melhor é fazê-lo bem cedo, quando estamos fresquinhas, lá pelas 10 da manhã.
Devemos escolher um lugar agradável, quieto, onde não haja odores competindo com os do vinho. Um lugar com ótima iluminação natural. Nada de luzes frias, por favor. O melhor seria degustar às cegas: pedir alguém para encobrir as garrafas com um pano ou um saco, de modo a só mostrar o gargalo. Rótulos, marcas não devem influenciá-la. Use boas taças (completamente transparentes, límpidas, sem cor ou relevo). Não teste com qualquer tipo de doença, um mero resfriado já prejudica.
No caso de provar uns três vinhos, a sugestão é ter uma taça imaculadamente limpa para cada vinho a ser provado. Agora, atenção que não se deve beber cada vinho a ser testado. Caso contrário, acabamos embriagadas. O recurso é cuspir o pequeno gole provado num balde – tal como fazem os degustadores profissionais. Você também deve contar com a ajuda de lápis e papel – justamente: para tomar notas, registrar as impressões deixadas pelos vinhos provados. Acrescente ainda uma jarra com água fresca e um copo, para limpar a boca entre as provas.
O Sistema de 20 Pontos. Talvez venhamos a experimentar o mesmo vinho num espaço de um ano, o que é muito tempo. Esse novo vinho, essa nova degustação mostrou alguma diferença? O vinho melhorou em algum de seus aspectos? Piorou? As suas notas, a partir desse sistema, estarão lá para ajudá-lo a conferir. Ao estabelecer as diferenças objetivamente, você estará sabendo mais, melhorando a sua sensibilidade, criando as suas próprias técnicas de degustação, de avaliação.
Cor. É naturalmente a primeira coisa a ser observada num vinho. Daí a necessidade de termos taças absolutamente cristalinas, transparentes, sem cores, desenhos ou relevos. Sirva um pouco de vinho na taça – apenas o bastante para um gole. Coloque a taça contra a luz ou diante do guardanapo (desde que branco) sobre a mesa. O que queremos é dar ao vinho um fundo absolutamente neutro.
Descreva a cor (ou cores) com as suas próprias palavras. Os vinhos brancos podem ir desde uma tonalidade praticamente ausente de cor, seguindo para um ligeiro esverdeado, culminado num amarelo dourado.
Os tintos podem apresentar toda uma gama de vermelho ou azul: quase violeta até um profundo vermelho-tijolo. Essas variações dependem sempre da uva (ou uvas) e da idade do vinho. Considerando o Sistema de 20 Pontos, esse item vale um ponto.
Ponto que é dado a vinhos cuja cor ficar dentro do espectro mencionado acima. Se um vinho branco tem uma cor dourada profunda, mas já está na fronteira do marrom, do castanho, as chances são as de que esteja oxidado. A nota só poderá ser zero.
Se o vinho tinto, um Cabernet, por exemplo, não está no espectro mencionado (sua fronteira de cor indica que a púrpura está se transformando em tijolo, está ficando castanha, o vinho está “embranquecendo”). Novo zero.
Mas você pode saber um pouco mais. Observe a cor da beira, da superfície do vinho. Por ela, você até pode dar um palpite sobre a idade do vinho tinto. Se a beira for claramente púrpura, temos um vinho jovem. Entre laranja e marrom temos um vinho bem mais maduro.
Agite a taça e observe aquelas “pernas” (ou “lágrimas”) descendo pelas paredes. “Pernas” largas, densas podem indicar bom corpo (veja abaixo) e maior teor alcoólico ou maior nível de açúcar na bebida. (Muita gente não concorda com a análise das “pernas”: voltaremos ao assunto em outra coluna).
Claridade. A grande maioria dos vinhos comerciais não apresenta problemas de claridade, brilho ou transparência. Esse item também vale um ponto. Às vezes, encontramos vinhos com sedimentos, com uma espécie de “névoa”, atrapalhando a nossa visão (mal vislumbramos a outra face da taça). Nesse caso, mande decantar a bebida. Se ainda assim ela apresentar a tal “névoa” daremos um zero. Isso, porém, não impede que o vinho seja bebido, que ele esteja estragado. Apenas perde ponto por não ter brilho, claridade ou transparência adequados.
