28.5.05

Nomes

Pensei primeiro em “Palavras” como título de uma coluna sobre as palavras ligadas ao mundo das bebidas. Refletindo um pouco mais, optei por “Nomes”, que engloba palavras ou locuções com que se designam classes de coisas, pessoas, animais, acidentes geográficos. Vocês vão ver que temos até nomes de uvas se confundindo com nomes de pessoas. Logo, achei “Nomes”: é muito mais abrangente para que comecemos uma espécie de glossário, sem ordem, mas em nada desordenado. Sem preferências também: teremos verbetes de fermentados e destilados e sobre personalidades de destaque nesse meio. A coluna de hoje é a primeira de uma série, mas não esperem que continuemos na próxima semana, embora não tenhamos a menor vontade de repetir o George Lucas, que levou 29 anos para completar a série “Guerra nas Estrelas”. Vamos aos nomes e que o lado bom da força esteja com vocês.
Álcool – começou com uma palavra árabe para descrever um fino pó metálico usado como cosmético - como sombra e delineador para os olhos (al-kuhul). Por extensão, qualquer pó fino, impalpável, que representasse a concentração, a quintessência do material de origem. É do século XVII o sentido de “o puro espírito de alguma coisa” – pois a palavra começou a ser aplicada a fluídos que representassem a essência – ou o espírito – de alguma coisa. E, assim, a qualquer produto resultante da destilação. Daí “spirit”, a denominação de destilados em inglês.
Mas foi somente no século XVIII que álcool começou a ser utilizado no sentido de algo que você pudesse ou quisesse beber. Já alcoólico existe apenas a partir do século seguinte, como algo com sabor ruim, pelo excesso. Ou pelo rolo promovido pela turma do funil.
Rosé. Não, não é um vinho só para moças ou para metrosexuais. Fica entre o tinto e o branco, daí seu nome: rosado. Pode ser feito, hoje em dia, de duas maneiras: o suco do tinto fica pouco tempo em contato com as cascas das uvas (que fornecem a cor). Ou misturando-se uma quantidade de vinho tinto com vinho branco. O sabor do rosé por esse processo é bem diferente do conseguido pelo primeiro método, o da maceração. Pois esse vinho voltou à voga. Não deixe de tomá-lo como um branco, bem seco e resfriado. É bem refrescante (e não promove aquela barriguinha dos cervejeiros).
Reserva. Essa palavra aparece em diferentes formas (reserva, reserve, riserva), com diferentes significados em diferentes regiões viníferas. Nos Estados Unidos, “reserve” não tem definição oficial e pode ser usado num rótulo do jeito que o produtor quiser. Normalmente, a utilizam para valorizar o vinho (e sem qualquer justificativa para isso). “Riserva” e “Reserva” (utilizadas na Itália e na Espanha, respectivamente) são designações legais, autorizadas desde que certas condições sejam atendidas. Essas circunstâncias variam de região para região, mas na média têm relação com o tempo de maturação de um vinho. Num “riserva” italiano normalmente se indica que o vinho ficou cinco anos em barril de carvalho e depois em garrafa até ser colocado à venda. Num espanhol “reserva”, o vinho levou pelo menos três anos amadurecendo (e pelo menos um deles em barril de carvalho). Quanto maior o tempo de maturação ou de “reserva”, não tenha dúvidas: o vinho fica mais caro.
Bloody Mary. Muita gente pensa que o nome desse clássico coquetel tem origem em Mary Tudor, filha de Henrique VIII, da Inglaterra. “Maria Sanguinária” (“Bloody Mary”) seria um apelido seu por não parar de esfolar protestantes em nome da Igreja Católica. Mas o nosso Bloody Mary é criado muito mais tarde, nos agitadíssimos anos vinte, em plena idade do jazz. E dois barmen reclamam a autoria desse famoso coquetel, o pai curativo de todas as ressacas (é o que dizem).
Um deles, Fernand Petiot, um americano, barman (ou bartender, naqueles tempos) no legendário Harry’s Bar de Paris. Um dia, em 1926, testava coquetéis quando misturou duas porções iguais de suco de tomate e vodca. Algum cliente encostado ao balcão disse que a mistura lembrava um clube de Chicago chamado “Bucket of Blood” (“Balde de Sangue”; imagine só esse antro) e, mais especificamente, uma garota que conhecia de lá, chamada Mary. Imediatamente, o nome “Blood Mary” foi cunhado pelo barman.
Mais tarde, já de volta aos Estados Unidos, Petiot foi trabalhar no bar do hotel St. Regis. Tentou mudar o nome do coquetel. Não deu certo. Mas começou a adicionar uns toques na bebida: pimenta preta e vermelha, molho inglês, limão, Tabasco, numa versão mais picante que continua sendo utilizada, com mais alguma coisa e menos outra, até hoje.
Um outro barman, George Jessel, jura que criou o drinque na casa de um amigo, em Palm Beach, em 1927. Revela que o nome é uma homenagem a uma ricaça, Mary Brown Warburton, que acabava de chegar à casa do tal amigo. Ela logo pegou um copo, que escorregou de sua mão, derramando a nova criação de Jessel sobre seu vestido. Ela não perdeu a pose e disse: “Agora todos podem me chamar de Bloody Mary”. Parece meio anedota, mas enfim, cada qual com suas versões.
