31.12.05

Última chamada

“Então beberemos o último drinque/Que corta o cérebro em fatias/Onde as respostas não tem significado/E não há quaisquer perguntas”.

É parte de uma senhora canção, Last Call (“Última Chamada”), criada por um compositor branco que tem nome holandês, parece irlandês, mas você jura que é um negro cantando: Dave Van Ronk, o mentor de Bob Dylan, uma lenda, reinventor do blues, nome de rua em Nova York.

Aproveito-me dela, agora que fechamos nosso boteco. O momento é de grandes festas e incessantes brindes. Você está preparado para eles?

Que tipo de bebedor você é? Responda, por favor, ao questionário abaixo:

1. Álcool é: a) aquele cheiro ruim que parece acetona; b) o suave final de um tinto de categoria; c) meu melhor amigo, mentor e facilitador, tudo numa coisa só.

2. Uma noite perfeita é:

a) praticar ioga, uma salada leve e oito horas de sono;

b) um jantar com amigos, em casa, e algumas garrafas de vinho;

c) alguns martinis, uma besteirinha leve para acompanhar o vinho, um digestivo depois e uns drinques ao chegar em casa.

3. Uma taça de vinho rosé bem geladinha, num dia de verão:

a) deve ser sempre diluída com gelo, tomada entre copos de água;

b) só perde para o Prozac como pacificador do espírito;

c) parece água tônica. Alguém aí tem uma vodca?

4. Minha fantasia para o feriado é:

a) meditação num retiro, onde carne, açúcar, álcool e conversas estão proibidos;

b) uma amostra da hospitalidade mundial;

c) sol, mar e drinques sem limite.

5. Num jantar com despesas pagas pela empresa com um Bordeaux caríssimo na mesa:

a) tampo a taça com as mãos e peço água com gás, por favor;

b) saboreio o néctar encantada e registro o acontecimento em meu diário;

c) garçom, minha taça esvaziou.

6. Na manhã do dia seguinte você resolve:

a) correr no parque depois de um café da manhã bem leve;

b) um café da manhã reforçado lendo os jornais do dia;

c) com um bom Bloody Mary.

7) Segunda à noite você só me acha:

a) na mercearia se faltar leite de soja em casa;

b) tomando uma taça de vinho com colegas, depois do trabalho estafante;

c) no meu bar preferido.

8) Para dormir, o meu ritual é:

a) um banho bem relaxante;

b) acabando com o restinho de um bom tinto enquanto vê um bom e velho filme no DVD;

c) não me lembro.

Como acha que se saiu? Como pensa que vai chegar a 2006?

Se a maioria de suas respostas recaiu em (a), você é claramente um virtuoso, com suas dietas rigorosas e modos zen de viver a vida. Mas um copo de vez em quando não vai matar você.

Se você é da turma do (b), está entre a cruz e a caldeirinha. Fique nessa linha e procure não escorregar para o (a), nem para o (c).

“Então tivemos outra noite/De poesia e poses/E cada um sabe que estará sozinho/Quando o boteco sagrado fechar”.

Essa quadra é perfeita para a turma do grupo (c). Se a maioria de suas respostas recai nesse grupo, fique certa: seu caminho é para uma clínica de reabilitação ou para o AA.

A letra completa do Last Call está no excelente “Quando nosso boteco fecha as portas”, de Lawrence Block (Cia. das Letras). Leia sem moderação.

Já beber, o melhor é ficar na turma do (b).

Agradeço às amigas e amigos por prestigiarem esse espaço e espero encontrá-los ótimos e otimistas em 2006.
Não deixem de escrever: soniamelier@terra.com.br

2.12.05

Guia de Vinhos Brasileiros 2006


O jornalista Eduardo Viotti lança, no dia 06 de dezembro, a partir das 20h, o Guia de Vinhos Brasileiros 2006, pela editora Market Press. Essa é a quinta edição do guia, que traz informações sobre as uvas, avaliação de safras, dicas de degustação e compras, endereços de vinícolas, escolas e cursos sobre vinho, além de um pequeno glossário.
O guia, hoje já consolidado no mercado editorial, tornou-se uma referência para o consumidor na hora da escolha do seu vinho nacional. O lançamento será no novíssimo restaurante Vira Lata (Rua Minas Gerais, 112), em São Paulo, e contará com a presença de grandes conhecedores, produtores e apreciadores da bebida.
Para maiores informações, fale com a Mariana Lobato pelo telefone (11-97103396) ou e-mail: lobatomari@gmail.com

27.9.05

Truques que ninguém gostaria que você soubesse

Esse post reúne uma série de artigos que fizemos para a Tribuna da Imprensa (caderno Tribuna Bis, todas as quintas-feiras) sobre os truques que os vinicultores estão empregando de modo a conseguir notas altas dos grandes críticos de vinho, começando por ele, Robert Parker Jr.
1. Como conseguir notas altas
Qualquer vinicultor hoje, se quiser (e não for lá muito brioso) pode conseguir que seu vinho receba notas altas do alto papado da crítica – inclusive do maior dos críticos, Robert Parker. Basta contratar a Enologix que seu vinho em pouco tempo estará cotado entre 85 e 100, na escala inventada por Parker e imitada pela maioria das revistas e críticos no mundo todo. A partir daí é só faturar. Não se incomode com o consumidor: ele vai querer saber primeiro das notas e a partir delas é que começa a gostar do vinho.
Leo McCloskey, químico e também formado em enologia, fundou a Enologix há 15 anos, na cidade americana de Sonoma. Criou um software capaz de comparar a química de um vinho qualquer com a do vinho utilizado como referência. Exemplo: você quer fazer um vinho tinto que seja do gosto de Parker e seguidores e que consiga notas a partir de 85 pontos (a escala de Parker vai de 50 a 100 e 85 já é considerado excelente). O que você quer é um vinho intensamente frutado e, claro, passado no carvalho (ou com os aromas dessa madeira), muito intenso (com maior volume de álcool) e com poucos taninos (conservam e dão sabores novos à bebida, mas que são adstringentes e amargos quando jovem). É o chamado estilo internacional, que vem tornando os vinhos em todo o mundo cada vez mais homogêneos. McCloskey tem a receita para o seu vinho.
Os vinhos que saem dessas receitas perdem de cara o sentido de “terroir”, a sua distinção regional, o sabor do terreno, da região onde foi plantado. Mas o consultor afirma que “o consumidor não precisa saber sobre terroir. Basta para ele saber se seu vinho vale o preço que está na garrafa”. E o preço é dado pelos críticos. Daí a necessidade de uma boa nota.
O processo é simples: o vinicultor entrega amostras da uva à Enologix, que extrai o seu suco e a faz passar equipamentos que separam os elementos químicos do líquido e os compara com cerca de 100 componentes capazes de afetar o gosto do consumidor. McCloskey elabora um “índice de qualidade” desses componentes e os coteja com os dos vinhos já engarrafados e previamente julgados por grupos de vinicultores, plantadores, proprietários e críticos. Ele tem todo o tipo de informações sobre 70 mil vinhos, incluindo, claro, as notas dos críticos. Enquanto a ciência tradicional do vinho analisa profundamente os componentes químicos primários (açúcar, álcool e acidez, que determinam se o vinho está dentro dos padrões básicos de aceitação), McCloskey busca os componentes secundários (terpenos, fenóis e antocianinas), relacionados a textura, aroma, sabor, cor - confundidos enganosamente com qualidade. O crítico Dr. Vino comenta que usar a Enologix é como aquela dissertação que você faz pensando em agradar o professor, mas na qual não acredita e gosta. Não precisa nem conhecer a matéria, apenas o macete para fazer boas provas. Pois esses vinicultores têm não um, mas vários macetes ou truques – que gostariam que os consumidores desconhecessem.
2. Muito álcool
Já vimos como a americana Enologix, a partir do suco das uvas de um vinhedo, pode chegar a uma receita química a partir da qual será feito um vinho candidato certo a notas altas do guru dos críticos, Robert Parker, e de seus seguidores. Notas que influenciarão os críticos, que então motivarão os consumidores.
Parker e seguidores gostam de vinhos potentes e frutados, de cor intensa, taninos amansados e nenhuma sombra de aromas vegetais. A preferência por mulheres peitudas desembocou na prática incontrolável do silicone, de um artifício manufaturado.
Os vinicultores afirmam que seus vinhos são feitos no vinhedo. Mas é cada vez mais difícil, pelo menos na América e na Austrália, por exemplo, encontrar-se um vinho que não tenha se submetido a alterações tecnológicas ou recebido algum ingrediente extra.
Aceita-se que essas técnicas sejam empregadas para corrigir acidentes ocasionais. Mas seu uso hoje é rotineiro. Muitos vinicultores abandonaram o seu ofício original e passaram a seguir receitas (como as da Enologix). São hoje os fiéis do vinho manufaturado, em oposição aos que ainda acreditam que a bebida deve espelhar o solo, o clima, o ambiente da região onde as uvas se desenvolveram. Os “terroiristas” estão perdendo essa partida, pelo menos por enquanto.
Temos o caso dos vinhos fortemente alcoólicos. Em 1984 a bebida tinha em média de 12% de álcool por volume, mas em 2002 chegou a 14% e até mais. Podem culpar os verões cada vez mais intensos no hemisfério norte, deixando as uvas mais maduras e com mais açúcar (logo, possibilitando mais álcool). Assim mesmo, elas estão sendo colhidas muito depois de atingirem o conteúdo adequado de açúcar. Esses vinicultores retardam a colheita ao ponto das uvas começarem a murchar e suas sementes a ficarem marrons (para não emprestarem taninos verdes ao vinho). Querem fazer vinhos super concentrados. Porém, quanto mais madura a uva, menor a sua acidez total e maior o risco de defeitos no vinho. O vinho perde seu equilíbrio.
O conteúdo alcoólico dos vinhos varia de 7,5% (para os leves brancos alemães) até 22% em alguns Portos e Madeiras. Entre esses extremos temos alguns vinhos do Novo Mundo chegando aos 15%. Uma taça de 125 ml de um tinto desses, com 14,5% de álcool, terá 1,8 unidades de puro etanol (o álcool de vinho). Numa garrafa de 750 ml teremos 11 unidades de álcool (11 cl). É ressaca à vista.
É como lembra a grande Jancis Robinson: esse tipo de vinho agrada àqueles influentes críticos. “Só que é bom não esquecer que eles apenas provam e não bebem os vinhos que julgam”. Sobrou para nós, consumidores, experimentá-los.
Mas o produtor, nos Estados Unidos pelo menos, paga um imposto maior para vinhos acima de 14% de álcool. Além disso, o vinho é desequilibrado. Então ele começa a diluir a bebida, ora com água ora através de outras técnicas mais sofisticadas, sobre as quais falaremos na próxima coluna.
3. Água no vinho
Os produtores da Califórnia querem seus vinhos Parkerisé, ou “parkerisado”, termo criado pelos franceses para uma bebida que agrade e sobretudo receba boas notas de Robert Parker, o guru da crítica de vinhos. Que quer um vinho jammy, ou com “grande intensidade de frutos, resultado de excelente amadurecimento, (um vinho) muito saboroso”, em sua própria definição. Um vinho concentrado, potente, com taninos amansados e poucas notas vegetais, com elevado teor alcoólico, um “arrasa quarteirão”, traduzindo “blockbuster”, expressão freqüentemente utilizada como qualificativa do vinho.
O Heavyweight 2002 (cabernet sauvignon, merlot e mais duas outras uvas da Behrens & Hitchcock) tem 15,6% de álcool; o Roussanne 2001 da Sine Qua Non vem com 15,5%; o Hard Core 2002 (um blend de tintos da Core) tem 15.7%; os Syrahs da Pax Wine Cellars oferecem 16%; o Bulladoir 2002, um Syrah da Garretson, quase chega aos 17%. Todos da Califórnia, todos premiados com 90 e mais pontos por Robert Parker. O consumidor, que só quer saber de notas altas, vai correr atrás deles. Daí a “parkerização” ou homogeneização geral.
Para o vinho ficar jammy, com taninos macios e nada de notas vegetais é preciso que amadureça além dos limites. Na uva, os sabores se desenvolvem mais lentamente que a produção do álcool. Assim, a uva é deixada ainda mais tempo no vinhedo. Se estiver boa de álcool, ainda falta domar os taninos (para que eles possam ainda ajudar na estrutura, mas sem dominar o sabor do vinho e impedi-lo de ser consumido logo) e apagar traços de sabor vegetal. Só é colhida quando vira passa. Dão vinhos de uma nota só, maduros ao ponto de admitirem alguma doçura, muito próximos dos Portos. Os vinhos perdem acidez, equilíbrio, harmonia. Sua estrutura foi alterada. O álcool em excesso pode dar a impressão de doçura, que não combina em nada com comida.
O recurso para fazer um vinho com tal volume de álcool mais palatável é acrescentar água ao suco da uva antes de fermentá-lo e transformá-lo em vinho. Busca-se agora uma bebida que mantenha aqueles sabores “jammy” e tenha menos álcool por volume. Outros dois recursos são mais avançados: a osmose reversa (que é usada normalmente para a dessalinização da água) e as “spinning cone columns”, uma espécie de coluna de destilação. Uma parte do vinho é submetida a uma dessas duas técnicas, seu álcool é reduzido e depois misturado ao vinho original para que um novo nível, menor, seja atingido. Muitos produtores não registram o nível de álcool corretamente nos rótulos. Na América, a lei permite uma diferença de até dois pontos percentuais. Assim, um vinho com 14% de álcool pode declarar 12,5% no rótulo. Note-se que vinhos acima de 14% pagam mais impostos ao governo. Mas a tendência de álcool em excesso é mundial.
O vinho é tão alterado que não exprime mais a sua origem. Depois de colocar água no vinho, o produtor tem de compensar a falta de acidez. Então, adiciona ácido à bebida, assunto da próxima coluna.
4. O vinho sem graça: pouca acidez
Nessa série, vimos até agora que a tendência mundial é por um vinho “poderoso”, super frutado (jammy), pra lá de maduro e, por isso, com alto teor alcoólico. As uvas são colhidas com excesso de açúcar, pois assim destacarão fortemente os sabores de fruta. Nesse processo, os taninos serão amenizados (deixando o vinho menos adstringente e fácil de beber ainda jovem), os sabores de vegetal somem (não são bem vindos pela crítica “da moda”). Os vinhos perderão sua harmonia. Sua acidez, necessária para esse equilíbrio, ficará bem abaixo dos demais componentes. Serão vinhos desconjuntados, difíceis de acompanhar uma refeição. Então, como o Dr. Frankenstein, o vinicultor começa ao juntar os pedaços que desuniu desde a vinha. Ele primeiro tenta reduzir a quantidade absurda de álcool, através da diluição com a água e de técnicas mais sofisticadas.
Em seguida, procura ajustar os níveis de acidez da bebida. Originária do suco original da uva, a acidez tem grande importância na qualidade do vinho, pois influencia diretamente a sua cor, bem como no desenvolvimento dos fermentos e, portanto, dos sabores da bebida. Vinhos com níveis baixos de ácido têm poucas defesas contra contaminação por micróbios. A acidez inibe o desenvolvimento de toda a espécie de agentes nocivos na bebida. Com relação à preservação da cor, ela ocorre com os vinhos tintos, pois o pH afeta a ionização das antocianinas, vitais para a cor da bebida. Quanto mais baixo o pH, mais tinto ou rubro (ou menos azul) fica o vinho – que terá, ainda, sua cor mais estável. Como sabemos, pH é o potencial de hidrogênio: uma medida da atividade dos íons de hidrogênio numa solução e, por conseguinte, da sua acidez ou alcalinidade.
É a acidez que dará ao vinho aquela sensação refrescante que o torna a companhia ideal para a mesa. Quando menor a acidez, mais desestruturado, disforme, desinteressante, sem profundidade, “pesado”, sem firmeza e enjoativo será o vinho.
Para compensar essa grave falta, muitos vinicultores acrescentam ácido ao vinho, normalmente o tartárico e às vezes o cítrico, mais barato. O primeiro também ocorre naturalmente nas uvas. É o responsável por aqueles cristais que por vezes se formam na base das rolhas.
É uma prática realizada habitualmente no momento em que o fruto está sendo prensado, tornando sua presença na bebida mais “natural”. Quando é acrescentado pouco antes do engarrafamento, ele poderá funcionar como uma picada em nossa boca. E o vinho continuará desconjuntado, sem graça.
Mas para completar o seu novo ser, esse vinho super vitaminado, os novos doutores Frankenstein continuam usando de outros truques e químicas. Acrescentam taninos em pó (preferem usar o eufemismo “taninos enológicos”), empregam a microoxigenação e mais: colocam corantes no vinho – três truques que serão o assunto do próximo post.