Aroma/Bouquet. Gire a taça com vigor, de modo a que o vinho libere seus componentes aromáticos, todos voláteis. Em seguida, enterre seu nariz na taça. Bloqueie tudo e apenas se concentre nas informações que seus órgãos sensoriais enviam para você. Essa é a impressão inicial. Anote o que puder. Repita a operação, anote novamente.
O aroma desse vinho lembra alguma coisa? Se lembrar, anote. A maioria dos técnicos e críticos de vinho tenta definir os aromas da bebida em termos concretos, como “cereja”, “banana”, “pimenta do reino”, “mel”, “madeira”, “ervas”, “vegetais” etc. Evitam frases como “uma aguda sensação de molho efervescente”, absolutamente sem sentido. Use a linguagem do dia-a-dia.
Além de tentarmos definir os aromas percebidos (se quiser, use a Roda de Aroma para ajudá-lo. Veja aqui: http://www.winearomawheel.com/doc/userguide.pdf), preste atenção para algum aroma que torne o vinho intragável. Se for este o caso, a nota é zero.
Se o vinho apresentar algum tipo de odor que lembre produto químico (como o de ácido sulfuroso), mas ainda assim se mostra bebível, deve receber um ponto. Um vinho cujos aromas você não consegue definir recebe dois pontos. Aquele com um aroma definitivamente agradável recebe três pontos. Mas essa categoria vale cinco pontos. Como chegar até lá?
Aromas são os odores que o vinho libera quando jovem. Bouquet é uma coleção de aromas que o vinho desenvolve na garrafa enquanto envelhece. Se o seu Cabernet de cinco anos não apresentar defeitos (aqueles cheiros estranhos), oferecer um aroma característico e, além disso, tem um bom bouquet (essa variedade de aromas e sensações), então, por favor, ele merece de quatro a cinco pontos.
Considere, por outro lado, que um branco (um Sauvignon Blanc, por exemplo), que de fato não foi feito para envelhecer na garrafa e mesmo assim não tem defeitos e os seus aromas se apresentam claramente, deve receber cinco pontos.
Equilíbrio. Tome um gole do vinho e faça-o “rolar” pela sua boca, circular pelo palato, pela língua e bochechas. Isso mesmo, a ação é muito parecida com bochechar. Antes de cuspir, abra um pouco os lábios e deixe entrar algum ar. Devemos saturar nossa boca com o vinho e, ao mesmo tempo, permitir que seus componentes voláteis sejam canalizados em direção aos nossos receptores sensoriais.
Esse item vale cinco pontos e concordo que o termo “equilíbrio” seja um tanto subjetivo. Nessa categoria, um vinho pode ganhar boa pontuação quando todos os seus elementos parecem atuar em perfeito conjunto. Nada destoa. Se algum elemento (como o dos produtos químicos) se destacar sobre os demais, o vinho está desequilibrado: nota zero.
Açúcar. Se o vinho é seco e ele parece mais doce que o devido, a nota é zero. Se você mal percebe o açúcar no vinho (todo o vinho seco apresenta um percentual mínimo de açúcar: o que restou da fermentação), recebe nota máxima – que é um ponto. Se o vinho é de sobremesa, portanto um vinho doce natural, mas é doce ao ponto de ficar enjoativo, perde ponto de Equilíbrio. Mas ganha um pontinho aqui.
Acidez. Vale dois pontos. Se o seu vinho parece muito ácido, mas ao mesmo tempo oferece um bocado de taninos, álcool e o sabor de carvalho para contrabalançar – então, ele deve receber dois pontos. Por outro lado, se o vinho apresenta-se com muito ácido ao ponto de fazer desse item um ponto de desequilíbrio, dê-lhe zero ou no máximo um ponto.
Corpo. É a sensação de textura na boca. Prove um pouco de água. É como se não tivéssemos nada na boca. Quando notamos uma presença maior, um “peso” maior na boca, o vinho tem um determinado “corpo”, ele preenche a nossa boca.
Se um vinho tem bom corpo, quando se comporta bem diferente da água, parecendo ter um “peso”, ele merece os dois pontos que valem o item. Quanto mais o vinho se aproximar do “peso” da água, menos pontos terá: um ou zero.
Taninos. São elementos químicos originários das sementes, talos e cascas das uvas. E também do carvalho dos barris, onde os vinhos são armazenados. Esses taninos dão ao vinho uma sensação de adstringência, que você sente na língua, na boca e nos dentes. É praticamente igual à sensação que temos ao tomar um chá forte. A boca parece enrugar. Isto acontece principalmente com os vinhos tintos.
