28.10.09

Alguns brinquedos

Eu gostava de brincar com bonecas de papel, aquelas que podíamos “vestir” com saias, blusas, chapéus. Eu vivia inventando roupas novas, que recortava para ajustar sobre a boneca propriamente, sempre numa cartolina e nunca nua, mas vestindo um comportado baby-doll ou, no máximo, calcinha e sutiã. Ah, havia também bonecos de papel, para quem quisesse brincar de João e Maria ou de primo e prima e tentar antecipar uma vida de futuros e venturosos romances (ou também, podia amassar e rasgar quantos Joões aparecessem, a libido se confundindo já com nossos humores, já naqueles tempos).
Essas bonecas tinham nomes, alguns estrangeiros, ora ingleses, ora franceses. Mas, no fim, éramos nós, suas donas, que finalmente as batizávamos. Eram as Cláudias e Danielas ou alguma celebridade que de repente invadisse o nosso fabulário. Pois eu tive uma boneca de papel chamada Brigitte. Que vivia de calcinha e sutiã, que era como a Bardot mais aparecia. Via as fotos dela apenas nos jornais; não estava ainda autorizada a assistir seus filmes.
E os vinhos com isso? Pois não é, amiga leitora, que uma vinícola australiana criou uma série de vinhos fundada nas bonecas de papel? É assim: tem no rótulo a ilustração de uma jovem modelo, toda sensual, apenas meias, ligas, calcinha e sutiã. Acompanha a garrafa um guarda-roupa, que você pode destacar e colar sobre a pin-up do rótulo. Daí nome do vinho Drink’n’Stick 2007: algo como “beba e cole” (ou fixe).
A vinícola é a australiana Some Young Punks (mais ou menos “Alguns Jovens Zangados”). O vinho harmoniza duas variedades: a Mataro (ou Mourvèdre ou ainda Monastrell, uma tinta muita escura, mais popular no Vale do Ródano, França) e a Shiraz (a uva símbolo da Austrália), na proporção de 59% da primeira e 41% da segunda).
Esse vinho me fez rever antigos brinquedos. Embora entenda que o pessoal do marketing esteja fazendo das tripas coração para tentar vender seus vinhos das mais criativas maneiras, não me vejo brincando de boneca de papel na mesa da sala ou de um restaurante. Mas não deixa de ser curioso.
Os vinhos Kama Sutra. Bem mais diretos são os vinhos que a Belfer Hispania lançou na última terça-feira, no Rio. A importadora os classifica como os primeiros vinhos eróticos do Brasil. A linha é chamada de Eroticwine ou “Kama Sutra Vinhos”.
Segundo a importadora, são vinhos “voltados para o amor” e destaca: “Ponha na mesa e adivinhe qual será o assunto”.
O nome da linha, Kama Sutra, se auto-explica: talvez a mais antiga obra sobre o comportamento e prática sexual, é mais conhecida talvez pela apresentação de posições sexuais. E na concepção da importadora, isso não poderia faltar nesses vinhos.
No rótulo do Prosecco, por exemplo, o rótulo é ilustrado com uma das posições sexuais do Kama Sutra. Um texto explica melhor a posição: “O homem senta-se na cama com as pernas dobradas. E a mulher envolve-o com seus braços e pernas, abaixando o corpo sobre a ereção do parceiro...”
Um segundo espumante, um Moscatel, louva o “Beijo na Yoni”, sendo Yoni “o símbolo da reverência e do respeito para com a mulher como doadora de vida. A Yoni é lótus fluorescente, sendo o clitóris o seu botão.”
Consegui a referência desses dois rótulos no site da sexshop Entre4Paredes. Veja aqui.
Esses vinhos (e os que darão prosseguimento à série) são produzidos pela Vinícola Valmarino, de origem italiana, localizada em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. A Valmarino, que tem origem na Salton, tem uma bela lista de premiações.
O objetivo da Belfer Hispania é a criação de novos nichos para a comercialização de vinhos. E, sem dúvidas, essa sua linha aparentemente em produto e um apelo bem diferenciado para atingir seu objetivo.
Já existem “vinhos eróticos” em outros mercados. Dos Estados Unidos, temos, por exemplo, o Erotic Cellars, uma linha de vinhos com rótulos como o tinto “Barrel 69” (“Barril 69”, dispensa a tradução) ou o branco “Forplay” (um “aquecimento”). Lembro também da Naked Winery & Orgasmic Wine, com vinhos como o “Oh!”.
No lançamento dos Eroticwines, ocorrido na terça feira, na SBAV-Rio, serão também apresentados os espumantes Rosé Brut Champenoise e do Chardonnay Brut Champenoise. Só que ainda sem os rótulos – que ficaram de ser selecionados pelos convidados ao evento.
Para quem quer rever antigos brinquedos, como o das bonecas de papel, basta dar uma olhada no site Bonecas de Papel.
Quem quiser experimentar essa variante dos brinquedos eróticos, é só entrar em contato com a Rita Fernandes, diretora comercial da Belfer ou pelos telefones: (21) 788335912 ou 76261086.
Um encontro amoroso regado a um desses vinhos pode resultar com um dos parceiros comentando que gostou mais do vinho. Fazer o quê? Continuar tentando.
Da Adega
Koloss Bier. Não deixe de visitar esse blog, feito pelo Felipe Lorenzen para quem gosta realmente da cultura e da produção de cerveja. O Felipe está atrás do Santo Graal da cervejas, aquela que chama de perfeita. Cerveja artesanal, feita em casa é com a
Koloss Bier.
Abadia Retuerta. A Peninsula/Vinhos da Espanha está oferecendo o Abadia Retuerta Primicia 2006, 60% Tempranillo, 20% Cabernet Sauvignon e 20% Merlot, muito bem recebido pela crítica. Compre pelo
site.
Semana Mesa SP. Ela é considerada o maior evento de gastronomia da América Latina, que já começou e se encerra agora no dia 30. Ocupa uma área de oito mil metros quadrados no Centro Gastronômico do Centro Universitário Senac, onde cozinhas especialmente montadas, comandadas por chefs de diferentes regiões brasileiras revelarão segredos como os da dupla caipira de lingüiça embriagada com farofinha matuta, o preparo do mignon de sal com purê de banana da terra e mandioca.
Além disso, aulas abertas de gastronomia, panificação e doces. Saiba mais
aqui.