Aberto, Fechado. São palavras que com freqüência encontramos nas resenhas sobre vinhos, normalmente como uma referência à estrutura, concentração e corpo do vinho. Um vinho “fechado”, numa analogia feita pela revista Wine Spectator, pode ser comparado a uma pessoa quieta, reservada, envergonhada. Leva algum tempo e esforço para que cheguemos a ser amigas dessa pessoa, exatamente como um vinho com essa característica. Suas qualidades estão lá, guardadas, mas ainda não se “abriram”.
A comparação pode igualmente ser feita para uma pessoa completamente sociável, gregária, que todos conhecem. Um vinho “aberto” permite uma opinião imediata.
Na medida em que amadurece, um bom vinho experimenta um processo de abertura: seus taninos ficam mais suaves, sua estrutura inicial relaxa e ele começa a mostrar suas qualidades – coisa que, envergonhado, “fechado”, não fazia quando saiu da vinícola.
Daiquiri. Dizem que o nome desse drinque apareceu impresso, pela primeira vez em 1920, na esplêndida novela “Esse lado do paraíso”, do grande F. Scott Fitzgerald – que devia gostar muito da mistura, pois fez com que seu personagem pedisse logo quatro daiquiris duplos de uma só vez. O fato é que seu inventor é tido como um engenheiro americano, Jennings Cox, que juntou suco de limão, açúcar, rum e gelo num boteco da cidade de Daiquiri, em Cuba. Outros falam que o coquetel já existia naquela cidade e o gringo levou a receita com ele. Falam também que em Daiquiri a mistura só era tomada com “fins medicinais”. Você acredita em histórias de botequim? Nem eu.
Vinho Verde. Você já viu um vinho verde, verde? Pois ele é branco ou tinto. É chamado de verde, em Portugal, porque costumeiramente são vendidos bem jovens. É um vinho leve, ácido e às vezes ligeiramente espumante. A maioria dos tintos é bebida mesmo em Portugal e praticamente apenas o branco é exportado. Daí o pessoal pensar que o verde de seu nome está errado. É mesmo de dar um branco. São originários da maior região vinícola demarcada do país, a Costa Verde, acima da cidade do Porto.
Cuvée. Em francês, a palavra “cuve” significa tanque, tonel, cuba. Logo, “cuvée” é o vinho originário desse vasilhame. Uma vinícola pode lançar dois “cuvées” de uma mesma safra e variedade, mas com diferenças no sabor ou no metido de amadurecimento. Cuvée é também um blend de vinhos amadurecendo num mesmo tonel. Na região de Champagne, França, as “cuvées de prestige” são os melhores espumantes que uma vinícola pode produzir. Geralmente, são originários do melhores vinhedos, amadurecem mais tempo nas adegas do que os demais vinhos daquele produtor.
Chipre. Foi o primeiro país do Mediterrâneo a produzir vinho. A descoberta é recentíssima, feita por uma arqueóloga italiana. Maria-Rosaria Belgiorno revelou que descobriu evidências que a ilha produza vinhos há 6 mil anos. Ela encontrou potes e jarras datando de 3.500 anos A.C. Acreditava-se até agora que o vinho na região vinha de onde é hoje a Turquia e a Síria. O primeiro vinho foi de arroz, feito na China há cerca de 9 mil anos. Há evidências que o vinho feito de uvas data de 7 mil anos e tem origem no atual Iran.
Isabel. Lá pelos idos de 1844, a Princesa Isabel e seu marido, o Conde D’Eu viajaram pela Província de São Paulo. No diário de viagem, a Princesa comentada sobre um vinho produzido na Chácara Califórnia, propriedade do italiano Ângelo Feline: “Provei do melhor, não é mau, mas tem sempre aquele amère goüt resinoso que noto em quase todo o vinho feito no Brasil”.
O “gosto amargo resinoso” era resultado da fruta homônima da Princesa – a uva Isabel ou Isabella, ou Americana trazida dos Estados Unidos entre os anos de 1830 e 1840. Isabel, a uva, é uma vitis labruscana Bailey, uma híbrida espontânea labrusca-unífera. Foi a uva mais utilizada pelos produtores brasileiros, por ser muito resistente ao clima úmido e às pragas tropicais. Foi tão utilizada que fez desaparecer as castas européias no país, numa situação que apenas se reverteu com a chegada dos imigrantes italianos na Serra Gaúcha, quando começou a ser trocada pela vitis vinífera, ou seja: a espécie que resulta nas uvas com as quais se produzem os vinhos nacionais (e internacionais). Pois tudo isso aprendi no livro do Carlos Cabral, “Presença do Vinho no Brasil: um pouco de história”, da Editora Cultura (ISBN 85.293-0070-X). Não deixe de lê-lo. Aproveite Bienal do Livro, no Rio, para comprá-lo.
Jackie Gleason. “Beber remove cravos e espinhas. Não as minhas, mas das pessoas para quem olho”.
Essa é uma das tiradas de um grande bebedor e ator ainda maior (nasceu em 1916 e morreu em1987).
Viu? Não faltaram nomes de uvas e de personalidades. Logo, acho que o nome da coluna é apropriado.
Mas não deixe de comentar, através do soniamelier@terra.com.br

