8.7.10

Vinhos biodinâmicos, um blefe?

“Biodinâmica é um blefe”, afirma o vinicultor americano Stuart Smith, que criou um blog cujo título é exatamente a frase que abre essa coluna. Smith abriu uma senhora polêmica, do tipo religião X ciência ou entre Criacionistas X Darwinistas. E, para começar, seu principal alvo tem sido Rudolf Steiner, o fundador da Agricultura Biodinâmica.
Vinhos orgânicos são aqueles produzidos a partir de uvas orgânicas, cultivadas sem o uso de fertilizantes, pesticidas, fungicidas e herbicidas artificiais. Na bebida também não se acrescentará um secular conservante, o sulfito (dióxido de enxofre ou anidrido sulfuroso, SO2), embora os que ocorrem naturalmente durante a fermentação continuarão presentes no vinho.
A vinicultura biodinâmica parte da orgânica, pois também exclui os elementos químicos no preparo da terra e no cultivo das uvas. Mas incorpora novas idéias a respeito da vinha e do ecossistema, considerando aspectos como influências astrológicas e dos ciclos lunares. O vinicultor não realiza manipulações comuns, como uso de levedos especiais ou ajustes de acidez. O vinhedo é tratado como um organismo vivo e o objetivo é promover a saúde de todo o conjunto em torno dele: as vinhas, o solo, os insetos etc. O problema, talvez, seja que algumas das práticas da biodinâmica parecem ser puro vodu. Por exemplo, borrifar os vinhedos com um preparo de estrume de gado ou com um composto de cristais de quartzo, ambos colocados em chifres de boi, em seguida enterrados no solo por seis meses. O composto é diluído e aspergido em datas, horas e fases da lua específicas, de acordo com práticas astrológicas e homeopáticas (esses preparos têm de ser aspergidos por toda a área plantada).
Em junho de 1924, o filósofo austríaco Rudolf Steiner deu uma série de conferências sobre agricultura a uma de centenas de seus seguidores, na cidade de Koberwitz, Polônia. E essas conferências se transformaram na base da agricultura biodinâmica, embora Steiner nunca tivesse sido agricultor em sua vida.
Stuart Smith acha Steiner uma espécie de charlatão ou alguém saído de uma comunidade hippie entupido de LSD. No seu blog, ele transcreve um pouco da página 11 do livro Agricultura, de Steiner, que reúne todas as conferências e debates daquele junho de 1924. Em resumo, Steiner afirma que os alimentos que consumimos vão para o estômago, mas “não participam do desenvolvimento de nossos ossos, músculos e outros tecidos. Eles só contribuem para o desenvolvimento de nossa cabeça”. Para ele, o desenvolvimento de nossos membros, ossos etc. é feito “através da nossa respiração e mesmo via nossos órgãos sensoriais”. Steiner insiste: “Por outro lado, se quiser saber de que substância é feita o seu cérebro, então precisa olhar para a sua comida”. Steiner nunca chegou a explicar as origens de seus achados. Nunca citou quaisquer pesquisas ou experimentos que confirmasse suas teorias. E nem estava interessado nisso. Ele entendia um universo no qual qualidades “etéreas” penetram nas matérias brutas de modo a lhes dar vida. O projeto de Steiner era criar uma “Ciência Espiritual”.
Já em pleno século 21, o principal discípulo de Steiner e um dos líderes da vinicultura biodinâmica, o francês Nicolas Joly, produtor famoso no Vale do Loire, escreveu um livro, “Biodynamic Wine, Demystified” (“Vinho Biodinâmico, Desmistificado”), onde não cumpre o que o título do livro promete.
Joly explica que o preparo com quartzo/sílica num chifre de boi enterrado no solo funciona como um microchip de computador. “Age como um link ou meio, uma espécie de antena receptiva para certas forças que irradiam a partir do sistema solar. Esse pó está impregnado de certas energias, freqüências e de informação”. Essa carga energética “é dada pela natureza através do chifre e a terra onde ele está enterrado. Se estivermos no verão, essa preparação estimula as folhas e a fotossíntese”.
Steiner dizia que certos insetos-praga são espontaneamente criados por “influência cósmica” (pg. 115 do seu livro) e que comer batatas “é um dos fatores que tornou homens e animais materialistas” (pg. 149), que “a maioria de nossas doenças acontecem quando nosso corpo astral está conectado mais intensamente com o físico do que deveria, normalmente” (pp. 116-17). Não acreditava que as plantas podiam adoecer; era poderiam parecer doentes quando “As influências da Lua sobre o sol tornam-se muito fortes” (pp. 117-18).
