2.7.11

A cor do xixi

Lei & Vinho. Matéria recente da revista Wine Spectator informa que os crimes do vinho acabam de entrar da cultura pop, mais precisamente em séries de sucesso da TV americana. Num episódio de Law & Order: Criminal Intent deste mês, temos o assassinato de um importador de vinho, logo após ter vendido falsas garrafas de Bordeaux datadas do século 18 e com iniciais de George Washington gravadas.
Em capítulo também recente de White Collar (Crimes do Colarinho Branco) acontece um assassinato quando dois falsificadores tentam uma garrafa de Bordeaux, também do século 18 – garrafa essa que supostamente teria sido presenteada por Marie Antoinette a Benjamin Franklin. Já em Bones, o corpo de um crítico de vinhos é encontrado num barril de Cabernet Sauvignon.
Os falsos Bordeaux do século 18 são uma clara referência ao escândalo das garrafas de Thomas Jefferson, quando em 1985 a bilionária família Forbes arrematou um Château Lafite 1787 supostamente pertencente a Thomas Jefferson, o terceiro presidente norte-americano. Foi a garrafa mais cara até hoje vendida: US$ 156.000,00, num leilão da Christie’s, em Londres. Mas tudo indica que a garrafa era falsa.
Nas duas primeiras séries, temos dois dos “pais fundadores” dos Estados Unidos: George Washington, o primeiro presidente, e Benjamin Franklin, diplomata, inventor, um dos líderes da Revolução Americana.
Thomas Jefferson, o terceiro dos “pais fundadores” aparece no Lafite 1787. Fazia parte de uma coleção de garrafas de 200 anos de idade, pertencentes a um alemão negociante de vinhos, Hardy Rodenstock. Diz ele que descobriu essas preciosidades escondidas numa adega em Paris, cujo endereço ele se recusa a revelar. As garrafas tinham gravadas as iniciais de Thomas Jefferson, “Th.J.”
Além de Forbes, muitas dessas garrafas de Jefferson foram compradas também em leilão por um bilionário da Florida, William Koch, que começou a suspeitar sobre a autenticidade delas e envolveu a Scotland Yard e até um ex-agente do FBI para investiga-las e tentar alguma luz nessa adega. Por exemplo: as inicias do estadista foram gravadas por algo como uma broca de dentista, inexistente no século 18.
O mistério e as ações legais continuam até hoje. Bill Koch tem tempo e dinheiro e é teimoso. Possui uma adega com 43 mil rótulos e estima que tenha investido entre quatro e cinco milhões em vinhos falsificados. O negociante alemão tem se mostrado uma senhora raposa, difícil de pegar. Essa história já rendeu até um delicioso livro, “The Billionaire’s Vinegar: The Mystery of the World's Most Expensive Bottle of Wine”, de Benjamim Wallace. Não é mistério algum que os bilionários que compraram esse Lafite experimentaram vinagre, mesmo sem beber do vinho.
Nada disso é muito novidade. Por exemplo, a série inglesa Hustle (“O Golpe”, aqui), no ar desde 2005, apresenta um time de vigaristas londrinos cuja característica é só dar golpes em outros vigaristas, um jeito meio Robin Hood de ser. Num dos capítulos (de 2007, se não me engano), descobrem que a gerente de um abrigo para idosos está roubando dos velhinhos. Acontece que ela tem um calcanhar-de-aquiles: adora vinhos, desde que muito caros. E conseguem enganá-la com um Yquem de 1787 avaliado em US$ 8.000,00. Reparem que a safra é o fatídico 1787, ano em que Jefferson servia como embaixador na França. Sabe-se que foi um verdadeiro amante e conhecedor de vinhos – de grandes vinhos.
Diferente de Jefferson, a maioria dos entusiastas do vinho mal sabem distinguir entre uma imitação, mesmo bem feita, e um original. Os crimes de falsificação existem há muitos e muitos séculos. Vão desde forjar rótulos, substituir o conteúdo de garrafas (até comprando garrafas vazias de vinhos cult de sommeliers) e rolhas do que antes foram vinhos caríssimos. Por falar nisso, o eBay vende garrafas vazias de Lafite, Latour e outros vinhos cult bem baratinhas.
A legendária Berry Brothers & Rudd, casa inglesa que negocia vinhos desde 1698 não compra vinhos com safra anterior a de 2000; só oferece os que existem em seus vastos depósitos.
Em dois dos episódios citados, pessoas são assassinadas, o que não é muito comum acontecer no mundo dos vinhos. Mas os crimes atingem trepidantes níveis de filmes de ação e suspense. Recentemente, tentaram extorquir o mais famoso (e caro) vinhedo do mundo: o Domaine de La Romanée-Conti, na Borgonha. Ou pagavam um resgate milionário ou os vinhedos seriam envenenados. Como prova disso, algumas parreiras foram danificadas. A carta pedindo o resgate demonstrava que o chantagista conhecia bem o vinhedo. Mas, como todos os golpistas, esse precisava mais de grana do que tinha talento. E foi pego justamente ao tentar apanhar a mala de dinheiro com o resgate pretendido. A entrega foi num cemitério. Tchan, tchan, tchan!!!