Mais Nomes

Leitores que se deram ao trabalho de ler a coluna passada (“Nomes”) pediram mais. Sir Isaiah Berlin (1909-1997), historiador, filósofo e ensaísta inglês, disse que existem duas classes de escritores: os ouriços e as raposas. Os primeiros se enrolam formando uma bola e giram constantemente em torno dos mesmos assuntos. Os raposas vivem farejando assuntos os mais diferentes e raramente param num mesmo ponto. Assim, vamos dar uma de ouriço e voltar ao tema dos nomes, mas ainda no círculo das bebidas, mantendo a desordem como ordem e de algum modo tentando ser uma raposa e descobrir novidades.
Orgânico. Significa evitar produtos químicos para matar insetos, fungos, sementes ou fertilizantes químicos para nutrir o vinhedo. A principal vantagem da produção orgânica é a de minimizar os resíduos químicos no solo, na atmosfera, nas fontes de água natural e no vinho, finalmente. Ninguém pode afirmar quais os efeitos de longo prazo que esses resíduos promovem em nós e no planeta. Portanto, um vinho orgânico pode ser visto como um fermentado produzido com muita cautela, com muita segurança. Num vinhedo convencional (não orgânico), os produtores aplicam sprays com substâncias químicas para combater pragas e proteger a sua colheita. No curto prazo, essas aplicações têm sucesso. Mas com o tempo, elas adquirem resistência às químicas e reaparecem. Seus predadores naturais, as joaninhas, são também eliminadas pelo spray e o equilíbrio natural do vinhedo é destruído. Os resíduos químicos contaminam o solo, as fontes de água e o vinho. O sagrado “terroir” (conjunto de solo, sol, ventos, chuva numa determinada região) é adulterado a cada ano pelo uso de fertilizantes sintéticos, fungicidas e inseticidas.
Os vinhedos orgânicos preferem usar cavalos, para arar o solo e distribuir as sementes, por exemplo. Os tratores podem compactar o solo, mas poluem e não fornecem o adubo fertilizante, como os cavalos – que, ainda, fazem com sejamos menos gananciosos, pois a produção costuma ser muito pequena se comparada com a dos produtores convencionais, e fazem vinhos mais concentrados. Mas atenção que por ter a palavra “orgânico” no rótulo o vinho não é inerentemente melhor do que o não-orgânico. O produtor precisa manter a vinícola limpa, descontaminar o solo. E principalmente saber fazer vinho.
Biodinâmico. Um vinhedo biodinâmico é uma variante do orgânico. Também não utilizam fertilizantes, pesticidas, herbicidas – nada de químico ou sintético, exatamente como o orgânico. Mas acredita que na natureza existem forças vitais em ação e procura operar de acordo com o ritmo dessas forças. Por exemplo, as fases da lua. A passagem da lua por diferentes constelações exerce influências nos quatro elementos básicos: a água, a terra, o ar e o fogo, representados pelas folhas, raízes, frutos e flores, respectivamente. Uma lua crescente aumenta a vitalidade, o aroma ou a cor da planta. A minguante influencia os líquidos internos da planta. Tem algo de Santo Graal, de Código de Da Vinci nessa variante.
O celebérrimo Romanée Conti, em Vosne-Romanée, na Borgonha, é um vinho biodinâmico.
Força. As queridas leitoras podem se divertir assistindo a uma versão em animação do “Guerra nas Estrelas” e se deliciar com a grande batalha dos orgânicos contra o “lado negro da Força”, frutas, legumes e vegetais não orgânicos.
É o Store Wars, a “Guerras do Mercado”, onde o herói não é o Luke Skywalker, mas “Cuke” (Pepino) Skywalker. Seu mestre não mais é Obi Wan Kenobi, mas Obi Wan Cannoli (uma pasta enroladinha, famosa sobremesa siciliana). O Chewbacca, o co-piloto da Millenium Falcon, fiel escudeiro do Han Solo, passa a se chamar Chewbrócoli. E vai por aí.
É um desenho animado que tenta fazer com que você engrosse o “lado bom da Força” e passe a consumir produtos orgânicos. Veja aqui.
Doença da Rolha. É o que o francês chama de “bouchonné” (“odor de rolha”). A rolha de cortiça serve para selar o vinho na garrafa e evitar que se altere rapidamente e seja destruído pelo oxigênio. Porém, a rolha é um produto orgânico, com origem num tipo de carvalho, o “Quercus Suber”, o Sobreiro português, maior produtor de cortiça do mundo (e, logo, de rolhas para garrafas).
Essas rolhas contêm microorganismos que podem infectar o vinho (que deviam proteger) como resultado dos produtos químicos utilizados para tratá-las antes de cortadas e inseridas nas garrafas. O resultado é que o vinho fica cheirando a “papelão molhado, mofado”, “cachorro molhado” etc. No final, além do mau cheiro, o vinho tem o seu sabor também afetado.
A contaminação da rolha é feita por um elemento químico conhecido por TCA (trichloroanisole). Estimam que entre 7 e 10% de todo o vinho produzido no planeta chegue ao consumidor contaminado pelo TCA, ou seja: perdido. É muita coisa, são milhares de garrafas, uma fortuna. Há produtores mudando já faz tempo para tampas alternativas: rolhas de material sintético e roscas de metal são as opções mais procuradas. Parece que as tampas de rosca metálica vêm agradando mais.
Brettanomyces. Ou apenas “Brett”, no jargão dos conhecedores de vinho, é uma variedade de fermento indesejável, que ataca o vinho deixando nele odores desagradáveis, descritos como “cheiro de estábulo” (que é uma maneira delicada de nomear o cheiro da bosta de boi, na verdade).
Um vinho pode apresentar vários outros defeitos, como o “AV”, para acidez volátil, que deixa um cheiro de acetona, cola de aeromodelos etc. Mas isso fica para outra coluna.
Bogart. Sim, o grande ator, Humphrey Bogart (1899-1957), o Rick de Casablanca, o grande amor de Ingrid Bergman (a Ilsa do filme). Pois Bogart era um senhor bebedor. Conhecia demais esse departamento. Foi o verdadeiro criador do “Rat Pack”, grupo de amigos que recebia em casa para jogar conversa fora. E beber. Do grupo original faziam parte Richard Burton, Frank Sinatra, Judy Garland e naturalmente a última esposa do ator, Lauren Bacall.
Bogart, que fez o bebum capitão do barco, em “African Queen” bem que mereceu o Oscar de melhor ator. Mas quem levou a estatueta foi seu par, a grande Katherine Hepburn. Juram que foi nesse filme que fizeram o primeiro merchandising no cinema. Aquilo de mostrar um produto comercial meio que de passagem. É que a bebida do capitão era o gim Gordon’s. E ele carregava caixas e mais caixas da bebida no seu barco. A evangélica Hepburn joga tudo no rio.
Dizem que é do ator a frase “O mundo todo está três drinques atrasado”. Mas parece que a frase original foi: “Se todo o mundo bebesse três drinques, não teríamos problemas”. Eram os anos 50, em plena Guerra Fria. “Se Stalin, Truman e todos os outros tomassem três drinques agora poderíamos relaxar e nem das Nações Unidas íamos precisar”, acrescentou.
Ao morrer de câncer em 57, não deixou de mencionar as bebidas: “Eu não devia trocar o uísque pelos martini”.
Que a Força fique com vocês. Caso ela falte é só clicar para a Soninha, no soniamelier@terra.com.br