De orgânicos ao Big Brother

Chegam os vinhos orgânicos. Agora podemos encontrar vinhos orgânicos de excelente procedência e com mais facilidade em lojas badaladas de São Paulo. Os vinhos são os da centenária Cantina Perlage, uma vinícola situada na cidade de mesmo nome, na região do Veneto, ao norte de Veneza.
A partir de 1981, a Perlage começou a utilizar técnicas biológicas na produção de seus vinhos. Ou seja, aderiu às práticas orgânicas. Quer dizer, seus vinhos, das uvas ao produto final, não contêm produtos químicos, de fertilizantes, pesticidas, fungicidas, herbicidas, fumigadores do solo, hormônios, reguladores de crescimento – nada disso é utilizado. O único elemento adicionado ao vinho é o dióxido de carbono para conservação. Vinhos feitos com “uvas orgânicas” podem, pelas leis que regulam esse tipo de processo, receber não mais que 100 partes por milhão de dióxido de carbono. Os vinhos orgânicos podem adicionar apenas 10 partes por milhão.
Nos vinhos que conhecemos, não orgânicos em sua vasta maioria, cada garrafa contém pelo menos um resíduo de pesticida – informação essa que não aparece no rótulo. Em alguns vinhos, inclusive, foram encontrados componentes de 240 de resíduos químicos. O uso intensivo de produtos químicos na agricultura já deixou algumas áreas de produção de uvas e vinhos com vida microbial menor do que as areias do deserto de Saara. Daí muitos viticultores estarem adotando processos mais respeitosos com o meio ambiente e passando para cultura orgânica, como é o caso da Perlage.
Os vinhos que já estão disponíveis, através da importadora Marimpex, são três tipos de espumantes (Prosecco di Valdobbiadene Riva Moretta, Prosecco di Valdobbiadene Brut e Prosecco di Valdobbiadene Frizzante). Olha que a Perlage é a única produtora de Prosecco orgânico a partir de uma região DOC, sigla para Denominazione di Origine Controllata, reservada para a elite dos vinhos italianos.
Além desses três, temos dois tintos (Merlot Piave e Cabernet del Veneto) e dois brancos (Chardonnay del Veneto e Pinot Grigio del Veneto).
São vinhos que se destacam pelos seus sabores e aromas, já premiados em concursos internacionais e que são sucesso de vendas na Alemanha, Holanda, Inglaterra, Japão e agora no Brasil, particularmente em pontos elegantes de São Paulo, como: Arábia, Assemblage Store, A Figueira Rubayat (que tem uma das melhores cartas de vinho da cidade), Café Journal, Deloonix, Espaço Zyn, Empório Santa. Terezinha; Mercado Municipal de São Paulo, Emporium Plaza, Olivers&CO-Loccitane, Galeria dos Pães, Praça São Lourenço, Pinot Noir, Restaurante Fulo (que possui um cozinha vegetariana bem diferenciada, muito saborosa), hotéis Ceasar Park, Unique, Sonesta; e Pizzaria Leona. Se a leitora mora fora da cidade de São Paulo, a solução é entrar em contato com a Paula Adachi (11-8318-1773 ou 11-8132-8572 ou paulaadachi@yahoo.com.br) ou consultar o site da importadora,

27.8.05

Às cegas

Existe um restaurante em Paris onde, após completar o serviço, o garçom anuncia: "o copo d’água está à esquerda e a taça de vinho à direita, ao alcance de suas mãos". Acontece que você está no mais completo breu, num lugar onde celulares, relógios, qualquer fonte luminosa é confiscada na porta. O garçom é cego e só ele sabe como se virar naquele ambiente. Você não consegue ver nem seu companheiro de mesa, só tocá-lo (o que pode ser uma boa idéia). Mas o caso é que você vai ter que identificar e avaliar o vinho que está naquela taça. É evidente que é o restaurante que escolhe o vinho. Você não sabe que garrafa vem para a mesa. E aí é que são elas.O restaurante, também um bar e lounge é o “Dans le Noir”, que fica na 51, Rue Quincampoix, na área do Beaubourg. Você pode achar o ambiente claustrofóbico ou extremamente tranqüilo. Mas, sem dúvidas, pode ser divertido para uma prova de vinhos e comidas. Um teste cego é a prova de fogo dos profissionais do vinho ou mesmo dos grandes conhecedores. Apenas através dele anulam-se os traços de subjetivismo que acompanham quaisquer julgamentos. No caso dos vinhos, um rótulo à sua frente certamente poderá influenciar a avaliação. A maioria das degustações profissionais é feita às cegas. Os testes comparativos, por exemplo, são sempre cegos: eles reúnem vinhos de safras mais ou menos próximas e da mesma origem. Saber a sua identidade poderia prejudicar toda a avaliação.É um exercício extremamente difícil. É parte, por exemplo, do exame do Institute of Master of Wine, na Inglaterra, o mais importante curso formador de profissionais de vinho do mundo: lá, na prova final, os candidatos têm de identificar nos vinhos a variedade da uva, sua origem geográfica e a safra.Um crítico respeitado, o inglês Jamie Goode, afirma, no seu site “The Wine Anorak" , que os críticos de vinho deveriam submeter-se a testes cegos. Ele antecipa que alguns seriam reprovados, o que para o inglês seria muito bom, pois talvez voltassem seus talentos para áreas distantes da crítica de vinhos.Um teste feito pela Universidade da Califórnia, em Davis, demonstrou que mesmo degustadores experientes encontraram dificuldades em identificar diferentes variedades de uvas. Os enganos foram consideráveis, também, na determinação das safras. O mais antigo e também mais premiado colunista australiano, Len Evans, realizou testes cegos reunindo experimentadores novatos e veteranos. Os novatos geralmente ganhavam, demonstrando que a experiência, muita informação, pode confundir nossos narizes.Há alguns exageros nesse tipo de teste, provavelmente pouco aceitos pelos verdadeiros profissionais do vinho. Por exemplo, o respeitado INAO, Institut National des Appelations d’Origine, órgão oficial que na França administra, regula e protege as Apelações de Origem, não apenas das regiões produtoras de vinho, mas de Cognac, Armagnac e calvados. Pois o INAO projetou taças oficiais de degustação em vidro preto, especiais, evidentemente, para os testes cegos. Os profissionais do vinho, produtores, enólogos, comerciantes e jornalistas utilizam sempre as taças de cristal branco em suas provas regulares. Agora, temos as com vidro preto.Assim, além de ter de identificar as uvas, a origem e a safra, o provador tem de saber se o vinho é tinto, rosado, dourado, amarelo etc. É torturante. Você precisa de muita, muita experiência. E evidentemente de uma tremenda sorte. Contudo, um bom provador dispensa tudo isso. Ele tem a capacidade de, mesmo lendo o rótulo do vinho, sabendo a sua safra e sua origem e a sua eventual “fama”, firmar um julgamento isento sobre a bebida. O amante do vinho faz o mesmo. Não gostou do vinho, passa para outro. Não existe mistério: profissionais e amadores vivem se aproveitando da imensa diversidade dessa bebida. Mesmo duas garrafas de um vinho de rótulos iguais (mesmo produtor, origem, safra etc.) não são absolutamente iguais. Essa é uma das grandes graças dessa bebida.Para os esnobes do vinho, aqueles que se proclamam sabichões, o teste cego é uma prova de humildade: com certeza, essa turma vai sair dessa experiência de cabeça baixa e sossegar por um bom tempo. O “Dans Le Noir” (“No Escuro”) nasceu de um projeto da Sociedade Paul Guinot, criada logo após a Primeira Guerra. Seu objetivo é promover cultura, esportes e empregos para os cegos. A colunista americana Jennifer Rosen esteve lá (e daí esse relato) e diz que provou também a comida: gostou muito, mas acabou comendo com as mãos, pela falta de radares nos seus talheres. Ninguém se importou até porque ninguém viu. O restaurante emprega 12 garçons cegos e regularmente promove degustações de vinhos.De qualquer modo, o “Dans le Noir” promove um choque, uma experiência importante, pois nos coloca no lugar dos cegos, aproxima-nos do mundo deles. Normalmente, sentimos pena deles, oferecemos a ajuda. Mas apenas imaginamos como é viver na escuridão total. O restaurante francês oferece uma experiência real desse mundo. É quando, para sobreviver, apelamos para nossos outros sentidos, principalmente o olfato e o tato. Se o teste cego é a prova dos nove na avaliação de vinhos, comer “às cegas” extrapola o politicamente correto para mim. Às refeições, tenho que ver o que como e bebo.
Comente sobre suas experiências às cegas. Escreva para a Soninha no soniamelier@terra.com.br

