13.9.07

Esqueceram das brancas!

A uva vinífera pertence ao gênero Vitis na classificação botânica. E ela é organizada por divisão, classe, ordem e família. Com relação às suas vinhas, o gênero Vitis apresenta inúmeras espécies. As mais comuns são a Vitis vinifera, Vitis labrusca, Vitis aestivalis, Vitis rotundifolia e Vitis editorialis (produtora da famosa casta Diniz).
Mas onde queríamos chegar mesmo é que essas uvas crescem em plantas perenes, em cachos, e se apresentam em quase todas as possíveis cores: dourada, verde, púrpura, vermelha, marrom, pêssego, branca, preta, azul, rosa etc.
As uvas brancas derivam das tintas. Através de uma mutação, as antocianinas não são produzidas nas brancas. As antocianinas são parte de um grupo de fenóis responsável pela cor das uvas tintas e pretas. São pigmentos comuns no mundo das plantas e respondem pelas cores de vermelhas a azuis nas folhas, frutos e flores. A palavra vem do grego anthos (flor), mais cyan (azul).
Essa antocianina é também uma das substâncias responsáveis pelos efeitos benéficos da uva e do vinho para a nossa saúde. Veja reportagem sobre as experiências do professor Roberto Soares de Moura, no Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes.
A crítica americana Jennifer Jordan comenta que “a ausência de antocianinas deixas as brancas, assim, brancas e metaforicamente vermelhas de inveja”. Isso porque aparentemente as tintas tenham conquistado a preferência do consumidor, em princípio devido a sua associação com a saúde. Talvez não tão vermelhas e nem tão invejosas, assim.
Até fins de 80, as brancas imperavam e a Chardonnay era sem dúvida a rainha de todas as uvas. Mas a campanha “vinho-tinto-faz-bem-à-saúde” não parou desde a história do Paradoxo Francês.
Em novembro de 1991, o programa de TV da norte-americana CBS apresentou uma reportagem sobre a correlação do consumo francês de vinho tinto e baixa taxa de doenças cardíacas na França. No mundo todo, em particular na América, uma multidão correu para as lojas para se abastecer de vinhos tintos, cujas vendas cresceram imediatamente 44%. Essa correlação ficou conhecida como Paradoxo Francês.
E a impressão que se tem hoje é a de que até os críticos de vinho se esqueceram das brancas.
Assim, a partir daquela data, os viticultores mudaram de lado e começaram a plantar as tintas da moda, primeiro a Cabernet Sauvignon e na seqüência a Syrah/Shiraz e depois um bando de outras.
A Master of Wine Jancis Robinson (que voltará ao Brasil em outubro para um evento enograstronômico em São Paulo) analisa esse fenômeno.
“O resultado disso é que em muitas regiões, contudo, tem havido escassez de uvas para a produção de vinhos brancos, porque durante todo esse tempo e apesar de todas as colunas de vinho em jornais e revistas dedicarem-se substancialmente aos tintos a demanda pelos vinhos brancos tem permanecido sólida”.
Até hoje, nos Estados Unidos, nota a crítica inglesa, apenas quatro entre dez garrafas são de tintos. Na Inglaterra, importante mercado para vinhos de todo o mundo, o branco vende bem mais que o tinto. E o mesmo acontece em outro grande importador, a Alemanha. Na Austrália, mesmo com todo o frenesi em torno dos tintos, se consome mais brancos do que tintos. E o quadro na África do Sul é bem parecido. Já no Brasil, a produção de brancos (considerando-se apenas dados do Rio Grande do Sul, segundo a Embrapa) é um pouco maior que a de tintos: 15.273.937 litros de brancos parados mais espumantes contra 13.335.764 de tintos. É inegável a nossa vocação pelos brancos.
“Uma análise do que se lê”, comenta a crítica inglesa, “sugere que vivemos numa era em que só tintos são bebidos”.
Nas lojas de qualquer lugar, o que mais se vê é vinho tinto. Enquanto os tintos são bastante promovidos, os brancos são vendidos sem aviso prévio, quase que às escondidas. Na maioria das adegas domésticas, a maior quantidade é, quase sempre, de vinhos tintos. Servem branco quando a sogra, a madrinha, a mamãe ou qualquer rabo-de-saia visitam.
“É uma situação bizarra”, diz Jancis Robinson, “se consideramos a evolução de nossos paladares culinários”. Ela se refere aos pratos clássicos para combinar com vinhos tintos, quase que a totalidade recomendando carne vermelha, muita carne vermelha. “Mas isso parece que está em queda”.
“Hoje, estamos comendo mais leve: mais peixe, mais vegetais e saladas e mais pratos picantes – nada disso combina com os tintos”. Muita gente ainda insiste em recomendar vinho tinto para fazer par com queijos. Aqui, sempre recomendamos vinhos brancos: não tem cabimento combinar uma bebida mais potente com queijos, igualmente potentes, gordurosos, fortes.
E ainda temos o aquecimento global, onde os brancos e rosados vão pontificar mais que os tintos. Pudera, são opções bem mais refrescantes em ambientes mais quentes.
Outro argumento a considerar é o de que os brancos podem ser tão “sérios”, ter qualidade equivalente à dos tintos. A crítica comenta que sempre se perguntou, por exemplo, porque se convencionou que as taças de vinho branco sejam menores que as de tinto. “Isso quando os brancos encorpados se beneficiam da aeração tanto quanto os tintos. Eu decanto vinhos brancos e reconheço que parecem bem mais bonitos num decantador, cintilantes, dourados – mais apetitosos do que os escuros tintos”.
Jancis observa que uma volta aos vinhos brancos de qualidade está acontecendo já há algum tempo na França, Itália, Espanha e Portugal.
E, de olho no aquecimento do planeta, acredita que estamos para assistir a uma nova revolução: a da explosão dos vinhos rosados, que já está ocorrendo lá fora e aqui.
A amiga vota em que partido: dos brancos, rosados ou tintos?
Da Adega.
Jancis de volta
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