O turbante da Carmem

Bebidas e comidas brasileiras ganham mais espaço nos EUA, que já conhecem bem a tequila e as salsas, tortilhas e tacos mexicanos. É o que leio numa matéria do Datamonitor, sobre as possibilidades de “novidades étnicas” nos EUA.
Não que comidas e bebidas brasileiras substituam imediatamente as ofertas mexicanas já no gosto do americano. Mas “o avanço firme dos produtos brasileiros sugere que o Brasil está no ponto de transformar-se no novo México para comidas e bebidas nos Estados Unidos”, diz o editor da Productscan Online, que organizou um levantamento sobre o assunto.
A matéria cita que pelo menos uma grande empresa, a belga InBev, maior produtora de cerveja do mundo e dona da AmBev, já está pronta para “fazer samba”. Ela está lançando a nossa antiga Brahma nos EUA (e em mais outros 14 países). A cerveja (a garrafa é igual à da Skol Beats) está sendo anunciada como leve, refrescante e com uma “nota de mamão papaia” em seu sabor. Mamão papaia? A publicidade do produto lá enfatiza “o otimismo brasileiro”, bem como o estilo de vida “relaxado” do país. Papaia, otimismo, vida relaxada? O site do produto vende a ginga brasileira, como um “effortless flair”. Pronto: com ginga e “jeito relaxado” já somos os substitutos ideais do mexicano preguiçoso, um clichê nos faroestes americanos.
A matéria fala ainda do sucesso da cachaça e da caipirinha nos bares e restaurantes do país. Revela o grande interesse pelas frutas brasileiras e que a indústria de alimentos e bebidas está procurando maneiras de incluir o guaraná como um ingrediente estimulante em energéticos e até em barras de chocolate e iogurtes. O açaí já se tornou moda lá. Um refrigerante, o “Sambazon”, feito com açaí, vende muito bem, “direto da floresta amazônica, o coração da terra”, com direito a índio no rótulo, e o “Puro Poder da Amazônia” como slogan. A mesma empresa, baseada na Califórnia, vende o açaí em tabletes, como poderoso antioxidante. A fruta era desconhecida do norte-americano até 2004. De lá para cá, já estrela em 16 novas bebidas, segundo o Productscan. Vale tudo: “Sambazon”, mistura samba com “Amazon”, tem índio no rótulo, açaí no conteúdo, vende força, energia: é o rock do americano doido. Outro sintoma da presença brasileira são as churrascarias, outro sucesso com os conhecidos rodízios onde não faltam as plaquetas vermelhas e verdes sobre as mesas. Elas começaram a ficar populares nas grandes cidades, mas agora podem ser encontradas em várias cidades do interior do país.
Diz o editor da Productscan, Tom Vierhile, que essas tendências nas áreas de comidas e bebidas indicam que “o país que deu a tanga ao planeta pode estar oferecendo um novo sabor de bebidas e comidas para o mundo”.
Além dos personagens da novela América, vamos torcer para que agricultores e produtores brasileiros tirem também uma casquinha dessa tendência. Do jeito que está, acho que apenas retocaram o turbante da Carmem Miranda.
Quer saber mais sobre os rocks malucos que existem no mundo das bebidas? É só perguntar para a Soninha no soniamelier@terra.com.br