Você pode até incluir os taninos na categoria de “corpo”, tal a sua qualidade “textural”. Um Cabernet de apenas seis meses costuma ter boa presença de taninos. E isso não é um defeito, ao contrário. Os taninos estão ali para ajudar o vinho a envelhecer, a conservá-lo. Merece um ponto (que é o valor total do item). A sua ausência, nesse caso, resulta num zero.
Qualidade Geral. É um item valendo dois pontos. Como concedê-los? Eu faço o seguinte: se gostei do vinho de tal modo que farei o possível para prová-lo novamente, darei os dois pontos. Se, ao contrário, acho que uma série de itens no vinho pode ser melhorada (acidez, açúcar, equilíbrio, corpo etc.), a nota será menor: um ou zero.
Resultado Final. Por fim, some todos os pontos. Se em todos os itens, seu vinho mereceu a nota mais alta, ele terá 20 pontos – o que é raro no mundo dos degustadores profissionais.
Um vinho excepcional consegue entre 17 e 20 pontos. Se ficar abaixo dos 18 pontos não quer dizer que ele é “pior” que o vinho de 19 ou o raríssimo de 20 pontos. Esta nota está apenas refletindo o seu julgamento. O seu vizinho na mesa de degustação pode ter dado ao mesmo vinho a nota 15. Logo, esses pontos constituem-se num simples guia para você. Além dos números, você anotou as suas sensações. Suas notas são objetivas para você, mas subjetivas para os outros. Vinho é democracia também.
O sistema acima é uma simplificação do método de Davis, mas nada falta aqui para uma boa análise. Recentemente, criaram um novo sistema, de 25 pontos. Mas isso fica para um próximo papo sobre avaliações de vinho.

23.3.06

Invenções sem limite

O que será que ainda fica faltando? Acabam de inventar copos que se comunicam entre eles, sem fio. Sim, são sinais de rádio que permitem essa conexão, tal e qual já fazem algumas redes de computadores. Imagine um casal: um está em Sampa e a outra no Rio. Quando um dos parceiros segura esse copo, um led vermelho acende no copo a namorada. Led, você sabe, é um diodo emissor de luz: os equipamentos eletrônicos estão cheios deles. Tem mais: o tal parceiro lá de SP coloca o copo nos lábios. E os sensores fazem brilhar leds brancos no copo da companheira no Rio. Assim, ela fica sabendo quando seu namorado está tomando um drinque. E vice-versa. Humm.
Jackie Lee, um estudante do laboratório de Mídia do renomadíssimo MIT (Massachusetts Institute of Technology), nos EUA, responde pelo invento. Estava com saudade da família e da namorada, todos em Taiwan, há milhares de quilômetros de distância de Boston. Em vez de pegar o telefone e matar as saudades, foi para o laboratório e criou uma série de peças que chamou de “Jantando Juntos”, incluindo um par de copos, que chamou de “Copos dos Amantes”. E mais: “Talheres da Família” e “Roupas da Emoção”. Peças projetadas em pares que, separados, se comunicavam com seus parelhos. Informavam que estavam sendo usadas. Você pega um garfo em Petrópolis e o maridinho fica sabendo no Rio que a sua dieta foi pro brejo.
Os “Copos dos Amantes” parecem comuns exceto pelos leds em volta da borda e nas suas laterais. Sensores em cada copo permitem que cada um “saiba” o que o que está acontecendo com o outro. Tome o gole num deles e a borda do outro brilha. Continue a beber e as luzes nas laterais vão se apagando à medida que o líquido é consumido.
Lee conseguiu enviar um dos copos para a sua namorada do outro lado da Terra. E com ela brindou o Dia dos Namorados, que nos Estados Unidos é comemorado em fevereiro. “Foi como dar um beijo virtual”, disse.
Dizem que os copos sem fio ajudarão as pessoas “a sentir como se estivessem dividindo a experiência de beberem juntos”. E o invento já foi apelidado de “Copos dos Amantes”. Pode ser bacaninha, mas ainda prefiro interação social na base do corpo-a-corpo. E se de repente eu acordar às 4 da madrugada e ver minha taça iluminadíssima? Ficaria com coisas na cabeça e não seriam leds, certo? (Veja aqui a matéria na NewScientist).
Ainda fica faltando alguma coisa?