22.10.09

Os meus azeites

Perdi a degustação de azeites espanhóis na terça, dia 20, no Atelier Claude Troisgros. Além da degustação, houve uma aula do Gustavo Capuano, diretor da D’Olivino, empresa que importa mais de 90 variedades de azeites. Olha que quem promoveu o evento foi a embaixada da Espanha, o maior produzir de azeite do mundo (responde por 60% da produção da União Européia).
Adoro azeite. Não podia faltar a esse evento. Estou irritada até agora. Estou cá com “meus azeites”, como diria minha vó.
Como os vinhos, os azeites refletem suas regiões de origem, duas datas de colheita (ou safras), seus microclimas, as diferentes variedades de seus frutos e podem ser classificados em diferentes categorias de sabores, muitas vezes similares às dos vinhos: frutados a fragrantes, delicados, herbáceos. Mas somente alguns azeites podem ser descritos como oleosos e apimentados. Um vinho pode ser também apimentado, mas nunca oleoso e apimentado.
Agora, degustar azeite de oliva é bem diferente do que degustar vinho. Pelo menos, em parte. Em primeiro lugar, engolimos o azeite, o que não acontece com o vinho, quando o degustador apenas bochecha a bebida e a cospe em seguida.
Eu provo azeite da seguinte maneira: coloco uma ou duas colheres de sopa num copo e o aqueço com uma das mãos. Com a outra, tampo a boca do copo. Ao sentir que o azeite ficou a temperatura do meu corpo, tiro a mão da boca do copo e dou uma bela cheirada. Em seguida, tomo um gole, faço o azeite circular pela boca, sugando o ar através dos cantos dos lábios. Não muito diferente com os vinhos, não é?
Não sei como foi a degustação no Atelier do Claude Troisgros. Se usaram copos ou apenas colheres. Mas não posso imaginar tê-la perdido. A Espanha é a maior exportadora mundial do produto. Produz 260 variedades de azeitonas. Possui o equivalente às Appellations Contrôlées francesas. Produz excelentes azeites monovarietais com a picual, hojiblanca, cornicabra e arbequina, entre tantas. E com elas criam misturas ou blends que destacam as qualidades de cada variedade. E com isso, podemos combinar sabores, tal como fazemos com os vinhos. Pratos delicados como saladas harmonizarão com variedades ou blends delicados. Pratos mais apimentados estarão bem servidos com óleos apimentados.
No e-mail-convite que recebi, explica-se que seriam debatidas “as diferenciações e qualidades do azeite de oliva espanhol, suas propriedades, aplicações na culinária e os benefícios para a saúde”. Vejam só o que perdi.
A D’Olivino, é uma empresa que, sim, importa vinhos e azeites, mas sua missão principal é difundir entre nós os hábitos de alimentação da Dieta do Mediterrâneo, baseada na alimentação da população dessa rica bacia, a partir de Creta e com variantes da dieta tradicional espanhola, portuguesa, grega, marroquina, tunisina, turca, síria e do sul da França e sul da Itália.
O azeite de oliva está entre nós há milênios. É personagem da Bíblia, como alimento, óleo sagrado, combustível para lamparinas. Além do seu valor gastronômico, só faz bem à saúde. É uma gordura monoinsaturada, que eleva os níveis do colesterol bom (HDL). É um nutriente de grande valor biológico. Sim, é rico em calorias (9 kcal por grama), o que poderia contribuir para a obesidade. Mas você não vê obesidade nos povos do Mediterrâneo, vê? Isso porque é o azeite, o seu sabor, que estimulam as pessoas a comer mais vegetais. E isso não engorda.
A lista de seus benefícios é muito grande: o azeite é parte importante em nosso sistema imunológico, defendendo-nos de toxinas, microorganismos, parasitas, vírus, bactérias etc. Ele nos socorre em casos de artrites, de problemas nos sistemas digestivo e hepático. Faz o pâncreas funcionar melhor e previne absorção de colesterol pelo intestino delgado. É importante alimento durante a gravidez e a lactação. É rico em vitamina E polifenóis, ajudando a eliminar radicais livres, alongando a nossa expectativa de vida e, assim, a envelhecer melhor.
Se a amiga quiser saber mais sobre os poderes e qualidades do azeite, consulte o site da entidade oficial, o Conselho Internacional do Azeite.
Deixei de provar o que adoro e perdi um papo importantíssimo. É ou não é para ficar nos meus azeites?
Da Adega
Brasileiros em Interlagos
. Não que eu tenha perdido mais esse evento, o GP Brasil. É que não assisti, mesmo. Mas quem esteve lá, sabe que o Rubinho fez o que pôde. E que o resultado nos camarotes e áreas VIPs foi outro. Lá foram os vinhos da Aurora, fornecedora oficial do GP Brasil, que chegaram na frente. Da vinícola gaúcha, foram servidos os brancos Premium Chardonnay e o Gran Reserva Chardonnay, além dos tintos Gran Reserva Cabernet Sauvignon e o Premium Cabernet Sauvignon. Claro que não faltou também o Premium Espumante Brut.