16.5.05

Edy e as ressacas

A Edy Rodrigues é bartender e adora a sua profissão. Mas fica intrigada com o vinho, em sua opinião a bebida mais saudável. Só não entende é como uma bebida dessas pode promover uma “ressaca pior que as outras, que nem Baco pode reverter”, diz ela. Ela quer saber que substâncias o vinho tem capazes de causar estragos olímpicos.
Bem, Edy, vinho é seguramente uma bebida saudável – mas apenas se consumido com moderação. Como qualquer outra bebida. Será que seus clientes ficaram apenas em duas ou três taças? Se bebem demais estão, naturalmente, sujeitos a uma ressaca, o tão terrível “dia seguinte”. Isso sem falar nas gracinhas e estragos que provocaram naquela fase “alegre” do porre, anterior à ressaca.
Mas o vinho, como disse, não é diferente das outras bebidas alcoólicas. Ressaca acontece por excesso de álcool e um e outro problemas com o seu cliente. Não se hidratou, estava com o estômago vazio, vinha de outros excessos, o corpo fatigado, suas resistências perigosamente abaixo do normal etc.
As histaminas. Agora, o vinho, em particular o tinto, possui algumas características que favorecem olímpicas dores de cabeças em algumas pessoas. Uma das principais razões é a histamina, quase sempre a culpada pelas dores de cabeça em quem consome vinho tinto.
A histamina é encontrada nas cascas de todas as uvas, brancas ou tintas. Acontece que os vinhos tintos fazem contato com essas cascas por um tempo bastante prolongado e, portanto, têm uma grande quantidade de histamina, ao contrário dos brancos.
Esse componente químico é uma proteína importante envolvida em muitas reações alérgicas. As alergias são causadas por uma resposta do nosso sistema imunológico a substâncias normalmente inócuas, como o pólen, a poeira. Essas respostas geralmente incluem a liberação de histamina causando vários sintomas alérgicos, contribuindo para inflamações, constrições vasculares etc.
O que acontece é que pessoas com baixa ou nenhuma tolerância à histamina acabam com coceiras na pele, narizes escorrendo, vermelhidão nas faces, diarréia, respiração entrecortada e uma senhora dor de cabeça. Até crise de asma pode acontecer em algumas pessoas. Basta uma taça para provocar todos ou alguns desses sintomas.
Para termos uma idéia sobre o papel da histamina na intolerância ao vinho, uma pesquisa demonstrou que 79% de pacientes que beberam 125 ml de vinho tinto (equivalente a 50 microgramas de histamina) tiveram alguns dos sintomas acima, apenas 30 minutos após tomar o vinho.
A verdade é que a maioria desses pacientes era intolerante ao vinho em razão da deficiência de uma importante enzima, responsável por metabolizar a histamina.
Pessoas com essa deficiência têm dor de cabeça crônica. O remédio para elas é fazer uma dieta livre de histaminas, com apoio de vitamina B6, que melhora a atividade da tal enzima citada acima.
Muita gente toma um anti-histamínico, como o Allegra ou o Claritin antes de sorver as suas taças de vinho. Mas o bom mesmo é consultar um médico e descrever esses sintomas – sem esquecer de dizer quantas taças tomou ou vem tomando. Ou pretende tomar.
Os congêneres. Esse é o termo genérico para as muitas e várias impurezas encontradas nos destilados e fermentados, quando abaixo de 100% de álcool por volume. Quanto mais baixo o teor alcoólico, maior a quantidade desses congêneres, componentes biologicamente ativos.
Essas impurezas, contudo, são precisamente os ingredientes que dão aos destilados o seu caráter. Daí a necessidade de conseguir-se um delicado equilíbrio que possa incluir o máximo de congêneres aromáticos numa bebida, enquanto eliminando aqueles nocivos.
A tarefa do produtor se complica ainda mais porque essas substâncias são muito variadas e incluem aldeídos, fenólicos e éteres. Cerca de 150 congêneres diferentes podem ser encontrados numa bebida recém destilada, seja uísque ou conhaque.
Embora estejam presentes em doses muito pequenas em vinhos e destilados, os congêneres contribuem de modo ainda pouco entendidos para a qualidade final da bebida.
Mas os pesquisadores sabem que eles contribuem para as ressacas também, pois as bebidas tradicionalmente com poucos congêneres (gim e vodca) resultam em ressacas mais leves, pouco severas, do que aquelas com quantidade maior: conhaque, uísque e vinho. É por isso que falam que as bebidas “escuras” são tidas como as mais favoráveis às ressacas – e, logo, às dores de cabeça.
O metanol. Quem bebe vinho além da conta sabe o que é uma ressaca: além das dores de cabeça, a náusea, vômitos, a sede insuperável.
Segundo o British Medical Journal, esses sintomas não devidos apenas ao consumo excessivo de álcool (etanol) comum nos vinhos, cervejas e destilados.
Porém, os médicos ingleses afirmam que esses sintomas são multiplicados quando o etanol deixa o nosso sistema. A maioria dos cientistas culpa os mencionados congêneres pela maioria dos problemas de excesso, entre eles as ressacas dos clientes da Edy.
E o metanol é um congênere comumente encontrado nos vinhos e quase sempre o culpado pela ressaca.
O etanol impede a ação o metanol. Pois é: o álcool que está circulando em seu sistema é que está ainda evitando que você ingresse no túnel de horror da ressaca. O que vai finalmente acontecer quando ele, por fim, é eliminado. O metanol está presente nos conhaques, uísques e vinhos tintos e é metabolizado pelas mesmas enzimas que operam o álcool, só que mais vagarosamente, pois essas ficam inibidas pela presença do etanol. Os cientistas acham que o metanol pode induzir a um aumento de histaminas, resultando em dores de cabeça inigualáveis.
Os sulfitos. Os sulfitos (sais do ácido sulfuroso) existem na natureza e são, desde os antigos romanos, utilizados para conservar alimentos, inclusive os vinhos. Cerca de 1% da população do planeta e 4% dos que sofrem de asma podem reagir negativamente a esse componente.
Os vinhos americanos, por lei, até colocam um alerta nos seus rótulos quanto a presença de sulfitos. Nos demais países, isso é considerado um preciosismo inútil. A quantidade de sulfitos é baixíssima, os problemas são raros. Tudo depende da sensibilidade dos consumidores e da quantidade de sulfitos. Os alimentos podem conter legalmente (nos Estados Unidos) níveis de 6 a 5 mil partes por milhão. A quantidade média de um vinho de grande qualidade está abaixo de 40 partes por milhão. Praticamente inexistente. Não há vinhos sem sulfitos.
Fenóis e taninos. Os fenóis, às vezes chamados de polifenóis, são substâncias químicas responsáveis pelos pigmentos naturais das frutas (e das uvas, portanto), pelos taninos e pelos componentes de sabor.
Os vinhos tintos possuem em média 10 vezes mais polifenóis que os brancos. E são eles os maiores responsáveis pelos benefícios de saúde dos vinhos: combatem do câncer aos problemas coronarianos.
Muitas pessoas são sensíveis aos fenóis taninos e acabam ficando com dor de cabeça. Mas dificilmente pegam uma ressaca por conta deles.
O álcool é um diurético natural, eliminando a água do seu sistema. Logo, o segredo é beber uma taça ou dose de qualquer alcoólico acompanhada de um copo d’água. Cada dose deve ser consumida a cada hora. Quer dizer: você deve levar duas horas para tomar duas doses. E não parar de beber água.
Um remédio ainda melhor é simplesmente beber moderadamente. Muito de qualquer coisa sempre é demais para a nossa saúde. E isso vale também para o vinho.
Pois é o que sei a respeito das ressacas e de outras mazelas ligadas ao vinho. Espero que os clientes da Edy tenham condições para ouvir a origem de suas dores e ressacas. Acho que a parte dolorosa da tarefa da Edy será sugerir moderação. Ou que passem antes num médico para saber mais de suas condições.
Edy, como ela falou, é uma bartender – que fica ali no bar fazendo aquelas misturas, preparando os coquetéis e demais drinques. Bar é abreviação de “barrier”, barreira, pois ao final do século XVI era necessária uma barricada para separar bebidas de bebedores. E palavra “bar” foi criada nessa época para descrever o edifício onde ficava essa perturbadora barreira.
A palavra que primeiro definiu a profissional responsável pelos drinques foi Barmaid, que aparece em 1772. Bartender começa a ser utilizada 50 anos depois. E o “mosca de botequim”, o “barfly”, surge já no século XX, pedindo bebida de graça, jogando conversa fora e tentando saber o telefone da bartender.
Logo, os bebedores radicais sempre causaram dores de cabeça. Em primeiro lugar nas bartenders e em seguida neles mesmos.
Façam como a Edy Rodrigues: escrevam para a Soninha, no soniamelier@terra.com.br e tentem esclarecer as suas dúvidas.

