17.7.09

Fiascos

1. O presidente Obama levou um simpático presente para o seu colega italiano, Giorgio Napolitano, na conferência do Grupo dos 8, (os chamados países ricos), realizada entre 8 e 10 de julho, em L’Aquila, Itália. Ofereceu uma caixa feita com madeira do assoalho do famoso Salão Oval, da Casa Branca. A caixa continha uma variedade de vinhos norte-americanos. Entre esses a garrafa de um Vermentino 2008, variedade branca, originariamente italiana, muito utilizada na ilha da Sardenha, na costa ocidental da península. A Vermentino é uma variedade branca, no caso cultivada e produzida pela vinícola Raffaldini, em Wilkes County, na Carolina do Norte. A garrafa foi muito bem escolhida, pois os Raffaldini fazem vinho na Itália desde 1348. Só no século passado é que a família decidiu experimentar o Novo Mundo, criando uma filial norte-americana.
Só que agora entra na história um apressado repórter. Citou erradamente o produtor da vinícola, que teria dito ser a “uva Vermentino é uma variedade da Sardenha, portanto é nativa da ilha da sardinha”. Veja a nota original. A sardinha correu por conta do repórter.
Sardenha, pelo que sei, teve entre seus colonos os Sardos, dos quais deriva a sua língua, o sardo. Embora seja uma ilha cercada pelo Mediterrâneo e farta de peixes por todos os lados, sardinha é o que menos conta por lá. Saiba mais sobre o sardo e a Sardenha.
Enfim, uma senhora mancada.
2. Sempre soube que aquela gorda e empalhada garrafa de Chianti se chamava (e continua se chamando) “fiasco”. É uma palavra que nos coloca às portas de um fracasso, de um vexame, de um embaraço. Sua origem é italiana e em sua raiz também sempre significou frasco, garrafa. Mas como fiasco, a garrafa, chegou a significar também fiasco, o vexame? Encontrei uma explicação aparentemente plausível num dicionário etimológico online, o Etymonline. Segundo seu fundador, o autor, crítico e jornalista Douglas Harper, “fiasco” (o vexame) já era uma gíria teatral por volta de 1855. Pouco depois, deixou o âmbito do teatro e ganhou um sentido geral, consolidando a expressão “far fiasco” (literalmente fazer uma garrafa), cometer um vexame, fracassar. Contudo, porque “fazer uma garrafa” chegou a significar fiasco?
Douglas oferece duas teorias. A primeira envolve os célebres fabricantes de vidro de Veneza, artesões mestres na técnica de moldar o vidro por meio de sopro e movimentos manuais, resultando em peças belíssimas, exclusivas e valiosas. Quando alguma coisa dava errada, a peça era descartada para uma reutilização como uma garrafa ordinária. Nesse caso, o artesão fare il fiasco, tinha “feito uma garrafa”, no sentido de fracasso que tem até hoje.
A segunda teoria, a preferida de Douglas, é que havia no passado a expressão italiana fare Il fiasco (“fazer uma garrafa”), utilizada num jogo onde as pessoas que perdiam pagavam a próxima rodada, ou a garrafa de vinho seguinte, o que é bem plausível
Ou seja, nem sempre o fiasco é uma perda total, mas apenas um erro, algumas vezes descomunal. Um comediante de cuja piada ninguém riu, um Hamlet que se confunde ao recitar o “ser ou não ser” ou um Chianti empalhado. Aliás, empalhado para que a garrafa conseguisse ficar de pé, pois foi mal feita. Alguma coisa deu errada quando o artesão soprou o vidro. E... fare il fiasco.
3. Passamos das garrafas de vinho os que servem a bebida. Dizem que a primeira citação a um deles está no primeiro livro do Pentateuco, o Gênesis. Fala da prisão do padeiro-mor, do copeiro-mor pelo Faraó. José, também preso, interpreta o sonho do copeiro-mor o que leva à sua restauração como o responsável pelo serviço de vinhos no palácio do soberano egípcio.
No Livro de Jó existe também uma referência ao copeiro-mor do Inferno, uma besta gigantesca, Behemoth.
Mas existe uma terceira referência, talvez até mais antiga que a da Bíblia, na mitologia grega. A encontramos logo em Homero, na Ilíada. O primeiro copeiro-mor, encarregado de servir água, vinho e principalmente o néctar aos deuses, em particular ao supremo Zeus teria sido Hebe, filha de Minerva, esposa do deus dos raios (Hebe não era filha direta de Zeus, pois Minerva a concebeu logo que tocou numa folha de alface; nas minhas saladas alface é o que não falta, mas ainda não emprenhei).
Mas eis que entra em cena Ganímedes, filho do rei Tros, que deu nome à cidade de Tróia. Em seu tempo foi considerado o mais belo jovem do pedaço. Zeus um dia o avistou e caiu de amores por ele. Transformou-se numa águia e o raptou, levando-o para o Olimpo. Ganímedes transformou-se numa companhia de cama e mesa de Zeus. Tornou-se imortal e foi nomeado copeiro-mor, em lugar de Hebe, para desespero de Minerva.
Na antiga Roma, boticularius era o título do encarregado das bebidas entre os ricos e poderosos. Essa origem latina resultou no francês bouteiller, que originou em inglês primeiro boteler e por último butler.
Em português, temos escanção, a pessoa encarregada de servir vinhos (em particular nas casas nobres). Ela deriva do frâncico “skankjo”, através do francês “échanson”, em todos os casos apontando para a “pessoa versada em bebida”. Hoje, seria simplesmente um sommelier.
Desses três lendários copeiros, o da história de José é um grande fiasco em termos de caráter: prometeu a José falar por ele para o Faraó e, depois de liberto, resolveu deixar pra lá. Do monstro de Jó nem vamos comentar.
De todos, se salva Ganímedes. Trabalhou tão bem que, em sua homenagem, Zeus o colocou entre as estrelas como Aquário, a constelação zodiacal. Ele continua lá, carregando água (e certamente outras bebidas).
E se alguém pensou em alguma troça para as preferências sexuais de Zeus e do jovem troiano, pensou bobagem. Quem cometeria esse fiasco? Acho mesmo que foi Homero o responsável por fazer com que, heróis, mortais e imortais, reis e rainhas, deusas e deuses saíssem do armário. Todos são filhos de Zeus, não é mesmo?

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