Quando menina, Páscoa era uma festa doce. Lá estava eu em busca de um escondido “ninho” de coelho e nele um imperdível ovo de chocolate. E às vezes até mais do que um, quando o meu comportamento era ainda bem avaliado. Já maior, admitida na mesa dos adultos, a festa era claramente salgada. Os doces aconteciam ao final na forma de bolos ou tortas. E os meus queridos ovos de chocolates ficavam no esquecimento. Crescer é um problema.
Hoje quando falo de Páscoa, estou tentando harmonizar peixes e vinhos, na maioria das vezes. Ou vinhos e carnes, principalmente presuntos. Tudo dependendo dos costumes de quem está nas mesas.
Mas e os chocolates, foram mesmo esquecidos? Afinal, como é que eles entraram nesta festa?
Páscoa é uma festa religiosa de origens pagãs. A cristã que celebra a ressurreição de Jesus. A palavra deriva de Pessach, a Páscoa Judaica, que festeja a fuga dos judeus da escravidão no Egito, há uns 3.500 anos. O hebraico Pessach significa “passagem”. O anjo “passava” sobre as casas dos judeus, devidamente sinalizadas. Evitava-as, poupando os primogênitos que nelas habitavam. Mas levando os primogênitos egípcios. Depois dessa praga, o faraó egípcio permitiu a partida dos judeus cativos para a sua terra prometida.
Os espanhóis chamam essa festa de Pascua, os italianos de Pasqua, os franceses de Pâques. Na maioria das línguas a origem é a mesma. Do hebraico Pessach, pelo grego Páscha e dele pelo latim Pascha.
Mas em inglês o nome é Easter, completamente divorciado das raízes hebraicas, gregas ou latinas.
Na antiguidade, os povos observavam o sol, que ora se mostrava bem vivo e atuante. Mas que parecia morrer no inverno. Assim, criavam-se rituais tentando devolvê-lo à vida. No inverno, em muitas partes do mundo, a vegetação não cresce, é tempo de escassez. Sem o sol, nada feito. Com ele, temos as estações do ano, o ciclo anual das plantações, no qual a vida se renova a cada primavera.
E na maioria das civilizações antigas esse processo mágico de ressurreição após a morte foi ligado a entidades sobrenaturais, a deuses e deusas. O Sol era visto como o elemento masculino fertilizante. E não poderiam faltar nas religiões deusas da fertilidade, celebradas compreensivamente na primavera.
Na Grécia antiga, Perséfone era a deusa do mundo subterrâneo, que retornava à superfície toda à primavera trazendo fartas colheitas, abundância para o mundo dos vivos.
Os fenícios tinham Astarte e os babilônios Ishtar, cuja lenda dizia que nasceu de um ovo lançado no Eufrates. Além da fertilidade, Ishtar era guerreira. Tal como Esther, a rainha judia que salvou todos os hebreus de um governante persa, que pretendia matá-los, assim como Moisés salvou seus irmãos dos egípcios. Se o Pessach lembra o feito de Moisés, a festa do Purim celebra a valentia de Esther. Mas em ambas o ponto fundamental a luta pela sobrevivência, a luta pela vida.
Bem mais tarde, aparece Eostra, a deusa da fertilidade dos celtas, cujos símbolos eram o ovo e o coelho. O ovo indicava a promessa de vida e o coelho a fertilidade.
O culto a Eostra foi adaptado quando alemães e anglo-saxões se converteram ao cristianismo. É por isso que, ao contrário de outras culturas européias, os ingleses e alemães dão o nome da maior data cristã a essa deusa. Eostra virou Easter em inglês e Ostern em alemão.
E ovos naturais coloridos eram presenteados. E, a partir do século 18, foram disseminados por todo o mundo, mas feitos de chocolate. A sobrevivência ficou bem mais doce.
E os vinhos?
Se a mesa está mais para as tradições de nosso hemisfério, onde os peixes são dominantes, temos muitas opções:
- para o tradicional bacalhau seco e salgado, ficamos com a tradição: tintos portugueses do Dão e Douro, de preferência não muito jovens (os taninos vão brigar com o sal).
- para filés (pescada, linguado, robalo) feitos na manteiga, minha primeira indicação é um Sancerre, o famoso e delicado branco feito com a Sauvignon Blanc, no Vale do Loire. Ou um Chardonnay nacional (o Casa Valduga Premium Chardonnay 2004, por exemplo). De um modo geral, os brancos secos são uma escolha mais adequada.
Quanto ao chocolate, o problema é mais sério. A regrinha básica para harmonizarmos vinho com doces é a de que o vinho deve ser mais doce do que o alimento. O açúcar produz uma espécie de efeito de entorpecimento em nossas papilas gustativas, impedindo que possam captar a sutileza dos sabores do vinho. Quanto mais doce é a comida, menos sabores você perceberá em seu vinho.
