30.7.10

Veneno e contraveneno

O TAMANHO DAS TAÇAS. Poderia ser também o tamanho da sobriedade. Há algum tempo, os bares ingleses inventaram de servir vinho em taças de tamanhos fora do padrão, bem maiores, o que levou a protestos pelas autoridades da saúde. Com os vinhos com maior teor alcoólico, beber “apenas” uma taça poderia resultar em problemas.
A Riedel, o mais famoso fabricantes de taças do mundo, oferece algumas taças com capacidade de até 621 ml. Certo: não vamos enchê-las até a boca; até a metade é o suficiente (e prudente). Mas 306 ml é uma grande quantidade, quase metade de uma garrafa de vinho.
Mas agora inventaram uma taça ainda maior, gigantesca, com a capacidade para todos aqueles 750 ml. VEJA AQUI, não só a taça como o vídeo. A novidade custa 12,99 dólares e está à venda na Kotula, uma rede de lojas de presentes e engenhocas espalhadas pelos Estados Unidos.
A propaganda da Kotula diz que a enorme taça “é a coisa mais apropriada para uma noite aconchegante”. Agora, quem jurar ter bebido apenas “uma” taça, poderá estar falando a verdade ou fazer o bafômetro explodir e ir em cana (sem duplo sentido).
RESSACA. Depois de uma taça dessas, prepare-se para uma ressaca. Fala-se que um dos remédios é curá-la é com seu próprio veneno, o álcool. Em inglês, existe uma expressão coloquial que explica esse tipo de “tratamento”: hair of the dog, literalmente, “pelo do cachorro”. Isso porque nos tempos de Shakespeare, se uma pessoa fosse mordida por um cão raivoso, hidrófobo, o remédio era colocar um pouco do pelo daquele cão na ferida. Daí que, para ressacas, o “pelo do cachorro” virou metáfora para o remédio da manhã seguinte à bebedeira: um pouco mais de álcool. Claro que não cura, nem da ferida, da hidrofobia ou do porre. Em alguns casos, contudo, pode ajudar.
Tais remédios têm o cativante formato de drinques muito saborosos (revigorantes, alguns), tidos como próprios para ressacas. Vamos a alguns deles:
BLOODY MARY. É um clássico. Primeiro, os ingredientes: vodka ou gim (uma dose ou 30 ml), 150 ml de suco de tomate, um pouco de sal de aipo (sal de mesa misturado com grãos de aipo secos e moídos, utilizado para dar melhor sabor aos grelhados de peixes, carnes, caldos e bloody marys), um salpico de tabasco, outro tanto de pimenta do reino preta, umas cinco gotas de molho inglês, um tantinho de raiz-forte (muita gente prefere usar wasabi ou mostarda preta: uma colher de chá) e uma colher de chá de suco de limão.
Num copo alto, coloque a vodca (ou gim ou tequila) e gelo à vontade. Depois vá colocando os demais ingredientes listados acima. Decore com talos de aipo. É o drinque da manhã seguinte, alimenta e ajuda a dissipar o nevoeiro. Estou sempre preparando um para mim, mas não preciso de ressacas para tomá-los.
SUCO DE PICLES. Pois não é que na Rússia e na Polônia a turma da ressaca prefere suco de picles como “pelo do cachorro”. Suco de picles nada mais é do que aquela salmoura que conserva pepinos, cebolinhas, couves-flor, os produtos mais utilizados como picles.