Arnaldo Caprai, um produtor de vinhos italiano, criou uma “rolha esperta”. Colocou dentro de uma rolha sintética um chip mínimo, do tamanho de um grão de arroz. Essa rolha está agora fechando uma edição limitada de seu elogiado vinho Contemporare, com a uva Sangiovese. Esse chip, à prova de falsificações, carrega páginas e mais páginas de informação sobre o vinho, seu produtor, seu perfil, origem etc. O equipamento ainda pode enviar como receber informações.
Essa é a primeira vez que uma vinícola aplica identificação por rádio-freqüência numa garrafa de vinhos. Isto é: o chip fica dentro da garrafa, alojado no interior da rolha. Já tentaram usar chips colados nos rótulos. Foi um desastre pela dificuldade do equipamento operar quando a garrafa ficava úmida.
Essa tecnologia é um refinamento dos sistemas RFID que os militares usam para rastrear aviões. Indústrias de alimentos e de moda, manufaturas e transportadoras começam a utilizá-la para melhorar seus controles. Já é utilizada como controle de veículos em pedágios, de pessoas em roletas. E até em alguns modelos de celulares da Nokia.
Por exemplo, se você aproximar um desses telefones da garrafa de Caprai, pronto: toda a informação do chip vai pro telefone. Vai aparecer tudo no vídeo do aparelho.
Caprai criou essa rolha como arma para o problema mundial de vinhos fraudulentos. Só a famosa casa de leilões, Sotheby’s, de Londres, acusou um prejuízo de milhares de dólares recentemente, em razão da falsificação de vinhos finos, verdadeiros troféus, caríssimos.
A rolha de Caprai permite que um comprador numa loja saiba mais sobre o vinho usando apenas um leitor de mão. Ele vai saber também se está comprando a garrafa verdadeira ou a pirata.
Esse invento pode ainda receber melhorias. Podem colocar mais dispositivos, como um sensor de temperatura, rastreando as temperaturas máximas e mínimas da garrafa durante o transporte (da vinícola até a loja). Assim, o consumidor saberá se o vinho “cozinhou” em trânsito, aquela infeliz instância em que o vinho é submetido a calor excessivo e acaba com gosto de... “vinho cozido”, de queimado, assado.
Algo mais?
Volto a falar do resveratrol, aquele componente químico encontrado abundantemente nos vinho tintos. É que cientistas italianos descobriram que podem reduzir em até 60% a taxa de mortalidade de uma epidemia de gripe em ratos. O estudo é do Instituto de Saúde da Universidade de Roma. Eles afirmam ainda que o resveratrol pode impedir mutações no vírus da gripe.
A descoberta é particularmente importante em razão da gripe aviária. A amiga sabe que há um sério alerta global contra essa gripo. Teme-se que pode haver mutações e ela transformar-se numa pandemia. Assim, não esqueça da sua taça de tinto diariamente. E para rebater, uma de branco, pois o calor não dá tréguas.
Será que nosso departamento de novidades finalmente fechou as portas?
Só tem mais uma, essa particularmente importante para quem quer manter o sorriso brilhante e contagiante.
Mais uma vez são os componentes dos vinhos tintos as estrelas. Eles ajudam a prevenir e a tratar inflamações periodontais. A periodontite é uma doença infecciosa que afeta nossas gengivas e o osso – ou seja, a estrutura que suporta nossos dentes - e, eventualmente, levando à perda permanente deles.
Cientistas da Universidade de Laval (Québec, Canadá) é que realizaram esse estudo, particularmente investigando o papel dos tais polifenóis na eliminação de radicais livres liberados por componentes de bactérias que causam as periodontites. É fundamental reduzir a quantidade desses radicais. E, nesse sentido, os canadenses verificaram que os polifenóis do vinho tinto inibiam a geração desses radicais, ajudando na prevenção e tratamento do tratamento desse tipo de desordem.
Mas, por favor, continue a gargarejar, lavar a boca, escovar bem os dentes. Só que dá vontade de substituir tudo isso por uma taça de vinho, não é mesmo?
Esse último estudo nos ajuda a concluir a coluna. Algumas dessas invenções podem parecer idiotas, como a dos Copos. Mas, vejam, o casal de namorados deu um jeito e até beijos já trocaram (embora virtuais).
A rolha com chip vai nos livrar de piratarias e nos informar direitinho sobre os vinhos. A dos italianos pode nos colocar distantes de uma pandemia mundial de gripo. A dos canadenses nos garante o sorriso.

