18.3.09

A taça respirante

Por fim, conheci a “Taça Respirante”: ele “respira” e ainda tem o particular poder de arejar a bebida em no máximo 4 minutos, enquanto um decantador faria o mesmo em 2 horas.
A primeira vez que soube alguma coisa dela foi numa nota sobre o 25º aniversário da Wine Advocate, do guru Robert Parker, um evento realizado em 2004 no campus da Califórnia do famoso CIA, Culinary Institue of America (Instituto de Culinária da América). O lançamento da taça nesse evento foi um manhoso golpe de marketing, uma tentativa de misturar a imagem da taça com a do maior crítico de vinhos do mundo
Essa novidade é produzida pela Eisch, fabricante de artigos de vidro, que existe desde 1946 na Bavária, Alemanha.
Novidade, em termos, pois a Riedel, austríaca, hoje se não a maior produtora de taças de vinho do mundo, sem dúvidas a mais famosa e premiada, já processou a Eisch, em 2007, por entender que a tal taça que respira não passa de um truque de mercadológico. Pelo que sei, o processo ainda rola pelos tribunais alemães.
Mas, afinal, o que é a “Taça Respirável” (a melhor tradução que consegui para o nome que deram ao produto: “breathable”)? No seu site, a Eisch explica que adota um processo que chama de “tratamento oxigenante”, cujo resultado é justamente esse: tornar possível arejar o vinho em poucos minutos.
Só fui conhecer a milagrosa taça agora, na casa de amigos aqui da Serra. Eles foram presenteados com meia dúzia delas e resolveram fazer um teste. Convidada, lá fui eu experimentá-la.
Combinou-se que o teste seria cego: eu e mais três convidados teríamos os olhos vendados e experimentaríamos dois vinhos (só revelados ao final da prova): dois Pinot Noir, um chileno e outro neozelandês.
É inegável que o tamanho e o formato das taças têm grande impacto sobre os aromas (no caso, o bouquet) da bebida. Não nego que a qualidade e intensidade dos aromas são, claro, determinados pela personalidade do vinho e podem ficar mais evidentes em razão do formato da taça, em particular se ele tiver um volume maior.
Nelas os vinhos devem, claro, ser servidos nas temperaturas corretas, pois o bouquet só se desenvolve em limites curtos de temperatura (muito baixa, ela reduzirá a intensidade da bebida; muito altas vai promover mais é a evaporação do álcool). As quantidades certas nas taças são igualmente importantes: mais ou menos 90 mililitros para os brancos e 150 ml para os tintos.
O teste seguiu todas essas recomendações. Utilizaríamos três taças: a Eisch, a Riedel e a Spiegelau, todas para vinhos de Bordeaux, todas de formato e volume similares. Esperamos quatro minutos (tempo em que a Eisch teria produzido o seu misterioso efeito decantador) e experimentamos os vinhos.
Um participante percebeu melhoras com a taça Eisch. Os restantes, eu inclusive, não percebemos diferenças, sejam para melhor ou para pior. Ou seja, os dois Pinot saíram-se bem em qualquer uma das taças utilizadas. Eram vinhos jovens, em taças de grande volume, com boa capacidade de aeração. Logo, natural que tenham se saído bem. E olha que as Riedel e Spiegelau também guardaram o vinho pelos recomendados 4 minutos.
Só restou um mistério, que ninguém foi capaz de resolver. A taça “respirante” da Eisch tem poderes de arejar um vinho rapidamente porque, segundo o fabricante, passa por um intrigante “Tratamento Oxigenante”. É esse misterioso processo que torna a taça “respirante”. Mas não consegui decifrá-lo.
Procurei no site da Eisch e não encontrei uma explicação. Que tecnologia é essa, através da qual o vidro passa por um “tratamento oxigenante” que transforma a taça numa máquina de amadurecer vinhos. Numa determinada parte do site, a Eisch afirma que “A Taça Respirante simplesmente acelera fortemente a reação do vinho com o oxigênio da atmosfera”.
Mas não é isso que qualquer taça de vinho bem projetada faz, acelerar a absorção do oxigênio?
Nunca fui muito boa aluna de física e química, mas acho impossível que uma taça de vinho possa ser apresentada como “respirante”, ou seja, capaz de liberar oxigênio no seu conteúdo. Será que ela possui alguma membrana permeável? Se não, qual a química (ou a alquimia) que a torna capaz de liberar oxigênio no vinho (e isso sem sofrer a osmose reversa)?
E se eu a utilizasse com um vinho muito maduro, digamos que um Bordeaux de 20 anos? Se a promessa que ela faz é verdadeira, o vinho viraria vinagre em segundos (pois o leitor sabe que vinhos muito velhos, após abertos devem ser imediatamente consumidos, pois estão muito mais sensíveis ao oxigênio do que o mais jovens).
Voltei para casa um pouco menos respirante.

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