19.8.05

Um Ano Bom

Com o sucesso de público e crítica do filme Sideways qualquer um poderia apostar que o cinema iria olhar para o mundo dos vinhos com muito mais atenção. Agora, é o famoso diretor Ridley Scott que prepara um filme baseado na 5ª novela do inglês Peter Mayle, “Um Ano Bom”, já lançada no Brasil.
Sideways custou US$ 16 milhões e sua bilheteria foi de US$ 71 milhões. E ainda levou o Oscar de melhor roteiro adaptado. Não apenas isso: o filme fez aumentar as vendas das garrafas de Pinot Noir nos EUA e o tráfego turístico para a Califórnia.
O ano que passou teve também o sucesso do documentário Mondovino, ainda rodando pelo mundo. Ele denuncia a “cocalização” do vinho, sua “homogeneização”, praticada pelos grandes grupos do setor, segundo seu diretor, Jonathan Nossiter.
Depois do cult Blade Runner e de megaproduções como Gladiador e da recente As Cruzadas, Ridley Scott resolveu tirar férias. Sim, pois a história, como quase todas de Mayle, se passa na Provence, esse paraíso terrestre. É uma trama leve, que envolve além de vinhos, a estupenda culinária local, a inesquecível paisagem e os personagens típicos da famosa região. E tudo isso tem o gosto de bom descanso e certamente de ótimo entretenimento.
O diretor inglês está tentando contratar o premiado (tem um Oscar) Russell Crowe, o “gladiador”, “mestre dos mares” e recentemente um lendário pugilista (em Cinderella Man). O temperamental ator, se aceitar o convite, fará o papel de um inglês, Max Skinner, que trabalha numa corretora londrina e perde seu principal cliente através de uma tramóia de seu chefe. Perde também o emprego. Está duro, deve o aluguel. Parece sem saída. É quando resolve ver o que está na caixa do correio: lá está a carta do tabelião de St. Pons, a vila próxima da grande propriedade de seu tio, o lugar onde passava férias na juventude. Pois a notícia é que seu tio morrera e deixando sua propriedade como herança.
A fictícia St. Pons fica à uma hora de distância de Avignon, na Provence. Max se aconselha com um amigo e resolve partir para a Provence e tentar mudar de vida. Será uma deliciosa mudança.
O personagem sai do inferno urbano e executivo de Londres e se encanta com a pacata e deliciosa vila. O vinhedo está precisando de cuidados. Os vinhos que produz são péssimos. O caseiro, que está lá desde os tempos do falecido tio, parece próspero. Sua casa é farta e sua vida vai muito bem. Tem algo errado!
Max resolve investigar. No caminho, cai de amores pela dona do melhor restaurante da cidadezinha, aprende a dançar, só tropeça na falta de explicações convincentes para as uvas e os vinhos medíocres produzidos em sua propriedade.
Por obra de um acaso e da honestidade do tal caseiro, o inglês descobre que há uma parte do vinhedo que produz vinhos fabulosos – vendidos às escondidas pelo funcionário a um misterioso negociante de Bordeaux.
Max está diante de uma fraude, um golpe, onde produtor e investidores são lesados. E isso sempre aconteceu, resultando em enormes prejuízos para o simples consumidor, que bebe gato por lebre, como para aqueles que compram vinho como se no mercado de futuros. Compro hoje por um preço e vendo mais caro adiante. Ou para colecionadores: compro uma raridade possuída por poucos.
As fraudes incluem ora a adulteração do vinho. Vinhos mais simples recebem rótulos de vinhos mais sofisticados ou esses são misturados a vinhos de mesa, inferiores. E vendidos mais caros. Em 1974, aconteceu na França o “Winegate”: vinhos medíocres do sul do país eram vendidos com rótulos de grandes casas de Bordeaux. A empresa que aplicava o golpe foi multada em US$ 8 milhões e seu diretor se suicidou.
As fraudes não se localizam apenas no segmento de vinhos. Uísques e conhaques aumentam a lista de golpes. Mas o vinho está na moda. Daí que a quantidade de esquemas sujos envolvendo a bebida é maior e resulta em prejuízos de milhares e milhares de dólares todos os anos a investidores e aos governos envolvidos.
Peter Mayle arruma sempre uma maneira de revelar os podres do jeito Daslu de ser, do mundo dos ricos e famosos. Numa novela, temos a falsificação de quadros, noutra adulteração de trufas.
Mas voltemos ao nosso Max. Ele consegue descobrir quem é o oculto negociante de Bordeaux, o pilantra que compra toda a produção dos vinhos bons de Max, diretamente do caseiro. Compra por uns míseros dólares e vende cada caixa de 12 garrafas a partir de 40 mil dólares. Basta para isso mudar o rótulo e vender os vinhos como o Bordeaux mais cult e misterioso, um vinho de garagiste, com um rótulo misterioso “Le Coin Perdu” (lugar perdido, esquecido). Seria o vinho de um pequeno parreiral que só conseguia tirar 600 caixas anuais. Lorota que consegue enganar otários através de um delicioso malabarismo verbal. Skinner sem dinheiro para investir na sua terra e o pilantra e cúmplices faturando alto.
Peter Mayle repete mais uma vez o seu primeiro livro, “Um Ano na Provence”. Todas as suas demais novelas são seqüelas desse trabalho de tremendo sucesso de público e, claro, vendas. Por exemplo, na novela “Hotel Pastis”, é um publicitário inglês, entediado com o mundo executivo que resolve pedir as contas e partir para a Provence, onde abre uma pousada, numa trama que inclui também mistério, crime e suspense. Os ingredientes habituais.
As tramas são parecidas, mas não são iguais. Em cada novela, Mayle nos mostra um ângulo novo da Provence, um aspecto diferente dos humores de seus habitantes e das pragas de turistas que ele mesmo incentivou a conhecer a região.
“Um ano bom” é o primeiro que coloca os vinhedos e os vinhos provençais em primeiro plano. Peter Mayle resolve tudo com elegância, humor e adequado suspense. Ridley Scott foi diretor de comerciais de TV antes de dedicar-se aos longas metragens. Logo, deve ter sido colega do também ex-publicitário Peter Mayle: os dois têm tudo para se entender bem.
Só torço para que Ridley Scott não faça o Russell Crowe distribuir porrada em parte da população de Bordeaux. A trama original não pede isso.
Peter Mayle nos faz aprender mais sobre vinhos, falcatruas e a fabulosa Provence. Sua novela é ótimo entretenimento. Tomara que o filme siga o mesmo caminho.

Beethoven por um fio

A TV inglesa exibiu recentemente um documentário sobre a trajetória de um chumaço de cabelo do gênio da música, Ludwig van Beethoven, recolhido assim que o compositor morreu, em 1827. Analisada, essa porção revelou uma concentração de chumbo 100 vezes acima do nível seguro – o que explicaria as mazelas do autor: doenças estomacais, grandes dores de cabeça, irritabilidade e, inclusive, a sua surdez (a partir de 1797-99) e que acabariam com a sua morte em 1827.
O documentário sugere que o compositor tenha se intoxicado com chumbo consumindo águas de estações hidrominerais que freqüentou quando jovem. Mas um jornalista do irlandês Sunday Life, John Hunter, acha que o gênio teria sido envenenado através vinho e cerveja, que adorava.
No século 19, o chumbo era usado para adulterar essas bebidas de modo a melhorar seus sabores e aspectos. O metal era empregado desde os tempos dos romanos, para que o vinho não avinagrasse e também para adoçá-lo. Duzentos anos antes, um médico alemão, Eberhard Gockel, estabeleceu a primeira relação da bebida adulterada com a saúde, observando que bebedores de vinho tinham os mesmos problemas que os trabalhadores em minas de chumbo.
Nos tempos de Beethoven, bebia-se principalmente em canecas feitas de uma liga de estanho (70%) e chumbo (30%), as garrafas eram limpas com jatos de chumbo, reservatórios e encanamentos de água continham muito chumbo. Nesse sentido, você poderia culpar qualquer bebida.
Traços do metal existem naturalmente em todas as plantas, inclusive nas uvas. A prática da adulteração foi banida há tempos e hoje o metal é precipitado já na fase de produção do vinho. Os equipamentos das vinícolas não utilizam chumbo. Só ínfimas quantidades são ainda encontradas em algumas cápsulas de chumbo que protegem as rolhas – o que já está proibido na maioria dos países. Podemos encontrar chumbo em taças e decantadores de cristal (produzidos com o metal). Um estudo revelou uma concentração de 5 mg por litro de chumbo num decantador deixado com vinho do porto por 4 meses. Para que uma pessoa se intoxicasse, teria que beber 10 litros da bebida quase que de uma vez. Sabe-se que os vinhos modernos contêm um máximo de 0,13 mg de chumbo por litro de vinho, bem abaixo do nível permitido. Na América o nível é de 150 partes de chumbo por bilhão. A média mundial é de 95 partes por bilhão. É como se o metal não existisse na bebida.
Uma autópsia descobriu alguns problemas no fígado, no baço e no pâncreas do autor. Diz a historiadora Anne-Louise Coldicott que o compositor teria uma colite ulcerativa, hoje curável com os medicamentos modernos. Sofria de depressão, talvez devido ao problema que causou sua surdez. Apesar de gostar de vinho, são infundadas as suspeitas de que era um alcoólico. Mas até agora não se sabia da presença letal de chumbo revelada pelo cabelo de Beethoven. A verdade é que nossas vidas sempre estiveram por um fio. E o chumbo continua matando. Só que não se pode mais culpar os vinhos por isso.