17.10.09

Misturando tudo

Já que aqui no Brasil todos, gregos e troianos, afirmam que “ganhamos as Olimpíadas”, e que referências às glórias futuras de 2016 não saem do noticiário, tento recolher alguma evidência que coloque as bebidas alcoólicas e minha coluna nesse contexto. Parece improvável, não é?
Pensei no Dirceu Vianna Júnior, o primeiro brasileiro a ganhar o dificílimo título de Master of Wine, concedido pelo respeitável Institute of Master of Wine. Puxa, em 55 anos de vida, o IMW deu esse título a umas 270 pessoas, como à minha guru, Jancis Robinson. A maioria foi de ingleses e uma parte pequena a americanos, franceses, belgas, alemães, finlandeses, holandeses, australianos etc. Ninguém da América Latina! Mas agora, pimba, o brasileiro lá de Marechal Rondon, um município paranaense, levou a comenda de excelência no mundo dos vinhos.
Mas o título não corresponde exatamente a uma disputa olímpica. Quem concorre a ele faz um curso e cinco provas ao longo de alguns anos. É o equivalente a um doutorado.
Talvez eu devesse ter recorrido às inúmeras medalhas que os vinhos brasileiros vêm conquistando em várias provas internacionais. Só que essas provas carecem de unanimidade, embora a maioria dos críticos ainda (e com justiça) credite aos vinhos franceses o equivalente a uma medalha de ouro. Acho que não existe um equivalente ao Comitê Olímpico Internacional para os vinhos. Com relação aos coquetéis temos, porém, um concurso mundial, já realizado há dezenas de anos.
Assim, o meu candidato mais provável é o Rogério “Rabbit” Barroso, o bartender brasileiro que pela segunda vez consecutiva fica entre os dez melhores no concurso do World Cocktail Competition 2009, realizado em Berlim. Em 2008 ele ficou em 8º lugar. E agora, em agosto, pegou a 10ª colocação, representando o Brasil, entre 52 países competidores.
As provas nessa modalidade de concurso resumem-se à apresentação de coquetéis. O bartender cria uma receita que será degustada e avaliada por um corpo de jurados, sumidades em mixologia.
O problema é que provavelmente nós consumidoras só conhecerão esses drinques premiados um acaso. Ou se forem profissionais do ramo e acompanharem de perto esses concursos.
Só fui conhecer mais sobre coquetéis através do mundo da ficção. E nesse pedaço sugiro medalhas de ouro para dois personagens: o inspetor Maigret e o agente 007, Bond, James Bond.
Ao longo de 70 novelas, Maigret, criação do belga Simenon, como um francês típico, bebeu (por ordem de quantidade): cerveja, conhaque (Armagnac, Calvados, Marc, Conhaques de ameixa e de framboesa), café, vinho (na maioria dos casos, vinhos brancos), licores (Chartreuse, Curaçao), Pastis, Martini, Rum, grogue (um destilado com água quente), e uísque. Só bebeu chá quando doente. As personagens femininas praticamente só bebiam chás, água (de Vichy) e Champagne (apenas as ricas).
O inspetor jamais bebeu gim e champanhe e era o retrato da fidelidade. Seu colega inglês, Bond, James Bond, era bem diferente.
Elegante como um inglês, mas cosmopolita, Bond era refinado em seus gostos. E tremendamente galinha Aprendi e me divertir bastante com suas preferências etílicas.