Absoluta Verdade

A KRP, agência de Relações Públicas da vodca Absolut no Brasil, escreve solicitando correção de erro que teríamos cometido na coluna de 28 de abril, “Abril Costurado” (veja post logo abaixo). A matéria informa sobre a proposta de compra da Allied Domecq pela francesa Pernod Ricard em parceria com a americana Fortune Brands.
A KPR diz que o erro foi “mencionar a marca Absolut como participante dessa fusão, que não tem nenhuma relação com esta aliança”. Fala ainda que “Future Brands distribui, nos EUA, ABSOLUT e Jim Beam”.
Ué, mas não foi isso que escrevi? Cito a coluna do dia 28: “Já a compra da Allied compreendeu uma parceria entre a Pernod Ricard e o conglomerado americano Fortune Brands, dona de destilados, equipamentos esportivos e produtos domésticos. Ela já distribui o uísque Jim Beam e a vodca Absolut...” Nada falo da marca envolvida em fusões e compras. Mas talvez não tenha ficado claro. A vodca Absolut pertence ao grupo sueco Vin&Spirit. E não participa dessa compra. Pronto.
O caso é que a aquisição da Allied pela dupla Pernod-Fortune não pode ainda ser considerada definitiva, pois outros colossos do mundo das bebidas parecem dispostos a melhorar a proposta de US$ 14,2 bilhões dos franceses.
A Constellation Brands, que comprou a Mondavi ano passado e a BLR Hardy em 2003, estuda uma contraproposta e procura aliados para isso. A Brown-Forman, dona de marcas como o Jack Daniel’s, está analisando as suas chances. A Diageo, a número um em bebidas alcoólicas do planeta, quer também entrar nessa briga. Outra candidata é a Bacardi. Nessa arena, só entra bicho grande.
A aquisição da Allied deixaria a Pernod como a segunda maior do mundo, colada na Diageo. Leio na Wine Spectator que a francesa está até disposta a livrar-se da Seagram’s e da vodca Wyborowa para ficar apenas com a Stolichnaya, vendida pela Allied a partir de exclusivo contrato de distribuição com a russa Soyuzplodimport. É uma proposta difícil de igualar. A Diageo e a Bacardi dificilmente vão abrir mão da Smirnoff e da Grey Goose, respectivamente. A Constellation poderia abdicar de suas várias marcas de vodca, mas sua distribuição perde para a da Pernod.
O segmento de cervejas vem perdendo vendas, enquanto vinhos e destilados crescem nos Estados Unidos. Existem poucas marcas de qualidade à venda atualmente. Daí, a atração pela Allied.
O mercado norte-americano, o grande alvo desta transação, é o que mais cresce nos segmentos de vinhos e destilados. Se a Pernod tem sucesso na compra, ficará com 20 das maiores marcas de destilados do mundo. A Diageo fecharia com 17.
O título da coluna é uma homenagem à célebre campanha da Absolut, que durante 25 anos criou um ícone a partir de uma garrafa, sempre começando os anúncios pelo nome da marca. Um desses anúncios é “Absolut Truth”, “Absoluta Verdade”, título que abona também o conteúdo de nossa coluna.
Quer saber? Bebidas é no Sonia Melier. Ligue-se: soniamelier@terra.com.br

