22.10.08

O remédio sueco

O comércio de bebidas alcoólicas será também estatizado? Pelo que entendi, o plano americano para solucionar o caos financeiro é socializar o sistema, estatizá-lo, pelo menos em parte. Um editorial do New York Times diz que “injetar dinheiro diretamente nos bancos em troca de uma fatia da propriedade resultaria num impulso mais rápido e poderoso ... seria também melhor negócio para os contribuintes pois daria a eles o direito imediato a lucros gerados pelos bancos”. A prática se estende à Europa e até no Brasil já começa a ser cogitada.
Mas ela já aconteceu na Suécia, em 1992, onde estourou uma bolha semelhante, o governo interveio. Muito das presentes iniciativas têm base na chamada “solução sueca”. A estatização lá se estendeu até ao comércio de bebidas alcoólicas.
O governo sueco, na ocasião, criou o Systembolaget, um monopólio estatal de vinhos e destilados, até recentemente, o maior comprador de bebidas alcoólicas do mundo. No site da empresa explica-se que o tal controle não visa o lucro através da venda de álcool: sem essa motivação, não há razão de persuadir consumidores a comprar além da conta e nenhuma razão para vender a pessoas de menos de 20 anos. Aparentemente, essa idéia provou-se eficiente na prática. O consumo de álcool na Suécia estaria entre os mais baixos da Europa (no início do século XIX ficava entre os mais altos). O argumento é o de que capitalismo é muito bom, os incentivos para o lucro são poderosos. E o álcool é legal, também. Mas os problemas acontecem quando as duas coisas se misturam. Daí, a criação de um monopólio estatal nesse setor.
Systembolaget (ou “A Companhia do Sistema”) é dona de uma vasta rede de lojas de bebidas espalhadas por toda a Suécia: a única autorizada a vender bebidas alcoólicas contendo mais de 3,5% de álcool. As bebidas precisam ser compradas individualmente (não entregam em casa); as promoções (“compre uma leve outra grátis...”) são proibidas; nenhum produto pode ser favorecido (por exemplo: todas as cervejas têm de ser refrigeradas; ou nenhuma delas); a idade limite para a venda é 20 anos (segundo o site, a principal razão do monopólio é forçar esse limite); é proibida a venda para pessoas embriagadas ou suspeitas de comprar para terceiros (e, implicitamente, para aqueles abaixo da idade limite).
O Systembolaget serve a um mercado de nove milhões de suecos e é um dos maiores compradores de vinho e destilados do mundo, aparentemente só perdendo para a Tesco, a grande rede inglesa de supermercado.
O monopólio está organizado em princípio para atender à demanda dos consumidores por vinhos e destilados, mas não para promover vendas e encorajar o consumo excessivo de álcool. Suas lojas são bem organizadas, os funcionários continuamente treinados, havendo eventos regulares de degustação. (Saiba mais em http://en.wikipedia.org/wiki/Systembolaget).
O economista e crítico de vinhos Mike Veseth pergunta se os suecos estão certos de que o motivo do lucro é perigoso em alguns mercados. Perigoso como o álcool. Essa, afinal, é a idéia por trás do Systembolaget. Será que finanças e bebidas alcoólicas são iguais – úteis, mas potencialmente letais? Excelentes quando atendem a necessidades legítimas, mas explosivas quando o objetivo do lucro leva ao abuso? Mike Veseth acha que a crise financeira está levando os EUA (e o mundo) a adotar um Systembolaget para os bancos.
Tomara que a intervenção estatal fique restrita a bancos e afins. As bebidas alcoólicas já possuem leis e controles suficientes na maioria dos países. O próprio Systembolaget parece contraditório. O lucro dessa estatal em 2007 foi de 74 milhões de dólares. O lucro, então, não é uma motivação?
Além disso, o consumo de álcool foi maior na Suécia do que em qualquer outro país ocidental. Num estudo recente envolvendo 15 países da União Européia, o consumo de vinho na Suécia cresceu 9%. O segundo lugar ficou com a Irlanda (que não tem qualquer tipo de monopólio controlador): mais 3,6%. Veja aqui. O vinho em caixas (bag-in-box) representa 55% do consumo total no país, o que para alguns é um fator de aumento do consumo de álcool às escondidas, em casa. E, portanto, incentivo ao alcoolismo.
Além disso, apenas 50% de todo o álcool consumido na Suécia se origina do Systembolaget. O restante vem de outras fontes, inclusive de destilados (principalmente vodca) ilegalmente feitos em casa, o que certamente pode levar a problemas de saúde e mais uma vez ao alcoolismo.
Acho, sim, que é papel dos governos intervir quando setores da sociedade bagunçam o coreto. Mas levar o estatismo a todas as áreas, como a das bebidas, não funciona, como vimos. Vamos só lembrar de nossas experiências com as autarquias de peixe, açúcar, café etc. Não dá certo. A coisa acaba ficando como aquela fazenda do Orwell (na “Revolução dos Bichos”), onde “todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros”.

Vinho brasileiro para leigos

O primeiro vinho brasileiro Ed McCarthy provou há menos de 20 anos: o Marcus James, da Aurora. Não ficou muito bem impressionado. Voltou recentemente ao Brasil e o panorama mudou. Acho que muitos leitores já conhecem Ed McCarthy, crítico de vinhos, co-autor de um senhor best-seller, “Vinho para Leigos” (“Wine for Dummies”, com Mary Ewing-Mulligan) e autor de vários sucessos da série “Dummies”: “Vinho branco para leigos”, “Vinho tinto para leigos”, “Vinho francês para leigos” etc. Contribui regularmente para revistas especializadas e numa delas, a Wine Review Online, na qual faz um registro sobre esse retorno aos nossos pagos.
Em primeiro lugar, ele acha que logo, logo, os consumidores norte-americanos estarão familiarizados com nossos vinhos. Acha que conseguirão a mesma popularidade dos argentinos e chilenos. “Hoje, diz ele, o Brasil é o quinto maior produtor de vinhos do hemisfério sul – depois da Argentina, Austrália, África do Sul e Chile, e, sim, é maior do que a Nova Zelândia, cujos vinhos conhecemos bem há mais de 15 anos”.
Ed registra o interesse crescente do brasileiro pelos vinhos, visita a nossa principal área produtora, no Rio Grande do Sul, aponta para a importante contribuição dos imigrantes italianos e para o clima temperado do RS. E comenta sobre alguns de nossos problemas: se não somos ainda um país enófilo o devemos em grande parte ao governo, “que ainda taxa os vinhos do país em até 50%”.
Fala das vinícolas que conheceu agora. “Uma grande cooperativa, a Cooperativa Vinícola Aurora, e duas grandes vinícolas, a Salton e a Miolo, dominam os mercados doméstico e de exportação, embora pelo menos 18 outras vinícolas estejam já exportando seus vinhos para todo o mundo.” E cita nossos principais mercados: EUA, Alemanha, Suíça, República Checa e Holanda, com o Canadá e Singapura crescendo rapidamente.
Na sua volta, verificou que o Marcus James continua à venda (inclusive nos EUA), mas que os melhores vinhos da cooperativa são aqueles comercializados com o seu próprio nome: Aurora. Ed visitou oito vinícolas e provou vinhos de pelos menos outras oito, a maioria no Vale dos Vinhedos.
“Minha primeira surpresa agora foi que quase todas as vinícolas produzem tanto espumantes quanto vinhos parados e em geral de muito boa qualidade”. Experimentou espumantes feitos pelos Métodos Tradicional e Charmat e também os frisantes ao estilo do Moscato d’Asti, com a Moscatel, que achou “excepcionais”.
Impressionou-o bem a quantidade de variedades que estamos utilizando em nossos vinhos parados. Destacou a Tannat, que aqui é mais frutada e menos tânica; a Cabernet Franc e a Teroldego. Achou melhor a Cabernet Franc da Casa Valduga: “sabor intenso, grande estrutura”. Embora produzido por poucas vinícolas, adorou todos os vinhos com a Teroldego (principal variedade tinta da região italiana de Trentino-Alto Adige). “A versão brasileira tem menos taninos e mais frutos do que o original italiano”.
Degustou também outras das varietais aclimatadas aqui: Tempranillo (gostou), Pinot Noir (apenas correto), Syrah/Shiraz, Barbera, Gamay, Malbec, Ancellota (italiana da Emilia-Romagna), Marselan (francesa, cruza da Cabernet Sauvignon com a Grenache) e a Nebbiolo (da Lídio Carraro, “muito boa, com o caráter da Nebbiolo original”).
Achou muito bons os brancos que provou. “Os Chardonnay são competentes, mas não espetaculares. Preferi os Sauvignon Blanc”. Gostou também do Pinot Grigio e do Viognier da Miolo, e do Gewürztraminer da Famiglia Valduga.
Miolo e Salton, segundo ele, têm seus vinhos bem distribuídos nos EUA. Indicou em particular os vinhos “Reserva da Família”, da Salton, “e especialmente sua linha Volpi”. Achou os vinhos da Miolo de “primeira categoria”. Os da Famiglia Valduga, da Lídio Carraro e da Aurora também os impressionaram. Como também os vinhos da Pizzato, Luiz Argenta, Perini, Courmayeur, Don Laurindo (estas do RS) e da catarinense Panceri.
Ed McCarthy tem seu valor como crítico de vinhos consagrado pela série “Vinho para Leigos”, competentes guias, feitos com extremo cuidado e correção. Seus comentários vão ajudar certamente a promover os nossos vinhos. O Ed andou um bocado para prová-los, leitor. Você não vai precisar de tanta trabalheira.
Para o crítico americano, nossos vinhos são bem produzidos, interessantes e com bons preços. “Visitei o Brasil com poucas expectativas. Retornei impressionado”. Não vou ficar surpresa se em breve o Ed publique “Vinhos Brasileiros para Leigos”.
Da Adega.
Domno, a nova empresa dos Valduga. O Grupo Famiglia Valduga acaba de abrir a
Domno do Brasil, que cuidará da importação de vinhos e da elaboração e exportação de espumantes. Ou seja, o grupo está seguro do crescimento do setor no Brasil. A nova empresa já está operando em Garibaldi, a terra dos espumantes desde agosto de 2008. Veja só no site o belo prédio (60 mil m2) onde funciona.
No braço dedicado aos espumantes, a Domno já oferece o Ponto Nero (ou ●Nero), versões Brut (Chardonnay, Pinot Noir e Riesling Itálico) e Moscatel (100% Moscato, estilo Asti, que o Ed McCarthy achou excepcional). Ambas as versões em garrafas de 750 e 187 ml (embalagem prática, ajudando a relaxar o conceito de que espumantes são apenas para ocasiões especiais). A Domno também vai passar a produzir a linha Alto Vale (anteriormente com a Famiglia Valduga): espumantes feitos pelo processo Charmat, nas versões Brut (Chardonnay, Pinot Noir e Riesling Itálico) e Demi Sec. Nessa linha, ainda, um Cabernet Sauvignon num bag-in-box de 5 litros.
Quanto aos importados, a nova empresa já está distribuindo os vinhos do argentino Carlos Pulenta, produzidos pela sua vinícola em Luján de Cuyo, Mendoza. Teremos as linhas Tomero, Árido e Vistalba, o Corte A, Corte B e Corte C. Os vinhos da argentina Sottano serão brevemente comercializados, bem como rótulos chilenos e de outros países.
O Gerente Geral da Domno Brasil, Jones Valduga, garante que o objetivo é inovar sempre e “colocar na mesa do consumidor brasileiro o que há de melhor no mundo enológico”.

