26.1.06

Em busca do TBA

Amiga minha aqui de Secretário viajou, jantou em Nova York e conheceu um vinho alemão, um Trockenbeerenauslese, mais conhecido como TBA: mesmo alemães preferem reduzir assim esse nome de entortar qualquer língua.

Pediu-me para ajudá-la a encontrar esse vinho por aqui (entenda-se Rio de Janeiro). Ainda estou para conhecer alguém que venha a jantar em NY, conhecer um alemão e me pedir que o ache por aí.

Completei apenas uma primeira fase de buscas, via internet, consultando o Google, o Yahoo e outros sites de busca: não consegui nada, nadinha. O incrível é que as grandes casas importadoras não oferecem vinhos alemães como opção. Lamentável. Pode ser que a razão disso esteja também no consumidor, que se sente mais familiar com outros tipos de vinho, cujos rótulos são mais fáceis de ler e entender. Temos que concordar que é difícil alguém memorizar e pedir, por exemplo, um Hochheimer Domdechaney Trockenbeerenauslese Domdechant Wernersches; Weingut, 1969. Não só pelo nome. O preço da garrafa é 366 dólares. Claro que existem TBAs mais baratos. Esse é de uma safra antiga, logo, o preço é mais alto. Mas esses são vinhos caros, raros, difíceis de achar.

Contudo, vou mudar a tática e começar a ligar para amigos comerciantes e sommeliers. Talvez consiga alguma coisa.

Mas o que realmente quer dizer Trockenbeerenauslese? Na categoria Qualitätswein mit Prädikat (“Qualidade com Distinção”), que rege os vinhos brancos alemães, os TBAs são feitos com as uvas mais maduras – e, portanto, é o mais raro, rico e caro.

É feito a partir de uma safra selecionada (auslese) utilizando apenas uvas colhidas individualmente (beeren) – uvas que estejam ressecadas (trocken) pela “podridão nobre”, o que resulta num vinho ricamente doce e profundamente dourado.

Também conhecida por Edelfäule em alemão, pourriture noble em francês, muffa em italiano, noble rot em inglês, a podridão nobre é um fungo, Botrytis cinerea que ataca essas uvas, desidratando-as, deixando uma grande concentração de açúcar. Essa grande quantidade de açúcar não permite uma fermentação completa e, daí, que o nível de álcool desses vinhos é costumeiramente muito reduzido.

O vinho alemão é oficialmente classificado segundo o amadurecimento das uvas, em vez de ser classificado pelo “terroir”, segundo as leis francesas. Terroir não significa literalmente solo, mas a composição do solo, a qualidade e funções da drenagem, a geografia (elevações etc.), exposição ao sol, ventos, chuvas etc. – tudo o que pode influenciar na qualidade das uvas e, ao final, dos vinhos. É também diferente dos sistemas de classificação da Itália (métodos de vinificação e variedades de uvas) e dos Estados Unidos (por regiões de cultivo).

Assim, temos na Alemanha os seguintes níveis de qualidade:

Tafelwein (vinhos de mesa); Landwein (vinhos regionais); Qualitätswein bestimmer Anbaugebiete (QbA) – ou “Vinho de qualidade de uma região específica”, que representa a classificação intermediária. E, por fim, o Qualitätswein mit Prädikat (QmP), que se apresenta segundo o conteúdo de açúcar ou o nível de amadurecimento das uvas:

1) Kabinett: significa “gabinete”. Vinhos delicadíssimos, os mais básicos e leves da categoria, com pouco corpo.

2) Spätlese: é um termo que significa uvas que foram colhidas depois da data regular da colheita. Contém, portanto, mais açúcar e produz vinhos mais doces.

3) Auslese: seu nome, como vimos, significa “colheita selecionada”. Os cachos são colhidos um ponto acima do maduro.

4) Beerenauslese: Beeren significa uvas e auslese, colheita selecionada. São uvas colhidas muito maduras, resultando num vinho doce e dourado.

5) Eiswein: “vinho de gelo”, um estilo que vem sendo produzido na Alemanha a partir dos anos 60. Apenas em 1982 é que foi considerado como QMP. É um vinho doce cujas uvas foram congeladas pelo gelo (o que congela é água, deixando grande concentração de açúcar).

E, por fim, temos o nosso Trockenbeerenauslese – motivo desta coluna. O ponto mais alto da classificação de vinhos alemães.

Minha amiga não fez por menos: conheceu um vinho difícil de achar, até mesmo na Alemanha. E caro, muito caro. Tudo isso no Craft, um simpaticíssimo restaurante de Nova York. Seu chef e dono, Tom Colicchio já recebeu um prêmio nacional em 2002, da prestigiosa Fundação James Beard. Lá se faz uma haute cuisine, mas sem o nariz em pé. Mas não deixa de ser caro. E foi lá que minha conheceu o vinho que está se escondendo da Soninha. Ainda.

Poderia ser pior. Estão lançando agora em Budapeste, o Tokaji Eszencia 1999. É um dos mais famosos vinhos doces do mundo, originário da Hungria. Famoso e raro. Dois restaurantes da capital húngara estão oferecendo o vinho apenas em uma colher de sobremesa. Cada colherada, 18 dólares. É também um vinho feito a partir da botrytis, que vimos acima. É tal a concentração de açúcar que ele leva anos para fermentar. Se quiser, pode comprar uma garrafa (500 ml) custará 500 dólares. Apenas 1.200 garrafas foram produzidas.

Já pensou se minha amiga, em vez de Nova York, tivesse jantado em Budapeste?

Uma leitora, Valdete Andrade, passou 15 anos na Itália, voltou agora para Salvador e confessa sua dificuldade em achar vinho, mas vinho mesmo, feito de uvas viníferas fermentadas. Nada de vinho de amora, pêssego etc. Os vinhos que encontra estão mal conservados, em prateleiras, expostos à temperatura ambiente.

Quem sabe, Valdete, você dá uma olhada no site do Bistrô Porto do Sol (aqui).

A casa tem um repertório de vinhos brasileiros e importados. O dono da casa é austríaco e parece conhecer esse pedaço. Mas, essa é a minha missão, vou continuar procurando.

Amigas, quem souber de Trockenbeerenauslese no Rio e vinhos importados na Bahia, por favor, cliquem aqui para a Soninha, no soniamelier@terra.com.br Vocês entendem: não posso ficar mal com amigas e leitoras. Ajudem-me a achá-los senão me perco.


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