A minha sugestão seria um Recioto della Valpolicella. É um vinho feito em Valpolicella, na região do Veneto, Itália, com as uvas Corvina, Corvinone, Rondinella e Molinara. Deixam secar as uvas no tempo até que se transformem em passas. Nesse momento, são prensadas e levadas a fermentar. Mas fermentam de modo natural, sem intervenções humanas. Se ao final do processo, o fermento ganha do açúcar temos o famoso Amarone, um vinho seco. Mas se o açúcar ganha, ficamos com o não menos delicioso Recioto. Contudo, não é um vinho muito fácil de achar e também com preço amistoso.
Tentaria opções com vinhos fortificados: Porto, Banyuls, Jerez, Madeira, Marsala, Moscato d’Asti.
Já experimentei um Espumante Moscatel Processo Asti, da Casa Perini, no Vale Trentino, bem perto de Farroupilha e de Caxias do Sul, RS. E deu muito certo no paladar e na carteira.
Hoje, basta entrar num supermercado para ver as pegadas de coelho levando à barraquinha dos ovos de chocolate, uma simpatia que me faz lembrar os tempos em que eu ainda podia me entupir com essa herança de uma daquelas deusas - devidamente reformada por esperto comerciante dos tempos modernos.
O que importa é que a Páscoa festeja a vida. E isso merece sempre ser brindado. De preferência com um vinho.
Da Adega
ABS lança curso de formação profissional. Mesmo que você não trabalhe no mercado de vinhos poderá fazer o curso de formação profissional da Associação Brasileira de Sommeliers-SP, que completa 20 anos em 2009. Com início para 7 de maio próximo, terá quatro módulos seqüenciais. O primeiro vai de maio a dezembro (base teórica: viticultura, vinificação, degustação etc.). O segundo, de janeiro a junho de 2010 (viagem virtual por todos os países produtores do mundo, com degustação e análise dos vinhos representativos dos países produtores).
A partir daí, os alunos poderão escolher entre dois novos módulos: o de Marketing e Estratégias de Vendas em Vinhos. E o do Serviço do Vinho. O primeiro se destina a quem pretende operar no mercado de vinho como consultor; o segundo vai formar especificamente sommeliers. Completado essa última etapa, prestarão exame para qualificar-se como Sommelier Profissional pela ABS, único título emitido no país reconhecido internacionalmente e que conta com o aval da Alianza Panamericana de Sommeliers, presidida por Danio Braga, que também preside da ABS nacional.
O curso continua sendo dirigido para quem já trabalha ou pretende trabalhar no mercado de vinhos. Mas agora, foi aberta a chance para aqueles que querem aprimorar seus conhecimentos.
As inscrições já estão abertas na secretaria da Associação Brasileira de Sommeliers-SP. O endereço é Avenida Faria Lima 1800, oitavo andar, telefone (11) 3814-1269. O programa completo dos dois primeiros módulos pode ser consultado no website da ABS-SP: www.abs-sp.com.br
Hoje quando falo de Páscoa, estou tentando harmonizar peixes e vinhos, na maioria das vezes. Ou vinhos e carnes, principalmente presuntos. Tudo dependendo dos costumes de quem está nas mesas.
Mas e os chocolates, foram mesmo esquecidos? Afinal, como é que eles entraram nesta festa?
Páscoa é uma festa religiosa de origens pagãs. A cristã que celebra a ressurreição de Jesus. A palavra deriva de Pessach, a Páscoa Judaica, que festeja a fuga dos judeus da escravidão no Egito, há uns 3.500 anos. O hebraico Pessach significa “passagem”. O anjo “passava” sobre as casas dos judeus, devidamente sinalizadas. Evitava-as, poupando os primogênitos que nelas habitavam. Mas levando os primogênitos egípcios. Depois dessa praga, o faraó egípcio permitiu a partida dos judeus cativos para a sua terra prometida.
Os espanhóis chamam essa festa de Pascua, os italianos de Pasqua, os franceses de Pâques. Na maioria das línguas a origem é a mesma. Do hebraico Pessach, pelo grego Páscha e dele pelo latim Pascha.
Mas em inglês o nome é Easter, completamente divorciado das raízes hebraicas, gregas ou latinas.
Na antiguidade, os povos observavam o sol, que ora se mostrava bem vivo e atuante. Mas que parecia morrer no inverno. Assim, criavam-se rituais tentando devolvê-lo à vida. No inverno, em muitas partes do mundo, a vegetação não cresce, é tempo de escassez. Sem o sol, nada feito. Com ele, temos as estações do ano, o ciclo anual das plantações, no qual a vida se renova a cada primavera.
E na maioria das civilizações antigas esse processo mágico de ressurreição após a morte foi ligado a entidades sobrenaturais, a deuses e deusas. O Sol era visto como o elemento masculino fertilizante. E não poderiam faltar nas religiões deusas da fertilidade, celebradas compreensivamente na primavera.
Na Grécia antiga, Perséfone era a deusa do mundo subterrâneo, que retornava à superfície toda à primavera trazendo fartas colheitas, abundância para o mundo dos vivos.