14.10.08

O Milagre

A vontade que dá é mudar para a Itália. Não é nada bom continuar a falar dessa fenomenal crise econômica, ficar à sombra da máxima de que más notícias são boas notícias. Na Itália acontecem milagres, como explico adiante.
A crise já chegou à camada milionária do mundo dos vinhos. O Comitê Interprofissional do Vinho de Champagne (o órgão representativo dos produtores da região) lamenta informar que as vendas da sua preciosa bebida, que só faziam crescer, caíram 3% nos primeiros oito meses desse ano, em todo o mundo. Na França, onde o consumo da bebida corresponde a 55% das vendas totais, a queda foi de 5%.
As exportações para os EUA sofreram mais: 22% de queda só no primeiro semestre. O consumidor está se virando com simples espumantes (o que pode ser bom para o nosso e ótimo produto). Ao contrário do que disse na coluna passada, os vinhos finos de Bordeaux, alvos de colecionadores e investidores, já começam a sofrer com tsunami financeiro: perderam 25% de seu valor nos últimos meses, segundo a importadora inglesa Berry Bros. O sommelier do elegantéérrimo e carííííssimo The Dorchester, um dos restaurantes do famoso Alain Ducasse na Inglaterra, revela que as notas pretas de seus augustos clientes estão acizentando: eles agora substituem os primeiros vinhos pelos terceiros e cortam pela metade suas despesas com bebidas. Em Nova York, o diretor de bebidas do grupo Jean-Georges (18 restaurantes, entre eles o Jean-Georges, com três estrelas do Guia Michelin) confirma a tendência: “os clientes estão comprando menos dos grandes vinhos e optando por vinhos mais baratos”.
Lojas com seleção de vinhos tidos como referência de qualidade e preço, como a inglesa Sainsbury's, estão passando a oferecer vinhos como o espanhol Don Simón Selección Tempranillo por apenas 2,99 libras (12 reais). Ou seja, fazendo descer ainda mais os preços dos seus vinhos médios (normalmente entre 25 e 40 reais). O crítico de vinhos do jornal The Guardian, o inglês Tim Atkin (um Master of Wine), diz que o Don Simón foi pior vinho que provou em muitos anos. A situação está preta em todos os andares: da cobertura ao térreo.
Na França, os protestos contra restrições à propaganda estão se alastrando, envolvendo produtores de todo o país. Boa parte da crise de vendas é atribuída lei Evin, que proíbe a promoção da bebida até na Internet. Como vender, então? Os franceses estão protestando também contra a pesada e cega burocracia que cerca as apelações e tolhe a liberdade de criação dos produtores e a possibilidade de, sem descurar da qualidade, encontrar melhores chances tornar seus vinhos mais competitivos seus vinhos. Mas há quem encontre maneiras criativas de protestar.
Jean-Marc Speziale, dono do restaurante La Terrasse, na cidade de Aniane, no Languedoc-Roussillon (740,300 acres de vinhedos, três vezes a área de Bordeaux; produz mais vinhos que a Austrália), cansado com a omissão das autoridades ante ao que considera a injusta má reputação dos vinhos da região, tomou uma atitude. Chamou um amigo enólogo para fazer um vinho de qualidade e bom preço. E conseguiu, com uvas da safra de 2007, um blend de syrah e grenache. As primeiras cinco mil garrafas que colocou no mercado foram vendidas imediatamente.
Nome do vinho: “Le Vin de Merde” (acho que não preciso traduzir). Jean-Marc burlou leis, infringiu regulamentos, mas conseguiu chamar a atenção para os vinhos da região, incluindo aí uma irônica crítica ao comportamento dos técnicos do sistema de apelações do governo. Seu vinho está sendo muito bem considerado. Veja aqui: http://www.berthomeau.com/article-22990520.html
Porém, solução mesmo seria mudar para a Itália. Lá pelo menos, abrimos a bica e jorra vinho, nada mais nada menos do que o simples e refrescante Frascati. E de graça. Semana passada, uma dona de casa de Marino, uma vila 40 minutos ao sul de Roma, abriu a torneira da cozinha e, pronto: jorrou vinho. Milagre! E o mesmo aconteceu em várias outras casas.
É que agora, em fins de setembro, a cidade realiza a sua festa da uva, a Sagra dell’Uva, quando de uma das fontes da cidade, a Fonte dos Quatro Mouros, na praça principal, jorra vinho. Só que a bebida foi parar nas bicas de várias residências deixando os Quatro Mouros a seco. A população, munida de baldes, jarras, galões etc., em volta da fonte ficou chupando o dedo.
O prefeito da cidade desculpou-se. Os engenheiros da prefeitura fizeram a bebida percorrer tubulações erradas. O defeito foi reparado e a fonte de Marino voltou a jorrar vinho. Talvez o prefeito, agora, mande colocar um aviso no departamento de engenharia: “Não bebam antes de entubar qualquer coisa”. A entubação é global e talvez precisemos de milagres de verdade.

8.10.08

A crise e os vinhos

Um amigo afirma que o segmento de vinhos é à prova de recessão, que o tsunami de Wall Street não afetará muito o setor. Para ele, bons vinhos representam um estilo de vida e não um luxo. “Sempre teremos bons vinhos por preços razoáveis”, diz.
A julgar pelo topo da pirâmide, aquele composto por investidores e colecionadores, o otimismo do meu amigo pode até se justificar. Os leilões de vinhos finos raros, de casas consagradas ou de safras espetaculares continuam a acontecer num ritmo frenético. Em plena implosão de Wall Street, a Hart Davis Hart, leiloeiro de Chicago, vendeu 1.745 lotes de vinhos premium e faturou mais de 11 milhões de dólares. As duas maiores casas leiloeiras norte-americanas, a Acker Merral & Condit e a Zachys continuam a ter ótimos desempenhos. O índice Liv-ex 100 (que compreende apenas vinhos blue-chips de Bordeaux e da Borgonha) cresceu 9% em 2008.
Se tormenta ainda não chegou nesse segmento milionário, onde estará se concentrando? Um dos indicadores mais importantes está no setor de hotelaria e restauração. Em tempos ruins como esses, comer em restaurantes, viajar, ficar em hotéis são despesas imediatamente cortadas. Logo, com menos consumidores em restaurantes e hotéis as vendas de vinho caem. Com o custo de combustível alto, também caem as viagens (inclusive de carro) e sofre o turismo enológico.
Segundo o instituto Nielsen, os negócios em bares, restaurantes nos EUA vêm caindo há tempos. A freqüência cai, os que aparecem bebem menos e mais barato (mais cerveja e apenas vinho da casa). O economista e crítico de vinhos Mike Veseth revela que em supermercados e lojas de vinho os consumidores já estão buscando os rótulos mais baratos. O segmento que mais cresceu nos últimos dois anos é o de vinhos a partir de US$ 10,00. Ou seja, a porção intermediária do mercado. O consumidor estava evoluindo em direção aos vinhos premium. “Mas o ritmo de crescimento diminuiu consideravelmente: fica evidente que os clientes estão procurando vinhos ainda mais baratos”. Agora, a fatia que mais cresce é a de US$ 4,00 e menos.
O custo de distribuir um vinho de, digamos, 14 reais é o mesmo do que um de 16. Apenas, o lucro com o de 14 será menor. Logo, esse movimento descendente terá efeitos negativos nos lucros de produtores e varejistas. Com o inevitável apertão no crédito sofrerão ainda mais.
Fazer vinho compreende decisões de longo prazo, mas viver de vinhos significa depender de compradores no curto prazo. Mike Veseth acredita que os problemas de crédito vão piorar nos próximos três anos, pois a economia tornou-se dependente de crédito rápido. E produzir vinhos é depender de crédito. Varejistas e distribuidores deverão ser levados a reduzir drasticamente seus custos e isso costuma ser igual a vinhos medíocres.
O economista Chistopher Ruhm, da Universidade da Carolina do Norte, é conhecido estudioso da relação entre o consumo de bebidas alcoólicas e as recessões. Diz que as pessoas tendem a pegar leve durante tempos mais magros. Seja porque têm menos dinheiro para gastar ou porque temem ficar mais vulneráveis em seus empregos. “Há uma clara evidência de que quando a economia enfraquece, as vendas de bebidas alcoólicas caem”. Com menos dinheiro, as pessoas saem menos, passam ao largo de bares e restaurantes.
Para ele, o vinho parece mais bem posicionado do que as cervejas e os destilados. “Os consumidores de vinho tendem, a ser mais velhos e mais afluentes”. Segundo o Nielsen, bares e restaurantes nos EUA já estão sofrendo uma brusca queda nos negócios, com menos clientes aparecendo, bebendo menos e mais barato. As pesquisas de Ruhm estão sendo confirmadas.
Porém, nas lojas as vendas de vinho parecem continuar indo bem, segundo o mesmo Nielsen, com a recessão econômica tendo pouco ou nenhum efeito sobre a bebida. As vendas cresceram 4,7% num período de 52 semanas encerrado em 23 de agosto. E o segmento de melhor desempenho (10% de crescimento) foi o de vinhos mais baratos. Essa é a situação nos EUA. Acho que se reproduzirá em quase todo o mundo.
Está na hora, portanto, dos produtores aumentarem as ofertas de meias garrafas (375 ml), de contarem até dez antes de estabelecerem suas margens de lucro, e não perderem de vista variedades fora do circuito Cabernet Sauvignon-Merlot-Chardonnay-Pinot Noir. Ou seja: dar uma maior chance às Malbec, Sangiovese, Zinfandel, Shiraz, Sauvignon Blanc, Muscat, Chenin Blanc. Como consumidoras, devemos pensar primeiro nos vinhos nacionais e nas novas e deliciosas variedades que nossos produtores, como a Vinícola Perini, por exemplo, estão oferecendo (a preços bem camaradas), como a Ancellotta, a Marselan, a Barbera.
Talvez meu amigo tenha acertado: quem gosta de vinho, vai continuar fiel, só que passará a comprar de olho nos preços. Sempre busquei preço e qualidade. E até que conseguia boas barganhas. Ter que descer mais alguns degraus nessa escala é que me assusta. Será que vou encontrar bons vinhos?
Da Adega
Milk Thistle
. Uma paciente leitora, a Stela Regina, leu uma matéria nossa, de janeiro do ano passado, onde falo sobre o Milk Thistle, um milagroso protetor do fígado. Para a minha guru Jancis Robinson, ele “é o amigo dos bebedores, uma erva milagrosa”.
A Stela queria saber onde esse remédio pode ser encontrado e se é verdade que está sendo proibido. Respondi muito rapidamente e disse que não sabia onde encontrá-lo. Errei! Na matéria original dava até os nomes das versões brasileiras do Milk Thistle: Silimalon, Legalon, Milk Thistle e até um Leberschutz. Triste memória a da Soninha.
O Silimalon pode ser encontrado
aqui. E o Legalon aqui. O Milk Thistle original, americano, pode ser comprado através da Amazon.com, entre outros importadores. Confira aqui.
Não encontrei quaisquer advertências quanto a proibições. Se existissem, a Amazon, por exemplo, sequer colocaria o produto à venda.
Minhas desculpas, Stela.
Vinhos Bacci. A Terramatter Importadora apresentará os vinhos Castello di Bossi, Terre di Tálamo e Renieri, da Bacci, uma centenária e louvadíssima vinícola toscana, produtora, entre outros, de Chianti Clássico, aquele do galinho preto. Será neste sábado, 11 de outubro, em degustação no restaurante Borsalino (Av. Armando Lombardi, 633, loja 111 - Terraço Market Street, Barra da Tijuca – RJ).
Na ocasião, Marco Bacci, proprietário do Grupo Bacci, Marcio Moualla, sócio da Terramatter, e Avelino Zanetti Filho, enólogo da Vino!, importadora exclusiva dos vinhos Bacci, apresentarão os rótulos Vermentino Vento Terre di Talamo, Rosso di Montalcino Renieri e Regina di Renieri Syrah IGT, Chianti Classico Castello di Bossi e Girolamo IGT Castello di Bossi.
Mais informações com a
Lygia Bittencourt (21_2226-1346 ou 21-9156-5988).

2.10.08

Que cheiro é esse?