16.3.06

Questão de vida (ou de morte)

Consulte o Google sobre “vinho e saúde” e você vai encontrar 80 páginas em português e 81 em inglês. As pesquisas sobre os benefícios do vinho para a nossa saúde parecem inesgotáveis.
E seus resultados são quase que invariavelmente positivos. Indicam que as qualidades da bebida são tais e tantas que através dela só temos a ganhar vida melhor e eventualmente mais longa.
Mas, pela primeira vez, encontrei esta semana um estudo cujo resultado é negativo, pois fala em morte, em suicídio.
Vida. Primeiro, anotei uma pesquisa que confirmando que um importante componente do vinho, o polifenol, pode contribuir com a extensão de nossas vidas. E olha que é alongar por bastante tempo.Cientistas italianos baseados em Roma e em Pisa resolveram mudar um pouco a escrita e fizeram com que peixes bebessem como os humanos. Administraram o resveratrol ao um peixe tropical da família dos Cyprinodontiformes. Veja aqui.
Um exemplo entre eles é o guaru ou barrigudinho, que vive em pequenas lagoas, riachos e brejos, no Distrito Federal.
Resveratrol é um polifenol, vocês já leram por aqui: uma substância química achada em muitas plantas, frutos e vegetais. Ele tem uma forte ação antioxidante, responde normalmente pela cor – dessas plantas, vegetais e frutos, em nosso caso, das uvas.
Pois deram resveratrol aos peixinhos e eles viveram mais tempo e, muito importante, mais ativamente que outros colegas seus que não beberam dessa poção. É a primeira vez que testaram o impacto do resveratrol na longevidade de vertebrados.
Esse componente do vinho (dos tintos quase que exclusivamente) já tinha demonstrado seu potencial em prolongar a vida de organismos básicos, como minhocas e as moscas-das-frutas, bem como do fermento. Não só prolonga a vida desses organismos, como aumenta a sua produtividade e fertilidade.
O resveratrol, abundante nas uvas, certas nozes e frutos e até mesmo em certas variedades de trigo, já comprovou ser um componente que pode ajudar a reduzir o crescimento do câncer de pele, eliminar células de câncer nas mamas, reduzir os níveis de colesterol e melhorar nossa saúde cardiovascular. No caso do câncer, já se sabe como se dá essa ação. Uma enzima (CYP1B1), achado em células de tumores, metaboliza o resveratrol e o converte em picetanol, um agente análogo do resveratrol, mas extremamente tóxico. Ele, por sua vez, destrói apenas as células cancerosas sem causar danos aos tecidos ou organismos ainda saudáveis.
Os cientistas criaram 157 desses peixinhos, a partir do nascimento até ficarem adultos – o que levou quatro semanas. Esses peixes vivem em média três anos. Separaram essa criação em grupos: um de 47 peixinhos, de controle, a quem administraram a sua dieta normal de larvas de mosquito. Os restantes 110 subdividiram-se em três grupos, que receberam uma versão de larvas tratadas com resveratrol. Um grupo recebeu uma dieta diária de 24 microgramas por larva do polifenol. Outro, de 120 microgramas e o terceiro de 600 microgramas. E aí mediram o processo de envelhecimento desses grupos, sua idade e percepção mental.
O grupo de controle, de 47 peixinhos, viveu até 12 semanas, a média para esses barrigudinhos, o mesmo da turma que consumiu a menor quantidade de resveratrol, 24 microgramas.
Os que consumiram 120 microgramas viveram mais 33% do que o grupo de controle. E os que consumiram mais, 600 microgramas, tiveram até 59% de tempo maior de vida. E não apenas isso: demonstraram maior atividade locomotora e melhor desempenho de conhecimento. Inclusive, estavam produzindo ovas ainda com 12 semanas de vida, “outra indicação de sua melhor saúde em geral”, segundo os italianos que conduziram a pesquisa.
Você então pode concluir que consumindo 600 microgramas de resveratrol diariamente vai estender seu tempo de vida por pelo menos 50%? Olha só: esses peixinhos têm no máximo cinco cm de comprimento. O equivalente àqueles 600 microgramas num humano seriam 22,5 litros de vinho diários. Seu fígado iria torrar. Você viveria menos que os barrigudinhos. Direto pro fundo.
