16.3.11

A rolha do rosé

Foi na loja, comprou dois vinhos e, em casa, tentou abrir um deles, o rosé, não conseguiu. Tentou três vezes e nada. A consumidora achou um site de reclamações e botou a boca no trombone. A vinícola prontamente respondeu e já está providenciando a troca das garrafas.

Isso aconteceu agora, em março. A consumidora, de Praia Grande, SP, comprou dois vinhos da Salton: um branco e um rosé, o mesmo com a rolha emperrada. A praiagrandense teve o cuidado de informar o número do lote, L1025115, nesse caso mais importante do que a safra, pois permite que o fabricante identifique das uvas, aos tanques, à linha de produção (onde engarrafam, colocam os rótulos e as rolhas).

A consumidora depois das tentativas de abrir o rosé, nem tentou fazer o mesmo com o branco, temendo quebrar a garrafa ou danificar a rolha. Quanto ao problema propriamente: a consumidora notou que “existe uma pressão muito grande entre a garrafa e a rolha”.

A Salton respondeu imediatamente, através de sua Coordenadora de Qualidade. A empresa investigou o lote e nenhum problema foi revelado. Suspeita que tenha havido alguma variação no tratamento da rolha e já pediu que seu fornecedor de rolhas e também do de garrafas estudem o problema.

A vinícola já está providenciando a troca das garrafas e para isso se dispõe a ir até a casa da consumidora. As duas partes estão de parabéns: a paulista por protestar e fazer isso de modo eficiente (dê uma olhada no Reclame Aqui). Ela estava no direito dela, o produto não “funcionava”, explicou seu problema civilizadamente, sem bate-bocas etc.

De parabéns também a Salton, que não discutiu, procurou rapidamente responder à sua consumidora e de modo a satisfazê-la. É um pessoal experiente e sabido, que não quer outra coisa senão deixar seus consumidores satisfeitos. Não é à-toa que tem 101 anos de existência, é uma das maiores vinícolas brasileiras, com vinhos premiados em todo o mundo. E, claro, depende dos consumidores. E olha que produzir vinhos no Brasil é pra lá de espinhoso. (Veja a entrevista da sommelier Ione Fiuza ao Estadão) o nada fácil.

Pois então. Queria mesmo era falar do problema da rolha. O Chalise Rosé é o que chamam de “vinho base”, um vinho de mesa simples, a garrafa não passa dos R$ 10,00 nos sites de compra online que pesquisei. E deve utilizar rolhas sintéticas, de plástico. O meu palpite é esse: se a rolha é de plástico o problema é esse. As rolhas sintéticas têm essa mania: deixar meio mundo furioso.

“Produtores de vinho do mundo, por favor, por favor, por favor, parem de usar rolhas de plástico. São de deixar qualquer furioso”. Isso foi dito pela maior crítica de vinhos do mundo e, repito mais uma vez, minha guru, Jancis Robinson. Ela diz que já ter de usar um saca-rolhas para tirar as tampas de cortiça natural é um tanto bizarro.

“Agora, temos esse problema dos danos causados aos saca-rolhas por essas rolhas de plástico. Na minha experiência, as rolhas sintéticas são muito mais relutantes em deixar os gargalos das garrafas do que suas companheiras naturais”.

Não podemos identificar que tipo de rolha um vinho usa, cortiça ou plástico, pois teríamos de retirar a cápsula que a envolve. Para retirar a cápsula teríamos de comprar o vinho. E aí já era. Ficamos como a praiagrandense: frustradas, no mínimo.

Tá bom que os produtores tenham buscado tampas alternativas para o problema da “doença da rolha” ou da incidência de TCA (tricloroanisole), um fungo que provoca odor desagradável na bebida. Falam que esse problema ataca entre 5 e 6% das rolhas. Jancis Robinson fala entre 3 e 4%. É muita coisa. Daí que os produtores buscaram alternativas. As principais são as rolhas sintéticas, como a supostamente utilizada pelo rosé dessa história, e as de rosca metálica.

Li numa reportagem do Wall Street Journal que o mercado de tampas hoje está no seguinte pé: as naturais (de cortiça) continuam na liderança; em segundo lugar temos as de plástico, personagem dessa coluna, com consideráveis 20% (e olha que elas só estão no mercado há doze anos). Em terceiro, com 11%, temos as roscas metálicas.

O caso é que já foi demonstrado que o tal do TCA pode ser originário não apenas de rolhas de cortiça, mas de outras fontes numa vinícola, como por exemplo, estante ou caixas de madeira.

Existem estudos sérios demonstrando que as sintéticas começam a deixar o ar penetrar na garrafa depois de apenas 18 meses. Acho que o sucesso do sintético é o econômico: uma rolha de cortiça custa pelo menos 300% mais do que uma de plástico. Já as roscas metálicas tem preço unitário igual ao das sintéticas com a vantagem de dispensarem a cápsula sobre o gargalo.

Ambas, porém, não são biodegradáveis, ao contrário das de cortiça. Esse um ponto negativo pra lá de considerável.

Mas chega de dar palpites na reclamação alheia. Acho que o que mais me atraiu nessa história foram as uvas que compõem o Chalise Rosé. Preciso conhecê-las já: Isabel, Herbemont e Seyve Villard. São todas híbridas, americanas. Não figuram no Olimpo das uvas, são Gatas Borralheiras, mas valiosas. Sem elas, os americanos, por exemplo, jamais teriam bons vinhos. Europeus imigraram para a América, trouxeram algumas mudas, fizeram enxertos, casamentos de espécies e conseguiram a base para terem a Vitis Vinifera lá. Aqui também aconteceu o mesmo.

A Isabel é uma tinta híbrida, parte Vitis Vinifera (europeia) e parte Vitis Labrusca (americana). De longe, a uva mais plantada no Brasil, aonde chegou no século 19. Muito resistente e fértil, é usada para sucos, geleias. E vinhos.

A também tinta Herbemont é uma variedade americana (Vitis Bourquina), ora chamada de “Borgonha”, ora de “Belmonte”, é originária inicialmente da França, mas que chegou aqui depois de adaptada nos EUA. Dá vinhos brancos e também é base para destilados. A Herbemont, por sinal, tem o nome do primeiro grande vinicultor americano, Nicholas Herbemont (1771-1830), um imigrante francês que conseguiu fazer vingar híbridas de origem europeia no solo americano.

A branca Seyve-Villard é outra híbrida, resultado do cruzamento da Seibel 5656 e Seibel 4986. Muito utilizada entre nós para a produção de brancos. Mais uma vez, sua origem é europeia. É uma híbrida francesa criada por Bertille Seyve e Victor Villard.

Vai ver, a rolha é de cortiça mesmo e o problema é outro. Se for de plástico, como penso, vou tentar retirá-la. Se não conseguir, imito a praiagrandense.

Da Adega

Abrindo garrafas. Veja no youtube vários métodos para abrir uma garrafa de vinho sem o saca-rolhas.

Ragù alla Bolognese. Saiba como fazer esse delicioso prato, interpretado pelo chef Newton Figueiredo. E qual o vinho escolhido para acompanha-lo. Repare no saca-rolhas utilizado pelo sommelier Manuel Luz.

E bom apetite.

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