“Aromas quase sobrenaturais de gordura de bacon, pão frito, cassis, flores brancas, amoras silvestres e, ocasionalmente, azeitonas provençais”. Qual será a origem desses aromas: do solo, dos barris ou tanques, durante a fermentação do vinho ou da cabeça de um degustador?
Quando nomeia um aroma, o degustador não pode deixar de ser subjetivo, pois está utilizando a sua memória olfativa e assim associa certas fragrâncias a diferentes itens que armazenou em sua memória ao longo do tempo. Pode, assim, diferenciar simples azeitonas de azeitonas provençais; flores amarelas de brancas, especificar que a gordura é de bacon e o que o pão é frito. O arquivo olfativo desse particular degustador é enciclopédico!
O mundo dos aromas é vastíssimo e desnorteante. Possuímos um equipamento olfativo incrivelmente sensível: podemos distinguir aromas em quantidades tão pequenas que mal pode ser mensurados nos laboratórios. E nossa capacidade de identificá-los é extraordinária. Estima-se em mais de dez mil a quantidade de aromas diferentes que podemos determinar. E o vinho tem é o que ser cheirado.
Num estudo sobre avaliação sensorial dos vinhos, dois professores da Universidade da Califórnia, Maynard Amerine e Edward Roessler, afirmam que no vinho estão identificados aromas de pelo menos 181 ésteres, 52 alcoóis, 75 aldeídos e cetonas, 22 acetais, 18 lactonas, seis acetamidas secundários, 29 compostos contendo nitrogênio e 18 contendo enxofre, dois éteres, 11 furanos, 18 epóxidos, bem como 30 outros compostos variados.
Por favor, não me perguntem o que é lactona ou furano. O importante é que esses elementos reagem entre si, modificando-se, mascarando-se, acrescentando-se, criando aromas sobre aromas. E é por isso que o vinho cheira muito mais do que apenas uvas. Aliás, raramente lembra o aroma da fruta que lhe deu origem. Análises dos seus componentes voláteis já identificaram as mesmas moléculas que deram a itens familiares seus aromas distintos. É o caso da rosa, da iris, da cereja, do pêssego, mel e da baunilha.
As fontes de todos esses aromas são esses componentes aromáticos voláteis, alguns dos quais originários das uvas ou de subprodutos da fermentação do suco delas. Outros deles resultam da maturação do vinho seja em barris de carvalho ou já nas garrafas.
O francês Émile Peynaud, talvez o maior nome da enologia até hoje, professor da Universidade de Bordeaux, o pai da moderna vinicultura, estabeleceu a diferença entre aroma e bouquet (buquê). Para Peynaud, a palavra aroma descreve o que percebemos num vinho quando jovem. Aquelas fragrâncias de frutos misturados com álcool e levedo. Abra a garrafa de um vinho jovem, de um Beaujolais Nouveau, por exemplo, e vamos ter uma idéia do que falamos.
Para o enólogo, falecido em 2004, aos 93 anos, bouquet é o resultado de um vinho maduro, quando muitos dos aromas não diretamente derivados da uva começam a reagir entre eles e a se apresentar. São odores novos, resultantes da interação daqueles primeiros componentes aromáticos com influências externas, como barris de carvalho, o oxigênio e o álcool. Um vinho que já estagiou nos barris e nas garrafas.
De qualquer modo, tudo começa com as uvas. Dois pesquisadores da Universidade de British Columbia, no Canadá, Steven Lund e Joerg Bohlmann, publicaram recentemente um estudo demonstrando como diferentes fatores afetam os aromas primários. Como e onde a uva é cultivada vão em última análise revelar qualidades como o caráter, a personalidade da cepa e “as dezenas e até centenas de componentes químicos que ainda precisam ser descobertos e caracterizados”.
Isso quer dizer que a mesma uva cultivada em solos diferente e em anos diversos vai produzir aromas variados. E a interação e quantidade desses componentes vão, por fim, afetar o bouquet na medida em que o vinho envelhece.
Lund e Bohlmann chegaram a determinar os compostos aromáticos de algumas uvas. Se a Gewürztraminer cheira como flores, isso em parte é devido aos compostos monoterpenos, principalmente o geraniol e o citronelol (o geraniol é a parte primária do óleo de rosas e o segundo do óleo de citronela).
O aroma ligeiramente herbáceo da Sauvignon Blanc, considerado normalmente como uma falha, tem origem na metoxipirazina, composto desenvolvido quando a uva ainda é verde e só metabolizado quando ela amadurece. Se um Sancerre tem um sabor herbáceo e um Bordeaux branco não, embora ambos sejam feitos com a Sauvignon Blanc, isso é porque o segundo foi produzido com uvas mais maduras e, portanto, com menos metoxipirazina.
Como dissemos, muitos dos componentes voláteis do vinho só despertam quando o vinho já passa da juventude. Num vinho jovem, o aroma de carvalho (do barril) aparece muito pronunciado, inconfundível. Na medida em que ele envelhece, a vanilina (um componente orgânico volátil do carvalho e parte da família dos aldeídos) vai reagir com oxigênio e dar à bebida um aroma claro de baunilha.
Os barris de carvalho são também fonte de muitas das especiarias que encontramos nos vinhos, como a canela, coentro, a noz-moscada. Cada barril, dependendo da região de onde o carvalho foi colhido, oferecerá um coquetel aromático diferente para o vinho.
É por isso que Robert Parker ficou atônito com os vinhos Guigal Côte Rôtie de três pequenos vinhedos (La Mouline, La Landonne e La Turque, do vale do Ródano, França). O mais poderoso crítico de vinhos do mundo, cujo paladar é considerado o equivalente enológico ao cérebro de Einstein, conseguiu identificar até aromas “sobrenaturais”.
E a amiga também pode, sem precisar ser enóloga ou ter diplomas acadêmicos (Parker é advogado, mas com um nariz privilegiado). É apenas uma questão de desenvolver sua memória aromática, carregando-a com o que o seu nariz encontrar pela frente. Primeiro registre o aroma e descreva-o ao seu jeito. O que importa é isso: criar um banco de dados de odores em sua memória. E deixar que os cientistas descubram a sua origem.
Da Adega
Um site só para espumantes. A
Vinhosweb estará lançando agora em outubro o primeiro site brasileiro com enfoque nos espumantes: e champagnes a cavas, o que a amiga pensar de vinhos borbulhantes encontrará nesse espaço.
A empresa, especializada na venda de vinhos pela internet, colocará à disposição de quem se cadastrar no novo espaço a enóloga e sommelière, Patrícia Possamai, com quem se poderá tirar dúvidas. Alguns vídeos serão gravados pelos próprios enólogos responsáveis pela elaboração dos espumantes colocados à disposição dos consumidores.
É uma boa dica, pois já estamos em cima da época de estourar mais espumantes, do que o normal. O consumo deles vem crescendo na média de 25% ao ano e não ocorre apenas em ocasiões festivas. Já os estamos bebendo cotidianamente. Dê uma conferida, amiga. E não esqueça que os espumantes brasileiros estão acima da média em termos de qualidade e seus preços são bem competitivos. Além disso, o certo é consumir o que está perto.

25.9.08

Paris e seus vinhedos

O vinhedo mais inusitado que conheço fica num quartel de bombeiros, La Caserne Blanche, Paris, sede da 7ª companhia de “pompiers”, na rue Blanche, 28, perto da rue Pigalle. Amanhã, 26, esses bombeiros estarão festejando com a população a colheita das uvas Chassellas e Pinot das 27 videiras em seu quintal. Delas sairão entre 100 e 150 garrafas que serão leiloadas ano que vem para fins de caridade. De 26 até meados de outubro teremos muitas festas desse tipo, pois Paris ainda possui seus vinhedos, que valem mais pela teimosia de uns poucos cidadãos em continuar a fazer vinho nos locais os mais improváveis. E assim lembrar que a cidade já foi o centro da região vitivinícola mais importante do país.
Da festa da Caserne Blanche participarão prefeito, autoridades e, como sempre, algumas dançarinas do Moulin Rouge, que fica bem pertinho, no final da rua, na Place Blanche, Boulevard de Clichy, já em Montmartre, endereço do lendário cabaré, ao sopé do mais importante desses vinhedos parisienses. É só subir a “Colina” (“la Butte”), como Montmartre é conhecida, e driblar uma multidão de turistas com postais de Toulouse-Lautrec nas mãos. Se ladeiras e escadarias não são o seu forte, tente o Petit Train (um simpático trenzinho de parque de diversões), que sai da Place Blanche todos os dias, a cada 30 minutos. Pode também experimentar o funicular ou pega um ônibus. A pé, siga as setas que indicam o museu Montmartre até o topo da colina, dominado pela basílica de Sacre Coeur, uma das vistas mais fantásticas da cidade. Dê a volta por trás dela (rue du Chevalier de la Barre), vá em direção ao Parc de la Turlure, desça pela rue de la Bonne até a rue Saint-Vincent. Na altura do número 14 lá estará o Clos de Montmartre.
Suas vinhas foram plantadas em 1933 e desde a primeira colheita as festas acontecem. O vinhedo, da prefeitura, é tocado por Francis Gourdin, um respeitado vinicultor. Depois de colhidas, as uvas são levadas para uma cave no subsolo da prefeitura, onde são fermentadas. São duas mil vinhas formadas principalmente pela Gamay e a Pinot Noir, às quais se misturam com o que Gourin chama de “variedades rústicas”.
Paris produzia vinhos desde o século IV. Na Idade Média já era um centro produtor tão ou mais importante do que Champagne, Borgonha ou Bordeaux. As primeiras vinhas de Montmartre foram plantadas pela rainha Adelaide de Savoie, esposa de Luis VI, num mosteiro que criou em 1133. Nascia aí o “vinho das abadessas”. No século XVIII, a região possuía mais de 20 mil hectares de vinhedos. Traços desse passado ainda são visíveis em nomes de ruas de Paris: rue des Vignes, des Vignerons, du Pressoir (da Prensa) etc.
Em fins do século XVIII e início do seguinte, a Revolução Industrial promove profundas mudanças na economia, em particular na agricultura. Um intenso movimento migratório para a capital fez com que os vinhedos fossem substituídos por trigais e moinhos aparecessem na paisagem. Afinal, as pessoas precisavam comer. O Moulin Rouge e o de la Galette são lembranças dessa época. Para piorar, em fins do século XIX, quase dois milhões de hectares de vinhedos franceses são devastados pela peste da filoxera. E em 1870, a tradição vinícola de Montmartre chega ao fim.
Porém, em 1933 um artista, Francis Poulbot, ilustrador de livros infantis, consegue mobilizar a população local contra a exploração imobiliária, entre outras mazelas. Planta um vinhedo e o Clos Montmartre está lá até hoje, um foco de curiosidade histórica, orgulho cívico e de vinhos cada vez mais elogiados. Todo o primeiro sábado de outubro a festa da colheita toma toda a rua e é prestigiada pelo povo local, autoridades e vinicultores de toda a França. O vinho da colheita passada é vendido (mais ou menos mil garrafas) para fins beneficentes.
Do quartel de bombeiros até o vinhedo lá no alto da “Colina” é um passeio pela história, arte, literatura e pelos mitos que fizeram de Paris algo muito maior do que a soma de suas belezas. Da Place Blanche você logo, logo alcança a Place Pigalle, um trecho que no século XIX e início do XX fez a fama da vida noturna da cidade. O estúdio de Toulouse-Lautrec, que imortalizou o Moulin Rouge, ficava em Pigalle. Pablo Picasso, Vincent van Gogh moraram por aqui por uns tempos. A escritora Colette (autora de Gigi e Chéri, entre outros sucessos), provocava escândalos ao beijar na boca sua amante, a Marquesa de Belbeuf, num espetáculo que criou e encenou no Moulin Rouge. Edith Piaff também começou sua carreira nessa região.
Na outra extremidade da rue Blanche, na rue St. Lazare, perto da estação de trem, Zola, Flaubert, Maupassant, Huysmans e Gongourt fundaram num restaurante, na noite de16 de abril de 1877, o movimento naturalista na literatura. A caminho da nossa vinícola, lá no alto, passamos pelo cemitério de Montmartre, onde estão enterrados, entre outros, Dumas, Stendhal, Emile Zola os irmãos Gongourt, o teatrólogo Georges Feydeau, o poeta e novelista Théophile Gautier, o poeta alemão Heinrich Heine, os compositores Offenbach e Berlioz, o pintor Degas, a cortesã Marie Duplessis. A lista é grande: esse cemitério, criado no século XIX, guarda ainda os restos do bailarino Nijinsky, de Adolphe Sax (o inventor do saxofone), do genial diretor François Truffaut. E não poderia falta La Goulue (Louise Weber), a célebre dançarina de can-can do Moulin Rouge, a “rainha de Montmartre”.
O Clos de Montmartre e a Caserne Blanche não são as únicas vinícolas urbanas de Paris. No Parc Georges Brassens existe um vinhedo, no Parc de Belleville outro. Além disso, a Association des Vignerons de Paris reúne hoje mais de 250 associados que cultivam vinhas em quintais, jardins, vasos, balcões, terraços - onde podem. Ela foi criada por Jacques Mélac, dono do Bistrot a Vins Mélac (rue Léon Frot, 42, na Bastilha). Em meados de setembro, em meio a mais festejos, os associados trouxeram suas uvas para que Mélac as fermente na adega de seu bistrô. Charmoso, não?
No subúrbio de Issy-les-Moulineaux temos o Le Clos de Moulineaux, capitaneado por Yves Legrand, que faz um branco com a Chardonnay e a Pinot Beurot (parente da Pinot Gris). Um pouco mais distante, em Argenteuil, mais conhecida hoje pelos seus aspargos, o último vinicultor da região, Jacques Defresne, 74, continua a fazer vinho, a partir da Seyve-Villard, uma variedade branca. Em Suresnes, o Clos du Pas Saint Maurice, administrado por Jean Dumas, faz brancos com a Sémillon, Sauvignon e a Chardonnay.
O símbolo dos bombeiros da Caserne Blanche é um cacho de uvas. Como a história demonstra, o vinho sempre ajudou a apagar incêndios.
Da Adega.
Festival do Rio 2008. O destaque de um dos mais importantes festivais de cinema do país, que começa amanhã, no Rio, é o catarinense Francesco. Entre centenas de filmes, diretores, produtores, atores e atrizes. O Francesco é um tinto produzido pela nova vinícola Villa Francioni, de Santa Catarina, no município de São Joaquim. Essa vinícola resulta de um projeto bem moderno idealizado pelo empresário Manoel Dilor de Freitas, que na fria serra de São Joaquim, resgata a tradição de antepassados toscanos (a vinícola tem o mesmo sobrenome da mãe de Manoel Dilor). Inaugurada em 2005, a vinícola já produz cabernet sauvignon, cabernet franc, merlot, chardonnay, pinot noir e sauvignon blanc, além de petit verdot, malbec, syrah e sangiovese.
Saiba mais sobre a
Francioni aqui. E sobre o Festival do Rio 2008 aqui.
Como Palin atrapalha Palin? Um
bar de vinhos de San Francisco vinha, desde julho, vendendo muito bem o tinto orgânico, Palin Syrah 2006, importado do Chile. Até que Sarah Palin, governadora do Alaska, é nomeada candidata à vice-presidente na chapa do senador republicano John McCain.
A partir daí, as vendas do Palin Syrah começaram a cair. O proprietário do bar está em apuros. Era o vinho que mais vendia. Na carta da casa, aprendemos que é um vinho seco com aromas de pimenta branca.
Será que o vinho passou a incorporar aromas de pólvora? Os clientes do bar são democratas obstinados? O produtor chileno deveria mudar o nome do vinho? Mas mudança (change) é o mote dos democratas. Sara, a governadora, e Palin, o vinho se opõe: a candidata é proibicionista, linha dura etc. Saia justa.