Acontece que a salmoura daqueles potes é constituída de água, sal, vinagre (ácido acético) e cloreto de cálcio. Funciona como um poderoso isotônico. Já li notícias que essa salmoura foi a “arma secreta” de times de futebol americano, jogando sob um sol de lascar. Garantem que esse suco pode evitar câimbra em atletas. Um fabricante de picles, a norte-americana Golden Pickle, oferece inclusive um isotônico, o “”Pickle Juice Sport”, afirmando que ele possui 15 vezes mais eletrólitos que o Gatorade.
O melhor é beber logo a salmoura e depois comer os picles. E deixar de namorar por umas doze horas.
ME LEVANTA. O título é criação minha; o original é “Harry’s Pick-Me-Up”. Como eu não conheço o Harry e copiei a receita de um livro emprestado (“The Savoy Cocktail Club”), fiquei com esse mesmo, pois é considerado um energizador clássico. Um “levanta defunto”, como dizemos aqui.
Leva dose e meia de conhaque (a marca você escolhe), meia dose de grenadina (normalmente, um xarope de romã, mas pode usar também xarope ou licor de groselha, de framboesa e até mesmo xarope de açúcar); uma colher de sobremesa de limão. Misture tudo num copo alto. Complete com um espumante.
OSTRA DA PRADO. Outra tradução literal de “Prairie Oyster”, outro drinque tradicional para as conseqüências de um porre. Um ovo, uma colher de chá de molho inglês, sal, pimenta do reino e tabasco.
Quebre o ovo e reserve a gema. Junte o milho inglês, o sal a pimenta e o tabasco num copo comum. Beba de um gole só.
Dá bons resultados? Bem, funcionou para James Bond em Thunderball (007 Contra a Chantagem Atômica).
Tamanho não é documento, todo mundo sabe. E o melhor para a ressaca é beber moderadamente. Mas alguns dos remédios acima funcionam muito bem, ora como um aperitivo, ora como um restaurador de forças.
Da Adega
Delícias suíças
. A L’Orangerie, casa de vinhos em Laranjeiras, Rio, está programando uma noite de degustação de delícias suíças – agora mesmo, 4ª. feira, dia 4 de agosto. A noite inclui entrada de batatas assadas ao molho de cebolas, pimentão e gruyere com bouquets de brócolis, devidamente acompanhadas pelo Johannisberg de Chamoson e pelo Petit Arvine du Valais. Haverá mais vinhos para degustar, como o Pinot Noir du Valais e o Domaine Eveche du Valais. No jantar, um Syrah du Valais acompanhará torta de cebolas à moda Schaffhausen, com desfiado de carne e mini legumes. Na sobremesa, um suflê de morangos, um Marsanne Valais. A casa fica na Rua General Glicério, 364. Visite o seu
site.
Prazeres da Mesa em Fortaleza. A segunda edição desse grande evento gastronômico ainda está em Recife, mas se prepara para desembarcar em Fortaleza, onde fica nos dias 4 e 5, no SENAC daquela capital. Na programação, debates sobre a “Identidade da Cozinha Cearense”, aulas de cozinha, confeitaria, panificação e etiqueta, além de degustação de comes e bebes (vinhos em particular). Os restaurantes mais importantes da cidade vão participar.
Saiba mais sobre tudo o que acontecerá em Fortaleza no
site da revista.