Decantar ou não decantar

Afinal, devemos decantar todo e qualquer vinho, seja jovem ou maduro, com duas ou mais décadas de idade? Não apenas isso: devemos decantar tanto os tintos quanto os brancos? Espumantes devem ser decantados?
A tradição orientava a decantação apenas daqueles vinhos mais maduros, com depósitos - normalmente nas paredes laterais das garrafas guarados que estvam na posição horizontal nas adegas. É num desses lados que esses depósitos se reúnem.
A decantação – a transferência da bebida de um reservatório (no caso, a garrafa) para outro (o decantador ou apenas uma taça) -, era é continua sendo feita para eliminarmos esses sedimentos. A própria palavra quer dizer “separar, por gravidade, impurezas sólidas que se contenham em um líquido”, limpar, livrar, purificar – reza o Aurélio.
E essa é até hoje a mais óbvia razão para decantarmos alguns vinhos. Nada mais natural, pois aquelas impurezas, embora inofensivas à saúde, muitas vezes emprestam adstringência e sabor amargo ao vinho,.
Mas atualmente a confusão é grande. Observamos tanto em casa de amigos como em restaurantes bons de vinho que estão decantando qualquer garrafa que vá à mesa, não importa se de vinhos maduros ou jovens.
Mas esses, os mais jovens, raramente carregam impurezas. Um consultor de vinhos para restaurantes na Califórnia, Michael Quellette, afirma que com relação aos vinhos jovens “não se trata na realidade de decantar: o termo técnico é arejar, aerar, ventilar, oxigenar”.
Oxigenar? Mas isso não vai “envenenar” o vinho, corrompê-lo, avinagrá-lo? Não é para evitar a oxidação que estava hermeticamente fechado?
Segundo o citado consultor, um vinho, mesmo jovem, deve ser decantado para ganhar um pouco de ar. Os vinhos estão sempre comprimidos quando você abre a garrafa. Deixar entrar um pouco de ar, para o consultor, pode ajudar a “separar as camadas de aroma e sabor e expor algumas das qualidades da bebida”.
Michael Quellette está convencido de que decantar vinhos jovens só faz melhorá-los. Faz isso com todos os vinhos: tintos e brancos. Quanto a esses últimos, fala que ajuda os vinhos a florescer. “Se não decantá-los (os brancos), você só perceberá as qualidades do vinho na última taça. Ao decantá-los, você vai despertá-los já a partir da primeiras taça”.
A teoria é a de deixar o vinho em contato com oxigênio para que ele libere logo os seus aromas.
No "French Laundry", considerado um dos melhores restaurantes do mundo, em Napa, Califórnia, cujo chef, Thomas Keller, já recebeu por duas vezes consecutivas o maior prêmio da culinária norte-americana, o da Fundação James Beard, o sommelier decanta até vinhos espumantes, especialmente os rosados. E a efervescência? O sommelier do restaurante acredita que a decantação libera muito do dióxido de carbono, “resultando num vinho mais cremoso e mais frutado e menos ácido”. E menos efervescente, claro.
Alguns livros, inclusive, recomendam decantar com um dia de antecedência vinhos potentes, com aromas fechados ao nariz, como o caríssimo tinto italiano Brunello di Montalcino.
Muitos amantes de bons vinhos decantam garrafas de tintos mais carnudos, muito intensos, uma hora antes de servi-los.
Por outro lado. As virtudes da decantação sob quaisquer condições (para vinhos de qualquer estilo e idade) não são compartilhadas inteiramente pela ciência.
O professor de enologia da Universidade da Califórnia, em Davis (um dos maiores e mais respeitados centros de estudo e pesquisa enológica do mundo), Roger Boulton, afirma que não há absolutamente nenhuma evidência de que a decantação produza qualquer mudança nos taninos do vinho, pelos menos por alguns dias. Provadores podem até achar que os taninos ficaram mais macios (menos adstringentes), mas testes de laboratórios mostram o contrário.
O professor também revela que “nem a aeração, a oxigenação do vinho tem essa participação que muitos profissionais pensam ter”. Boulton diz que o oxigênio não tem nada com os aromas que emergem quando um vinho é colocado numa taça ou num decantador. “Esses aromas aparecem inclusive num ambiente nitrogenado, sem a presença do oxigênio”.
Como um refrigerante que libera parte do seu dióxido de carbono quando é aberto, mas guarda algumas bolhas na bebida, o vinho retém muitos dos seus componentes aromáticos em solução na garrafa, uma parcela deles está concentrada no gargalo (na parte superior do líquido, aquele espaço vazio entre a base da rolha e o vinho). Quando retiramos a rolha e o vinho é colocado seja num decantador ou numa taça, ambos com gargalos bem maiores, aqueles aromas, bons ou ruins, têm para onde escapar.
Alguns componentes do vinho evaporam-se mais rapidamente do que outros. Os sulfitos (sais e ésteres do ácido sulfuroso) e o ácido acético estão entre os primeiros a escafeder-se. Daí que o perfume inicial de um vinho pode não ser dos melhores.
Mas preste atenção que os ésteres (substâncias resultantes da condensação de um ácido orgânico com um álcool) responsáveis pelos aromas de muitos vinhos brancos podem também evaporar-se logo. Portanto, decantar um branco pode diminuir os seus atributos, explica o professor da UC Davis.
Dependendo da idade de um vinho e dos componentes aromáticos que contenha, essa liberação de aromas pode continuar por duas ou três horas. Mas num tinto típico de 10 anos, uma hora para “respirar” é mais do que suficiente, diz o professor. Depois disso, o vinho perderá mais dos aromas bons do que dos ruins. E Roger Boulton observa que aromas ruins, como os provocados por defeitos, como os da “doença da rolha”, jamais serão evaporados. Ficam no vinho.
Outra dica é que ninguém precisa de um decantador para liberar os aromas de uma garrafa. “Basta servir o vinho numa taça que o efeito é o mesmo. Use o decantador apenas se você é um sommelier”, diz o professor. Roger Boulton atribui a tradição de decantar aos vinhos europeus, “geralmente com muito mais incidência de defeitos do que os vinhos do Novo Mundo”.
O grande mestre da enologia, o já falecido cientista francês Emile Peynaud, argumentava que apenas os vinhos com falhas beneficiavam-se com a decantação. Acreditava que bons vinhos revelavam as suas qualidades e charmes assim que eram despejados numa taça.
Mas tanto Boulton, quanto Peynaud e a maioria dos profissionais do vinho concordam num determinado ponto: apenas desarrolhar a garrafa e deixar o “vinho respirar” não ajuda muita coisa. Até que o vinho seja transferido para um lugar mais espaçoso, seja uma taça ou um decantador, não se notará qualquer melhoria. De qualquer modo, não há como negar que um vinho apresentado num decantador fica muito mais convidativo.
Como decantar. Com os vinhos mais velhos, mais maduros, temos de separar os sedimentos depositados nas paredes da garrafa. Segure o gargalo da garrafa próximo a alguma fonte de luz (uma vela, uma lanterna) e muito firme e vagarosamente vá despejando o vinho no decantador. A luz ajudará a ver quando os sedimentos chegam próximo ao gargalo. Nesse momento, continue com mais cuidado e vagar ainda. Em hipótese alguma agite a garrafa. Uma vez no decantador, beba logo o vinho, para que não perca de vez os seus aromas. Se o vinho for muito maduro, o melhor é não decantá-lo. Beba-o logo, pois suas qualidades podem perder-se no processo da decantação.
Para vinhos jovens, deixe-os por uns 15 minutos num decantador, ensina o editor da “Restaurant Wine”, Ronn Wiegand. Para os vinhos mais musculosos, como os Cabernet Sauvignon, ele recomenda uma hora.
A amiga pode muito bem testar as qualidades de decantar ou não. Basta abrir uma garrafa, encher uma taça e decantar o restante. Prove da taça. E algum tempo depois, o vinho que está no decantador. Compare as duas provas.

Harmonia II

Só mais uma palavrinha sobre essa questão de harmonizar vinhos e comidas (veja post "Harmonia" mais abaixo). Esse não é um assunto fechado, absolutamente resolvido. O que publiquei semana passada foram dicas de um dos mais sérios escritores e críticos de vinho do mundo, Hugh Johnson. Logo, carregadas de subjetividade. Por isso, ao largo de verdades científicas. E nunca foi essa a intenção do mestre inglês.
Enfim, tudo o que se pretende com qualquer harmonização é fazer ressaltar tanto o sabor do vinho quanto o do prato que o acompanha.
Harmonizar vinhos e comidas pode ser um assunto complexo, sempre envolvendo a cultura gastronômica de uma região ou de todo um país. Pode também se transformar no recreio exclusivo de chatos e pedantes. Depende do ponto de vista.
O fato é que a professora Hildegarde Heyman, de ciência sensorial do departamento de viticultura e enologia da Universidade da Califórnia, na cidade de Davis (um dos mais importantes centros de estudo e ensino do vinho, em todo o mundo), verificou que a maioria das combinações, em particular as de queijos e vinhos, não funciona.
Essas harmonizações não são nada do que alardeiam. Podem até resultar em jantares divertidos, mas ninguém ainda demonstrou cientificamente que a combinação de comida e vinho melhora de verdade esses dois componentes– que é o que se pretende em qualquer dessas reuniões.
Inclusive, a professora Heyman acha que acontece justamente o oposto – e tem base científica para prová-lo.
Ela vem realizando uma série de testes bem estruturados e precisos para determinar os benefícios ou os obstáculos que ocorrem quando da combinação de vários vinhos com várias comidas.
Como já falamos, muito se escreve, fala e mostra sobre harmonização. Aqui e em qualquer outro canto do globo. Até os contra-rótulos das garrafas agora apresentam sugestões de pratos para combinar com vinhos.
Só que são pouquíssimos os estudos acadêmicos, parcas as informações com base científica sobre a combinação de vinhos e comidas. Até hoje, a professora só encontrou quatro trabalhos, todos originários da Suécia. E nenhum deles com argumentos convincentes, definitivos sobre as harmonizações.
A cientista decidiu, então, realizar a sua própria série de experiências. Seu trabalho mais recente, conduzido com a ajuda de uma estudante graduada de Davis, Berenice Madrigal-Galan, reuniu 11 juizes treinados (em experimentar vinhos e comidas), que se submeteram a testes para determinar como percebiam aromas e sabores de vinhos tintos se consumidos com uma variedade de queijos.
Esses juízes testaram oito vinhos de quatro diferentes variedades (Cabernet Sauvignon, Pinot Noir, Merlot e Syrah) – antes e depois de experimentarem oito espécies de queijos, de macios a duros, de leves a ricos (mais gordurosos). Os testes foram repetidos três vezes.
Os resultados foram desanimadores: as combinações não fizeram nada por melhorar a percepção sensorial dos vinhos. Ao contrário: elas na verdade fizeram com que aromas e sabores da bebida ficassem piores.
Para os juízes, os atributos que geralmente apreciamos nos vinhos tintos – os sabores e aromas de frutos, em particular de amora, morango, framboesa, os aromas e sabores do carvalho, a adstringência (aquela sensação de constrição provocada na boca pelos taninos do vinho tinto) – tudo isso decresceu na medida em que se provavam os queijos.
“Em todos os casos, houve um decréscimo. Nos testes, o vinho sem o queijo tinha sabor mais intenso. Com o queijo, esse sabor perdia intensidade”, revela Heyman. As diferenças eram pequenas, mas consistentes e por isso significativas.
O sabor e aroma que mais se intensificavam nos vinhos eram um tanto amenteigados, um resultado até esperado, em conseqüência da fermentação malolática, que acontece nos vinhos novos, particularmente nos tintos, quando o forte ácido málico se converte em ácido lático (que tem baixa acidez) e em dióxido de carbono. O próprio nome, lático, explica o sabor e aroma amanteigado.
“Mas só uma pessoa bem treinada em degustação de vinhos poderia perceber aquela intensidade. Um amador nada notaria”, afirma a professora.
Hildegarde Heyman e Madrigal-Galan buscaram estudar apenas o impacto do queijo sobre o vinho. E não do vinho sobre o queijo.
Apresentaram suas conclusões na reunião anual da Sociedade Americana de Enologia e Viticultura, realizada recentemente em Seattle.
O que é importante é que as duas acadêmicas não estão levantando questões sobre a validade de testar vinhos específicos com determinadas comidas. Evitam julgamento de valores. “Essa não é uma questão de gostar ou não gostar, ou de analisarmos a qualidade do vinho. Só queríamos determinar se o grau de intensidade do vinho foi afetado. Há um decréscimo, sim, nos vinhos. Mas isso não quer dizer que alguma coisa piorou. Se alguém gosta de tomar vinho e ao mesmo tempo comer queijo, que vá em frente”, diz Heyman.
Lá por volta dos anos 50, as regras de harmonização eram bem simples e generalizantes, do tipo vinho tinto com carne vermelha, vinho branco com carne branca.
Mas a partir dos anos 80, as coisas ficaram mais complicadas e se você não soubesse alguma coisa a mais estaria fora de contexto pelo menos no caso dos vinhos.
Os estudos da professora vão continuar. A fase seguinte envolverá pedaços de pão e molhos de salada. Com os queijos, ela trabalhou com produtos fixos que não podiam ser alterados prontamente. Mas a gordura, doçura, acidez e outros componentes do pão e dos molhos são itens facilmente manipuláveis.
“Quero ver o que acontece quando aumentamos a acidez, os níveis de gordura e de doçura”, revela Heyman.
“Gosto de harmonizar vinho e comida, mas sem enlouquecer por causa disso. As pessoas esquecem que o vinho é uma bebida que deve ser saboreada. Beba o que você quiser e coma o que gostar sem se preocupar em não ter precisamente o vinho certo para a ocasião”, finaliza a professora.
Foi por isso que, na coluna passada, contei a história do Hemingway viajando através da Borgonha, tomando um vinho da região e comendo as comidas da região. Nada mais natural: é assim que o povo de lá aprendeu a fazer.
Foi por isso, também, que dei dicas de um mestre inglês experimentado e não as minhas, pois dificilmente vou conseguir testar tudo o que deveria para sair por aí deitando regras.
De qualquer modo, a Heyman só confirma o que sabemos: nunca foi fácil combinar vinhos e queijos. O espantoso é que essa dupla é o arroz de festa. Agora, ficamos sabendo que os vinhos perdem intensidade, pioram. Vamos ver o que vem mais por ai.