O Martini saiu da obscuridade em 1953, a partir da novela Casino Royale, de Ian Fleming, o criador de Bond. Ele pede ao bartender um Martini seco. E dá a receita: “Três doses de gim Gordon’s, uma de vodca, meia dose de Kina Lillet. Bata bem até que fique geladíssimo. Aí, junte casca de limão bem grande. Entendeu?”
Bond revelou ao bartender que aquele coquetel era invenção sua, que ia patenteá-lo assim que encontrasse um bom nome. Estava criado o famoso Vesper.
Alguns dos ingredientes originais não existem mais, como o Kina Lillet, um vermute que é normalmente substituído por Lillet Blanc ou por qualquer bom vermute seco, como o Cinzano extra seco.
O Gordon’s de1953 tinha 47% de álcool e hoje, reformulado, tem menos de 40%. Substitua pelo Tanqueray, que guarda a antiga potência do Gordon’s. A vodca é a Stolichnaya (que Fleming aprendeu a gostar quando servia em Moscou como jornalista).
O nome Vesper é uma homenagem de Bond a sua namorada, tanto no livro quanto no cinema. No primeiro Casino Royale, de 1967, Vesper Lynd é interpretada por Ursula Andress. Na segunda versão, de 2006, o papel é da atriz Eva Green.
Ao longo de 46 anos e 22 filmes, Bond sempre demonstrou um gosto refinado por bebidas, degustando desde Dom Pérignon a mint juleps, influenciando muita gente sobre o que é bom ou o que está na moda beber. Quando Pierce Brosnan pede um mojito em Um novo dia para morrer, de 2002, o coquetel saiu do anonimato e fez carreira em todo o mundo.
Eis aqui alguns dos drinques preferidos de Bond:
Mojito (Um novo dia para morrer, 2002): três ramos de hortelã fresca, duas colheres de sopa de açúcar (30 ml) três colheres de sopa de suco de lima, uma dose de rum branco e uma dose de club soda.
Rum Collins (007 Contra a Chantagem Atômica, 1965): duas doses de rum branco, suco de lima, uma colher de sopa de açúcar, água com gás, rodelas de limão e uma cereja.
Mint Julep (Goldfinger, 1964): quatro ramos de hortelã, três doses de Bourbon, uma colher de sopa de açúcar, encha o copo (alto) com gelo picado. É um drinque típico do sul dos EUA. Foi servido a Bond no rancho de Goldfinger, no Kentucky.
Mas Bond já bebeu cerveja: Timothy Dalton entorna uma Bud com limão em 007, Permissão para Matar, de 1989. E um “apimentado” Blood Mary foi servido a ele em Nunca mais outra vez, de 1983. Apimentado porque Sean Connery-Bond pede com bastante Tabasco.
Há um triste porém, nessa carreira. Ao longo das novelas e dos filmes, o Martini original tem o gim substituído pela vodca.
Corta para o nosso premiado Rogério “Rabbit”. Ele se destacou com o coquetel “Think Green”, cuja receita compõe-se de Bacardi Superior, o licor de melão Midori, o Marie Brizard Lemon Grass, o xarope de limão Teisseire Lemon Syrup, o Caraibos Pineapple Juice e o Moët & Chandon Brut Imperial.
Rogério é consultor da Casa Flora e, através dela, assessora bares de restaurantes. Nessa importadora você vai encontrar todos os ingredientes do “Think Green”.
Agora que “ganhamos” as Olimpíadas é oportuno e necessário que “pensemos verde”. Será sempre bom para o planeta e para a nossa cuca (principalmente se contarmos com a escolta de um bom coquetel).