18.9.08

Da vinha ao vinho II

E o que acontece agora? Na coluna anterior, vimos o que acontece nos vinhedos, a trabalheira que é produzir uvas saudáveis com o objetivo de produzir bons vinhos. Hoje, chegamos finalmente nas adegas.
Bom, todas aquelas uvas serão convertidas em suco. Os vinicultores comportam-se como chefs, que ora podem utilizar todo o instrumental de sua cozinha ou deixar que a uva fale por ela mesma. A cor e o estilo do vinho vão depender desse profissional. A fermentação é o único fator comum em todo esse processo.
Para produzi-la, o vinicultor pode utilizar levedos cultivados (no seu laboratório ou comprados em casas especializadas) ou os que naturalmente se desenvolvem e vivem naturalmente na vinícola. Ao serem introduzidos ao suco das uvas, eles se tornam ativos: vão atrás do açúcar contido naquele líquido, convertendo-o em álcool e em dióxido de carbono. Os levedos naturais, “selvagens”, podem ser difíceis de controlar, mas costumam produzir aromas e sabores que compensam a trabalheira.
O vinho branco. As uvas brancas, depois de livres de hastes e folhas, são prensadas e o seu suco separado de cascas e caroços. Assim é feito porque cascas, talos e caroços contêm taninos, amargos e rascantes: são importantes nos vinhos tintos, mas indesejáveis nos brancos. O suco é colocado num tanque para “repousar” antes da fermentação, que, quando começar, vai levar entre três e trinta dias. É normalmente conduzida em temperaturas mais frias para preservar o frescor do aroma e o sabor.
Depois de fermentado, os vinhos brancos que não ficaram em barris de carvalho já podem ser engarrafados, tornando sua produção mais barata. Há brancos que são fermentados em barris de carvalho, do princípio ao fim do processo. Outros são fermentados primeiramente em tanques de aço inoxidável antes de serem transferidos para barris de carvalho, onde a fermentação é finalizada (ou para que neles amadureçam). Nesse ponto, o vinho pode passar por uma fermentação secundária (a primeira é a alcoólica, como vimos), chamada fermentação malolática, ou “malo”, um processo através do qual o potente ácido málico (pense numa maçã ácida) é transformado em ácido láctico, mais suave (pense em leite). Nos vinhos tintos, esse processo é muito utilizado. Mas nos brancos é empregado para algumas variedades, como a Chardonnays e a Semillons, de modo a reduzir a acidez e a produzir aromas de manteiga queimada. Os brancos que vão para barris, ficam entre seis e 12 meses, sendo depois transferidos para um tanque para filtragem (para remover sedimentos, restos de levedo etc.) ou clarificação, um método menos invasivo de eliminar-se sedimentos: coloca-se clara de ovo, bentonita etc. no vinho para que se agreguem às partículas indesejáveis e as levem para o fundo dos barris (de onde são, depois, removidos). Alguns produtores evitam esse estágio, pois acreditam que o vinho pode perder as qualidades que ganhou durante todo o processo. Clarificado ou não, o nosso vinho branco já está pronto para ser engarrafado e selado e ser levado às lojas. Pronto para ser bebido.
O vinho tinto. A principal diferença para o branco, a leitora já percebeu, é que sua produção é feita com as cascas (e às vezes até com os talos). Se espremermos uma uva tinta, vemos logo que o seu suco é claro, tal e qual o de uma uva branca. São as cascas que proporcionam a cor, estrutura, textura e sabor dos vinhos tintos.
O fruto é composto de pele, polpa e sementes. A polpa contém água e açúcar, fonte de álcool para a fermentação. Além disso, encontramos nela ácidos orgânicos, como o ácido málico (que se decompõe em frutose e glicose) e o ácido tartárico. É na casca que vamos encontrar os materiais corantes e a maioria dos compostos aromáticos da uva. Se estivermos numa aula de química ouviríamos falar em antocianinas, flavonóide, fenóis. Em resumo, é a casca da uva que vai transmitir ao vinho todo o sabor que o fruto conseguiu produzir, o “gosto da terra”. E também a sua cor tinta.
Assim, todo esse coquetel, depois de prensado, é transferido para um tanque, que pode ser de madeira, de aço inoxidável ou de concreto. Uma vez iniciada a fermentação, o dióxido de carbono (um subproduto da fermentação) vai empurrar as cascas para a superfície do tanque. Mas o vinicultor precisa extrair o máximo de cor e sabor dessas casas e, portanto, não para de levar de volta as cascas para o seio do suco.
Quando a primeira fermentação se encerra, o que resta no fundo do tanque (cascas, semente, talos) é levado de volta para a prensa de modo a tentar-se obter mais suco – ou o que não foi extraído. Esse segundo suco será muito rico em cor e em taninos e poderá ser utilizado como um componente a ser misturado ao vinho.
A maioria dos tintos costuma passar de seis meses a dois anos em barris de carvalho.
O vinho rosé. Ele fica com um pé no branco e outro no tinto. O rosé é um vinho tinto feito tal e qual um branco (os que não passam por barris de carvalho). Embora existam vários métodos de produção, o mais comum é deixar as cascas das uvas tintas em contato com o suco por um curto período de tempo (muitas vezes apenas algumas horas), o bastante para a extração de pequena quantidade de cor e uma lambidinha de taninos. Sim, é possível fazer um rosado, misturando-se um branco e um tinto, mas fico como os primeiros.
Os espumantes. São quaisquer vinhos saturados com dióxido de carbono (as bolhas) sob pressão (ou seja, numa garrafa). A maneira mais barata de conseguirem as bolhas é injetar gás carbônico diretamente na bebida. Outra maneira é promover uma segunda fermentação do vinho, adicionando-se fermento a uma mistura de açúcar, num tanque fechado, de modo a não permitir que o gás escape. Quando a fermentação termina, o vinho é clarificado e misturado, se necessário. E em seguida engarrafado (ainda sob pressão para reter o gás).
O método tradicional (chamado de método champenoise, na região de Champagne) é aquele que, em geral, resulta nos espumantes de melhor qualidade (e de maior preço). Nele, uma segunda fermentação é provocada, mas dentro da garrafa. Os levedos acabam mortos no fundo do vasilhame e precisam ser removidos, o que é conseguido pelo método da “remuage”: as garrafas são colocas horizontalmente em bastidores de madeira, com orifícios para cada garrafa. Todos os dias, elas são giradas um oitavo e posicionadas mais verticalmente, de cabeça para baixo, de modo a que esses sedimentos se aglomerem nos gargalos. No fim desse processo, o gargalo é congelado, as tampas das garrafas removidas e, por pressão, os sedimentos forçados para fora. As garrafas são colocadas de cabeça para cima e nelas adicionado um vinho (com maior ou menor quantidade de açúcar): chamam de “liquer d’expedition”. Em seguida, são arrolhadas e protegidas pela tradicional tela. O vinho ficará ainda por um bom tempo descansado até que seja considerado pronto para a venda.
Vinhos doces. Na produção dos mais famosos vinhos doces, como os de Sauternes, em Bordeaux, as uvas são colhidas mais tarde, quando bem maduras (e, portanto, com muito açúcar) e, idealmente, já secas e enrugadas em razão da botrytis cinerea, um fungo que reduz a quantidade de água das uvas e, conseqüentemente, concentram o açúcar e ácidos. É a chamada de “podridão nobre”. O aspecto não nada animador, de fato, embora não haja nada de podre nesse quadro.
Vinhos como o Porto e o Jerez são também doces. Aqui, a fermentação é interrompida pela adição de um destilado de vinho, que aumenta o volume alcoólico da bebida. Quando esse volume chega aos 18 graus, os fermentos morrem. E o resultado é um vinho doce (pois os fermentos não conseguiram papar todo o açúcar da bebida) e forte (pelo seu volume alcoólico maior).
Esse panorama não se encerra aqui. Voltaremos ao assunto.

16.9.08

Correspondência em dia

Cápsulas de Chumbo. O Ronaldo pergunta onde pode comprar cápsulas de chumbo para garrafas. Não sei. Para vinhos, elas foram abolidas em praticamente todo o mundo a partir dos anos 90. Lembro de uma coluna que publiquei aqui (“Beethoven por um fio”), em 2005, sobre documentário da TV inglesa relatando a trajetória de um chumaço de cabelo Ludwig van Beethoven, recolhido assim que o compositor morreu, em 1827. Analisada, essa porção revelou uma concentração extraordinária de chumbo, 100 vezes acima do nível seguro, o que explicaria a série de mazelas do autor (doenças estomacais, irritabilidade, surdez etc.), que o teriam levado à morte. O documentário sugeria que o compositor tivesse se intoxicado com o chumbo de águas de estações hidrominerais que freqüentou quando jovem. Mas um jornalista irlandês lembrou que ele poderia ter se envenenado através do vinho e da cerveja. É que no século 19 o chumbo era usado para adulterar essas bebidas de modo a melhorar seus sabores e aparência. O metal já era empregado pelos antigos romanos para que o vinho não avinagrasse. Nos tempos de Beethoven, bebia-se principalmente em canecas feitas de uma liga de estanho e chumbo e as garrafas eram limpas com jatos de chumbo; reservatórios e encanamentos de água continham chumbo. Por essas e outras é que as casulas de chumbo, que protegiam as rolhas, acabaram banidas. Elas podem contaminar o vinho e envenenar seus consumidores. Além disso, não são recicláveis e também contaminam os solos. Em boa hora, foram substituídas por plástico (polietileno ou PVC), alumínio e até mesmo papelão.
Ainda o absinto. O João Luiz, a respeito da última coluna (“Chernobyl e os vinhos”), diz que a bebida era servida colocando-se na boca do copo “uma peneirinha na qual se colocava uma pedra - cristal – de absinto. Despejava-se água em cima dela, dissolvendo-a para dentro do copo”. Mas o que ele quer saber mesmo “é onde o alcool entra”.
Bom, o absinto é uma bebida alcoólica, feita a partir de álcool etílico de origem agrícola ou de um destilado de origem agrícola, geralmente feito a partir de uvas. Esse álcool é aromatizado através da maceração com várias plantas. A mistura final é em seguida destilada e filtrada. Na etapa final, faz-se uma colorização, para ajustar o sabor e a apresentação da bebida, com o famoso tom esverdeado.
As ervas que entram na maceração (com o álcool etílico) são: artemisia absinthium, artemisia pontica, anis, funcho, melissa (ou erva-cidreira verdadeira ou citronela) e hissopo. Na colorização entram o pequeno absinto, o hissopo e a melissa.
Quanto ao serviço: colocava-se em cima da taça uma colher perfurada (poderia até parecer uma “peneirinha”), e sobre ela um tablete ou cubo de açúcar. Por cima deste, fazia-se jorrar, vagarosamente, água, até que o açúcar se dissolvesse na taça.
Por fim, o João Luiz insinua que os lendários pintores da Belle Époque, Toulouse-Lautrec e Amadeo Modigliani teriam morrido em função do absinto. Pelo que sei, Lautrec, de saúde já frágil, morreu em razão da sífilis e do alcoolismo. Era alcoólico desde jovem e assíduo freqüentador de bordéis. Criou um drinque famoso, o “Tremblement de Terre” ou “Terremoto”: três doses de absinto e três doses de conhaque. É de derrubar o Hulk!
A saúde de Modigliani também era frágil: sofria de tifo desde a infância e morreu tuberculoso, um fim apressado pelo alcoolismo e o haxixe. Acho que devemos culpar os excessos. O absinto fica como bode expiatório.
Qual o crítico mais influente? O Guilherme avisa que “não adianta eu ficar puxando a brasa para a Jancis Robinson, pois o crítico mais influente continua sendo o Robert Parker”.
Bom, acho que, em se tratando de Parker, sua influência é medida mais por quantidades. Sendo assim, atualmente o crítico mais influente é o Shizuku Kanzaki, um sommelier japonês, personagem da série de quadrinhos e desenhos animados, a Kami no Shizuku (“Gotinhas dos Deuses”). As indicações do sommelier de duas dimensões são capazes de esvaziar as lojas de vinhos japonesas e coreanas em poucas horas ou de fazer preços dispararem por um mero comentário a respeito de um ou outro rótulo. A newsletter de Robert Parker tem 50 mil assinantes. As aventuras (e dicas) de Shizuku são lidas por pelo menos meio milhão de japoneses todas as semanas.
Com a Jancis Robinson eu aprendo a conhecer mais sobre a bebida e a ser humildade e paciente pelo muito que ainda falta saber.

