15.11.07

Música em sua taça

Que estilo de música você escuta enquanto degusta o seu vinho? Beethoven ou Chitãozinho e Xororó, Tom Jobim ou Elymar Santos? Cuidado, pois acaba de ser criada mais uma teoria nesse mundico dos vinhos já tão lotado de teorias.
Na verdade, eu deveria hoje fazer referência, mais uma vez, à chegada do Beaujolais Nouveau em todas as lojas do mundo. Dizem que estão lançando uma versão rosé. Pra quê, se o Nouveau já funciona de fato como um rosado?
Mas optei por falar dessa história sobre música e vinhos, que, juram: é verdade verdadeira.
Um conhecido enólogo e consultor de vinhos da Califórnia, Clark Smith, dono da Vinovation, garante que a música que você está ouvindo influencia o gosto do vinho que você está, ao mesmo tempo, degustando. Não, não se trata de atuar sobre os seus humores, o ambiente que o cerca ou sobre as pessoas em volta de você.
Smith garante que diferentes tipos de música vão fazer o vinho ser mais ou menos saboroso. Uma simples canção que pode elevar o seu Pinot Noir a um grau de suprema excelência. Ou deixar o seu Cabernet Sauvignon num estado execrável.
Smith é preparadíssimo: já passou pelo M.I.T., é enólogo graduado pela famosa Universidade da Califórnia, em Davis, já foi produtor da Vinícola R.H. Phillips (250 mil caixas por ano). Em 92, patenteou um sistema de redução e ajuste de álcool via a tão falada osmose reversa (osmose: um liquido, no caso, o vinho passa através de uma membrana, saindo de uma solução mais concentrada para outra menos concentrada). Ele está no meio da grande controvérsia que cerca vinhos com muito álcool. Entregam para ele um vinho com 12% de álcool e ele devolve a bebida com 15, 16% ou mais, como é a grande moda atual entre produtores interessados em agradar críticos como Robert Parker. Mas pode acontecer o contrário: de um vinho com 17% e ele o reduz para 12%. O freguês escolhe. Ele sabe o que faz. E acredita firmemente que o produto final sairá equilibrado, harmônico etc.
Acredita também, honestamente, que a música pode mudar o sabor dos vinhos. Ele realizou testes, onde um Cabernet de Bordeaux parece ficar melhor ao som da Metallica, famoso grupo norte americano de heavy metal.
Garante que uma determinada polca (tocada por uma banda local) transforma um ordinário Zinfandel branco em algo bem melhor do que a maioria dos seus tintos, mais caros. Na verdade, diz que polca só combina com Zinfandel branco. E com mais nada.
Revela que os vinhos tintos, na média, melhoram substancialmente com músicas que ofereçam uma “emoção negativa”. Não gostam de música alegre. Os Pinot Noir não gostam de música sensual. Os Cabernets gostam de músicas “zangadas”, como as da Metallica. Daí a dificuldade de encontramos uma música que seja boa ao mesmo tempo para a Pinot e para a Cabernet.
Apesar de ser um tecnólogo inveterado, Smith afirma que os vinhos possuem sua própria melodia. É um místico que ainda acredita na antiga idéia grega de separar os pensamentos e atividades entre as lógicas (que seriam originárias de Apolo, segundo ele) e as intuitivas (nascidas de Dionísio). Francamente, não entendi as analogias com os deuses gregos. Até hoje, não conheci um só deles cujo perfil apontasse para um ser lógico, coerente, racional. A lógica, o bom senso, o caminhar conforme as regras eram tarefas mais afinadas com os mortais, na maioria das vezes. Também não atino que pudessem ser apresentados como intuitivos: eles eram mais para espertos, estabanados, de caráter suspeitíssimo, mas ao mesmo tempo ingênuos.
O enólogo não sabe ainda explicar a razão pela qual o binômio vinho-música interfere em partes de nosso cérebro. Não consegue ainda explicar como, fisiologicamente, a Cabernet torna-se significativamente melhor com os The Doors (uma banda de rock americana que existiu entre 60 e 70, onde pontificava o lendário Jim Morrison), ou com a abertura da Carmina Burana, do que com Mozart ou os Beach Boys.
Já que “a música é o vinho que enche a taça do silêncio”, segundo o guitarrista e compositor Robert Fripp, não é de estranhar que tenhamos agora essa moda de música. O que não é uma exclusividade do Clark Smith.