As preparações propostas incluem a já conhecida de esterco num chifre (Preparação 500) ou com quartzo (Preparação 501), de flores de mil-folhas numa bexiga de veado (502), de camomila no intestino de uma vaca (503), de casca de carvalho no crânio de um animal doméstico (505) ou dente-de-leão no mesentério (parte do intestino delgado) de um bovino (pp. 72-99).
Steiner explicava, por exemplo, que “a bexiga do veado está conectada às forças do universo ... é a própria imagem do cosmo ... e, como resultado, “aumenta as forças da mil-folhas para combinar o enxofre com outras substâncias”.
Essas práticas esotéricas, essa espécie de vodu agrícola, não encontram fundamento na ciência. Funcionam? A agricultura biodinâmica é melhor do que a orgânica, da qual deriva? Qual a sua eficiência? Várias instituições e centros de pesquisas, laboratórios ao redor do mundo respondem que a vinicultura biodinâmica se sai melhor do que a padrão, não orgânica no que respeita à fertilidade do solo ou à biodiversidade. Mas isso não prova nada, já que a agricultura biodinâmica precisa necessariamente ser orgânica.
Um estudo de seis anos promovido pela Universidade de Washington e pela Universidade da Califórnia e vários outras entidades de pesquisa científica não conseguiu descobrir qualquer diferença entre as práticas orgânicas e as biodinâmicas. Os tais preparados melhoram o solo? “Nenhuma diferença foi estabelecida entre os solos fertilizados por compostos biodinâmicos em face dos orgânicos”.
Então, qual a razão de se gastar tanto tempo, pessoal e dinheiro com esses preparos? Imagine quanto de estrume, chifre, pessoal e dinheiro serão necessários para borrifar um Maracanã de bosta de boi? Uma teoria é a de que vinicultor um diferencial de qualidade, uma novidade, para que o seu vinho se destaque num mercado muito competitivo. Pode ser.
Pode ser que a relação entre vinho de qualidade e a cultura biodinâmica seja, no máximo, incidental. Só que não há como negar que os franceses de Chapoutier, Château La Tour Figeac, Zind Humbrecht e Ostertag, Coulée de Serrant, Domaine Leroy, Domaine Huët, Le Flaive, de Nikolaihof, na Áustria, de Benziger, Fetzer. Sinskey e Araujo, na Califórnia, e do próprio Joly sejam reconhecidos como de grande qualidade mundialmente. E a lista é bem mais longa. Hoje, mais de 10% dos vinhedos reconhecidos como orgânicos, na França, é ocupada pelos Biodinâmicos. Vale acrescentar que os dois críticos de vinho mais influentes do mundo, a inglesa Jancis Robinson e o americano Robert Parker, estão gostando desses vinhos. Parker já declarou publicamente que ele mesmo está aplicando métodos biodinâmicos em parte do vinhedo Beaux-Frères, no Oregon, que tem com seu cunhado.
O fato é que a agricultura biodinâmica, como a orgânica, tem uma concepção melhor da terra. Uma concepção sustentável. As duas contrastam radicalmente do modelo industrial, da agro-química, que primeiro esteriliza a terra e depois a entope com derivados de petróleo.
Se Steiner era um lunático, se os biodinâmicos usam vodu, acendem velas para a Mãe Terra, buscam fluidos cósmicos em chifres de boi com estrume, pouco importa. Importa é que estamos tratando a terra com o máximo de respeito e carinho, preservando o espaço em que vivemos e onde cultivamos. No final, o provável é que tenhamos um bom produto.
Da Adega
Maison des Caves. A importadora apresentará no próximo dia 22, às 22 horas, o seu novo portfólio de vinhos, o que será feito apropriadamente com sabor. O sommelier International Bruno Hermenegildo (formado pela Federazione Italiana de Sommeliers) apresentará uma seleção de rótulos trazidos da África do Sul e da Espanha. A
Maison des Caves fica no Casa Shopping, Barra, RJ.
Valduga com mais um rosé. A Casa Valduga já se prepara para tempos mais quentes e está lançando o Premium Merlot Rosé. Ela foi das primeiras vinícolas a apostar na retomada do consumo dos rosados por aqui. O novo rosé é feito com 100% de Merlot da safra deste ano. Cor salmão com fundo violáceo e brilhante. Harmoniza com frutos do mar, peixes, carnes brancas. E com um tempo à beira mar ou da piscina.

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