11.9.08

Da vinha ao vinho

O vinho que tomamos vem de um vinhedo, você sabe. E vinhedo é uma criatura difícil, exigente. Para começar, todo vinhedo tem o seu DNA, a sua própria personalidade, mais conhecida no mundo dos vinhos como terroir, um termo francês, que não significa literalmente terreno, mas a combinação de fatores ambientais e físicos que afetam a vinha: sua localização, clima e tipo de solo. Juntos, vão realizar um intenso trabalho que no final determinará a quantidade e a qualidade das uvas. A complexidade de cada um desses fatores e a quantidade de combinações possíveis que oferecem faz com que nunca dois vinhedos, mesmo vizinhos, sejam exatamente iguais.
As uvas. São, claro, as estrelas da festa. A espécie de vinha utilizada para a produção de vinho é a Vitis Vinifera, cultivada há milhares de anos. A Vitis é uma trepadeira da família das vitáceas. Existem mais de mil variedades dessa família. As uvas apropriadas para vinhos, ao contrário das de mesa, que compramos nas feiras e supermercados, costumam ser menores, suas cascas são mais grossas e têm caroços. Elas gostam de sol, mas não muito; amam o calor, mais não muito; gostam de umidade, mas não muita; adoram um solo ruim e como; e amam as altitudes.
Clima. É importantíssimo, tem influência não apenas no sabor, mas no tempo de vida de um vinho. Mais de 90% da produção de uvas apropriadas para vinhos acontece numa faixa de terra entre 35 e 45º, tanto no hemisfério norte quanto no sul. Como regra geral, os vinhos produzidos no hemisfério norte, em climas mais frios, serão mais ácidos e conterão menos álcool. Já aqui embaixo acontece o oposto: menor acidez e maior volume alcoólico.
Solo. Pode ser de calcário, argila, granito, até mesmo de cinzas vulcânicas – o solo desempenha um enorme papel na saúde dos vinhos e, por extensão, no seu sabor final. Alguns drenam melhor a água; outros são naturalmente mais ricos em nutrientes e minerais. São essas variações que determinarão quanto mais de água as vinha necessitará, sua capacidade de guardar calor, sabor, textura e até mesmo como vão se defender de pestes e doenças.
Água. Como qualquer planta, as vinhas precisam de água. Só que não tanta, assim. Pois elas são naturalmente estressadas. Se muita a água, ficarão preguiçosas para produzir um fruto de boa qualidade.
A natureza. Ela é o fator imponderável, como todo agricultor sabe. Pode ser cruel ou magnânima. Uma mudança nas condições climáticas de um ano para outro significa que o vinho também será alterado. Apesar de todos os avanços tecnológicos, a indústria do vinho ainda está à mercê dos elementos.
Métodos. Além das importantes considerações relativas ao clima, solo e água, a plantação de uvas depende de uma variedade de práticas. Por exemplo, a distância entre cada vinha, como será feita a poda, como protegê-la de doenças.
Na viticultura convencional, a mais comum, o agricultor usa o que quer e pode, como fertilizantes químicos etc., para assegurar os melhores resultados possíveis. Mas pode optar pela agricultura orgânica, cada vez mais popular, inclusive entre consumidores. Os vinhos orgânicos são aqueles produzidos a partir de uvas que cresceram sem o uso de fertilizantes, herbicidas e fungicidas industriais e sem que recebessem aditivos sintéticos.
Ou pode trilhar a viticultura biodinâmica, cuja base é a orgânica, mas que acrescenta elementos da homeopatia, astronomia e astrologia. Aqui todo o vinhedo é tratado como um único organismo vivo que opera em linha com os ritmos lunares e cósmicos.
O agricultor começa a trabalhar já em abril, quando a planta entra em hibernação, perde as folhas e fica descansando. Então é feito o plantio e enxertos das plantas novas e a poda nas velhas. É um trabalho que vai até julho.
De agosto a dezembro, vemos as folhas brotarem e mais ou menos dez semanas depois a floração, que vão resultar em cachos de uvas. Quando esses cachos estão completamente formados, o agricultor já sabe que está a 100 dias do amadurecimento completo. Com 70 dias, acontece o Véraison, quando as uvas mudam de cor e entram na fase final de amadurecimento. Logo em seguida, temos a colheita, primeiro a das uvas brancas, mais precoces, e depois a das tintas. As mãos são naturalmente mais delicadas do que as máquinas, que nem sempre alcançam onde nós podemos chegar.
A vinícola. Bem, as uvas colhidas são levadas com todo o carinho para a adega da vinícola, onde elas serão convertidas em suco por um processo relativamente simples. E desse suco, elas vão evoluir para vinho. E aí o trabalho é outro, talvez mais difícil.
Como fazer vinhos brancos, tintos, rosados, espumantes, doces, secos, fortificados. Tudo isso fica para a próxima semana, pois não queremos cansar a leitora.
Da Adega
Uva chocante
. Há oito anos, o jornalista gaúcho Lasier Martins, da RBS-TV, cobrindo ao vivo a Festa da Uva em Caxias do Sul, RS, quis mostrar um belo cacho de uvas sobre uma vitrine – que estava eletrificada sem que o repórter soubesse. Levou um choque de 220 volts e caiu, desacordado. Agora, o filmete do acontecimento está em toda a parte. Veja
aqui:
Mapa do Tesouro. A Academia do Vinho acaba de lançar a segunda edição do livro “O Mapa do Tesouro”, um guia divertido para iniciantes do mundo dos vinhos: história, as uvas, a vinificação, tipos de vinho, harmonização com alimentos, armazenamento, serviço e as principais regiões. A primeira edição esgotou-se rapidamente. A segunda vem revista e ampliada. Vendas pelo site da
Academia.

A herança de Chernobyl

Chernobyl está presente nos vinhos há centenas de anos, muito antes de ter seu nome vinculado ao maior desastre nuclear da história, ocorrido em 1986 na Ucrânia, então parte da URSS.
A catástrofe resultou em nuvens radioativas sobre várias partes da Europa, causando pânico. Na Suécia, por exemplo, a incerteza das conseqüências dessa terrível ameaça invisível continuam a assombrar a população, que evita consumir alimentos produzidos no rastro da precipitação. E isso incluiu os vinhos importados de algumas regiões da França sob a nuvem fatal, o que abriu caminho para vinhos dos EUA, em particular os de Washington, feitos ao estilo de Bordeaux.
Porém, a precipitação de Chernobyl está ajudando físicos da Universidade de Bordeaux a desenvolver um método de datar os vinhos pelos níveis de sua irradiação. Os cientistas estão medindo a radioatividade gerada pelos testes nucleares na atmosfera feitos em 1950 e 1963 e, agora, pelo desastre na Ucrânia. Com isso poderão determinar as safras dos vinhos e combater fraudes, protegendo principalmente colecionadores e investidores: investem pesado em rótulos de safras antigas, quando muitas vezes os vinhos nas garrafas são do ano passado. E isso poderá ser feito sem que se abram as garrafas.
Chernobyl, como substantivo, acompanha os vinhos desde os tempos em que os vinhos eram aromatizados com ervas, especiarias, resinas, açúcar ou mel. Afinal, era bem melhor assim do que beber vinagre. Nossos ancestrais da Idade Média flavorizavam o vinho rotineiramente: a bebida final era chamada de Hippocras (já que as ervas, especiarias etc. eram torcidas e coadas numa bolsa chamada “manicum hipocraticum” ou “manga - de camisa, vestido - de Hipócrates” (o grego considerado o pai da medicina).
Uma das ervas largamente utilizadas era a “artemisia absinthum”, que os alemães chamavam de “wermut” e que foi anglicizada para “wormwood”, planta de grandes qualidades medicinais, ótimo tônico para o estômago. A palavra “wermut” foi aproveitada por Antonio Benedetto Carpano, de Turim, Itália, quando criou em 1786 um vinho fortificado e flavorizado com ervas e especiarias (entre elas o “absinthium”), que chamou de Vermouth, nome tomado do alemão “wermut”, tradução de absinto, como vimos.
Acontece que uma possível versão de absinto para o russo é chernobyl. E por isso o desastre nuclear dessa usina é ocasionalmente ligado a um verso do Apocalipse (8:10,11), no Novo Testamento, quando o anjo joga uma estrela em chamas sobre rios e fontes de águas, fazendo-as amargas e letais: “e o nome da estrela é absinto” (“apsinthos” no original grego).
Parece que a bebida começou como uma panacéia criada por volta de 1792 por um médico francês, Pierre Ordinaire, que vivia na Suíça. Nos dois séculos subseqüentes, chegou a ser a bebida mais popular da França, o símbolo da Belle Epoque. Em 1910, os franceses beberam 36 milhões de litros de absinto, que ganhou as graças de artistas e escritores e era utilizada para estimular a criatividade. Mas logo foi ligada a crimes hediondos, ganhou a imagem de droga altamente tóxica, alucinógena, fatal, que fez vítimas famosas, como Oscar Wilde, Verlaine, Rimbaud, Villiers de l'Isle Adam, Alfred Jarry, entre outros.
Nada disso foi cientificamente provado. O caso é que o absinto, naquela época, tinha um grande conteúdo alcoólico (às vezes, mais de 60%) e um dos componentes químicos da planta, a tóxica tujona, era utilizada em altas doses (entre 50 e 100 mil partes por milhão), o que podia resultar em danos neurológicos. Na verdade, a bebida serviu de bode expiatório para o alcoolismo vigente e acabou banida em quase toda a Europa menos em Portugal, Espanha e Inglaterra, países que a partir de 1990 lideraram a sua recuperação em todo o mundo (claro que com menos álcool e quase nada de tujona).
Mesmo com a praga de um anjo apocalíptico, um desastre nuclear e fama de destruidor nas costas, o absinto voltou, ainda sem o sucesso do passado, mas já deixou filhotes deliciosos, pelo caminho, através dos pastis, ouzo, arak e raki, com o anis em lugar da artemísia.

3.9.08

Certo ou errado?