O Brasil na lista

A famosa crítica de vinhos, autora e Master of Wine Jancis Robinson fez uma lista das mais novas e promissoras regiões vinícolas do mundo. Temos hoje no mundo mais vinhos do que podemos consumir, mas novas áreas de produção não param de surgir. O Brasil faz parte dessa reduzida e nobre lista.
* Waitaki, Nova Zelândia. Começou quando um empreendedor local, Howard Paterson, resolveu plantar a tinta Pinot Noir em parte de sua fazenda na costa leste de North Otago, na Ilha Sul da Nova Zelândia. A primeira colheita comercial aconteceu em 2004, sendo dividida pelos parceiros do projeto, resultando em cinco vinhos promissores: quatro 2004 Pinot Noirs, mais um Pinot Gris e uma Sauvignon Blanc. Os vinificadores são diferentes, mas basta verificar no rótulo a origem da uva: Waitaki Valley Estates.
* Limarí, Chile. O panorama do vinho no Chile estendeu os seus limites 500 quilômetros para o norte, englobando a região de Coquimbo, onde fica o Vale Limari, a 20 km do Pacífico. As temperaturas mais frias vindas do mar dilatam o processo de amadurecimento e as uvas saem com nuances mais sutis do que as que crescem mais ao sul e no interior. A Viña Francisco de Aguirre foi a pioneira na região e seus vinhos de tão bons, acabaram comprados pelo maior produtor do país, Concha y Toro.
* Colinas de Santa Rita. É um nome novo para uma região já conhecida, o Vale de Santa Ynez, no sul da Califórnia, famoso pelas suas vinícolas e também por abrigar o Rancho Neverland, de Michael Jackson. Santa Rita fica a oeste do vale, na parte mais influenciada pelo Pacífico, como em Limari. Atenção para os Pinot Noir e os Syrah da Babcock, Brewer-Clifton, Melville e Sanford.
* Queensland, Austrália. É a área onde a indústria vinícola cresce mais rapidamente na Austrália, tanto que seus vinhos raramente são exportados. O turismo e o consumidor local praticamente sustentam os 150 produtores locais.
* Vale Agly, Roussillon, França. A uva Grenache é a que impera nos terrenos xistosos em torno das vilas de Maury e St. Paul de Fenoillet, no Roussillon, resultando em ótimos vinhos, vendidos como Vins de Pays des Côtes Catalanes ou Côtes du Roussillon Villages. Produtores principais: Gauby, Matassa, Le Roc des Anges e Le Soule.
* Philadelphia, África do Sul. Fica em Tygerberg, entre Stellenbosch e a costa oeste. É fonte de variedades de uvas originárias de Bordeaux, de alta qualidade. Atenção para a vinícola Capaia.
* Vale do São Francisco. Pois é: estamos fazendo bons vinhos até no árido nordeste, nas margens do São Francisco, fugindo do clima muito úmido da Serra Gaúcha. Procure pelo rótulo Vale do Sol, vinhos geralmente com a Syrah ou Syrah e Cabernet Sauvignon, os provados e fartamente elogiados pela rigorosa colunista. Você já os encontra nos supermercados daqui e nos da Inglaterra, Alemanha e Holanda.

20.7.05

Rótulos falantes

Na Itália, um produtor de rótulos, a Modulgraf, anunciou a criação de rótulos falantes. A empresa tem a patente da tecnologia dos microchips utilizados por muitas vinícolas contra a falsificação de vinhos e produz rótulos para algumas das maiores vinícolas do país, como Ornellaia, Arnaldo Caprai e a Tenuta Campo al Sasso, a nova empresa do grupo Antinori.
O rótulo falante terá o mesmo formato quadrado ou retangular, as mesmas cores e os mesmos desenhos das etiquetas em uso hoje. Será feito de plástico, mas poderá ser retirado e lido, digo, ouvido como um CD. Ou seja: serão verdadeiros discos digitais, porém aceitos apenas por um aparelho como o Walkman, também produzido pela Modulgraf. E o que ouviremos? A voz do produtor explicando as qualidades do vinho, as informações importantes da sua safra e da casa produtora.
O exclusivo Walkman será caro. A idéia é que só as lojas de vinhos finos, restaurantes de luxo e colecionadores adquiram o aparelho, especialmente para ouvir esses rótulos - que serão exclusivos apenas de vinhos muito caros.
A novidade será lançada no outono europeu e servirá também no combate à falsificação de vinhos (que normalmente acontece com os mais caros e raros).
O inventor da tecnologia, Florentin Doring, já usou o mesmo tipo de produto com livros, em outros mercados - e com sucesso.
Na Austrália, o Jacob’s Creek, a mais vendida marca de vinhos australiana, agora traz no rótulo de seus Chardonnays um sensor de temperatura. Basta colocar na geladeira que, em pouco tempo, aparecerá a mensagem “Perfeitamente Resfriado”, quando a temperatura chegar a exatos 8,2º C. Se esse sensor também falasse seria fenomenal: eu não teria que ficar abrindo e fechando a porta da geladeira à toda hora para checar a mensagem.

Taça inquebrável

Uma taça de vinho inquebrável? Cientistas ingleses e franceses estão na bica de produzir um super vidro. Feito de pequenas e frágeis cadeias de cristais, o vidro é por isso mesmo vulnerável. Só que descobriram um grupo de cristais que pode ser convertido em vidro com uma estrutura de maior densidade, mais sólida, praticamente à prova de choques. Esses cristais são as zeólitas (nome dos silicatos hidratados de alumínio e de metais alcalinos ou alcalino-terrosos, mais comumente o sódio e o cálcio), até agora utilizados no refino de gasolina e na manufatura de detergentes. O autor da descoberta, Neville Greaves, cientista da Universidade de Gales, avisa porém que falta um pouco para colocarem taças e garrafas com o tal de vidro inquebrável no mercado. Logo, ainda vou ter que continuar tirando o tapete da sala, pois tem sempre alguém (eu, para começar) derramando o vinho.

Garrafa inquebrável

Pois os portugueses acabam de lançar um vinho que vem numa garrafa de alumínio. O lançamento foi feito no mercado inglês: é um vinho rosado, o BrightPink. Custa 10 dólares nos supermercados da ilha. É todo modernoso: nem a tradicional rolha tem (para desespero da poderosa indústria de cortiça da terrinha, a maior do mundo). A tampa é de rosca de metal. É 100% alumínio, não enferruja e resfria cinco vezes mais rapidamente do que uma garrafa de vidro. A empresa (Bright Brothers Vinhos Lda, que fica em Fornos de Cima, Mato da Cruz, Portugal) é de um enólogo e consultor de vinhos australiano, Peter Bright, que tem negócios de vinhos em várias partes do mundo. De Portugal, ele quer mesmo são os deliciosos rosados. O vinho é 80% Castelão e 20% a Trincadeira. Tem 13% de volume alcoólico. Pode ser que venda bem: fora a novidade do novo frasco, em muitos países é proibida servir bebidas ou mesmo portá-las em garrafas de vidro em certos locais. Logo, concertos ou atividades ao ar livre, varandas de restaurantes etc. vão poder optar por esse tipo de garrafa. Claro, ainda tem a vantagem de ser reciclável. Se os ferozes hooligans jogarem essas garrafas em jogadores ou torcedores de times adversários, não vai acontecer nada: pesam apenas 100 g. Só poderão, no máximo, amassar a garrafa. Quem quiser ter uma visão da novidade é só procurar aqui.

Harmonia

As amigas Fernanda Prates e Lúcia Dias, donas do restaurante Pirilampo, lá no Vale das Videiras, pertinho aqui de casa, convidam para um jantar harmonizado dia 30 de julho, evento que se inclui no IV Circuito Gastronômico de Petrópolis. Convidaram o chef Deraldo Bonfim (vice-presidente da Associação Brasileira de Alta Gastronomia, discípulo de Paul Bocuse e consultor do restaurante) e o sommelier José Augusto, do Café Laguiole, do Rio. Dia 30, o cardápio do Pirilampo é especialíssimo e vai oferecer entradas como ostras gratin au champagne acompanhadas por um prosecco, uma muambinha de cordeiro com maçã e camembert servidas com um português, uma ema braseada ladeada com um Barbera D’Asti.
Semana passada citei aqui o grande Hemingway, sobre a tradição francesa de não comer sem um vinho à mesa. E não é só francesa. A prática vem de centenas de anos. E com ela, a busca das melhores combinações entre vinhos e pratos. O convite das minhas amigas me fez correr imediatamente para o guia do Hugh Johnson, indispensável para mim. Queria checar as combinações ou alternativas para muambinhas, ostras gratinadas e emas braseadas eventualmente contidas no guia.
O inglês Hugh Johnson é presença preeminente no mundo dos vinhos. Autor de vários best-sellers, entre eles o Atlas Mundial dos Vinhos e da insuperável História do Vinho, entre outras obras notáveis, vem publicando o seu “Pocket Wine Book” desde 1977. O guia de 2005, já disponível em inglês em algumas livrarias, revela, como nas edições anteriores, o que há de melhor em cada região do globo: não só os vinhos como seus preços. Analisa safras, em particular as de 2002 e 2003. E oferece dicas de harmonização entre vinhos e comidas. Como o capítulo das combinações dos vinhos às mesas é sempre assunto e tem até programa na TV, anoto aqui algumas das boas dicas do mestre Johnson. Resultam de 30 anos de estrada.
Antes da refeição, ficamos com os aperitivos de vinho de sempre: os espumantes (o Champagne como ponto alto) ou os fortificados (Jerez na Inglaterra, Porto na França e vermute na Itália). Uma taça de vinho branco ou rosado (ou tinto, na França) está na moda agora. O momento pede algo bem seco. Chenin Blanc e Riesling melhores que o Chardonnay. Por favor, evite amendoins como belisco nesses momentos: são picantes demais, destroem os sabores do vinho. Com eles, o melhor é o Jerez ou um Martini. Opções em lugar do amendoim: amêndoas, pistaches ou nozes.
Nas entradas, pratos de aspargos verdes, amargos, são difíceis de combinar. Precisam de vinhos brancos maduros, como os Sauvignon chilenos ou os Semillon australianos.
As maioneses carregadas no alho (aïoli) pedem algo muito refrescante: um vinho do Rhône, um espumante bem seco, um rosado da Provence, um Verdichio. As maioneses tradicionais, sempre muito ricas, e sabem melhor com vinhos que contrastem com sua forte presença: os brancos da Côte Chalonnaise, os Sauvignon Blanc da Nova Zelândia, ou os Spätlese Trocken do Pfalz.
Saladas: vinhos brancos secos. Mas cuidado com o vinagre, que destrói o sabor da bebida. Opte por temperar com o próprio vinho ou com um tantinho de limão. Uma Caesar Salad vai melhor com um rosado francês ou um vinho espanhol.
O Carpaccio combina bem com muitos vinhos: de bons toscanos ou Chardonnays, bem como Champagnes rosadas.
Os fondues de queijo, pedidas certas de inverno, ajustam-se bem com brancos secos, como os suíços Valais Fendant ou os Chasselas, ou um Riesling da Alsácia, ou até um Beaujolais Cru, tinto.
Evite ovos: conflitam com quase todos os vinhos. O mesmo vale para as omeletes. Evite vinho com eles.
Com foie gras, tente os brancos doces, como o Sauternes, os Tokáji Aszú, os Jerez amontilados.
Com ostras cruas, peça Champagne, Chablis Premier Cru, Sancerre ou uma autêntica Guiness. Com ostras cozidas, um Puligny-Montrachet, um Chardonnay do Novo Mundo ou Champagne. O guia não inclui ostras gratinadas, mas posso imaginar que a combinação do Pirilampo seja adequada, com o espumante italiano.
Massas: pode ser um branco ou um tinto; vai depender do tipo de molho ou de guarnição. Se for com um molho de tomate, escolha o tinto Barbera, do sul da Itália. Como molho de creme, um Frascati ou um Chardonnay do Alto Adige. Com molho de carne, um Merlot, um Montepulciano D’Abruzzo ou um Salice Salentino. Com molho ao pesto (mangericão), um Barbera, um Sauvignon Blanc da Nova Zelândia. Com vôngole ou frutos do mar, um Verdicchio, um Soave, branco finos de Rioja ou um Sauvignon Blanc. Essas observações valem também para os raviólis.
Pizza: qualquer tinto italiano.
Risoto com frutos do mar: brancos, como o Pinot Gris, os Semillon jovens. Com cogumelos: Pinot Noir do Novo Mundo. Com fungi porcini, um bom e maduro Barolo ou Barbaresco.
Escargôs: tintos do Rhône (Gigondas, Vacqueyras), St. Véran ou Aligoté. Queijo de cabra: Sancerre, Pouilly-Fumé ou Sauvignon Blanc do Novo Mundo, rosados da Provence.
Não encontrei referências diretas para a harmonização de uma ema na brasa. Mas o inglês fala que galinhas, perus e galinhas d’angola podem fazer par com qualquer vinho, inclusive as melhores garrafas de brancos secos e os melhores tintos da Borgonha. O Barbera d’Asti, esse ótimo tinto italiano do Piemonte, deve servir muito bem.
Já a muambinha de cordeiro seria demais para o Hugh Johnson. Isso é coisa nossa: desde as muambinhas culinárias e até as políticas, com suas malas, dólares em cuecas e mensalões. Fico com as muambinhas do chef Deraldo.
Mas o cordeiro assado é prato que tradicionalmente se casa com os bons tintos de Bordeaux. Logo, o tinto português selecionado só vai fazer bonito.
O Pirilampo fica na Estrada Almirante Paulo Meira, 8.601, Vale das Videiras, Petrópolis. Seu telefone é (24) 2225-3303. O e-mail é pirilamporestaurante@ig.com.br
Por favor, amigas, escrevam sobre as suas experiências com harmonização, aqui parda a Soninha, no soniamelier@terra.com.br.
Mas o melhor mesmo é me encontrar dia 30, sábado, no Pirilampo, para trocarmos idéias. É só perguntar quem é a dona do jipe mais velho e furreca estacionado por lá. Aí é que a gente vai harmonizar pra valer.