25.7.10

Pais e vinhos

A coluna de hoje está um verdadeiro patchwork, emendando dicas que só têm em comum o vinho, mas todas para o Dia dos Pais. Vamos começar com um presente criado por uma especialista em bonecas e utensílios de pano, mestre em retalhos.
Dia dos Pais: 1)Porta-vinho. Quem sabe, seu pai vai gostar de substituir as frágeis sacolas de plástico por um porta-vinhos de pano, acolchoado, mais seguro e elegante? Veja só a criação da Bonecaria Mandú. Se tiver dificuldades em acessar, fale com a própria dona e criadora da bonecaria, a Sueli Mandú, através de e-mail. O atelier fica em Osasco, São Paulo.
Dia dos Pais: 2) Beber sem derramar. Vi a foto de um prato de madeira, com um recorte para colocação de uma taça de vinho. Ou seja: nosso convidado pode comer de pé, que a taça copo fica segura, basta colocá-la nessa abertura do prato: suas haste e base ficarão para baixo e apenas o corpo aparecerá na superfície do prato. E assim evitamos que o vinho seja derramado, manche roupas e tapetes. Tenho uma coleção de seis pratos de madeira, originalmente comprados para queijos. Mandei fazer os recortes num carpinteiro aqui perto (uns 10 cm da borda para o centro do prato e uns três cm de largura) e rapidinho fiquei com pratos próprios para coquetéis. Neles, coloco salgados, queijos, torradas etc. e as taças de vinho, claro. Quem quiser comer sentada (e tiver lugar) é só retirar o copo do entalhe e colocar na mesa. Papai vai achar esperto.
Dia dos Pais: 3) iPhone e vinhos. Seu pai gostaria de se atualizar e ter um smartphone – e, além disso, adora os vinhos, mas não consegue pronunciar Trockenbeerenauslese ou qualquer daqueles nomes de regiões e uvas, tão complicados. Então, a dica é comprar um iPhone e, com ele, um programinha que ensina a articular corretamente mais de 200 termos especializados, de regiões, cepas e vinhos franceses, alemães e italianos. Veja só o que é o Enotria Guide. Custa só 3 dólares. Vai ajudar a você não mais apontar para o cardápio para informar o vinho que deseja.
Dia dos Pais: 4) Flores e vinhos. Você pode também transformar a já corriqueira garrafa de vinho que sempre oferece no Dia dos Pais num presente surpreendente, inesquecível. Que ta combinar uma cesta de flores com um vinho. Temos aqui exemplos de combinam os aromas das flores com o do vinho.

Primeiro arranjo: madressilva, jasmim, rosas vermelhas e ainda
um tanto de tomilho para embelezar ainda mais a cesta.
A madressilva e o jasmim nos trazem aromas florais e de pêssego. O vinho para combinar seria um argentino com a uva branca Torrontés. Dica: Crios de Susana Balbo Torrontès 2009. Encontrei esse vinho, há tempos, no Alipão Vinhos e Cia, em Botafogo.
Veja aqui. A Susana Balbo é enóloga e renomada produtora argentina. Visite o seu site.
Se quiser acrescentar um prato especial para o dia, tente um camarão levemente refogado (sautée), com molho de laranja, suco de limão, uma colher de sopa de azeite e tempero a gosto (sal, alho e pimenta do reino).

Segundo arranjo: ranúnculo, dálias, a linda scabiosa, violetas, folhas de manjericão e de orégano – tudo isso num jarro médio ou numa taça grande de vinho. Os aromas mais predominantes serão de violetas, cereja e morangos (ou, em resumo, de frutinhas vermelhas). É uma soma de aromas que aproximam o arranjo de um Pinot Noir jovem (seus aromas típicos são de frutas vermelhas). Os bons Pinot não são fáceis de encontrar, mas você pode pesquisar os da Borgonha (os melhores, mas caros) ou tentar os bons exemplares espanhóis, portugueses, italianos, norte-americanos (principalmente os do Oregon), chilenos e neozelandeses.
Uma combinação clássica é pato ao molho de amoras.

Ingredientes: uma xícara de amoras, uma cebola roxa das grandes, picada; meia taça de vinho tinto (use o mesmo ou de mesma qualidade do presenteado), duas colheres das de chá de azeite, 4 peitos de pato com pele, sal e pimenta do reino à vontade, meio copo de água, 2 colheres de mel, 3 colheres das de sopa de manteiga, uma colher das de chá de tomilho. Ponha a panela no fogo. Coloque as amoras e as amasse. Em seguida, acrescente as cebolas, o vinho tinto e o azeite. Junte os filés de pato com a pele virada para baixo; espere selar e em seguida desvire os filés. Reserve os filés no molho por 30 minutos, pós o que seque-os e tempere com sal e pimenta, deixando-os numa frigideira grande, virados com a pele para baixo. Cozinhe (fogo alto) por um minuto. Reduza para fogo baixo e cozinhe até que a pele fique bem tostada (uns 6 minutos). Vire os filés e cozinhe até que fiquem ao ponto (mais uns 3 minutos). Deixe descansar por uns 5 minutos.
Limpe a gordura da frigideira e acrescente os filés e junte mais meia taça de vinho. Ferva até que o molho fique reduzido pela metade. Acrescente o que sobrou do molho e cozinhe em fogo moderado. Coloque os filés numa caçarola, livre-se do molho, e acrescente mel e manteiga, tomilho e sal e pimenta a gosto. Corte os filés em tiras diagonais e os transfira para os pratos. Decore com um pouco de vinho tinto em volta das tiras de filé e com o que sobrou de amoras. E pronto.