Qual o maior preço por uma simples uva? E onde fica o maior barril de vinhos do mundo? As igrejas agora têm wine bars? Champagne é terra de viúvas? Faça esse teste, verifique seus conhecimentos sobre os vinhos. Vamos lá:
As perguntas:
1) Uma igreja brasileira planeja abrir uma série de bares para servir vinhos aos seus fiéis. Será possível?
2) Recentemente, a revista americana especializada Wine Spectator concedeu um “Prêmio de Excelência” pela carta de vinhos a um restaurante brasileiro. Certo ou errado?
3) Júlio César, D. Pedro II, Napoleão: qual desses imperadores deliciou-se com vinhos feitos com a cepa Aleatico?
4) A melhor hora para degustar um vinho é entre quatro e seis da tarde. Certo ou errado?
5) Não se deve beber um vinho branco com pequenos cristais no fundo da garrafa ou sob a rolha. Certo ou errado?
6) Aromas de origem animal (couro, pele suada, almiscareiro...) são característicos de vinhos tintos jovens. Falso ou verdadeiro? 7) Já os aromas de frutas cítricas (laranja, limão, tangerina...) indicam vinhos brancos jovens. Sim ou não?
8) A filoxera é a doença mais conhecida dos vinhos?
9) Riesling é uma appellation d’origine contrôlée na Alsácia. Certo? Errado?
10) A Maison Chanoine Frères foi a primeira casa comercial de Champagne a ser fundada. Falso ou verdadeiro?
11) A diferença entre madame Clicquot e madames Perrier e a Pommery é que a primeira era viúva. Certo ou errado?
12) Champagne deve ser servida entre 5 e 8º C. Deve ou não deve?
13) A garrafa de Champagne com capacidade para trinta litros é chamada de Jeroboão. É isso mesmo?
14) Gewürztraminer é a variedade mais produzida na Áustria. Será?
15) Dolcetto, uma uva tinta do norte da Itália, é exclusiva das províncias de Cuneo ou de Alessandria, no Piemonte?
16) Quais dessas é a branca mais plantada em Rioja, Espanha: Macabeo ou Viura?
17) Cabernet Sauvignon é a uva dominante nos vinhos da terra de D’Artagnan, a Gasconha? Vrai ou Faux?
18) É no Japão, China ou Índia onde um cacho de uvas pode custar até mil dólares?
19) O mais antigo sobreiro, a árvore que produz cortiça, fica em Portugal e é apelidado de “Arvore dos Pássaros”. Certo ou errado?
20) O maior barril de vinho do mundo fica na França. Certo ou errado?
As respostas:
1) A anglicana Catedral de Birmingham, Inglaterra, vai inaugurar uma rede de wine bars na cidade, onde os fiéis poderão beber vinhos se comprarem tíquetes de desconto em sua sede. Os bares serão decorados com púrpura episcopal e vidraças com temas religiosos. Amém!
2) É de Milão, Itália, a Osteria l’Intrepido, restaurante inventado pelo autor e crítico de vinhos Robin Goldstein. A carta que criou para a Osteria era composta de vinhos anteriormente avaliados como medíocres pelos próprios críticos da WS. O restaurante só existiu virtualmente.
3) D. Pedro II fez muitas viagens, mas nunca esteve em Elba, ilha do primeiro exílio de Napoleão Bonaparte e famoso centro de produção de vinhos com essa tinta aromática, membro da família Moscatel, quase sempre vinificada doce. Napoleão era freguês certo.
4) Segundo mestres franceses, a melhor hora para degustarmos um vinho é 11 da manhã. Os sommeliers da Terroir Experience afirmam que, nesse horário, quando fome já se manifesta, estamos mais sensíveis e a degustação é mais pertinente.
5) Pode beber sem susto: quando gelado, é comum ocorrer uma precipitação de ácido tártaro nos vinhos brancos, o que resulta na formação de cristais absolutamente inofensivos.
6) Esses são aromas terciários, de evolução, característicos de tintos potentes e tânicos a partir de determinada idade.
7) Acertou quem respondeu vinhos brancos jovens, cítricos, de grande frescor.
8) A doença mais conhecida dos vinhos é a da rolha ou TCA (“bouchonné), que deixa um gosto ruim na bebida. A filoxera é um pulgão, um inseto que ataca a vinha e não o vinho.
9) Riesling é apenas o nome de uma cepa da Alsácia, única região da França autorizada a colocar o nome das cepas nos rótulos. Lá são cultivadas também a Gewürztraminer, Pinot Gris, Pinot Noir, Pinot Blanc, Muscat, Chasselas e Sylvaner.
10) Falso. A primeira casa comercial fundada em Champagne foi a de Nicolas Ruinart, em 1729. A Chanoine Frères começa a funcionar no ano seguinte. E a Moët et Chandon em 1743.
11) As três eram viúvas: assumiram e projetaram Champagne após a morte de seus maridos. Mas a região tem mais viúvas importantes: Camille Orly Roederer, Elisabeth Bollinger, Yolanda Kunkelmann (Piper-Heidsieck), Suzanne Gosset Paillard.
12) O champanhe deve ser servido entre 6 e 10º C. A temperatura ótima seria 9º C.
13) Não, a garrafa de três litros é a Jeroboão. A de 30 litros é chamada Melquizedeque (rei, profeta ou sábio no Velho Testamento).
14) A branca Grüner Veltliner é a variedade mais plantada na Áustria e resulta em vinhos picantes e aromáticos.
15) O Dolcetto é exclusivo das duas províncias: Cuneo e Alessandria.
16) A Macabeo também é chamada de Viura.
17) Os grandes vinhos da terra de D’Artagnan, a Gasconha, vinham da comuna de Madiran, no sudoeste da França, que também é uma AOC, produtora apenas de tintos, geralmente potentes, com muitos taninos. A uva dominante é a Tannat, de 40 a 60% presente em cada garrafa. A Cabernet Sauvignon e a Cabernet Franc (ou Bouchy, na região) são as uvas secundárias.
18) Num leilão realizado semana passada na cidade de Ishikawa, Japão, um cacho com 35 uvas foi vendido por US$ 910,00. Cada uva saiu por US$ 26,00. Trata-se da Ruby Roman, uma híbrida japonesa, cor de tomate e quase do tamanho de uma bola de pingue-pongue. Quem arrematou foi um dono de restaurante. Imagine o preço a ser repassado para os clientes da casa?
19) O sobreiro mais antigo do mundo foi plantado em 1783, perto da cidade de Águas de Moura, no Alentejo, Portugal. Seu apelido é “Árvore Assobiadora”, assim chamada pela grande quantidade de pássaros canoros que a habitam. É o mais antigo e também o mais produtivo do mundo. Tem 14 metros de altura e 4, 14 metros de circunferência. Na safra de 1991 produziu 1.200 quilos de cortiça, bastante para produzir mais de 100 mil rolhas para vinhos.
20) O maior barril do mundo fica no Castelo de Heidelberg, Alemanha, na cidade de mesmo nome. Foi construído em 1751 a partir de 130 carvalhos. Com 7 metros de altura e 8 de largura, tem capacidade para 220 mil litros de vinhos. Sobre ele o Príncipe Eleitor Karl Theodor mandou construir uma plataforma para danças. Diz a lenda que um anão chamado Perkeo, o bobo da corte, era quem tomava conta desse fenômeno. O anão teria morrido acidentalmente ao beber por engano uma taça de água. Seu sistema só admitia a Riesling.
Até o próximo teste.

28.8.08

Quando misturar é melhorar

A maioria dos vinhos finos do mundo é feita misturando-se diferentes variedades de uvas. Por aqui (e na maior parte do Novo Mundo) muita gente ainda pensa que vinhos feitos com apenas uma cepa são superiores aos aqueles feitos com mais de uma. Instintivamente pensamos que um vinho um puro Cabernet Sauvignon é melhor do que uma mistura dessa cepa com outras duas ou três variedades.
Porém, o vinho feito de uma cepa dominante, ou varietal, é uma herança recente, um conceito desenvolvido na Universidade da Califórnia, em Davis, logo depois do fim da Lei Seca, em 1933,. Os produtores americanos foram encorajados a plantar cepas de melhor qualidade, o que resultou no sucesso dos vinhos da Califórnia a partir dos anos 70. Para começar, o consumidor americano aprendeu a distinguir um Cabernet, por exemplo, dos até então usuais rótulos vendidos no país com nomes genéricos, como “Borgonha” ou “Chablis”. E de fato, ainda hoje continua sendo mais fácil identificar o vinho pela cepa do que pela região de origem, como é a regra há muitos séculos em grande parte da Europa.
No Velho Mundo, os vinicultores aprenderam a fazer com que o cravo não brigasse com a rosa. E, ao contrário, unissem seus aromas, formando uma nova e preciosa unidade. Se duas ou mais variedades de uvas de grande qualidade são misturadas, cada qual complementando a outra, o resultado final tende ser sempre mais interessante do que o vinho feito apenas com uma só variedade.
No Novo Mundo, o foco está sobre um punhado de algumas variedades: as brancas Chardonnay, Sauvignon Blanc e Riesling e as tintas Merlot, Shiraz, Pinot Noir e Cabernet Sauvignon – o que torna mais fácil entendermos o que bebemos.
Os franceses, por exemplo, preferem concentrar-se na origem do vinho e por isso não vamos encontrar a palavra Sauvignon Blanc numa garrafa de Sancerre ou Pinot Noir num vinho da Borgonha e Merlot num rótulo de Bordeaux.
Claro que temos grandes vinhos feitos de uma só variedade, seja no Vale do Mosela, Alemanha (com a Riesling), seja no norte do Vale do Ródano, França (Syrah), na Borgonha (Chardonnay ou Pinot Noir), em Marlborough, Nova Zelândia (Sauvignon Blanc) ou no Vale de Napa, Califórnia (Cabernet Sauvignon). Mas é bom observar que na maior dos países do Novo Mundo é permitido aos produtores acrescentar de 15 a 25% de outras variedades ao vinho, sem que isso seja mencionado no rótulo. Uma Chardonnay pode conter uma pobre Colombard, numa técnica descrita por um vinicultor como “o equivalente a colocar sardinhas no mingau de aveia”. Ou seja: uma brecha que possibilita a redução de custos e, algumas vezes, aproximar a bebida do medíocre.
Mas o fato é que os vinhos de corte fazem a imensa maioria das melhores garrafas. As mais famosas regiões vinícolas européias – Rioja, Vale do Duro, sul do Ródano, Chianti, Champagne e Bordeaux, por exemplo – basearam o seu sucesso combinando duas ou mais variedades.
Pense num prato de feijão. Agora, pense numa feijoada, um corte de mais uma dezena de elementos que resultarão num alimento mais complexo, com várias nuances, extremamente mais saboroso e estimulante, mas nunca ofuscando o importante papel do feijão. Com os vinhos, temos, por exemplo, o tinto Châteauneuf-du-Pape, do sul do Ródano, que usa até 13 variedades de uvas, inclusive brancas.
Em Bordeaux, a tradição e a lei permitem até cinco variedades: Cabernet Sauvignon, Merlot e Cabernet Franc, com pequenas quantidades de Petit Verdot e Malbec. E esse costume provavelmente se originou para proteger o vinicultor de acidentes. A Merlot e a Cabernet Sauvignon, por exemplo, têm ciclos de desenvolvimento diferentes. A Merlot amadurece mais cedo, o que a livra dos riscos das chuvas de outono. Já a Cabernet só ficará pronta para a colheita mais tarde, o que a coloca sujeita às chuvas. Jogando com essas diferenças, o produtor sempre estará protegido, garantindo ainda que o resultado final seja melhor do que um vinho feito apenas de uma só variedade (e sujeito a problemas com o clima).
Tomado simplesmente, um vinho de corte é aquele que combina dois ou mais vinhos para criar um novo. E o vinicultor, fora proteger-se contra os azares do clima, como vimos acima, faz isso para melhorar os aromas e a cor da bebida; ajudar o pH de um vinho; aumentar ou reduzir a sua acidez, o mesmo com o volume de álcool e os taninos; ajustar o açúcar; corrigir a presença em demasia do sabor de carvalho.
Ele pode ainda fazer corte de diferentes variedades, misturar uvas de variados vinhedos, de diversas safras, vinhos com vinificações desiguais ou de barris variados.
Ao realizar essas combinações, o vinicultor está muito mais do que misturando ou adicionando uma quantidade de vinho a outro. Está criando complexidade, uma diversidade de sabores e aromas originais, mais ricos do que os teríamos com o vinho de uma só variedade.
Essa, inclusive, é a grande hora do vinicultor, a sua hora de maestro da melodia resultante dessas combinações. Rodgers e Hart, dois dos maiores compositores populares de todos os tempos, autores de grandes clássicos da música americana (Blue Moon, Bewitched, The Lady is a Tramp etc.) tiveram no cantor e trompetista Chet Baker talvez o maior intérprete de My Funny Valentine – foi sem dúvida o seu mais inspirado vinicultor (já viu que sou fã de carteirinha do trompetista).
A leitora prefere só o baião ou acha melhor o baião de dois (feijão de corda e arroz numa mesma panela, como reza a receita de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira)? Prefere os vinhos combinados, de corte, ou os varietais?
Da Adega
Os melhores do Wine Brasil Awards 2008
. Entre os vencedores a Miolo, Salton, Pizzato e Panizzon receberam medalha Grande Ouro. Casa Valduga, Goes & Venturini, Boscato, Cordelier, Don Abel, Luiz Argenta, entre outros, ficaram o Ouro. Outros 27 rótulos de 14 vinícolas ficaram com Prata. No total, apenas 44 vinhos foram premiados, na rigorosa avaliação de um júri composto por 15 especialistas de diferentes países, seguindo os critérios da Organisation Internationale de la Vigne et du Vin, no certamente recentemente encerrado em Bento Gonçalves, RS. A lista completa com os vinhos vencedores pode ser conferida no site da revista
Vinho Magazine, uma das organizadores do evento.
Medalha de Ouro para Cabernet da Valduga. O Casa Valduga Cabernet Sauvignon Premium 2005 garantiu a única medalha de ouro para o Brasil no VinAgora International Wine Competition 2008, realizado em Budapeste, Hungria. 2005 é considerada a melhor safra de todos os tempos no Brasil.

Como dói!

Pois é: jogaram no ventilador da Wine Spectator: ela concedeu um “Prêmio de Excelência” por sua lista de vinhos a um restaurante inexistente, obra de um iconoclasta, autor e blogueiro Robin Goldstein. Veja o post abaixo: “O Zizinho estava certo”.
O Editor Executivo da WS, Thomas Matthews, explicou que a revista foi vítima de uma “trapaça visando publicidade”, que o programa “Restaurant Awards” existe desde 1981 para “encorajar restaurante a melhorar seus planos quanto aos vinhos”, já tendo avaliado mais de 45 mil cartas de vinho. Revelou que realmente a revista não visita cada restaurante do programa e que cerca a terça parte dos inscritos em 2008 não conseguiu qualquer premiação. Afirmou que telefonaram para o restaurante várias vezes, mas deram com uma secretária eletrônica. Encontraram, pelo Google, a casa no seu endereço em Milão e a mesma enviou um link para um website que listava pratos e vinhos oferecidos pela virtual Osteria.
Matthews negou aos Los Angeles Times que o objetivo do prêmio seja gerar receita para a revista: “O programa foi feito para reconhecer os esforços feitos pelos restaurantes em melhorar suas listas de vinhos; os prêmios contribuíram para a crescente popularidade do vinho desde que o programa começou em 1981”.
A revista costuma ser apelidada “Wine Speculator” por seus críticos (“especuladora”, quem conjectura sem conhecer os fatos ou envolta em interesse, lucro). A WS é muito poderosa, a mais famosa publicação sobre vinhos do mundo (ao lado da inglesa Decanter). Como todo Golias, está sujeita a pedradas e rasteiras. Concordo que seja uma grande divulgadora do vinho, mas não com a sua voz de dona da verdade.
Ganhar esse prêmio e colocá-lo na parede, ter o nome da casa na revista e no seu site é justa ambição de muitos restaurantes em todo o mundo. É uma forma de marketing e publicidade: custa apenas US$ 250,00. E é fácil obtê-lo. Esse ano houve 4.500 inscrições. E todas, menos 319, ganharam prêmios de Excelência e alguns outros com mais predicados. No total, a revista faturou mais de US$ 1 milhão com o programa, o que é um bocado de dinheiro em qualquer lugar.
Robin Goldstein explicou que seu objetivo foi expor “os critérios duvidosos utilizados pela revistas em seus prêmios para culinária e vinho”. A lista que criou para a Osteria l’Intrepido é composta de vinhos avaliados acidamente pelos críticos da WS. Na sua escala de 100 pontos, entre 50-75, o vinho não é recomendado. Um vinho medíocre é o que fica entre 75-79. Por exemplo, na lista temos o Amarone Clássico Tedeschi 1998, com 65 pontos (“... bolorento e cansado...”). O Amarone Clássico ‘La Fabriseria’ Tedeschi 1998 ficou nos 60 pontos (“... Inaceitável. Aroma de inseticida...”). Já o Brunello ‘La Casa’ Tenuta Capararzo 1982 chegou aos 67 pontos (“... Aromas de cocheira...”). Não há um vinho “bom” nessa lista (entre 80 e 84 pontos).
Esse formato de premiação está evidentemente sujeito a “abusos”, especialmente nesses tempos de Internet. Agora, atacar os blogueiros, como fez James Mollesworth, Editor Senior da revista, é enfiar a carapuça: “Esse é o problema da blogosfera. É o jornalismo de preguiçosos. Ninguém faz pesquisa pra valer, apenas sapecam num link e jogam alguma conjectura na parede e pronto, conseguem alguma audiência e tráfego...”
É conjectura o fato de que a revista fature muito bem com restaurantes que não visita e com listas de vinhos que não analisa? E, no caso, vinhos cotados como medíocres por ela mesma e de tal forma que se fossem avaliados a sério a Osteria l’Intrepido seria eliminada. O que o nosso Davi fez foi levantar o tapete e descobrir que esse prêmio que está fazendo água. Não foi jornalismo de preguiçosos. Robin teve ter tido uma trabalheira danada. E quem abusou de quem aqui?
Olha que esse foi um golpe revelado pelo autor. Será que outros restaurantes também não inventaram listas e agora se promovem com diplomas vazios? E os que fizeram tudo certinho? Têm o direito de pensar que o que interessou mesmo foi a grana e que sua lista sequer foi considerada.
Peço licença ao grande Drummond e à sua querida Itabira: o Prêmio de Excelência da Wine Spectator é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!