Para afastar o frio

Já apresentei aqui, recentemente, dicas para enfrentar o inverno com prazer. Mas ficaram faltando receitas de drinques, bebidas que ajudam a esquentar principalmente essas noites chuvosas, úmidas, frias mesmo – e que não faltam aqui na Serra.
Começo pelo popular quentão: não tem festa junina (que agora com freqüência acontecem em julho) que não considere o velho bom quentão. A receita mais simples está até no Aurélio: vinho fervido com cravo, canela e gengibre. Claro que servido quente. Mas quentão pode ser também a nossa branquinha, a cachaça, temperada com gengibre e canela e também servida quente.
A maioria das receitas de quentão que conheço destaca o vinho. E muito raramente a bebida é diluída.
Mas faço um aqui em casa que é diluído, não com água, mas com um xarope delicioso. O vinho só é adicionado no final. Veja só.
Numa panela média coloque: 250 ml de água (uma xícara), 250 g de açúcar, 4 bastões de canela, 10 cravos, uma colher de noz-moscada ralada, um tantinho de raspa de casca de limão e outro tantinho de raspa de casca de laranja.
Deixe ferver até que o líquido comece a reduzir e a se transformar num xarope. Acrescente, então, os sucos do limão e da laranja, e mais duas garrafas de vinho tinto. Por favor, um vinho tinto de qualidade (mas que não precise passar dos 20 reais).
Deixe esquentar – mas sem que ferva (para não deixar o álcool evaporar). O ideal é colocar todo o líquido numa jarra e deixá-la em banho-maria ou sobre um réchaud. Se achar que ficou um tanto amargo, acrescente mais açúcar.
Se existe o quentão, existe também o quentinho, que é bem mais simples. Experimente essa receita.
Você só vai precisar de 45 ml de água quente, uma boa dose (outros 45 ml) de uísque, uma colhe de sobremesa de açúcar e uma casca de limão. Numa caneca, coloque o açúcar, junte a água quente para dissolvê-lo. Depois é só acrescentar o uísque e o limão. Essa é uma receita individual. Se quiser mais, basta multiplicar pelos drinques necessários ou pelo número de seus convidados.
Outra receita de drinque individual é a do Rum na Manteiga.
Numa caneca, coloque: uma colher das de chá de açúcar e, em seguida, acrescente um quarto de xícara de água fervente, uma boa dose de rum (também um quarto de xícara), uma colher de chá de manteiga. Mexa bem e espalhe raspas de noz-moscada na superfície. Se tiver problemas com colesterol alto, evite.
Você pode transformar um caldo, um consommé de carne, por exemplo, numa bebida deliciosa, além de nutritiva.
Vamos aos ingredientes e suas medidas:
60 ml de caldo de carne (o melhor é o preparado em casa);
45 ml de vinho Jerez, o fortificado do sul da Espanha;
E pimenta, opcionalmente.
Aqueça o caldo, mas não deixe ferver. Coloque numa caneca.
Acrescente o Jerez e a pimenta (se for de seu gosto). O Jerez pode ser o Tio Pepe, bem seco. Não é problema encontrá-lo nas boas casas de bebidas.
Se tiver visitas em casa, prepare um ponche especial, de uma receita que retirei de revista dedicada a bebidas para o Natal e cujo nome original é Christmas Punch. Aqui o Natal se presta mais a refrescos. Mas agora, vamos aproveitar esse ponche: suas visitas vão ficar mais quentinhas e a conversa vai animar, com certeza.
Ingredientes: Três xícaras de água filtrada; meio quilo de açúcar; suco e cascas de quatro limões; uma garrafa de rum (o Bacardi Carta de Oro, por exemplo); uma garrafa de vinho do Porto Ruby (o Andresen costuma ser bom e barato), noz-moscada ralada, fatias de maçã e de laranja.
Ferva a água, o açúcar e o limão numa panela separada. Coe depois de esfriar. Acrescente o rum, o vinho do porto e o suco de limão.
Transfira tudo para uma poncheira, um alguidar. Coloque as fatias de maçã e laranja e espalhe a noz-moscada na superfície.
O ideal é deixar a poncheira sobre um réchaud. O ponche deve ser servido frio. Não esqueça xícaras ou copos adequados para suas visitas.
Se quiser mais receitas para enfrentar o frio é só clicar aqui para a Soninha no soniamelier@terra.com.br

Dois Nomes

Hemingway. “Nessa época, na Europa, se pensava em vinho como algo saudável, tão normal quanto a comida, e também como um grande abastecedor de felicidade, de bem estar e deleite. Beber vinho não era esnobismo nem sinal de sofisticação, nem um culto; era tão natural quanto comer e para mim necessário, e eu não pensaria em fazer uma refeição sem beber vinho cidra ou cerveja. Adorava todos os vinhos, menos os doces ou adocicados e os vinhos muito pesados e nunca me ocorreu que repartir umas poucas garrafas de Mâcon, leve, seco, branco pudesse causar alterações químicas no Scott e transformá-lo num tolo”.
Ernest Hemingway está viajando com seu novo amigo, F. Scott Fitzgerald, de Lyon para Paris, num Renault sem teto (Zelda, a mulher de Scott não gostava de tetos no carro, não deixou que consertassem o carro, que um acidente deixou sem teto). Estamos na França, nos anos 20. E, num determinado trecho da viagem, o jovem Ernest Hemingway compra algumas garrafas do branco Macôn, especialidade da região do Mâconnais, na Borgonha (são os Pouilly-Fuissé, St. Véran, Mâcon-Villages): não duram muito, são feitos para beber logo, apreciados mais para refrescar, perfeita companhia para a viagem dos dois.
Como a amiga percebe, o vinho sempre foi considerado uma bebida saudável e indispensável acompanhante da comida. Já nos anos 20, as mímicas do esnobismo e da sofisticação se faziam presentes, embora desprezadas pelo genial autor.
As “alterações químicas no Scott” são relativas ao efeito que apenas um pouco de álcool podia causar no autor de “O Grande Gatsby”, o que não é muito estranho em alguns alcoólicos.
Essa referência foi retirada de “Paris é uma Festa" (A Moveable Feast), publicada postumamente em 1964: são memórias do autor da Paris dos anos 20, recheada de relatos, alguns irreverentes, de luminares como Gertrude Stein e F. Scott Fitzgerald. Ernest Hemingway nasceu em Illinois em 1899. Escreveu “O Sol também se levanta”, “Adeus às Armas”, “Por quem os Sinos Dobram”, “O Velho e o Mar”, pelo qual ganhou o prêmio Pulitzer de 1953. Ganhou também o Nobel de Literatura no ano seguinte. Hemingway morreu em 1961.
Ernest gostava das bebidas, entre elas o vinho. Dedicou um verbete à bebida no seu "Morte na Tarde" (Death in the Afternoon), sobre touros e touradas, publicado lá pelos anos 30. Como ele chegou a Paris por volta de 1920, já devia ter aprendido alguma coisa sobre vinhos. O verbete, Vino, integra um glossário do livro explicando costumes, regiões e muito particularmente o patois usado em touradas. Eis o verbete:
"Vino: Vino corriente é vin ordinaire ou vinho de mesa; vino del pais é o vinho regional, sempre bom de pedir; vino Rioja é o vinho da região de Rioja, no norte da Espanha, tintos e brancos. Os melhores sãos os da Bodegas Bilbainos, Marqués de Murrieta, Marqués de Riscal. Rioja Clarete, ou Rioja Alta são os mais leves e agradáveis dos tintos. Diamante é um bom branco para peixes. Valdepenas é mais encorpado que o Rioja, mas seus brancos e rosés são excelentes. Os vinicultores espanhóis produzem Chablis e Borgonhas que eu não recomendo. O Clarete Valdepenas é muito bom. Os vinhos de mesa em torno de Valência são muito bons; e melhores os de Tarragona, embora não viajem bem. A Galícia tem um bom vinho regional. Nas Astúrias se bebe cidra. Os vinhos regionais de Navarra são muito bons. Para aqueles que chegam na Espanha pensando apenas em Xerez e Málaga, os tintos secos, jovens serão uma revelação. O vin ordinaire espanhol é consistentemente superior aos franceses, já que nunca são adulterados e um terço mais barato. Acredito que sejam de longe os melhores da Europa. Não têm Grands Vins que se comparem aos da França."
Hemingway não tem preconceitos contra os rosés. Exibe o conhecimento clássico de harmonização (brancos com peixes) e anuncia uma série de marcas espanholas que ainda hoje são populares no Brasil. E, por ele, vemos que os vinhos regionais (vin de pays) eram considerados melhores que os vinhos de mesa. Uma mancadinha, apenas: Chablis é o formidável branco da Borgonha. Acho que ele estava se referindo genericamente aos brancos espanhóis. Quanto às adulterações, elas diminuíram, mas ainda existem até hoje em toda a parte.
Já Francis Scott Fitzgerald, talvez seja até maior artisticamente: O Grande Gatsby chegou a ser considerado, por uma enquête realizada pela prestigiosa Modern Library o segundo melhor romance de língua inglesa do século 20, atrás apenas do Ulisses, de James Joyce.
Beethoven. A TV inglesa exibiu recentemente um documentário sobre a trajetória de um chumaço de cabelo do gênio da música, Ludwig van Beethoven, recolhido assim que o compositor morreu, em 1827. Analisada, essa porção revelou uma concentração de chumbo 100 vezes acima do nível seguro – o que explicaria as mazelas do autor: doenças estomacais, grandes dores de cabeça, irritabilidade e, inclusive, a sua surdez (a partir de 1797-99) e que acabariam com a sua morte em 1827.
O documentário sugere que o compositor tenha se intoxicado com chumbo consumindo águas de estações hidrominerais que freqüentou quando jovem. Mas um jornalista do irlandês Sunday Life, John Hunter, acha que o gênio teria sido envenenado através vinho e cerveja, que adorava.
No século 19, o chumbo era usado para adulterar essas bebidas de modo a melhorar seus sabores e aspectos. O metal era empregado desde os tempos dos romanos, para que o vinho não avinagrasse e também para adoçá-lo. Duzentos anos antes, um médico alemão, Eberhard Gockel, estabeleceu a primeira relação da bebida adulterada com a saúde, observando que bebedores de vinho tinham os mesmos problemas que os trabalhadores em minas de chumbo.
Nos tempos de Beethoven, bebia-se principalmente em canecas feitas de uma liga de estanho (70%) e chumbo (30%), as garrafas eram limpas com jatos de chumbo, reservatórios e encanamentos de água continham muito chumbo. Nesse sentido, você poderia culpar qualquer bebida.
Traços do metal existem naturalmente em todas as plantas, inclusive nas uvas. A prática da adulteração foi banida há tempos e hoje o metal é precipitado já na fase de produção do vinho. Os equipamentos das vinícolas não utilizam chumbo. Só ínfimas quantidades são ainda encontradas em algumas cápsulas de chumbo que protegem as rolhas – o que já está proibido na maioria dos países. Podemos encontrar chumbo em taças e decantadores de cristal (produzidos com o metal). Um estudo revelou uma concentração de 5 mg por litro de chumbo num decantador deixado com vinho do porto por 4 meses. Para que uma pessoa se intoxicasse, teria que beber 10 litros da bebida quase que de uma vez. Sabe-se que os vinhos modernos contêm um máximo de 0,13 mg de chumbo por litro de vinho, bem abaixo do nível permitido. Na América o nível é de 150 partes de chumbo por bilhão. A média mundial é de 95 partes por bilhão. É como se o metal não existisse na bebida.
Uma autópsia descobriu alguns problemas no fígado, no baço e no pâncreas do autor. Diz a historiadora Anne-Louise Coldicott que o compositor teria uma colite ulcerativa, hoje curável com os medicamentos modernos. Sofria de depressão, talvez devido ao problema que causou sua surdez. Apesar de gostar de vinho, são infundadas as suspeitas de que era um alcoólico. Mas até agora não se sabia da presença letal de chumbo revelada pelo cabelo de Beethoven. A verdade é que nossas vidas sempre estiveram por um fio. E o chumbo continua matando. Só que não se pode mais culpar os vinhos por isso.
Desta vez, a série de “Nomes” deu preferência a personalidades. Vamos abusar do filão, pois nomes é o que não faltam. E se a amiga tiver sugestões, é só clicar aqui para a Soninha no soniamelier@terra.com.br