8.10.09

O imperador do olfato

As críticas de vinho costumam vir assim:
“... notas de abacaxi, baunilha, frutas cítricas, flores brancas e maçã verde; o olfato é elegante e fino; no paladar uma sensação de frescor; corpo médio, de boa acidez; é delicado e equilibrado; tem média persistência...” (de uma resenha sobre um espumante nacional)
Agora, compare com a nota abaixo, sobre o perfume Nombre Noir:

“O perfume, como o timbre de uma voz, pode dizer algo bem independente das
palavras que normalmente falamos. O que Nombre Noir disse foi 'flor'. Mas dito
como se fosse uma epifania. A flor no cerne do
Nombre Noir estava a meio caminho entre uma rosa e uma violeta, mas sem sequer um traço da doçura de ambas, colocada contra um fundo austero, quase santificado, de notas de cedro de uma caixa de charuto. A voz de Nombre Noir era a de uma criança mais velha do que sua idade verdadeira, ao mesmo tempo fresca, seca, modulada e ligeiramente caprichosa. Percebi uma ingenuidade qual o estilo de Colette, nos seus livros sobre Claudine. E me fez lembrar a tinta púrpura para escrever cartas de amor com farouche, essa maravilhosa palavra francesa que tanto pode significar timidez quanto ferocidade ou um pouco de ambas.”