21.8.08

O Zizinho estava certo

A essa altura, o leitor já deve ter sabido que um restaurante inexistente ganhou o Prêmio de Excelência da badalada Wine Spectator.
Repasso a notícia em memória de um grande amigo, o Zizinho Leite Garcia, criador da melhor e mais tradicional pousada de Petrópolis, o Tambo de los Incas. Na verdade, ele foi o pioneiro da hotelaria de primeira classe na Serra. Pois Zizinho esteve ao ponto de candidatar o seu Tambo, no Vale do Cuiabá, no famoso Restaurant Awards da revista americana especializada em vinhos.
Em meados dos anos 90, Zizinho já tinha farejado a moda dos vinhos se avizinhando. E investiu um bocado: criou uma adega espetacular para serviço exclusivo da casa; abriu, na frente da pousada, uma delicatessen cujo ponto alto eram os vinhos. E levou seus funcionários a fazer curso na Associação Brasileira de Sommeliers – investimento em pessoal raro até hoje, entre restauradores. Não falo dos cursos rápidos, informativos. Mas os de longa duração, de formação de sommeliers.
Com tudo pronto, ele buscou divulgar a sua casa, onde além de uma cozinha originalmente criada por um chef suíço, que por sua vez legou seus conhecimentos ao fabuloso Serginho – ela agora contava com grandes rótulos e profissionais preparados para o serviço de vinhos. Quer mais o quê?
Várias vezes me questionou sobre a validade de inscrever o Tambo no concurso. Seu problema era pagar US$ 150,00 para poder concorrer. “Seu estou fazendo a coisa certa, vão saber e me avaliar. Não preciso pagar nada”, comentava. “O Guide Michelin, por exemplo, não cobra nada”. E, por isso, acabou não entrando. Mas ficava em dúvidas. Naqueles tempos, um hotel na Serra ganhara um desses prêmios, com mais algumas casas do Rio, São Paulo e Belo Horizonte. Todas certamente colocaram o diploma que a revista concede a cada premiado na parede. Sabe lá o que é isso, uma distinção vinda do estrangeiro? Zizinho só não tinha dúvidas em continuar investindo na casa, com mais e melhores quartos, novos serviços, ampliação da adega, taças alemãs e austríacas, pessoal cada vez mais afiado etc.
Agora, um autor dedicado aos vinhos, Robin Goldstein (é sucesso o seu “The Wine Trials”, onde demonstra que mesmo degustadores profissionais não conseguem diferenciar um vinho de US$ 20,00 de outro de US$ 100,00) resolveu entrar no concurso. Pagou US$ 250,00 (o preço válido para a edição de 2008 do concurso) e inscreveu um restaurante fictício, cujo nome inventou: “Osteria l’Intrepido”. Em seguida, tramou um cardápio, segundo ele, “uma divertida mistura de receitas na nouvelle cuisine italiana”, e uma lista de vinhos. Submeteu tudo à revista (pagando a taxa, claro). A lista foi aprovada e Goldstein recebeu o “Prêmio de Excelência”. A revista publicou em sua edição de agosto uma referência ao prêmio e à Osteria. Veja aqui
Tem mais: a lista de vinhos aprovada e premiada foi em sua maior parte tirada de vinhos italianos testados pela revista nos últimos 20 anos – mas aqueles com a mais baixa pontuação. Veja a lista no site criado especialmente por Goldstein.
Goldstein comenta o óbvio: “É problemático, naturalmente, que um restaurante que não exista possa ter ganho o Prêmio de Excelência. Mas também problemático é o fato de que o prêmio não esteja particularmente ligado à qualidade da lista de vinhos, mesmo pelos padrões da própria “Wine Spectator”. Diga-se que a revista não se obriga a visitar os restaurantes. O que me parece ainda mais problemático.
Se fosse vivo, Zizinho estaria me perguntando, sorrindo, se sabia de restaurantes tirando os diplomas da parede. O Tambo continua lindo, tocado agora pela filha do velho mestre, a Gilka, e ainda com o mesmo pessoal formado pelo pai. O Zizinho sempre esteve certo.

17.8.08

Por via das dúvidas

Temo no que possa dar essa Lei Seca para motoristas. As eleições estão aí e diante do portentoso noticiário conseguido pela nova legislação alguns candidatos dados ao vício da abstinência (é um vício, segundo o Millôr), podem ter planos de ampliá-la. Uma coluna como “Adega & Bar” pode ser proibida, sua amiga aqui processada e até presa.
Por isso, para cair nas graças desses candidatos, ofereço algumas sugestões de leis ainda em vigor nos Estados Unidos, filhotes da famosa Lei Seca que lá vigorou de 1920 a 1933.
Na Califórnia, nenhuma bebida alcoólica pode estar a menos de dois metros da caixa registradora, caso a loja venda bebida alcoólica e também óleo combustível. Será que os clientes confundem latas de cerveja com as de óleo combustível? Em Dakota do Norte, bares e restaurantes estão proibidos de servir cerveja e pretzels ao mesmo tempo. Em Nebraska, os bares só podem vender cerveja se, ao mesmo tempo, estiverem com uma panela de sopa no fogo. Em Houston, é ilegal comprar cerveja depois da meia-noite de domingo, mas nos conformes comprá-la a qualquer hora a partir de segunda-feira. Como sabemos, as segundas-feiras começam um segundo depois da meia-noite de domingo. Dá pra entender? Em Nova York, a palavra “saloon” é proibida em letreiros. O restaurador Michael O’Neil não sabia disso quando colocou a tabuleta no seu estabelecimento. Para não perdê-la, mudou o nome da casa para “Baloon”.
No Missouri, garotos carregando sacos de lixo que contenham garrafas de vinho vazias podem ser indiciados por possessão ilegal de bebida alcoólica. No Michigan é proibido a jovens oferecerem garrafas de destilados a adultos. O que é pouco, pois no Kentucky mesmo um adulto pode passar cinco anos na cadeia se flagrado presenteando amigos com bebidas alcoólicas.
No Texas, motoristas com qualquer carga de bebida alcoólica não podem cruzar municípios do estado onde o álcool seja proibido. Têm de buscar outros caminhos. Já viu que essas encomendas vão custar a chegar. Esse mesmo Texas baniu a Enciclopédia Britannica porque ela ensina como fabricar cerveja em casa.
Se eu vivesse em Maryland estaria em sérios apuros. Lá um jornalista só pode comprar três garrafas de vinho de cada marca, desde que certificado por uma agência estadual como especializado na bebida. Já em St. Louis podemos sentar em qualquer lugar e fazer qualquer coisa, menos beber cerveja num balde. Em alguns estados, para beber é obrigatório sentar, já em outros só de pé. No Texas, em pé, mas só três goles.
Só espero que toda essa onda de temperança não resulte numa Carrie Nation, senhora famosa durante a Proibição por invadir bares com a bíblia numa mão e uma machadinha na outra a destruir copos e garrafas. Chegou a faturar com isso: tinha sempre miniaturas de sua machadinha para vender como suvenir. Temo que essa lei, de perfil islâmico, atravesse as rodovias e invada nossas casas, com novas Carrie Nation de bíblia e bafômetro em punho.
Por via das dúvidas, dependendo do andar da carruagem eleitoral, penso até em mudar nome da coluna para apenas “BS.” Uma sigla relacionada a bebidas? Não, apenas uma cuidadosa referência a “Bom Senso”, algo que talvez esteja faltando a esses rigores legais. A Proibição nos EUA, com todo o seu zero de tolerância, resultou em mais bebidas, mais bêbados e em mais crimes – o que levou à sua abolição.