7.7.05

Vin de Merde

* Pois os portugueses acabam de lançar um vinho que vem numa garrafa de alumínio. O lançamento acaba de ser feito apenas na Inglaterra (por enquanto): é um vinho rosado, o BrightPink. Custa 10 dólares nos supermercados da ilha. É todo modernoso: nem a tradicional rolha tem (para desespero da poderosa indústria de cortiça da terrinha, a maior do mundo). A tampa é de rosca de metal. É 100% alumínio, não enferruja e resfria cinco vezes mais rapidamente do que uma garrafa de vidro.
A empresa produtora (Bright Brothers Vinhos Lda, que fica em Fornos de Cima, Mato da Cruz, Portugal) é de um enólogo e consultor de vinhos australiano, Peter Bright, que tem negócios de vinhos em várias partes do mundo. De Portugal, ele quer mesmo são os deliciosos rosados. O vinho é 80% Castelão e 20% a Trincadeira. Tem 13% de volume alcoólico. Pode ser que venda bem: fora a novidade do novo frasco, em muitos países é proibido servir bebidas ou mesmo portá-las em garrafas de vidro em certos locais. Logo, concertos ou atividades ao ar livre, varandas de restaurantes etc. vão poder optar por esse tipo de garrafa. Claro, ainda tem a vantagem de ser reciclável. Se os ferozes hooligans jogarem essas garrafas em jogadores ou torcedores de times adversários, não vai acontecer nada: pesam apenas 100 g. Quem quiser ter uma visão da novidade é só procurar aqui.
* E uma taça de vinho inquebrável? Cientistas ingleses e franceses estão na beira de produzir um super vidro. Feito de pequenas e frágeis cadeias de cristais, o vidro é por isso mesmo vulnerável. Só que descobriram um grupo de cristais que pode ser convertido em vidro com uma estrutura de maior densidade, mais sólida, praticamente à prova de choques. Esses cristais são as zeólitas (nome dos silicatos hidratados de alumínio e de metais alcalinos ou alcalino-terrosos, mais comumente o sódio e o cálcio), até agora utilizados no refino de gasolina e na manufatura de detergentes. O autor da descoberta, Neville Greaves, cientista da Universidade de Gales, avisa, porém que falta um pouco ainda para colocarem taças e garrafas com o tal de vidro inquebrável no mercado. Eu perco mais taças no processo de lavagem do que pelas quedas. Fico aqui esperando para ver.
* Tem mais uma novidade para quem não tem paciência para tirar a temperatura dos vinhos e servi-los como manda o figurino. O Jacob’s Creek, a mais vendida marca de vinhos australiana, agora traz no rótulo de seus Chardonnays um sensor de temperatura. Basta colocar na geladeira que, em pouco tempo, aparecerá a mensagem “Perfeitamente Resfriado”, quando a temperatura chegar a exatos 8,2º C. Isso vai ser bom mesmo é em restaurantes, pois os climatizadores têm portas de vidro e será fácil saber quando o vinho chegou na temperatura de serviço. No meu caso, vou ficar abrindo e fechando a geladeira, ansiosa como sou.
* Para quem duvida da força das mulheres e de sua importância no mundo dos vinhos, vem aí a primeira revista de vinhos exclusiva para mulheres. É a Wine Adventure, que chega às bancas norte-americanas agora em julho. Além de vinhos, a revista conterá matérias sobre viagens, degustação em vinícolas, gastronomia e estilo de vida, indicações de vinhos, entrevistas com personalidades do setor, testes etc. A sua editora, Michele Ostrove, diz que a Wine Adventure vai procurar alargar os horizontes viníferos das suas leitoras e ao mesmo tempo proporcionar entretenimento. Tava na hora: afinal, as mulheres são, no mínimo, metade da população consumidora de vinho nos Estados Unidos. Não falta muito para termos a nossa revista de vinhos por aqui. Mas tem que tomar cuidado para não fazermos uma "Caras" para o segmento de vinhos.
* Quando uma garrafa é vedada com uma rosca metálica, em vez da tradicional rolha de cortiça, sabemos que essa mudança aconteceu principalmente para evitar que vinho se perdesse em razão da “doença da rolha”, ou TCA. Um fungo ataca a cortiça deixando no vinho um aroma pra lá de desagradável. A garrafa é devolvida, a imagem do produtor é prejudicada. As perdas são enormes. Assim, cada vez mais as rolhas estão sendo substituídas por tampas de borracha ou pelas roscas metálicas.
Perde-se também toda aquela cerimônia de desarrolhar a garrafa no restaurante. Daí que alguns produtores estão procurando cultivar um novo ritual, tentando apagar da mente do consumidor a força da tradição gerada por séculos de arrolhamento.
São apenas 4 passos, todos naturalmente executados pelo sommelier, sempre às vistas do freguês. Primeiro: rompe-se o selo da garrafa (o que cobre a tampa e parte do gargalo). Segundo: o sommelier coloca a garrafa, em particular, a parte superior (gargalo e tampa), sobre o antebraço, devidamente coberto por uma toalha. Terceiro: delicada, mas firmemente, faz a garrafa rolar sobre o antebraço, de modo a desenroscar a tampa. Quarto e último passo: a tampa se desenrosca e é segura pelo sommelier, abrindo a garrafa. Pronto, o vinho já pode ser servido. É quase como trocar seis por meia dúzia, pelo menos em termos de etiqueta.
* Chegamos, por fim, ao título, que naturalmente chama atenção pela palavra grosseira, que o francês utiliza a três por dois, como se fosse um bonjour. Só que ela gerou um rififi tremendo há dois anos, quando uma revista francesa regional, a Lyon Mag, publicou matéria onde o vinho Beaujolais é classificado como “vin de merde”.
Os produtores de Beaujolais, em vez de tamparem o nariz, abriram a boca. E processaram a revista, que acabou multada por difamação por uma corte local.
O processo transformou-se numa “cause célèbre” na França, aparecendo em todos os grandes órgãos da imprensa do país e até no exterior. Mas a revista teve de pagar US$ 111.122,00 de multa – um bocado de dinheiro.
Só que o caso foi levado para a mais alta corte de apelação do país, que recentemente julgou não haver nada difamatório no artigo. “A publicação de uma crítica, mesmo severa, sobre vinho não constitui crime no contexto de um debate público sobre subsídios do estado concedidos a produtores...”, rezou a corte.
A crítica, publicada na edição de julho de 2002, examinava as razões pelas quais os produtores de Beaujolais solicitaram ao governo que transformasse 100 mil hectolitros de vinhos que não conseguiram vender em vinagre. A revista citou o chefe do Grande Júri de Provadores Europeus, François Mauss: ele afirmou que muito do vinho de Beaujolais não era “vinho propriamente” e que seus produtores tinham consciência de comercializarem um ‘vin de merde’.
A revista vai ter de volta o dinheiro da multa e os produtores de Beaujolais ainda pagaram as custas do processo (perto de 2.500 dólares).
E o principal é que se preservou a liberdade de imprensa. Se os produtores estão livres para cantar as maravilhosas virtudes de seus vinhos, os críticos também têm o direito de achar o contrário.
Amiga, não vai dizer que se intrigou com a expressão rififi, que está até no Aurélio e significa “conflito ou briga em que se envolvem numerosas pessoas”? Resolvi utilizá-la para “afrancesar” o texto, já que rififi entrou nos dicionários nacionais em razão de um filme de Jules Dassin (Du Rififi Chez les Hommes), de 1955, contando a história de um assalto a uma joalheria em plena Rue de Rivoli, em Paris. Se encontrar em DVD compre: não só em um grande filme, como a amiga vai conhecer um homem, o ator Jean Servais, que os franceses não conseguiram ainda um igual e que não não ficou datado como rififi.
Fico intrigada com os franceses: Stephen Clarke, um empresário inglês, passou um ano na França e resolveu colocar essa experiência num livro. Título: “A Year in the Merde”.
É um trabalho de ficção, que reconta as aventuras (e desventuras) de Paul West, como o autor, um empresário enviado a Paris. “Merde” aqui é real e metáfora. Só em Paris, os cachorros depositam na ruas 15 toneladas de cocô anualmente, resultando na hospitalização de centenas de pessoas. Diz o autor que se os franceses rosnarem para você, usando esta famosa palavrinha, mostre-lhes os dentes – e tudo se resolve. Foi o que a revista de Lyon fez: não se intimidou, mostrou os dentes e acabou livrando-se da “merde”. Stephen Clark não foi processado e o livro, mesmo em inglês, virou best-seller na França. Sem rififi.
Se você já experimentou um "vin de merde", como a Soninha tem feito ao longo dos anos, ao lado de outros ótimos, pois escreva para cá e reconte a sua experiência. A Soninha está no soniamelier@terra.com.br