6.5.05

Mentiras brancas

Será que existe um tipo de vinho exclusivo para mulheres? Melhor: será que as mulheres precisam de uma versão exclusivamente feminina do nosso querido fermentado? A indústria americana, segundo leio em várias matérias, do New York Times (Veja aqui, somente para assinantes) à Associated Press , está determinada a nos seduzir, fazer de nós sólidas consumidoras de vinhos.
Não é para menos, pois enquanto os homens ficam contando os pontos que os vinhos ganham dos críticos e pesquisando as safras nas várias regiões, as mulheres é que movimentam essa indústria: são responsáveis por 77% das compras e 60% do consumo de vinhos na América.
Por isso mesmo, uma vinícola do porte da Beringer Blass, baseada em Napa, na Califórnia, mas pertencente ao poderoso grupo australiano Foster’s, está lançando um vinho branco, um Chardonnay, com baixo volume de álcool e pouquíssimas calorias. Seu nome: White Lie Early Season Chardonnay.
O nome do vinho, White Lie, me ajudou a entender melhor que tipo de consumidora esses produtores estão buscando. Não se trata do segmento feminino como um todo, mas de uma parte dele, talvez a mais afluente ou a mais visível em termos de mídia.
White Lie é aquela mentirinha quase sempre sem importância, inofensiva, diplomática, trivial, que evita conflitos ou nega racionalizar verdades ou problemas. Um exemplo possível é quando o marido chega em casa com aquele bafo de uísque e pergunta tatibitate se o dia da esposa foi bom. “Agora está melhor!”, responde nossa Escrava Isaura com um sorriso Kolynos, mais falso do que o loiro de seus cabelos, tentando agradar quem que se faz desagradável e evitando perguntas mais sérias. Nada de “discutir a relação”.
Esse vinho vem com um rótulo vermelho de esmalte de unha, e letras cursivas, de novelas baratas. Sua campanha promocional envolve a autora Jennifer Weiner, com vários best sellers no currículo, como o “Good in Bed”, livros ao estilo do “Diário de Bridge Jones”, uma categoria que os americanos chamam de “chick-lit” – com jovens independentes, normalmente solteiras, quase sempre cosmopolitas, disputando bons empregos. Quer dizer: “mudernas”, embora, ao final, alimentem o sonho de um grande amor em sua vida. Ou vivam lambendo as feridas por causa do amor de sua vida. Pois é, o tal “amor de sua vida” continua em cartaz. Todas querem um Mr. Big (ou uma Ms. Big) até que a morte os separe (ou, se não for possível, um bom advogado).
Os Estados Unidos são o país da segmentação. Sabem exatamente quantos homens vestem camisas sociais de listas vermelhas verticais, onde vivem, trabalham, o que comem, quanto ganham etc. E como se comportam diante dos homens que vestem camisas vermelhas com listas horizontais. É por aí.
Há tempos temos lá vinhos para os consumidores gays. E mais recentemente, essa segmentação se ampliou. Em mais alguns dias, uma vinícola de Washington lançará um vinho dedicado às “jovens trabalhadoras”, o “Working Girl White”, como um comprimento às mulheres trabalhadores, segundo a dona, Kato Charlton, da Olympic Cellars.
Uma vinícola de Napa faz o “Seduction”, um tinto: “voluptuoso, com sabores sensuais e um beijo de veludo”, diz o rótulo.
Em janeiro, um produtor de Seattle apresentará o “Mad Housewife”, para a dona de casa tensa, sempre nervosa. No rótulo teremos: “Em algum lugar no frio escuro da lavanderia, depois da lixeira, entre dos brinquedos espalhados. Essa é sua hora”. Francamente!
A coisa não para aí. Temos até um vinho dirigido a amigos dos cães, o “Dog House”, a ser lançado por esses dias, nas versões tinta (Cabernet) e branca (Chardonnay), por cerca de 9 dólares, 50 centavos dos quais para apoiar a instituição “Guide Dogs for the Blind” (Cães Guias para Cegos), sem fins lucrativos. O “Dog House”, por sua vez, se encaixa numa nova tendência de marketing nos States, com vinhos apresentando uma variedade de animais nos rótulos, de pingüins, a porcos, cangurus, gatos e, agora, a cães. O australiano “Yellow Tail”, com um canguru amarelo no rótulo, é o importado que mais vende no país. Não sei se esses vinhos são vendidos em veterinárias.
O professor Robert Smiley, diretor de programas da Universidade da Califórnia, na cidade de Davis, especializada em enologia, diz que apenas 10% dos americanos bebem vinho regularmente. “Num supermercado, onde cerca de um terço de todos os vinhos é comprado, os consumidores ficam confusos e nervosos ao verem centenas de garrafas e rótulos diferentes”.
“Refrigerantes, cervejas e cafés são dominados por marcas bem conhecidas, que gastam dez vezes mais em promoção do que toda a indústria do vinho”, diz ele. “E para competir, os produtores de vinhos têm de ser inovadores”.
Pois os marqueteiros da Beringer foram bem inovadores. Criaram uma promoção com a própria Jennifer Weiner, autora de sucesso, (do já citado “Good in Bed”, e de “In Her Shoes”, que está sendo filmado), que participará de reuniões em clubes de livros e promoverá um concurso nacional sobre as melhores histórias envolvendo “mentiras brancas”.
As rolhas do vinho levam mensagens representativas dessas mentirinhas: “Estarei em casa as sete”; “Essa é a cor natural (dos meus cabelos)”, “Comprei na liquidação”, “Dinheiro não é importante”. Algumas garrafas oferecerão ainda imãs de geladeira com outra “mentira branca”: “Não como nada entre as refeições”.
O White Lie Early Season Chardonnay (feito com a uva branca mais popular nos Estados Unidos), custará 10 dólares a garrafa.
Será um vinho com baixo volume de álcool, apenas 9,8% e pouquíssimas calorias: 97,4%. Os produtores buscaram um nicho que ligar as mulheres de modo positivo ao vinho e ao humor. Nada de muito álcool, nada de ficar tonta – e de perder a forma.
Linda Bisson, que também é professora da Universidade da Califórnia, em Davis, não está muito convencida dessa idéia, mas concorda que muitas mulheres não gostam de bebidas muito pesadas, com muito álcool - e acha que esse vinho talvez possa agradar esse segmento de mulheres.
Volto a repetir uma experiência de marketing que acompanhei de perto, ao longo de alguns anos, com a tentativa de se criar e manter uma marca feminina de cigarros entre as fumantes brasileiras. Nenhuma vingou. O lançamento mais sofisticado, mais caro, o dos cigarros Charm, acabou com o cigarro sendo preferido mesmo pelos homens. Pode? As mulheres que fumam, fumam as marcas existentes no mercado, sem cobrar o "sexo" dos produtos.
Acho que queremos conhecer mais e melhores vinhos, com preços pra lá de justos, claro. Talvez não queiramos saber se esse é um vinho pra gays, lésbicas, cachorros ou para homens. Para nós, talvez, o vinho tem de ser bom e caber em nossa bolsa. E isso. Agora, se Mr. Big gostar dele, melhor para Mr. Big, pois a bebida eu já provei e aprovei.
Diga querida leitora: você se sentiria mais confortável se tomasse um vinho feito só para você, ou seja, pensando apenas no gênero feminino? Ou, não importaria se a calcinha mais parecesse uma cueca, pois o caso é apenas tomar um bom vinho?
Responda aqui para a Soninha através do soniamelier@terra.com.br