A primeira nota nos deixa num jogo de empurra, entre abacaxi, frutas cítricas, baunilha etc. Não consegue transmitir a personalidade do vinho. Seria ele uma flor, de que tipo; uma criança, uma mulher, homem? Buscaríamos tinta para escrevermos cartas de amor? Qual o seu nome?
A segunda resenha foi escrita por Luca Turin, um cientista, um biofísico, que sabe tudo sobre perfumes. Seu comentário sobre o Nombre Noir (um perfume da Shiseido, infelizmente descontinuado, ao que parece), consegue colocar seu objeto de frente, de perfil, fornecer traços de sua personalidade e inclusive dar-lhe um nome, flor, além de acrescentar dados sobre a psicologia dessa flor, antecipando até a reação da usuária.
Ao contrário da primeira nota, que os deixa num jogo de empurra, entre abacaxi, frutas cítricas, baunilha etc.
Estava lendo o “Imperador do Olfato”, um livro de Chandler Burr, o crítico de perfumes do New York Times, sobre Luca Turin, um libanês educado em Londres e hoje radicado nos Estados Unidos, biofísico obcecado por aromas. Estava recolhendo notas quando me levaram o livro. “Deixa eu dar uma olhada que devolvo já, já!” Estou esperando até agora. Compus a coluna com algumas notas retiradas do livro e referências passadas pelo Google.
Pode ser que Luca Turin venha a ser conhecido como aquele que desvendou um dos grandes mistérios de nossos sentidos: afinal, como é que cheiramos as coisas?
Um crítico comenta que Turin, de modo nada ortodoxo, tenha já reinventado a teoria do olfato, o que lhe valeu uma feroz oposição da cátedra científica. E é esse o centro do livro de Burr – que a amiga pode considerar um livro sobre vinho que não tem o vinho como principal personagem.
Já falamos aqui que nossa língua e os papilos gustativos são paupérrimos. Percebemos apenas cinco sabores: doce, amargo, ácido, salgado e, mais recentemente, o umami (o glutamato monossódico). Juntos, jamais poderiam proporcionar todas as deliciosas sensações que percebemos num vinho.
E é aí que entra o nosso sentido de olfato. O sabor da bebida é formado na verdade pelo seu aroma. O que está em nossa boca alcance as células olfativas localizadas no topo da cavidade nasal, aberta na frente (narinas) e atrás (acima do palato). É por isso que, quando ficamos muito resfriadas, com nossas fossas nasais entupidas. Temos dificuldade em distinguir o que ingerimos. O sabor depende do olfato.
O nariz possui 347 receptores de aromas, que funcionam como um espectroscópio, pensa Turim. Durante décadas, o meio científico vem aceitando que os aromas são percebidos, em última instância, pelo seu formato. Esses receptores saberiam, portanto, distinguir uma molécula flutuando em nosso nariz pela sua forma e, daí, resolver um complicado quebra-cabeça que estamos cheirando uma flor e que o nome dela é camélia.
Só que ainda não descobriram o limite para o número de moléculas que podemos identificar. E a cada minuto inventam novos odores, o que quer dizer que podemos rejeitar o fato de que há um receptor para cada molécula de aroma. Isso pode nos levar ao fato de que nossos receptores olfativos conseguem captar apenas parte de cada molécula e lê-la como se fosse escrita em Braille. “O problema aqui é que há muitas moléculas com formatos similares cujos aromas são completamente diversos. Ao mesmo tempo, existem moléculas com formatos diferentes cujos aromas são idênticos. O que quer dizer que é quase impossível predizer que aroma produzirá uma determinada molécula”, comenta o crítico Alder Yarrow (“Vinography”). É por isso que as perfumarias gastam milhões de dólares criando milhares e milhares de moléculas na expectativa de que uma delas conterá o aroma que desejado pelas consumidoras.
Acontece que Luca Turin, depois de muitas pesquisas, concluiu que nossos receptores nasais não “sentem” as moléculas. Elas não operam pelos seus formatos, mas pelas suas vibrações, as escutam como se elas tocassem algum instrumento.
Caba molécula vibra com sua freqüência específica, determinada por sua composição química. Se ativarmos essa molécula com algum tipo de energia (um elétron, por exemplo) e ela vibrará de modo a ser facilmente medida. Esse fato resultou na invenção do espectrógrafo, um aparelho utilizado para medir o conteúdo químico de quase tudo no universo.
E, segundo Luca Turin, nossos receptores olfativos são mini espectrógrafos, que podem medir freqüências, traduzir as vibrações e enviar ao nosso cérebro sinais que dizem “flor”, “maçã” etc.
Vou bater na porta da vizinha que levou meu livro e não arredo o pé enquanto não for devolvido. E quando acabar de ler tudo, volto ao assunto.
Da Adega
Bistrô Baronesa
. A revista Veja o considera o melhor do Vale do Paraíba. O bistrô fica na
Fazenda Baronesa Von Leithner, em Campos do Jordão, talvez a maior produtora de frutas vermelhas do país. O restaurante já conquistou dois títulos da Veja e, nesse momento, anuncia o seu menu primavera, criado pelo responsável por aqueles títulos, o chef Antonino Malaquias, a partir de ingredientes retirados principalmente do que a fazenda produz. Que tal um salmão grelhado com molha de frutas cítricas com legumes da fazenda e arroz de pinhão? Não deixe de ir. A região é linda. Fazenda Baronesa Von Leithner: Av. Alto da Boa Vista, 3025, Alto da Boa Vista, Campos do Jordão. Telefones: (12) 3662-1121 e (12) 3664-4136.
Os 55 anos do La Casserole. Morei em Sampa por um bom tempo. E era bom mesmo esse tempo, pois morava perto do La Casserole. Esse formidável e autêntico bistrô que está comemorando os seus bem vividos 55 anos. Um dos primeiros restaurantes franceses de São Paulo, uma estrela no famoso Largo do Arouche, escoltado pelas flores do tradicional mercado. Seu cardápio conta com clássicos da cozinha francesa e também com pratos de inspiração contemporânea. A casa, que continua nos domínios da família fundadora, é comandada pela filha do casal pioneiro, Marie-France Henry, o que serve como garantia de qualidade e autenticidade. Se puder volto lá e mais uma vez caio no gigot (perna de cordeiro) com feijão branco. Faça o mesmo, amiga. Veja mais no
site.
Para dar uma de Luca Turin, La Casserole tem gosto de Anos Dourados (sim, anos dourados não é uma exclusividade carioca). Fica no Largo do Arouche, 346. Ligue para: (11) 3331-6283.