4.7.05

Vinho para gays

A Adriana Brandão, da New Marketing, gostaria de saber sobre empresas que fabricam vinhos para gays.
Acho que não existem vinhos para gays, assim como cervejas para pedófilos, limonadas para moças absolutamente virgens, guaranás exclusivos para serial killers e vinhos para balzacas como a sua amiga aqui, a Soninha.
Mas a Rainbow Ridge Winery (http://www.rainbowridgewines.com/), na Califórnia, é talvez a primeira vinícola do mundo a classificar-se como “uma companhia gay”. Logo, o vinho que produz seria eminentemente para gays? Sua logomarca é um cacho de uvas nas cores do arco-íris. E o arco-íris (em inglês rainbow, o nome da empresa) é o símbolo oficial do movimento gay.
Seus fundadores, Dennis Costa e Tom Beatty, sócios no negócio e na vida, mal lançaram o seu primeiro vinho, o Alicante Bouschet e já ganharam prêmios em concursos e conseguiram excelente pontuação na prestigiosa revista “The Wine Enthusiast”: 91 pontos numa escala de 100. Coisa séria.
Só que os vinhos que fazem, o Alicante Bouschet, e recentemente a sua versão de Chardonnay são para heteros, homos, lésbicas, simpatizantes e desinteressados. São vinhos de grande qualidade. A Alicante, uma uva considerada rústica e apenas muito utilizada na França, onde é das mais plantadas lá, mas raramente utilizada como a principal, como nessa versão. Dennis e Tom conseguiram lançar uma novidade – e com qualidade e bom preço.
A Rainbow Ridge contribui para o Centro de Gays e Lésbicas de Nevada e para um projeto de combate a AIDS em Los Angeles. Seus donos são gays, a empresa é gay, o slogan de sua publicidade é "Come Home To Family" (“Venha para a Família”), para a comunidade gay, portanto.
Apenas isso. Os vinhos servem a todos os credos, times, partidos, sexos e, principalmente, gostos. Isso é o mais importante.
Mas fomos encontrar em Roma o que está sendo considerado o primeiro vinho na história dedicado aos gays. O editor italiano Roberto Massari manda produzir vinhos especiais para uma série que intitulou de Vini da Leggere (“Vinhos para Ler”). Isso mesmo, os livros são os rótulos e contra-rótulos dos seus vinhos. Um livro de duas páginas.
A série, que já conta com 11 “vinhos literários”, entre eles um rosé dedicado à revolucionária marxista e feminista Rosa Luxemburg. É o Rosé Luxemburg, um Montepulciano d´Abruzzo 2001. E um branco também da região de Abruzzo, o Barricadero Blanco, em homenagem a Che Guevara.
Massari decidiu ano passado lançar um livro (na Itália seus vinhos são legalmente considerados livros) em homenagem ao primeiro ativista gay da história, o advogado e escritor alemão Karl Heinrich Ulrichs (1825-1895).
Karl assumiu sua condição de homossexual publicamente (e precisava ser muito macho para fazer isso naquela época e naquele país, reduto de prussianos com aquele jeito meinkampf de ser). E publicou panfletos defendendo direitos de gays, lésbicas e das mulheres em geral, que não tinham também quaisquer direitos. Como, advogado, Karl amparou homossexuais acusados de “má conduta pública”, essas coisas. O alemão agitou tanto que acabou preso e depois perseguido em seu país. Buscou refúgio na Itália, onde morreu na cidade de L´Aquila, na região de Abruzzo.
Massari deu ao vinho-livro o nome de Rosso Gayardo (“Tinto Gayardo”), um vinho denso e forte, com 13,5% de álcool, feito com uvas Nebbiolo, da região do Piemonte. É um senhor vinho, uma homenagem a qualquer amante da bebida de bom gosto, não importando sua preferência sexual.
O nome resulta de um jogo de palavras. Em Roma, quando você quer dizer que alguém é forte, valente e que não tem medo de nada, você diz “gagliardo”. Com o sotaque romano, “gagliardo” soa como “Gayardo”. Vale o jogo de palavras e a ironia envolvida.
Bem mais recentemente, em novembro de 2004, a Kim Crawford Wines (http://www.kimcrawfordwines.co.nz/), da Nova Zelândia, lançou o seu Pansy na Austrália. O Pansy é um rosé, misturando merlot, cabernet france um tanto de chardonnay. Sempre foi muito procurado por gays australianos em visita à Nova Zelândia. Daí que a vinícola resolveu lançá-lo na Austrália. Pansy pode ser traduzida como uma espécie de hortênsia, mas é mais entendida como indicativo de homossexual. Na cabeça da vinícola, um vinho para gays deve ser rosado. Logo, quem de onde vem o preconceito?
Temos também a Merryvale Vineyards, uma pequena vinícola do Vale de Napa, na Califórnia (veja em http://www.merryvale.com/), com verba pequena para publicidade, cuja alternativa foi buscar um nicho de mercado. E está tentando o segmento gay. Só que não criou nenhum vinho especial para isso, como a Kim Crawford.
Não existe propriamente um vinho feito para um grupo específico do gênero humano. Não há um vinho para pretos, por exemplo. Contudo, até na África do Sul temos hoje vinícolas pertencentes a pretos e pretos fazendo vinho, como quaisquer brancos, pardos, amarelos etc. E vinhos para quaisquer etnias, credos e opções sexuais.
E se existissem essas marcas? É um assunto para os doutores em marketing, mas pessoalmente acho que esses vinhos teriam muitas dificuldades em ter sucesso comercial.
No Brasil, estima-se que gays e lésbicas somem 10% da população. Nos Estados Unidos, somam cerca de 19 milhões de pessoas com um poder de compra de 800 bilhões de dólares. A maioria dos consumidores gays norte-americanos, por exemplo, tem pouquíssimos ou nenhum dependente e uma renda pessoal alta por quase toda a sua vida. Como resultado de poucos comprometimentos familiares, essa comunidade tem mais tempo para socializar e mais dinheiro para gastar.
85% dos gays e lésbicas adultos afirmam que precisam achar maneiras de reduzir o stress. Entre heterossexuais adultos esse índice é de 78%. São, assim, alvo prioritário para fabricantes de bebidas e mensagens que destaquem prazer e tranqüilidade associados a beber socialmente.
No primeiro mundo, 62% dos gays e lésbicas possuem um computador e 52% deles assinam serviços online. 65% dos que usam a Internet, navegam mais de uma vez por dia. E 71% compram produtos ou serviços através da rede.
Lá, 39% dos gays freqüentam regularmente concertos de música clássica, cinco vezes mais do que a população em geral (8%). É uma comunidade que vai ao cinema duas vezes mais do que o restante da população.
Gays e lésbicas respondem fortemente a marcas e a campanhas de publicidade que refletem seu estilo de vida e valores. Mas reagem negativamente a representações estereotipadas. Por exemplo, a norte-americana Anheuser-Busch, a maior cervejeira do mundo em faturamento, é tida como a preferida dos gays do país, pois coloca anúncios regularmente em publicações para essa comunidade. O mesmo acontece com a vodca Absolut.
E talvez aqui, leitora, esteja o X do problema. Um vinho feito em homenagem a um ativista gay, o primeiro da história; um vinho feito por uma companhia declaradamente gay, a primeira do mundo – tudo bem, são maneiras de bom gosto de acessar a comunidade. Até porque ela é informada o bastante para, em primeiro lugar, experimentar os vinhos. Se forem bons, mesmo, ficará freguesa.
Mas vai virar o rosto para caçoadas, piadinhas de mau gosto: por exemplo, um vinho rosé com a cesta da Carmem Miranda no rótulo. O rosé, normalmente um ótimo vinho, teria de ser soberbo para ser consumido.
Até o momento, Adriana, são essas as referência que dispomos em nossos arquivos. Avise se precisar de mais. Tenho comigo a pesquisa do Datamonitor, a New Direction in Drinks 2000-2005. Ela mostra tudo o que se bebe, como se bebe, quem bebe, onde e porque bebe. Foi de onde retirei os dados estatísticos dessa coluna.
Abraços!

25.6.05

Quando o frio chega

Aqui em Secretário, na Serra de Petrópolis, faz é frio e chove. O inverno chegou mesmo e com chuva. Falam que este ano a estação será mais amena, mas os santos daqui ainda não foram avisados disso. Nesses tempos, temos que tentar mesmo o que manda a estação. Abusar um pouco mais dos queijos, fazer pratos mais suculentos, ler um livro certo ao pé de uma lareira e escolher as bebidas mais estimulantes, saborosas e adequadas.
Comecemos pelo livro:
“Um Bom Ano” é o mais recente trabalho do inglês Peter Mayle, cujo primeiro livro “Um Ano na Provence”, de 1989, transformou aquela região francesa na maior coqueluche do mundo turístico. O inglês foi obrigado a procurar outro canto para morar, pois sua casa era invadida por turistas a todo o instante. Dizem que o livro fez aumentar o fluxo turístico da Provence em até 10%.
Max Skinner é o personagem principal: importante executivo numa corretora de valores em Londres, seu chefe puxa-lhe o tapete e ele se vê desempregado, duro e cheio de dívidas. Só que, ao mesmo tempo, descobre-se herdeiro uma propriedade na Provence, deixada por um tio que não vê faz muitos anos. O cenário continua o mesmo da maioria dos trabalhos de Mayle: os campos e as cidades em torno da Montanha do Luberon (Avignon, Gordes, Roussillon, Ménerbes, Bonnieux etc.). A propriedade é imensa, cercada de vinhedos, mas produzindo péssimos vinhos. Mas, sem querer, descobre que um vinho ótimo, verdadeiro néctar, vinha sendo produzido meio que às escondidas pelo caseiro. A bebida, em barris, era contrabandeada para Bordeaux, engarrafada, rotulada e vendida para uns poucos por um negociante inescrupuloso ao absurdo preço de 60 mil dólares a caixa. Ficamos pasmas, mas isso acontece a três por dois por lá. Acontece que o inglês põe em prática um plano esperto e você poderia até comprar o livro e ajudar a editora Rocco e o Peter Mayle a faturar mais um pouquinho e descobrir as várias e deliciosas peripécias dessa nova aventura no paraíso que é a Provence.
Agora, um prato para o frio.
O livro é recheado de bebidas, como o marc (um destilado de uva, a cachaça local), vinhos roses (marca registrada dos vinhos da Provence), pastis (o aperitivo nacional francês, herdeiro do Absinto, feito de anis) e alguns pratos, como o célebre Cassoulet de Toulouse. Bom, o prato revelado por Peter Mayle leva feijão branco, pato em conserva, lingüiça com alho, carne de porco salgada, pernil de carneiro, gordura de pato, cebolas pequenas, lombo de porco, saucisse de Toulouse (claro), tomates, vinho branco, alho e ervas.
Não precisa adivinhar que as salsichas de Toulouse, sem as quais o tal cassoulet não pode ser feito, não se encontram por aqui. Elas levam carne de porco, mais pimenta, vinho, alho, basicamente. A saída é improvisar. Adaptei uma receita antiga que leva: 500 g de feijão branco, 2 lingüiças calabresas defumadas cortadas em pedaços, 2 lingüiças calabresas frescas cortadas em pedaços, 2 salsichões cortados em pedaços, 200 g de toucinho magro, 2 folhas de louro, 2 colheres (sopa) de óleo, 1 kg de pedaços de frango, 500 g de lombo de porco cortados em cubos ou de costelinhas de porco picadas, 3 tomates, sem pele e sem sementes, picados, 1 cebola grande picada; sal e pimenta-do-reino (ou molho de pimenta) a gosto.
Coloque o feijão, as lingüiças e o louro numa panela de pressão grande. Complete com água até ultrapassar o feijão (cerca de 4 dedos) e feche a panela. Assim que começar a ferver, cozinhe por 10 minutos. Enquanto isso, aqueça o óleo e doure o frango e o lombo. Junte os ingredientes restantes, tempere com sal e pimenta a gosto e deixe no fogo baixo com a panela tampada, mexendo de vez em quando, até que as carnes estejam bem cozidas (se necessário, acrescente um pouco de água). Acrescente essa mistura ao feijão e mexa bem. Pode, se quiser, juntar salsinha e cebolinha verde picada. E não esqueça de crostinhas de pão por cima de tudo. Sirva bem quente com arroz branco. Dá para 8 pessoas.
E o vinho para acompanhar? Ah, se possível um vinho da terra. Se puder, amiga, tente encontrar o magnífico Domaine de Trévallon (citado no livro). É um tinto, metade Cabernet Sauvignon, metade Syrah, originário de um vinhedo que fica entre Arles e Avignon, propriedade de um amigo de Picasso, o pintor e escultor René Dürrbach. Hoje, a vinícola é administrada pelo seu filho, Eloi.
Termine a refeição com um prato de queijos. E, nesse caso, vamos falar de queijos (e vinhos).
1. Quanto mais macio o queijo, mais ele cobre o nosso palato, bloqueando assim muito dos sabores e aromas dos vinhos. A melhor solução é escolher os vinhos brancos, os mais ácidos, que vão ajudar a "limpar", refrescar o nosso paladar dos efeitos dos queijos cremosos.
2. Muitos dos queijos suaves sabem ligeiramente a doce e fazem com que os vinhos secos pareçam mais ácidos, até azedos. E isso acontece sempre que um alimento é mais doce do que o vinho que o acompanha. Solução: os vinhos doces ou meio-secos são mais versáteis do que os secos com esse estilo de queijo.
3. Queijos muitos pungentes, picantes, bem maduros podem sobrepujar o sabor da maioria dos vinhos. Solução: queijos fortes, vinhos fortes. Tintos bem encorpados, com muita fruta. Ou brancos doces e os fortificados, como os Portos, Madeiras e o Jerez.
O caso é que os queijos suaves se ajustam a uma variedade maior de vinhos do que os queijos mais cremosos e maduros. No geral, os vinhos brancos combinam melhor com queijos do que os tintos. E mais: os brancos doces tendem a ser mais versáteis do que os brancos secos. Um tinto com muito tanino (um bom Bordeaux muito jovem, por exemplo) vai combinar melhor com queijo duro, bem maduro.
Experimente um brie macio com um vinho espumante ou com a Chardonnay. Um queijo de cabra com Sauvignon Blanc. Cheddar, Cantal, Gouda, Gruyère com Cabernet Sauvignon ou Merlot. Um Cheddar maduro com Syrah (ou Shiraz), Zinfandel ou os doces naturais. Roquefort com Sauternes ou outros bons brancos doces. Um inglês Stilton (se conseguir encontrar) com um ótimo Porto Tawny. Tintos com algum tanino vão bem com queijos duros, desde que estes não sejam muito fortes ou salgados (você viu que o sal enfatiza o amargo do tanino).
Os queijos duros fatiados ou em raspas sempre vão bem com os tintos. Os queijos macios do tipo camembert e pont l'evèque são mais difíceis de combinar. Consuma-os antes que se tornem muito moles e intensos em sabor.
Se além dos queijos você acrescentar frios e patês, tente os brancos leves (Muscadet, Pinot Grigio, Sauvignon Blanc, Riesling). Com salmão, atum ou presunto defumado não se esqueça dos brancos encorpados (os do Rhône, a maioria dos Chardonnays australianos e californianos, o Albariño, o Pouilly-Fumé etc.). Agora, só me falta acender a lareira.
Não esqueça, amiga, que uma garrafa regular de vinho tem 750 ml, o bastante para 5 taças. Se considerarmos que cada pessoa vai beber em média 3 taças e se em nossa mesa tivermos 5 pessoas, o consumo será de apenas 3 garrafas. Na verdade, eu optaria por 4 garrafas, pelo menos. O frio nos fará beber mais. A resolver apenas são quantos estilos de vinho (branco, tinto, fortificado, doce) para que tipos de queijos.
Tentar apenas um vinho que combine com toda uma tábua de queijos (azul, um camembert, cabra e um duro), não dará certo. Se for este o seu caso, limite-se a apenas um único e grande queijo. E esse é o caso do final do nosso cassoulet.
Acho que degustamos quase todo o livro do Mayle. Se quiser outras receitas de pratos e bebidas para o frio é só clicar aqui para a Soninha, no soniamelier@terra.com.br