O caso aqui é que o estudo confirmou, mais uma vez, que o resveratrol representa uma ferramenta clínica com potencial para prolongar a saúde das pessoas. Vamos continuar com nosso consumo de modo moderado. Assim, já nos ajudamos bastante.
Morte. O outro lado da moeda fica com os japoneses. Um estudo realizado por eles, e publicado recentemente, descobriu que quem bebe pouco ou moderadamente arrisca chances mínimas de cometer suicídios. ao contrário de abstêmios e de bebedores pesados (ou bebedores-problema) – grandes alvos desse problema.
O Centro Nacional do Câncer, em Tóquio, em conjunto com o Departamento de Psiquiatria da Universidade de Nagoya, pesquisou 43.383 homens saudáveis, entre 40 e 69 anos durante oitos anos – período em que os cientistas do Centro registraram 168 suicídios.
Esse trabalho é um dos poucos a investigar as associações de um grande grupo de pessoas com consumo de álcool e suicídio.
Comparando as estatísticas relativas os hábitos de beber desse grupo, a equipe japonesa concluiu que os abstêmios e os bebedores pesados (mais de 21 drinques por semana) tinham 2,5 vezes mais probabilidade de tirar suas vidas do que os que bebiam moderadamente (de um a 14 drinques por semana).
O estudo não comenta sobre porque o hábito de beber pode nos motivar ao suicídio. Porém, vale observar que o Japão apresenta talvez a mais alta taxa de suicídios do mundo (24,1 por 100.000 habitantes). A maioria dos casos recai sobre homens de meia-idade consumindo álcool em excesso. Nenhuma novidade até aqui.
O caso é que esse estudo surpreende por revelar que os abstêmios são um grupo de grande risco. Estão no mesmo plano dos bebedores pesados.
Em países como Espanha, Itália e Grécia (onde o consumo de vinho está entranhado em suas tradições e bases culturais) apresentam taxas abaixo de sete pessoas por 100 mil habitantes. Nos países que se tornaram independentes depois da queda da União Soviética (Estônia, Latvia, Lituânia, Eslovênia, além da própria Rússia, Hungria e Ucrânia), as taxas vão de 43 a 22 pessoas.
A França ocupa o quarto lugar entre os países desenvolvidos, com 19 pessoas. Lá os suicídios matam mais do que os acidentes de trânsito.
O Brasil tem uma taxa baixíssima: 4,9 pessoas por 100 mil habitantes, uma das menores no mundo. Nosso maior índice está na cidade de Venâncio Alves, com mais de 40 casos para cada 100 mil habitantes. Uma das causas seria o agrotóxico Tamaron, muito utilizado no cultivo de fumo. Seria o caso de suicídio por falta de vigilância sanitária.
Os suicídios estão tradicionalmente divididos entre aqueles de origem médica (desequilíbrios mentais), psicossocial (divórcios, conflitos amorosos etc.), cultural (de ordem religiosa, fanatismos de várias origens) e sócio-econômico (desemprego).
No caso japonês, lembramos que no século 15 era considerada uma grande ofensa se um senhor oferecesse saquê inadequadamente aquecido. Caso um serviçal fizesse isso era quase certo que cometesse o suicídio ritual, o haraquiri. 500 anos mais tarde essas regras de etiqueta ficaram menos exigentes. Hoje, nos restaurantes japoneses, de Tóquio até o Rio, perguntam se queremos morno ou gelado. Você escolhe e ninguém morre por causa disso.
Acho que é o estudo japonês, com todo o respeito, deve ficar em banho-maria. O ser humano bebe desde Noé e conseguiu chegar até aqui com milhares de melhoramentos no planeta.Pois é isso, amigas, as pesquisas existem para todos os gostos. Prefiro aquelas que falam em pegarmos uma taça de vez em quando e bebermos à saúde de todos e tocarmos a vida em paz.

9.3.06

Para entender as críticas

Quem quer que se interesse por vinhos certamente já parou para ler o que os críticos andam escrevendo sobre eles. E deparou-se com o que parece ser todo um palavrório especial, um jargão próprio através do qual os especialistas se manifestam. Como entender essa linguagem particular dos críticos?
Reuni algumas palavras, confesso que a maioria retirada de críticos ingleses e americanos, a partir de três resenhas da revista inglesa Decanter. São palavras, contudo, de amplo uso por aqui.