Feliz Dia dos Pais!
Da Adega
Caçarolas e cremes no inverno
. Mas se, afinal, você resolver convidar o velho para sair, não se esqueça do Festival de Caçarolas e Cremes do Cantaloup. Elas vão aquecer ainda mais o carinho que existe entre vocês. Experimente: tem a de lentilhas com paleta de cordeiro e foie gras, a de frutos do mar, o creme de ervilha com tempurá de salmão e gergelim, o creme de mandioquinha com camarão ao aroma de maracujá. Esse festival vai só até o dia 7 de agosto. Seu eu morasse em São Paulo, não perderia. Iria lá só para lembrar de meu querido pai.
O
Cantaloup fica na Manuel Guedes, 474, Itaim. Seu telefone é (11) 3078-3445.

15.7.10

A bebida do campeão

Da água ao Terere. Um jogador de futebol precisa de líquidos para suportar a verdadeira maratona que faz em campo. São nove quilômetros em média, distâncias que percorre correndo, pulando, driblando, cabeceando, dando carrinhos e bicicletas, trombando, caindo e levantando.
Bebem e comem carboidratos, de preferência para que recebam pelo menos umas cinco mil calorias por dia. Consomem, em condições normal, de 30 a 60 gramas de carboidratos por hora, durante um jogo de noventa minutes, de modo a retardar a fadiga muscular, reidratar-se e a melhorar o seu desempenho.
As políticas praticadas pelas Seleções variam. Ora as opções consideram água e isotônicos (tipo Gatorade, feita de água, sais minerais e carboidratos). Algumas seleções permitem uma ou duas taças de vinho às refeições. O Maradona falava que não só o vinho, mas outro tipo de conforto era permitido em seu time: as mulheres.
Mas, para mim, a seleção Paraguaia fez a diferença. Trouxe para a África do Sul o seu Terere, uma bebida nacional, mas também consumida e fartamente no Brasil e na Argentina.
Trata-se da erva-mate, que o gaúcho usa no seu chimarrão. Mas no Paraguai é consumida com água fria. Já era consumida pelos índios guaranis, antes da invasão espanhola e continua hoje como uma parte importante da cultura do país. E, claro, dos hábitos dos jogadores paraguaios.
É uma bebida muito popular, apesar de não ser alcoólica. E é estimulante (contém cafeína) e, assim, utilizada em lugar do café. O Terere tem ainda uma segunda e importantíssima qualidade. É uma bebida de confraternização. Os paraguaios costumam levar garrafas térmicas (para a água), cuias (como as do chimarrão) e a erva mate. Colocam a era na cuia, juntam água e através de uma “bomba’ (um canudo metálico) a bebem, fazendo passar a cuia para um amigo ou conhecido que esteja próximo. A prática é a mesma no sul brasileiro e na Argentina. É considerada não apenas refrescante, mas também um remédio, bom para dores de cabeça e diarréias.
E foi assim que a seleção paraguaia se hidratou e refrescou na África do Sul.