Os fenícios tinham Astarte e os babilônios Ishtar, cuja lenda dizia que nasceu de um ovo lançado no Eufrates. Além da fertilidade, Ishtar era guerreira. Tal como Esther, a rainha judia que salvou todos os hebreus de um governante persa, que pretendia matá-los, assim como Moisés salvou seus irmãos dos egípcios. Se o Pessach lembra o feito de Moisés, a festa do Purim celebra a valentia de Esther. Mas em ambas o ponto fundamental a luta pela sobrevivência, a luta pela vida.
Bem mais tarde, aparece Eostra, a deusa da fertilidade dos celtas, cujos símbolos eram o ovo e o coelho. O ovo indicava a promessa de vida e o coelho a fertilidade.
O culto a Eostra foi adaptado quando alemães e anglo-saxões se converteram ao cristianismo. É por isso que, ao contrário de outras culturas européias, os ingleses e alemães dão o nome da maior data cristã a essa deusa. Eostra virou Easter em inglês e Ostern em alemão.
E ovos naturais coloridos eram presenteados. E, a partir do século 18, foram disseminados por todo o mundo, mas feitos de chocolate. A sobrevivência ficou bem mais doce.
E os vinhos?
Se a mesa está mais para as tradições de nosso hemisfério, onde os peixes são dominantes, temos muitas opções:
- para o tradicional bacalhau seco e salgado, ficamos com a tradição: tintos portugueses do Dão e Douro, de preferência não muito jovens (os taninos vão brigar com o sal).
- para filés (pescada, linguado, robalo) feitos na manteiga, minha primeira indicação é um Sancerre, o famoso e delicado branco feito com a Sauvignon Blanc, no Vale do Loire. Ou um Chardonnay nacional (o Casa Valduga Premium Chardonnay 2004, por exemplo). De um modo geral, os brancos secos são uma escolha mais adequada.
Quanto ao chocolate, o problema é mais sério. A regrinha básica para harmonizarmos vinho com doces é a de que o vinho deve ser mais doce do que o alimento. O açúcar produz uma espécie de efeito de entorpecimento em nossas papilas gustativas, impedindo que possam captar a sutileza dos sabores do vinho. Quanto mais doce é a comida, menos sabores você perceberá em seu vinho.
A minha sugestão seria um Recioto della Valpolicella. É um vinho feito em Valpolicella, na região do Veneto, Itália, com as uvas Corvina, Corvinone, Rondinella e Molinara. Deixam secar as uvas no tempo até que se transformem em passas. Nesse momento, são prensadas e levadas a fermentar. Mas fermentam de modo natural, sem intervenções humanas. Se ao final do processo, o fermento ganha do açúcar temos o famoso Amarone, um vinho seco. Mas se o açúcar ganha, ficamos com o não menos delicioso Recioto. Contudo, não é um vinho muito fácil de achar e também com preço amistoso.
Tentaria opções com vinhos fortificados: Porto, Banyuls, Jerez, Madeira, Marsala, Moscato d’Asti.
Já experimentei um Espumante Moscatel Processo Asti, da Casa Perini, no Vale Trentino, bem perto de Farroupilha e de Caxias do Sul, RS. E deu muito certo no paladar e na carteira.
Hoje, basta entrar num supermercado para ver as pegadas de coelho levando à barraquinha dos ovos de chocolate, uma simpatia que me faz lembrar os tempos em que eu ainda podia me entupir com essa herança de uma daquelas deusas - devidamente reformada por esperto comerciante dos tempos modernos.
O que importa é que a Páscoa festeja a vida. E isso merece sempre ser brindado. De preferência com um vinho.
Da Adega
ABS lança curso de formação profissional. Mesmo que você não trabalhe no mercado de vinhos poderá fazer o curso de formação profissional da Associação Brasileira de Sommeliers-SP, que completa 20 anos em 2009. Com início para 7 de maio próximo, terá quatro módulos seqüenciais. O primeiro vai de maio a dezembro (base teórica: viticultura, vinificação, degustação etc.). O segundo, de janeiro a junho de 2010 (viagem virtual por todos os países produtores do mundo, com degustação e análise dos vinhos representativos dos países produtores).
A partir daí, os alunos poderão escolher entre dois novos módulos: o de Marketing e Estratégias de Vendas em Vinhos. E o do Serviço do Vinho. O primeiro se destina a quem pretende operar no mercado de vinho como consultor; o segundo vai formar especificamente sommeliers. Completado essa última etapa, prestarão exame para qualificar-se como Sommelier Profissional pela ABS, único título emitido no país reconhecido internacionalmente e que conta com o aval da Alianza Panamericana de Sommeliers, presidida por Danio Braga, que também preside da ABS nacional.
O curso continua sendo dirigido para quem já trabalha ou pretende trabalhar no mercado de vinhos. Mas agora, foi aberta a chance para aqueles que querem aprimorar seus conhecimentos.
As inscrições já estão abertas na secretaria da Associação Brasileira de Sommeliers-SP. O endereço é Avenida Faria Lima 1800, oitavo andar, telefone (11) 3814-1269. O programa completo dos dois primeiros módulos pode ser consultado no website da ABS-SP: www.abs-sp.com.br
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