O produtor Jean-Marie Zerr, da Alsácia, jura que a complexidade aromática de suas uvas, em particular as Gewürztraminer, melhorou substancialmente a partir do momento em que começaram a ouvir Brahms, Schubert, Mozart, Vivaldi, entre outros.
Zerr usa música clássica e um conjunto de sons estranhos, que só as uvas conseguem entender, mas que “não adequados aos ouvidos humanos”. Seus vizinhos já estão achando que ele é um caso perdido.
De qualquer modo, a hipótese da música de Bach ou de Tchaikovsky influenciar toda uma vinha está sendo pesquisada seriamente pela Universidade de Florença, Itália, a partir das experiências de um outro vinicultor, o toscano Giancarlo Cignozzi, que produz o famoso Brunello di Montalcino.
Um especialista italiano em neurobiologia vegetal, professor Stefano Mancuso, já começou a reproduzir em laboratório o que realizam esses vinicultores melomaníacos. E ele garante: “Os efeitos da música ou das freqüências sonoras sobre o crescimento das plantas são notáveis”.
Não sei, não. Uma amiga querendo livrar-se de um namorado, mas temendo ser indelicada, gravou o Soneto da Fidelidade, dito pelo próprio autor, o mestre Vinicius de Moraes. Fez um CD inteiro com o soneto – aquele que termina assim: “Eu possa me dizer do amor (que tive)/Que não seja imortal, posto que é chama/Mas que seja infinito enquanto dure.”
O rapaz foi a casa dela, jantou, conversou sobre o tempo, o trabalho, pediu cerveja e mais cerveja e depois um cafezinho. E o CD não parava de tocar, era também infinito. O namorado se fez de surdo ou era bronco mesmo. Sequer emitiu um comentário sobre o fundo musical neuroticamente repetitivo. Não adiantou nada. Foi embora com beijinhos e tudo. Ela optou por mandar uma carta encerrando o namoro. Estão casados desde então.
Desconfio que se colocar qualquer clássico para acalmar os meus cachorros e evitar que chacinem minhas galinhas, o esporte preferido deles, não vai adiantar nada. O mais seguro seria colocar um som eletrônico, tipo bate-estaca, bem alto para espantar as penosas para bem longe de feras residentes.
Também não sei o que faço com os vinhos que consumo habitualmente. Como resolver, por exemplo, a questão do premiado Rio Sol? É um dos vinhos servidos ao Papa Bento XVI quando visitou o país e feito numa vinícola à beira do rio São Francisco, Pernambuco. Devo degustar esse vinho, um Cabernet-Shiraz, ao som de um baião, de um coco, de um afoxé, frevo, jongo, maracatu, ou quem sabe de um xaxado, um batucajé? Um perigo arriscar.
Enfim, amigas, cada enólogo com a sua mania. A leitora tem alguma particular preferência musical quando degusta um vinho? Ou o som que prefere é o do papo entre amigos ao redor da mesa? Conte para nós aqui.
Da Adega.
Sabores do Sul da França
. Não vamos esquecer que o festival Sabores do Sul da França termina dia 17, depois de amanhã. Ele acontece em 45 restaurantes do Rio, Niterói, Búzios e Petrópolis, onde harmonizarão vinhos do Languedoc-Roussillon com a gastronomia de cada casa. Só tem feras da cozinha francesa no festival: Troisgros, Roland Villard, Olivier Cozan, e muitos cobras nacionais. Saiba mais com a Juliana (juliana.castanheira@approach.com.br).
Etchart Cosecha Tardia no Brasil. A Pernod Ricard está lançando no mercado o Etchart Cosecha Tardia (“Colheita Tardia”, um vinho doce natural), da
Bodegas Etchart, fundada em 1890, uma das mais antigas da Argentina. O vinho já chega premiado (o único colheita tardia medalha de ouro na feira Vinhos & Bodegas de Buenos Aires. Utiliza as uvas Torrontés, de origem espanhola, parenta da Moscato, é a variedade de uva branca mais utilizada naquele país. Uma preciosidade.
O Etchart Cosecha Tardia vem com um amarelo ouro brilhante, um buquê de flores e frutas intenso e complexo, além de notas de rosas, jasmim, pêssego e frutas cítricas. Você não pode perder. Mais informações no site da
Pernod Ricard ou através do SAC: 0800 014 20 11.

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