Andres Iniesta e o vinho. Autor do gol que deu à Espanha o título de campeã mundial de futebol, melhor jogador em campo segundo a FIFA, o meio-campista Andres Iniesta, 26 anos, está perto de conseguir mais um título: o de maior produtor de vinhos finos da região de Castilla La Mancha, onde está investindo nove milhões de euros em vinhedos e numa vinícola, a Bodega Iniesta, na sua cidade natal, Fuentealbilla.
Iniesta saiu de lá muito cedo, aos 13 anos, quando ingressou na escolinha de futebol do Barcelona. De lá pra cá, transformou-se num dos mais técnicos jogadores de futebol do mundo e ajudou o time catalão a ser o primeiro na Liga dos Campeões e no campeonato europeu.
Fuentealbilla tem apenas dois mil habitantes, metade dos quais trabalha na cooperativa de vinhos da cidade. Porém, não se utiliza da tecnologia que Iniesta vai adotar sua vinícola, a Bodega Iniesta, quando estiver pronta. Castilla La Mancha, na região central do país, produz cerca de metade de todo o vinho espanhol. E é o vinho que liga o craque à sua terra natal.
Se Dom Quixote, o protagonista de Cervantes, o fidalgo que perdeu a razão por ler tantos romances de cavalaria, lutava contra moinhos de vento pensando que fossem gigantes, Iniesta sabe que terá de lutar contra a fama e a qualidade dos vinhos da região de La Rioja, gigantes de verdade. O jogador-vinicultor é muito competitivo, como vimos em campo, e está se preparando para esse jogo que não durará uma ou duas horas.
O Sancho Pança de Iniesta é o seu pai. É ele quem cuida dos investimentos de seu filho. A vinícola, quando pronta, deverá produzir 700 mil garrafas de vinhos tinto, branco e rosé por ano. A produção começará já em setembro. Iniesta pretende, já de início, exportar parte de seu vinho para a Inglaterra e Alemanha, onde poderá ser vendido em restaurantes por 40 euros a garrafa.
“Isto aqui é a Liga dos Campeões”, diz ele, comparando o negócio de vinhos com a principal competição do futebol europeu. “Se você não produz o melhor vinho, está morto”, completa.
Ele está certo: a justa fama de grande jogador e de campeão do mundo de seu filho tem de ser aproveitada, uma reputação que certamente ajudará nas vendas, embora saiba que esperará décadas para que o rótulo da sua bodega se estabeleça num mercado apinhado de ofertas.
Ao investir nove milhões de euros no negócio do vinho, Iniesta era simplesmente o meio-de-campo do Barcelona, uma senhor craque, não resta dúvida. Ele não esperou a Copa para abrir o bolso.
De qualquer modo, ser campeão mundial, o homem que fez o gol da vitória da Espanha, será um excelente negócio. Mas ele sabe que será melhor ainda para seus netos.

8.7.10

Vinhos biodinâmicos, um blefe?