2.10.09

A rolha verde

“Porque a sua rolha é maior do que a minha?”
“Porque sua rolha é mais
grossa do que a minha?”
“O que posso fazer com uma rolha usada?”
As respostas para essas perguntas até que poderiam ser bem maldosas, não? Mas elas vivem sendo perguntadas, até mesmo por empresários ligados ao ramo de rolhas.
As rolhas de cortiça, feitas a partir de cascas do sobreiro, uma árvore da família do carvalho, existem em vários comprimentos: mais ou menos de 25 a 60 milímetros. São medidas determinadas pelo potencial de amadurecimento do vinho. Se o produtor tem a expectativa de que seu vinho seja capaz de viver bem em garrafa por 10, 20 anos, digamos, ele vai preferir colocar uma rolha bem comprida. A teoria é a de que uma rolha permanecerá mais tempo intacta e, portanto, a vedação será mais segura, quanto mais longa for.
Minha guru, Jancis Robinson, lembra que alguns enólogos argumentam contra essas rolhas mais longas: elas deixam menor o espaço de oxigênio na garrafa (vai da base da rolha à superfície do vinho), prejudicando assim o processo de maturação (sim, pois ao contrário do que se pensa, um pouquinho de oxigênio é importante na maturação dos vinhos, em particular dos tintos).
No departamento de diâmetro, as rolhas variam muito pouco: a norma é que fique nos 24 mm, embora sejam conhecidas as de 21 e de 26 mm. Tudo dependerá do diâmetro interno do gargalo das garrafas.
É claro que estamos falando até agora de rolhas de cortiça, que continua sendo o material mais utilizado para tampar garrafas de vinho. Já falamos aqui sobre a grande reclamação dos produtores contra o programa do TCA (triclorosanisol), um misterioso elemento químico que ataca as rolhas e contamina os vinhos. Mas não devemos ficar muito apavoradas: as rolhas tradicionais continuam associadas a bons vinhos.
E o que fazer com as rolhas usadas? Bem, elas podem se transformar em várias coisas úteis. Só que a maioria delas acaba no lixo. E com isso deixa de dar emprego a muita gente e dar vida nova a muitos objetos.
O maior produtor de rolhas do mundo, Amorim, de Portugal, está lançando um programa de reciclagem de rolhas de cortiça muito interessante. Esse programa começou pelos Estados Unidos e pode ser que daqui a pouco chegue por aqui.
13 bilhões de rolhas de cortiça chegam ao mercado todos os anos, em todo o mundo. A maioria delas, depois de retiradas das garrafas, acaba no lixo. O ideal seria reutilizá-las. As rolhas são biodegradáveis, renováveis, sustentáveis, ideais para a reciclagem, além de serem 100%naturais.
Estamos falando, claro, apenas das rolhas de cortiça, pois as sintéticas, feitas de produtos derivados do petróleo, e as tampas metálicas, de alumínio, não são recicláveis e o seu destino é o lixo mesmo.
Essas rolhas de cortiça podem achar novas vidas como solas de sapato, assoalhos, isolamento térmico e acústico, juntas para isolamento, embalagens e até mesmo compostos para correção do solo. Isso sem contar com objetos de arte e decoração, como mostrados aqui pelo blogueiro Dr. Vino.
A leitora poderia pensar que a Amorim estaria se aproveitando de rolhas que são, na verdade de propriedade do consumidor, para reciclá-las, produzir novas sem gastar muito dinheiro.