Você lê que um determinado vinho branco seco é “...límpido, amarelo com um tom de verde, bem rico, com uma cor adorável. Um toque de madeira nova no nariz,e de melão também, ligeiramente exótico, muito expressivo. Agradável, floral, com um toque madressilva no palato, sugestões de avelãs, rico em bem amanteigado, embora com boa acidez de limão, muito elegante, mas ainda assim jovem. Equilíbrio muito bom, carvalho e fruto bem balanceados, um exemplo excelente de variedade da uva dominada pelo terroir, muita persistência e ótimo futuro”.
Límpido – literalmente transparente, claro como água, mas retendo a sua cor.
Rico – Revelando ser bem maduro e viscoso, a partir principalmente das “pernas” ou “lágrimas” que se formam nas paredes internas da taça.
Madeira nova. O aroma de baunilha característico de barril de carvalho novo (seja de origem francesa ou americana).
Melão, de melão. Traduz um fruto maduro, ligeiramente exótico. A menção a melão quase sempre identifica vinhos com a uva Chardonnay. Outros frutos “exóticos”, no entender desses críticos, são o abacaxi e a goiaba. Para eles são exóticos, já nós aqui tropeçamos neles a todo o instante.
Expressivo. Expressivo em razão da variedade da uva, do terroir ou de ambos. Com estilo mais expressivo: um vinho de caráter e bem equilibrado.
Terroir. Termo utilizado para descrever os efeitos dos climas (macro, médio e micro) sobre um vinhedo em particular. Exemplo: os efeitos do sol, vento e água. O aspecto do terreno, tipo de solo, aclives e declives. Quantidade de sombra no terreno, tamanho dos cachos e das uvas, métodos de poda etc.
Floral. No nariz, com fragrâncias de flores. Na boca, combinação de sabor com notas florais.
Madressilva/Avelã. São expressões relativas a um bom Chardonnay, macio e atraente – muito comuns aos produzidos na região de Meursault. A madressilva é uma trepadeira com flores cilíndricas ricas em néctar;
Amanteigado. Impressão de amadurecimento com um certo frescor; vinho rico (veja acima), saboroso e encorpado, mas não necessariamente muito doce. Expressão usada com mais freqüência para vinhos brancos como o Chardonnay (novamente de Meursault). O amanteigado é resultado da fermentação ou do amadurecimento em barris. No processo de uma segunda fermentação, o ácido málico (áspero, adstringente) transforma-se em ácido lático (mais macio) – daí a impressão e cor de manteiga.
O crítico escreveu que aquele vinho é “...ouro puro, com notas de amarelo e nada de âmbar. Bouquet floral e de mel, com sugestões de pêssego e damasco. Uma impressão de grande doçura, mas não muito intoxicante. Sabores de mel e lanolina, doçura rica em maltose, muito fruto, bom botrytis, suculento. Um Sauternes completo, de safra boa e que estará soberbo em 15 anos”.
Ouro. A cor dourada indica tanto amadurecimento quanto doçura. Em 10 anos a cor dourada vai adquirir um tom castanho e em seguida sua cor chegará ao âmbar. Seus aromas se tornarão mais florais e menos frutados.
Mel. Muitos vinhos doces têm o aroma de mel. Mas nesse caso, o crítico se refere a um grau de amadurecimento e riqueza caracterizados pelo aroma de mel. Os aromas de mel e florais são evocativos principalmente dos vinhos do Loire com a uva Chenin Blanc e de alguns Rieslings alemães.
Pêssego/Damasco. O aroma dessas frutas é encontrado também em vinhos aromáticos com a uva Viognier e denotam quase sempre que amadureceram bem.
Intoxicante. A expressão em inglês é “heady”, intoxicante, usada para descrever vinhos com alto teor alcoólico. Poderíamos inclusive utilizar “Alcoólico”, um vinho desequilibrado, com álcool em excesso. É uma concentração tal que literalmente vai direto par a “cabeça” da pessoa (daí talvez o “head”).
Lanolina. Impressão de cremosidade e maciez, muito associada à uva Semillon (em estado de avançado amadurecimento). Sabor e textura levemente associados ao limão e característicos de um bom Sauternes.
Maltose (açúcar de cevada). Doçura concentrada, mas que não é açucarada.
Botrytis. O efeito do fungo botrytis cinerea, de reduzir a água das uvas e, por conseguinte, deixar apenas o açúcar para ser fermentado. O fenômeno de uma uva atacada pela botrytis é chamado de Podridão Nobre e resulta em vinhos doces naturais, como os Sauternes.