“Biodinâmica é um blefe”, afirma o vinicultor americano Stuart Smith, que criou um blog cujo título é exatamente a frase que abre essa coluna. Smith abriu uma senhora polêmica, do tipo religião X ciência ou entre Criacionistas X Darwinistas. E, para começar, seu principal alvo tem sido Rudolf Steiner, o fundador da Agricultura Biodinâmica.
Vinhos orgânicos são aqueles produzidos a partir de uvas orgânicas, cultivadas sem o uso de fertilizantes, pesticidas, fungicidas e herbicidas artificiais. Na bebida também não se acrescentará um secular conservante, o sulfito (dióxido de enxofre ou anidrido sulfuroso, SO2), embora os que ocorrem naturalmente durante a fermentação continuarão presentes no vinho.
A vinicultura biodinâmica parte da orgânica, pois também exclui os elementos químicos no preparo da terra e no cultivo das uvas. Mas incorpora novas idéias a respeito da vinha e do ecossistema, considerando aspectos como influências astrológicas e dos ciclos lunares. O vinicultor não realiza manipulações comuns, como uso de levedos especiais ou ajustes de acidez. O vinhedo é tratado como um organismo vivo e o objetivo é promover a saúde de todo o conjunto em torno dele: as vinhas, o solo, os insetos etc. O problema, talvez, seja que algumas das práticas da biodinâmica parecem ser puro vodu. Por exemplo, borrifar os vinhedos com um preparo de estrume de gado ou com um composto de cristais de quartzo, ambos colocados em chifres de boi, em seguida enterrados no solo por seis meses. O composto é diluído e aspergido em datas, horas e fases da lua específicas, de acordo com práticas astrológicas e homeopáticas (esses preparos têm de ser aspergidos por toda a área plantada).
Em junho de 1924, o filósofo austríaco Rudolf Steiner deu uma série de conferências sobre agricultura a uma de centenas de seus seguidores, na cidade de Koberwitz, Polônia. E essas conferências se transformaram na base da agricultura biodinâmica, embora Steiner nunca tivesse sido agricultor em sua vida.
Stuart Smith acha Steiner uma espécie de charlatão ou alguém saído de uma comunidade hippie entupido de LSD. No seu blog, ele transcreve um pouco da página 11 do livro Agricultura, de Steiner, que reúne todas as conferências e debates daquele junho de 1924. Em resumo, Steiner afirma que os alimentos que consumimos vão para o estômago, mas “não participam do desenvolvimento de nossos ossos, músculos e outros tecidos. Eles só contribuem para o desenvolvimento de nossa cabeça”. Para ele, o desenvolvimento de nossos membros, ossos etc. é feito “através da nossa respiração e mesmo via nossos órgãos sensoriais”. Steiner insiste: “Por outro lado, se quiser saber de que substância é feita o seu cérebro, então precisa olhar para a sua comida”. Steiner nunca chegou a explicar as origens de seus achados. Nunca citou quaisquer pesquisas ou experimentos que confirmasse suas teorias. E nem estava interessado nisso. Ele entendia um universo no qual qualidades “etéreas” penetram nas matérias brutas de modo a lhes dar vida. O projeto de Steiner era criar uma “Ciência Espiritual”.
Já em pleno século 21, o principal discípulo de Steiner e um dos líderes da vinicultura biodinâmica, o francês Nicolas Joly, produtor famoso no Vale do Loire, escreveu um livro, “Biodynamic Wine, Demystified” (“Vinho Biodinâmico, Desmistificado”), onde não cumpre o que o título do livro promete.
Joly explica que o preparo com quartzo/sílica num chifre de boi enterrado no solo funciona como um microchip de computador. “Age como um link ou meio, uma espécie de antena receptiva para certas forças que irradiam a partir do sistema solar. Esse pó está impregnado de certas energias, freqüências e de informação”. Essa carga energética “é dada pela natureza através do chifre e a terra onde ele está enterrado. Se estivermos no verão, essa preparação estimula as folhas e a fotossíntese”.
Steiner dizia que certos insetos-praga são espontaneamente criados por “influência cósmica” (pg. 115 do seu livro) e que comer batatas “é um dos fatores que tornou homens e animais materialistas” (pg. 149), que “a maioria de nossas doenças acontecem quando nosso corpo astral está conectado mais intensamente com o físico do que deveria, normalmente” (pp. 116-17). Não acreditava que as plantas podiam adoecer; era poderiam parecer doentes quando “As influências da Lua sobre o sol tornam-se muito fortes” (pp. 117-18).