Questões de linguagem

Rua Mata-Cavalos: Machado de Assis não cansa de citar essa rua, onde nasceu e morou por bom tempo Bentinho, o protagonista de Dom Casmurro. Mas por que Mata-Cavalos?
E por que Bordeaux, Chardonnay, Pinot, Merlot, Sauvignon, Petrus etc.? Pois fizemos uma rápida investigação ao redor da etimologia de palavras recorrentes no mundo dos vinhos, sempre com a ajuda do google, de alguns livros e de uma ótima cronista de vinhos, a americana Jennifer Rosen. Eis aí no que deu:
Como todos os diletantes sabem, o jargão do vinho tem matriz na França. E, nesse país, Bordeaux é rico em ofertas lingüísticas. Veja o seu próprio nome: eau é água; bord é beira, margem. Au bord de l’eau significa “ficar à beira d’água”, que no caso, é sentar à beira do estuário do Gironde (que desemboca no Atlântico) e seus tributários, o rios Garonne e o Dordogne, que possibilitaram a Bordeaux tornar-se o sucesso que é hoje, com um importante porto comercial para vinhos e outros produtos.
Entre o Dordogne e o Garonne fica um pedaço de terra chamado, naturalmente, Entre-deux-mers, “Entre dois mares”.
Ao norte, na margem esquerda do Gironde, temos o Médoc, com apelações muito famosas pelos seus vinhos tintos: Margaux, Saint-Julien, Pauillac, Saint-Estèphe, Listrac e Moulis. Pois Médoc deve seu nome ao latim, Medicullicus, ou “terra dos Medulli, antiga tribo celta que ali habitava. O Médoc é terra dos grandes Châteaux. Na apelação de Pauillac temos os Châteaux Lafite-Rothschild, Mouton-Rothschild e Latour, entre outros.
Lafite é o nome da família que foi dona dessa propriedade desde a Idade Média. Só em 1868 é que o Barão James de Rothschild adquiriu o château. Lafite vem do gascão, la hite ou “pequena colina”. Mouton, propriedade de outro braço da família, significa carneiro, sempre presente nos rótulos de seus vinhos. A propriedade pertencia ao Baronato de Mouton. Latour refere-se à torre (tour) existente na entrada da propriedade.
Na apelação de Saint-Julien, ainda no Médoc, o Château Ducru-Beaucaillou é cortado por um belo riacho. E Beaucaillou é uma homenagem a esse riacho, pois beau caillou significa “belos seixos”. Outra propriedade do Médoc, o Château Beychevelle recebeu esse nome em razão dos veleiros navegando pelo Gironde. Todas as vezes que passavam diante da propriedade baixavam suas velas, pois estavam chegando ao porto. O comando “Baixar Velas!” em francês é Basse Voile!, que com o tempo deu nome ao château: Beychevelle.
Um dos vinhos mais caros e mais reverenciados do mundo, o Petrus, na apelação do Pomerol, pegou o seu nome da palavra grega petros, ou pedra. O nome foi transliterado para o latim como Petrus, que deu origem a Pierre, Peter e Pedro.
O nome de duas das principais uvas de Bordeaux, cabernet sauvignon (para os tintos) e sauvignon blanc (brancos) dividem a mesma raiz: sauvignon vem sauvage, selvagem. Merle é o nome dado a uma variedade de tordos e no dialeto de Bordeaux a um melro preto, o Merlot, outra das grandes uvas da região.
Já na Borgonha, só utilizam a Chardonnay (branca) e a Pinot Noir (tinta). Chardonnay vem do latim cardonnacum ou “lugar cheio de cardos“. Cardo (do latim cardu) é aquela planta emblema nacional da Escócia. Já a Pinot Noir, a mais escura das uvas da família Pinot, deve seu nome ao formato de seus cachos: de uma pinha.
Alguns dos famosos vinhedos da Borgonha revelam origens singelas: Chambertin foi cultivado por um camponês chamado Bertin. Aquele era o seu champ, seu campo, espaço de terreno. A região da Campânia, na Itália, tem a mesma raiz, assim como Champagne e a nossa Campanha gaúcha.
Um prestigioso branco da Borgonha, o Chablis Grand Cru Les Grenouilles tem em sua propriedade um grande número de rãs: são as Grenouilles.
Os nomes dos rios Reno (Rhein) na Alemanha, e Ródano (Rhône), na França possuem, ambos, raízes indo-européias. Mas o primeiro vem da raiz reie ou fluir, e o segundo de ret ou rodar, mas também pode ser assar, grelhar, tostar. Lá, a região do Côte Rôtie pode significar literalmente “declive tostado”, pois é uma rocha fortemente banhada pelo sol.
Na segunda metade do século XVI, bem antes dos tempos de Bentinho, quem quisesse tomar a direção de São Cristóvão, tinha que percorrer um caminho que saia dos Arcos (da Lapa), contornava o Morro do Desterro (Santa Teresa) e seguir por uma trilha enfrentando perigosos atoleiros e barrancos, que muitas vezes não só impediam como matavam os animais. Esse era o Caminho (depois Estrada e em seguida Rua) de Mata-Cavalos, hoje Rua do Riachuelo. Se houvesse uma vinícola por lá, por certo teríamos o vinho “Mata-Cavalos”, nome não muito mais estranho do que Château das Rãs, do Baixa a Vela!, ou do que um vinho feito com a uva do melro preto.
Peço desculpas às leitoras que enviaram e-mails nas últimas duas semanas. Um piripaque eletrônico ocorreu no meu PC. Segundo os técnicos, pode ter sido uma entorse lombar, um resfriado, uma crise de fígado, um ataque de gota... Nossa, a lista ficou enorme. Enfim, o meu Outlook voltou a funcionar e agora tento colocar a correspondência. Continuem escrevendo aqui para o Bolsa ou para a Soninha.
Da Adega
Que tipo de vinho você é? Lá da Bahia, a leitora Ludmila Aguiar fez o teste (
veja aqui) sugerido na coluna Um blend de assuntos. E descobriu que é a sofisticadíssima Pinot Noir. “Sofisticada e mundana, provavelmente você conhece mais sobre vinho do que a maioria dos degustadores. Tem excelente gosto e aborda todos os aspectos da vida com atitude de gourmet. Acredita que as pequenas coisas da vida devem ser valorizadas e apreciadas, desde que com a melhor qualidade possível. Demorar mais tempo em fazer uma refeição ou em dar uma volta pela cidade sempre será um tempo bem gasto. No fundo você é uma charmosa sedutora. Seu estilo em reuniões sociais é refinado – nunca “festeiro”. Está melhor em companhia de queijos caros e de aromas intensos”.
Ludmila, que faz parte da Confraria Amigas do Vinho, seção Salvador, implicou corretamente com a última frase do teste. Em inglês é: “Your company is enjoyed best with: Stinky expensive cheese". Stinky pode ser, literalmente, “fedorento”. Mas acho que estavam mesmo é querendo indicar um queijo de aroma intenso, como são normalmente os queijos azuis, os Roquefort, Gorgonzola, Stilton.
Aliás, não concordo com a harmonização sugerida: um vinho com a Pinot Noir, elegante e sutil, seria facilmente sobrepujado por queijos muito intensos e musculosos.
Vinho de James Joyce na praça. Os vinhos suíços estão de volta ao Brasil, agora pelas mãos da importadora e distribuidora Vitis Vinifera, baseada no Rio de Janeiro. Entre eles, a leitora vai encontrar o Fendant du Valais, o branco com uva Chasselas, o preferido de James Joyce, célebre autor de Ulisses, Finnegans Wake (onde o vinho é citado), Retrato de um artista quando jovem, entre outras obras-primas. Compre pelo site da
Vitis Vinifera.
Vertical de Haut Brion. A mesma Vitis Vinifera e a
Escola Mar de Vinho realizarão no próximo dia 25, das 19h30m às 22h30m, uma vertical daqueles que muitos consideram o maior vinho do mundo: o Château Haut-Brion safras de 1988, 1996, 2001 e de 2002. A apresentação será do professor Marcelo Copello. O evento compreende ainda um jantar assinado pela chef Ciça Roxo. Não perca: as vagas são pouquíssimas. Informações e reservas: 21-2235-7670/2235-3968 e vanessa.miranda@vitisvinifera.com.br
O universo do vinho, sob o olhar feminino. Esse é o nome do novo projeto da Confraria Amigas do Vinho. A cada mês, a Confraria apresentará uma vinícola ou uma importadora. E o primeiro encontro acontecerá já no dia 2 de setembro, quando Bianca Bittencourt apresentará a Casa Valduga, sua história e seus vinhos. O encontro, que inclui degustação de vinhos da Valduga e um bufê de pães variados, queijos e pastas, acontecerá às 19h30m no Porto Bay Hotel (Av. Atlântica, 1500, Copacabana, RJ. Para ingressos fale com a Ana Valéria (21-9968-2454 ou imprensa.amigasdovinho@hotmail.com) ou Kátia Regina (21-9983-8318) ou Maria Lúcia, Presidente Nacional da Confraria (21-9797-8277 ou amigasdovinho@uol.com.br )

13.8.08

De onde ninguém se chama João

Se houvesse uma olimpíada para vinhos, a China ameaçaria agora ganhar em pouco tempo um punhado de medalhas. Imaginem se apenas uma pequena parcela de sua população, hoje de um bilhão e trezentos e trinta milhões de habitantes, passasse a consumir um litro de vinho por mês. Poderia até faltar vinho em nossas mesas. A bebida começa a cair no gosto dos chineses.
Há cinco anos, a China mal conhecia vinho feito de uvas: era apenas um “acontecimento marginal”, relata a minha guru e sempre citada Jancis Robinson. Mas nesse curto espaço de tempo o país tornou-se o sexto maior produtor de uvas viníferas com aspirações grandiosas de tornar-se o maior produtor mundial de vinhos. Estima-se que até 2058, a China liderará a produção mundial, “com Cabernets capazes de concorrer com os de Bordeaux”. Ela já possui os vinhedos, mas ainda não a técnica.
No mercado de vinhos finos, a presença chinesa não é nada sutil. Os novos ricaços do país não param de correr atrás dos grands crus franceses. Por conta dessa voragem, os preços dos Romanée-Conti e Lafite normalmente altíssimos, chegaram à estratosfera.
Jancis Robinson esteve na China em 2002, 2005 e recentemente, em março de 2008. Ficou impressionada com a baixa qualidade dos vinhos e com a grande proporção destes que buscavam lembrar, mesmo longinquamente, os tintos franceses. Em março, a grande crítica inglesa notou o grande número de chineses com aspirações crescentes pelo estilo de vida ocidental e como o vinho tornou-se um acessório cada vez mais familiar a esse estilo.
Hong Kong hoje já rivaliza fortemente com Londres e Nova York como um importante centro comercial de vinhos. Estima-se que os colecionadores da Hong Kong respondam agora por um quarto dos vinhos vendidos em leilões. A empresa no momento líder do mercado de leilões nos Estados Unidos, a Acker Merrall & Condit, realizou o seu primeiro evento em Hong Kong e a resposta foi exuberante: venderam US$ 8,2 milhões.
Há dez anos o consumo de vinho cresce no país: 50% na primeira metade dessa década e estima-se em mais 70% na segunda metade. Claro que produtores, comerciantes e outros luminares do vinho, no ocidente, começaram a ver o país mais seriamente. O “imperador” do vinho Robert Parker, o mais famoso crítico do ocidente, acaba de fazer a sua primeira visita ao país, que incluiu um jantar de US$ 2.300 por cabeça na Grande Muralha. O site de Jancis Robinson já está sendo traduzido para o chinês. Contam-se às centenas as visitas de diretores de vinícolas para apresentar seus vinhos. Inclusive, produtores brasileiros ofereceram seus vinhos na International Wine Exposition em Shangai, em março último.
Recentemente, um milionário chinês, David Li, participou de um badalado leilão em Napa, Califórnia, e adquiriu por meio milhão de dólares seis magnums do Screaming Eagle 1992 (é considerado o melhor Cabernet Sauvignon do país – e um dos melhores do mundo; uma garrafa custa a partir de US$ 1 mil, isso quando puder ser encontrada). David Li declarou que “os vinhos do Vale de Napa são os melhores do mundo”.
E muita gente torce para que para que os demais novos ricos chineses imitem David Li. O problema é que eles cobiçam mesmo apenas os grandes vinhos franceses, particularmente os de Bordeaux e Borgonha: são suas pedras de toque, suas referências mais importantes. Já começaram a comprar vinícolas em Bordeaux, como acaba de acontecer com a venda do Château Latour-Laguens (que não tem relação com o famoso Château Latour). O Château Lafite transformou-se numa obsessão para os chineses fãs de vinho. Segundo apurou Jancis Robinson, preferem o Lafite a outros de mesmo porte, como o Mouton-Rothschild, Margaux, Latour ou o Haut-Brion, pois seu nome é mais fácil de pronunciar em mandarim do que os de outras marcas francesas. Será?
O caso é que os novos ricos chineses não diferem muito dos nossos: compram mais pelo prestígio rótulo, bebem marcas famosas, o que está na moda (desde que seja em Paris, Londres ou Nova York).
Para evitar que os chineses limpem as adegas de vinhos finos ocidentais só torcendo para que a indústria vinícola do país floresça. A China produz vinho desde a dinastia Han (206 a 220 A.C.). A bebida, porém, sempre foi estranha aos paladares chineses, tanto que a palavra mais usada para vinho é CHIEW, que significa genericamente bebida destilada e fermentada.
No fim dos anos 70, após a morte de Mao e a abertura da China para investimentos estrangeiros, um grupo de indústrias de bebidas ocidentais (Rémy Martin, Allied Domecq etc.) estabeleceram parcerias com vinícolas locais, que receberam equipamentos modernos e começaram a produzir vinhos ao nosso estilo, secos. Os vinhos chineses até então pareciam xaroposos e eram muito doces. Mais recentemente, verificou-se um aumento no número de pequenas vinícolas cujo objetivo é produzir vinhos com apelo internacional e, para isso, utilizam enólogos e consultores internacionais. Na província de Shanxi, um desses novos ricos, C. K. Chan, fundou uma vinícola que é réplica de um château francês, o Grace Vineyard (o nome está em inglês em razão da referência encontrada: seria “Vinhedo da Graça”). Produz um vinho com o blend clássico de Bordeaux (Cabernet, Merlot, Cabernet Franc), vendido a US$ 60,00 a garrafa.
No total, existem cerca de 450 vinícolas no país, da Mongólia, ao norte, até o Mar Amarelo, uma enorme faixa de terra compreendendo diferentes topografias, solos, climas e variedades de uvas. O sempre preciso crítico da Slate, Mike Steinberger, observa que não há razão para se pensar que o país não possa produzir vinhos de qualidade; a questão estaria em saber onde e com quais variedades. Mas a confiança é grande.
O fato é que para esse país continental e para a maioria dos mais de um bilhão de habitantes o vinho de uvas viníferas ainda é uma bebida estranha. Um experiente vinicultor inglês, Bartholomew Broadbent, sócio de uma vinícola a uns mil quilômetros a leste de Beijing, emprega um neozelandês como enólogo. Segundo ele, o maior desafio é “ensinar aos chineses a fazer vinhos adequados ao paladar ocidental. “Eles nunca provaram da comida ocidental e não existe ainda uma cultura do vinho. “Possuem a terra e o clima para fazer um grande vinho; agora é só uma questão de treino”. Essa vinícola já exporta vinhos para os Estados Unidos: um cabernet sauvignon, um riesling e um chardonnay, todos em torno dos US$ 13,00. Nenhum desses vinhos receberia uma medalha de ouro (ou 90 pontos de Robert Parker), diz Steinberger. Mas, acrescenta, “como diria Lao-tzu, uma jornada de vinhos de mil dólares começa com um simples gole”.
O chinês vai saber rapidinho o estilo de vinho do ocidental. Vai demorar mais tempo em ajustar suas comidas, normalmente mais doces, mais picantes e ácidas, aos vinhos – que não serão os tintos que tanto produzem. Mas os brancos delicados e elegantes: os Rieslings da Alemanha e os Gewürztraminer da Alsácia, por exemplo.
No lugar do Lao-tzu, fico com o nosso grande Haroldo Barbosa, que já sabia há tempos que “lá na China ninguém se chama João, e o china come sentado no chão”. É tudo diferente, menos a vontade de ganhar todos os ouros possíveis.