Parece que não se trata disso. Afinal, a empresa terá que transportar milhares de rolhas para suas fábricas em Portugal. Além disso, tudo o que se quer é que as florestas de Sobreiros continuem a ser utilizadas de modo a manter o seu rico ecossistema.
Ao contrário de muitos produtos derivados de madeira, as rolhas de cortiças se originam da casca do sobreiro (Quercus suber), cultivada no sul da Europa, em particular na Península Ibérica, com Portugal como seu maior produtor. A extração da cortiça não é prejudicial ao sobreiro, pois este volta a produzir nova camada de casca a cada 9-10 anos, com idêntica espessura. O ciclo de vida de uma árvore dessas é de cerca de 200 anos.
As florestas de sobreiros formam um dos ecossistemas mais ricos em biodiversidade do continente europeu. E a verdade é que esse programa de reciclagem de rolhas de cortiça faz parte de um programa maior ligado ao movimento Condomínio Terra, que busca mesmo é conservar florestas essenciais como as de sobreiros.
Vamos só lembrar que a cortiça é feita de bilhões de células, que dão e elas elasticidade, capacidade de boiar. E, principalmente no presente caso, a habilidade de reter perto de nove gramas de dióxido de carbono – cada uma delas. Já pensou quanto desse gás 13 bilhões de rolhas de cortiça podem aprisionar, impedindo que ele danifique nossa atmosfera.
Enquanto não tivermos aqui um programa como esse, vá guardando suas rolhas de cortiça amiga. Transforme-as em painéis, luminárias, descansos para pratos etc. Sua casa ficará mais bonita, seus vizinhos agradecerão e o ar que respiramos mais limpo. Pense nisso quando abrir a sua próxima garrafa, dentro daquele secular ritual de retirar a rolha, com direito ao POP e a uma cheiradinha nas laterais da rolha (o que os sommeliers detestam). Saúde!
Da Adega
Um cheirinho de grappa
. Agora, vamos poder “temperar” alimentos quentes, verduras, sobremesas, drinques e até mesmo café com um cheirinho de grappa, o destilado de vinhos original da Itália. Só que esse vem daqui, da Casa Valduga e se apresenta numa embalagem spray. É o Grappa Gourmet Chardonnay, com um vaporizador para potencializar aromas e sabores. O álcool vai se volatizar, permanecendo apenas a fragrância da grappa. Veja mais no site da
Valduga.
Carta Brasil. O consultor de vinhos Duda Zagari, mais o distribuidor Rogério Goulart e o autor Rogério Dardeau (“Vinho, uma festa dos sentidos) apresentarão no dia 6 de outubro a Carta Brasil, uma seleção do que entendem ser os melhores rótulos de vinhos nacionais. O evento será na butique de vinhos
Confraria Carioca, às 19h30. Confira só.
Vinho beleza. Sim, amiga, vamos nos livrar dos caríssimos importados. Dia 7, na mesma Confraria Carioca e sempre às 7h30 da noite, serão apresentados os produtos de beleza à base de vinhos da
Vinotage.Localizada na Serra Gaúcha, RS, os produtos da Vinotage são criados a partir de estudos da mestre em biotecnologia farmacêutica Morgane Pasini Franzoni. Os produtos, à base de óleo de semente de uva, com grande ação antioxidante, incluem sabonetes líquidos para banhos, hidratante, creme para mãos e para rosto, sabonete esfoliante corporal, entre outros.