Em tempos de grandes vendas, como agora, com o boom asiático, onde um milionário chinês compra um Latour 1961 por 200 mil dólares (e provavelmente vai bebê-la com Coca-Cola) dá para entender porque os falsificadores estão a todo o vapor.
O encarregado das investigações sobre os vinhos do bilionário da Flórida, Brad Goldstein, revela que os Bordeaux e uns poucos Borgonha estão entre os vinhos mais falsificados do mundo. Os rótulos mais visados seriam:
Château Cheval Blanc 1947 (existem mais garrafas desse vinho no mercado do que a vinícola produziu), Château D’Yquem 1811 (esse lendário Sauternes só chegou ao mercado em 1970; talvez o 1811 tenha sido produzido pela raposa alemã); Mouton Rothschild 1924 (esse foi o ano em que pela primeira vez a vinícola engarrafou seus vinhos; evidente que as centenas de garrafas com safras anteriores a 1924 e constando no rótulo que o vinho foi engarrafado na vinícola são falsas); Pétrus 1924 (é um dos favoritos dos fraudadores, criando cápsulas com a cor errada e rótulos feitos com papel artificialmente envelhecido) e o grande Domaine de la Romanée-Conti La Tache 1952 (é o alvo preferido dos falsários, quando buscam um Borgonha para vender).
Acabaram-se os tempos em que os filmes destacavam mais cerveja e uísque, geralmente envolvendo a Máfia, a Lei Seca etc. O vinho é a bebida da vez, talvez em razão de sua maior presença em todo o mundo e de sua história e imagem um tanto exclusivista. Isso é igual e mais lucros para o crime, morador mais antigo nesse cenário.
E se os vinhos fossem falsificados antes mesmo de fermentarem? E se, nesse caso, não existissem “bandidos” no sentido mais comum do termo?
Um vinho qualquer coisa. Já pensou em tomar um vinho fluorescente? Pegaram um gene de água-viva (a medusa) e o transferiram para a folha de uma parreira, mais precisamente da Vitis vinifera - a mais cultivada para a produção de vinhos finos em todo o mundo.
Pois esse gene fez com que a folha da parreira ficasse brilhando: um verde de letreiro de néon, sob uma luz ultravioleta. Não duvide, amiga, que daqui a pouco, transferem esse gene para uma uva e veremos uma garrafa de vinho brilhando na prateleira.
O autor dessa proeza é o Dr. Dennis Gray, professor de biologia desenvolvimentista da Universidade da Flórida, Estados Unidos. E infelizmente seu interesse principal é a uva. O “pai das parreiras brilhantes” acha que a parte mais difícil de suas pesquisas está mesmo é na indústria e nos consumidores, relutantes em aceitar vinhos geneticamente modificados.
Já existe um fermento geneticamente modificado, o ML01, criado em 2006 por outro biólogo, da Universidade de Colúmbia. O ML01 é o único organismo geneticamente modificado aprovado para uso comercial por vinicultores pelos Estados Unidos, Canadá, Moldávia e África do Sul. Em todo o resto do mundo está proibido. Essa cepa permite que se realize de uma só feita, a fermentação alcoólica e a malolática, encurtando o tempo de processamento do vinho: menos tempo, menos dinheiro.
Falam que com cepas geneticamente modificadas poderão tirar mais aromas e sabores dos vinhos. O que você acha, amiga? Se fermentos geneticamente alterados se espalharem, o vinho vai virar de vez um produto manufaturado, mais um refrigerante no mercado. Todos terão os mesmos sabores. Tudo o que o vinho tem de natural, tudo o que resulta de uma dádiva da natureza, onde o homem sempre teve muito pouco o que fazer; todas as características do lugar de origem, do famoso “terroir”, que dão aos vinhos qualidades exclusivas se perderiam.
Em troca, poderíamos ter vinhos “fashion”, mais amarelos, laranjas e vermelhos para o verão, mais violetas, cinzas e marinhos para o inverno. Talvez, nossas bochechas ficassem também amarelas (ou cinzas etc.) e todos saberiam que vinho bebêramos. Um show.
E toda essa artimanha genética teria a capacidade de transformar o vinho numa bebida qualquer, que deixaria como única lembrança não os seus aromas e sabores, mas a cor e o brilho do nosso xixi.
Da Adega
Aurora leva ouro em Bordeaux. A Vinícola Aurora conquistou três prêmios no 11º concurso Les Citadelles Du Vin, durante a maior feira de vinhos do mundo, a Vinexpo, realizada em Bordeaux, França. No concurso, realizado de 28 a 30 de maio com o apoio da Organização Internacional da Uva e do Vinho (OIV), teve a participação de mais de 300 appellations, 76% delas fora da França, 20 países representados, o que garantia diversidade. O júri foi formado por mais de 70 especialistas internacionais, aprovados pela OIV.
A Aurora recebeu medalha de ouro com o seu Marcus James Brut e medalha de bronze com o Espumante Aurora Chardonnay Brut, além de um prêmio especial, conferido ao produto que obtém maior pontuação entre os inscritos pelo país. Saiba mais.

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