Agora, esse é “... um vinho com cor vermelho-tijolo, muito fresco, parecendo jovem. Agradável, bouquet como o de rosa, alguma doçura no ataque, mais seco no segundo nariz. Límpido, sabores de cereja, notas de madeira e um toque de amêndoas amargas. Bom equilíbrio, acabamento longo. Sabor demorado na boca. Apesar da acidez natural presente, um vinho para acompanhar comida.
Bouquet. Aromas que se desenvolvem na medida em que o vinho envelhece (logo, encontrados mais nas garrafas). Vinhos jovens apresentam aromas e não bouquet.
Vermelho-tijolo. Denota a ausência das cores violeta ou púrpura em alguns vinhos muito jovens. É mais uma falta de intensidade do que de amadurecimento.
De rosa ou como rosa. Um aroma delicado, sempre floral e indicando certo amadurecimento.
Ataque. Uma forte primeira impressão, como se os aromas saltassem da taça para nosso nariz.
Sabor. É na verdade o aroma no seu sentido mais estreito. Muita gente, porém, usa sabor para denotar todo o impacto do vinho em nossos sentidos.
Aroma. A parte dos odores de um vinho que se origina diretamente das uvas.
Nariz. O nariz de um vinho é o seu aroma ou bouquet, dependendo de sua idade (veja Bouquet). É o “sabor” que você pode cheirar.
Segundo nariz. Uma segunda impressão, uma reflexão mais estudada quando cheiramos o vinho pela segunda vez.
Cereja. Um toque vibrante de fruta com uma sugestão de acidez. Mas nada da doçura de uma groselha.
Madeira. Indica firmeza e taninos – em oposição da “carvalho”, que se refere aos aromas de barris novos, onde o vinho envelhece.
Anêndioas amargas. Expressão quase sempre associada com cerejas. Indica um certo amargor da fruta, mas com um sentido de mais refrescante do que de desagradável.
Comida. Vinhos exuberantemente frutados não combinam bem com comida, pois a fruta será dominante. Um “vinho de comida” ou “para comida” é aquele que complementa a refeição (não briga com ela, portanto).
Lemos que ele “... tem uma cor profunda, de vermelho aveludado, sem sinais de envelhecimento, ainda com aparência de bem jovem e firme. No nariz, frutos vermelhos concentrados, notoriamente um Cabernet pelo estilo, folhas de groselha, com tempero de cedro ou de caixa de charuto acompanhado de boa fruta. No palato, o mesmo concentrado de frutas bem integradas, ótimo amadurecimento ainda mostrando groselha jovem e amoras pretas. Muita firmeza, taninos maduros, ótima estrutura. Um ótimo vinho do Medoc de um grande château, de ótima safra. Ainda não está maduro bastante para se bebido e ainda muito longe do chegar ao seu auge, daqui a 30 anos, talvez.
Aveludado. Cor profunda, de aparência macia, que quase sempre denota bom amadurecimento.
Firme. Reservado, contido e com potencial para desenvolver: uma descrição positiva, que não deve ser confundida com “duro”, geralmente negativa.
Frutos vermelhos. Designa geralmente morango, framboesa, amora – pequenos frutos vermelhos. Os vinhos jovens tintos tendem a ser dominados por uma ou mais dessas frutinhas, quando jovens.
Cedro/Caixa de Charuto. O cedro é característico de vinhos com a uva Cabernet Sauvignon quase maduros ou já maduros. O aroma de caixa de charuto é similar, também muito encontrado em vinhos com a Cabernet e a Merlot.
Frutas bem integradas. Sabores que se combinam muito bem e não ficam soltos, difusos.
Firmeza. Nesse caso é a espinha dorsal do vinho, um elemento essencial para a sua boa estruturação.
Taninos. Substância existente na casca, sementes e talos da uva, necessários para um longo desenvolvimento do vinho tinto. Os taninos podem também ser obtidos do carvalho dos barris onde os vinhos são amadurecidos.
Estrutura. Sentido de solidez que tem mais a ver com a relação entre cada elemento da bebida, do que com seu peso. É a interação de elementos como taninos, glicerina, álcool e corpo ao se relacionarem com a textura e como o vinho se comporta em nossa boca e língua. Geralmente vem acompanhada de um modificador, como “estrutura firme” ou “faltando estrutura”.