As preparações propostas incluem a já conhecida de esterco num chifre (Preparação 500) ou com quartzo (Preparação 501), de flores de mil-folhas numa bexiga de veado (502), de camomila no intestino de uma vaca (503), de casca de carvalho no crânio de um animal doméstico (505) ou dente-de-leão no mesentério (parte do intestino delgado) de um bovino (pp. 72-99).
Steiner explicava, por exemplo, que “a bexiga do veado está conectada às forças do universo ... é a própria imagem do cosmo ... e, como resultado, “aumenta as forças da mil-folhas para combinar o enxofre com outras substâncias”.
Essas práticas esotéricas, essa espécie de vodu agrícola, não encontram fundamento na ciência. Funcionam? A agricultura biodinâmica é melhor do que a orgânica, da qual deriva? Qual a sua eficiência? Várias instituições e centros de pesquisas, laboratórios ao redor do mundo respondem que a vinicultura biodinâmica se sai melhor do que a padrão, não orgânica no que respeita à fertilidade do solo ou à biodiversidade. Mas isso não prova nada, já que a agricultura biodinâmica precisa necessariamente ser orgânica.
Um estudo de seis anos promovido pela Universidade de Washington e pela Universidade da Califórnia e vários outras entidades de pesquisa científica não conseguiu descobrir qualquer diferença entre as práticas orgânicas e as biodinâmicas. Os tais preparados melhoram o solo? “Nenhuma diferença foi estabelecida entre os solos fertilizados por compostos biodinâmicos em face dos orgânicos”.
Então, qual a razão de se gastar tanto tempo, pessoal e dinheiro com esses preparos? Imagine quanto de estrume, chifre, pessoal e dinheiro serão necessários para borrifar um Maracanã de bosta de boi? Uma teoria é a de que vinicultor um diferencial de qualidade, uma novidade, para que o seu vinho se destaque num mercado muito competitivo. Pode ser.
Pode ser que a relação entre vinho de qualidade e a cultura biodinâmica seja, no máximo, incidental. Só que não há como negar que os franceses de Chapoutier, Château La Tour Figeac, Zind Humbrecht e Ostertag, Coulée de Serrant, Domaine Leroy, Domaine Huët, Le Flaive, de Nikolaihof, na Áustria, de Benziger, Fetzer. Sinskey e Araujo, na Califórnia, e do próprio Joly sejam reconhecidos como de grande qualidade mundialmente. E a lista é bem mais longa. Hoje, mais de 10% dos vinhedos reconhecidos como orgânicos, na França, é ocupada pelos Biodinâmicos. Vale acrescentar que os dois críticos de vinho mais influentes do mundo, a inglesa Jancis Robinson e o americano Robert Parker, estão gostando desses vinhos. Parker já declarou publicamente que ele mesmo está aplicando métodos biodinâmicos em parte do vinhedo Beaux-Frères, no Oregon, que tem com seu cunhado.
O fato é que a agricultura biodinâmica, como a orgânica, tem uma concepção melhor da terra. Uma concepção sustentável. As duas contrastam radicalmente do modelo industrial, da agro-química, que primeiro esteriliza a terra e depois a entope com derivados de petróleo.
Se Steiner era um lunático, se os biodinâmicos usam vodu, acendem velas para a Mãe Terra, buscam fluidos cósmicos em chifres de boi com estrume, pouco importa. Importa é que estamos tratando a terra com o máximo de respeito e carinho, preservando o espaço em que vivemos e onde cultivamos. No final, o provável é que tenhamos um bom produto.
Da Adega
Maison des Caves. A importadora apresentará no próximo dia 22, às 22 horas, o seu novo portfólio de vinhos, o que será feito apropriadamente com sabor. O sommelier International Bruno Hermenegildo (formado pela Federazione Italiana de Sommeliers) apresentará uma seleção de rótulos trazidos da África do Sul e da Espanha. A
Maison des Caves fica no Casa Shopping, Barra, RJ.
Valduga com mais um rosé. A Casa Valduga já se prepara para tempos mais quentes e está lançando o Premium Merlot Rosé. Ela foi das primeiras vinícolas a apostar na retomada do consumo dos rosados por aqui. O novo rosé é feito com 100% de Merlot da safra deste ano. Cor salmão com fundo violáceo e brilhante. Harmoniza com frutos do mar, peixes, carnes brancas. E com um tempo à beira mar ou da piscina.