5.5.05

Tiros nos Vinhedos

O premiado documentário “Mondovino” estréia agora, 6 de maio. Seu diretor, uma mescla de sommelier e cineasta, o americano Johnathan Nossiter, esteve agora em SP, para a feira ExpoVinis 2005, onde conduziu uma degustação de alguns dos vinhos que aparecem em seu filme –.
Ao contrário de “Sideways”, que conquistou um Oscar de roteiro, com uma história bem-humorada, em torno do amor e da uva Pinot Noir, “Mondovino” vem promovendo tempestades desde Cannes, quando se apresentou ao lado de “Fahrenheit 9/11”, do polêmico Michael Moore. Pois “Mondovino” é também um filme de mocinhos e bandidos, tal como a fita de Moore.
Nossiter esteve no sul do Brasil, na Sardenha, no Languedoc, em Bordeaux, Borgonha, Toscana, Uruguai. Entrevistou magnatas, celebridades, e modestos vinicultores. Por 158 minutos, o diretor mostra as grandes empresas tomando pequenos vinhedos de assalto para fazer um vinho “como o americano gosta”.
A jornalista Carla Rodrigues em sua ótima coluna no site “nominimo”, fala, sobre o filme, que a principal marca do vinho “é justamente o envelhecimento, ameaçado pela indústria”.
Não é bem assim, acho eu. Mais de 90% dos vinhos são produzidos para serem tomados logo, bem jovens. O envelhecimento é a marca dos vinhos mais caros e mais raros. Itens de investidores e colecionadores. O que Nossiter coloca em questão é a transformação do vinho numa coca-cola. O mesmo sabor em todo o planeta. Como os EUA são os maiores compradores e estão entre os maiores e melhores consumidores (não discutem preço), os produtores são incentivados a produzir algo que os americanos gostem, mesmo contrariando o caráter de suas regiões. Nossiter nega que seu filme seja antiamericano ou mesmo antiglobalização. Diz que seu filme é “contra a homogeneização global do vinho”.
O diretor mostra o povo do vilarejo de Aniane, no Languedoc, impedindo os planos de conquista do então gigante Robert Mondavi (acabou quebrando e comprado por um gigante ainda maior, a Constellation). Temos entrevistas com gente famosa, como o consultor francês Michel Rolland, uma espécie de Steven Spielberg do vinho, que ajuda seus clientes a criar bestsellers em dezenas de países segundo a fórmula do “gosto global” (isto é: do norte-americano).
A entrevista principal é com o maior crítico de vinhos do mundo, o norte-americano Robert Parker, cujo nariz e palato estão assegurados em US$ 1 milhão, e que criou um método de qualificar vinhos através de notas, de 50 a 100. Certo: é mais fácil quantificar do que qualificar. As notas de Parker podem fazer um vinho ir para o céu ou para o inferno. Recentemente Nossiter enviou um post para o website de Parker acusando os críticos de seu filme de macarthismo, orelianismo e má-fé, de dissimulados, difamadores e egoístas.
Não perca “Mondovino”. Você vai entrar num tiroteio. E saber que o mundo dos vinhos nada tem de luvas e polainas.
Comente o filme aqui, no soniamelier@terra.com.br