25.1.05

O vinho e seus padroeiros


Foi o Roldão Simas, um leitor de Brasília, quem me alertou sobre São Vicente: seria ele o legítimo patrono dos vinhateiros? Sua data foi comemorada agora, dia 22, no hemisfério norte. Mas um amigo de Roldão, um francês que trabalha com vinhos, lembra que na França os viticultores adotam vários patronos. Mais de um santo é sempre melhor.

Numa consulta ao Índice de Santos Patronos, temos, por exemplo, para os vinhos: Santo Amando (584-679), com trabalho de evangelização pela França e Alemanha, em particular nas áreas de produção de cerveja e vinhos.

Em seguida, encontramos Goar de Aquitânia (519-575), um padre eremita operando no Reno. Carlos Magno o homenageou construindo uma igreja no local de sua ermida, perto da cidade de Saint Guvet.

Descobrimos um Lourenço ou Lorenzo, um espanhol que pregou em Roma, onde foi perseguido. Era guardião dos tesouros da igreja, cujo esconderijo se recusou a revelar. Foi executado - literalmente assado numa grelha. Por isso, talvez, seja o protetor dos cozinheiros, restauradores e também, não sei a razão, dos viticultores. Uma macabra tentativa de harmonização?

O patrono seguinte é Martinho de Tours (316-397), húngaro criado na Itália, foi oficial do exército romano na Gália (França). Converteu-se ao cristianismo, tornou-se um eremita, fez intenso trabalho de evangelização, acabou aclamado bispo de Tours em 372, mas preferiu a solidão de um mosteiro. Foi feito santo e protege contra a pobreza e o alcoolismo e incongruentemente vinicultores e viticultores.

Na letra M temos ainda Morand, monge de Cluny. Dizem que passava toda a Quaresma comendo apenas uvas, daí talvez tenha conquistado as simpatias dos vinhateiros.
Urbano, bispo de Langres em 374, foi perseguido, mas achou refúgio num vinhedo. Por essa razão, ganhou a afeição do povo que trabalhava com uvas e vinhos.

Walter de Pontnoise ou Walter Gautier (nasceu no século 11, na França) era professor de filosofia e retórica, mas juntou-se aos beneditinos para fugir às tentações do mundo. Feito abade, brigou com a casa real e o clero franceses em nome dos bons costumes. Preso e torturado várias vezes, morreu em sossego em sua capela, em 1099. Protegia os prisioneiros e, estranhamente, os vinicultores.

De todos esses patronos, apenas Amando, Morand e Urbano tiveram alguma ligação com os vinhateiros. O nosso São Vicente, nascido em Saragossa, era diácono. Perseguido e torturado por ordem do imperador Diocleciano, suportou tudo com um estranho sorriso e morreu. Não há registro de suas ligações com vinicultores.

A dica do francês Christian Couèsmes, amigo do Roldão, refere-se ao nome do santo, Vincent em francês. A glória póstuma de São Vicente residiria simplesmente no fato da primeira sílaba de seu nome formar a palavra VIN, vinho em francês. Um patrono com o nome do produto fica mais fácil de ser venerado.

Para juntar a fome com a vontade de comer, a data de 22 de janeiro também ajuda, pois marca o início da poda nos vinhedos europeus e a volta dos vinhateiros para mais um ano de muito trabalho. Dos vinhateiros e também dos colunistas de vinho. Assim, com todo respeito aos outros santos, fico mesmo é com São Vicente, mas sempre torcendo para que acabemos 2005 com um sorriso nada estranho nos lábios.

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