18.1.11

Vinho em casa

“Boa tarde, meu nome é Fernando e gostaria de saber como posso fazer um vinho em casa...”

O Fernando quer saber ainda se pode utilizar as uvas encontradas no mercado, qual o tipo de fermento, quanto tempo deve esperar pela fermentação, quais equipamentos empregar. Quer começar o ano metendo a mão (e talvez os pés) na massa.

Imereti, uma cidade da Cólquida, na Geórgia, descoberta por Jasão, o herói grego, é ainda hoje uma tradicional produtora de uvas. Há videiras por toda a parte, mas nenhum sinal de vinho, de barris, jarras etc. As famílias chegam com as uvas em cestas cônicas e as despeja num tronco oco. O agricultor tira o sapato, lava os pés com água quente de um balde e lentamente põe-se a pisar as uvas até não sentir mais nenhuma resistência.

Depois, despeja as uvas esmagadas em grandes jarras de cerâmica, kwevris, enterradas no chão até a boca. É ali, escondido, em meio à terra fresca, que acontecerá a fermentação. Estamos no verão. Na primavera, o lavrador transfere o vinho para outra jarra (com uma cuia fixada num cabo), deixando as cascas que servirão de aguardente para os imeretianos. Essa segunda jarra está também enterrada até a boca. Ela é fechada e o vinho se conservará. Mas não por muito tempo, pois de tempos em tempos os vizinhos do agricultor vão aparecer com suas tigelas de argila.

Esse é o relato do historiador, autoridade em vinho, o inglês Hugh Johnson, no seu best-seller “A História do Vinho”. Os costumes dos imeretianos nada mudaram desde os tempos de Homero. Sabe-se que a Geórgia e a Armênia, ali nas fraldas do Cáucaso, são berços da videira. O vinho pode ser sido criado por um acaso: um cacho de uvas caiu num buraco, então as uvas fermentaram, alguém bebeu, gostou e repetiu ao seu modo o incidente. Na Geórgia foram encontradas caroços próprios de uvas cultivada que pertencem ao final da Idade da Pedra, de 7000 a 5000 a.C.

Em setembro passado, arqueólogos descobriram a talvez mais antiga vinícola do mundo, numa caverna no Monte Cáucaso, na atual Armênia. Bem perto de Imereti, na mesma área montanhosa na qual foi descoberto o mais antigo resíduo de vinho feito de uvas, datado de 5.400 a.C., em jarras de barro.

Lembra, Francisco, que Noé desembarcou no Monte Ararat, entre a Armênia e Turquia? Desembarcou e logo começou a plantar vinhas e a fazer vinho, segundo o Gênesis. Pois Ararat e essa caverna ficam bem perto de Imereti. E Noé teria feito vinho tal e qual os imeretianos.

A vinícola descoberta estaria em plena operação entre 4.100 e 4000 a. C. Na caverna, acharam uma prensa rudimentar (algo um pouco melhor do que um tronco oco), um tanque de fermentação para uns 50-60 litros, vasilhames e até mesmo restos de cascas e sementes de uvas. De lá pra cá, efetivamente pouco mudou. Talvez tenha ficado um pouco mais complicado, pois somos mestres em fazer adições, “temperar” as coisas.

Em 2007 contei a história de Alistair Bland, que bicicletou pela Califórnia no ano anterior. Alimentava-se do que colhia das árvores, amoras, figos, amêndoas, uvas. Sentiu sede e resolveu fazer o seu próprio vinho. Sua receita é simples e sempre repetida (basta pesquisar na Internet). Alistar fez um vinho de amoras, mas poderia ser de qualquer outra frutinha vermelha ou de uvas. São apenas seis etapas na minha versão:

1ª) Compre cinco quilos de uvas de mesa. Elas também são da espécie Vitis Vinífera, de origem europeia. Pode escolher as com semente (a Itália, a principal variedade de uva fina de mesa do país; ou a Red Globe, a Benitaka e suas primas, a Rubi e a Brasil; e a Patrícia). Ou sem semente: Superior Seedless ou Festival, Crimson Seedless e a Thompson Seedless ou Sultanina, a mais importante uva de mesa consumida no mundo. Saiba mais sobre essas uvas no site da Embrapa.

2ª) Faça o suco. Imagino que não tenha em casa uma árvore oca (como os imeretianos) ou um tanque grande o bastante para amassar as uvas com os pés. Então, use uma meia, como fez o repórter americano. Vá colocando os cachos no pé de meia e torcendo. Despeje o suco numa vasilha de tamanho adequado. Para vasilha deverá, depois, ir também tudo o restou na meia: cascas, talos e sementes (se existirem). O ciclista não fez isso: só utilizou o suco. Minha preferência é a de que o suco da uva mais cascas etc. vão ajudar principalmente na cor e eventualmente mais taninos e ácidos. Atenção, não substitua a meia por liquidificadores, processadores: o amargor das cascas e das sementes será incorporado ao sabor do vinho.

E você vai precisar de pelo menos duas dessas vasilhas. Tente dessas para armazenar água ou combustível, assegurando-se que estejam zero quilômetro, bem limpas. Tudo o que fizemos até agora foi para a primeira vasilha- que não deve ser preenchida até a boca: deixe pelo menos um terço dela vazia, dando espaço para a fermentação.

3ª) Acrescente fermento seco, desses comprados em padarias: tente com um envelope, para começar. Se não começar a fermentar nas 12 horas seguintes, acrescente mais um saquinho e uma concha de feijão de açúcar.

4ª ) Deixe o suco fermentar por 7-10 dias. Quando você der uma olhadinha e verificar que a agitação do suco cessou, que está tudo calmíssimo – então a fase da fermentação estará completada. Tampe o vasilhame com um plástico furado: utilizo um simples balão de festas como uma capa em torno da tampa e faço uns três furos de modo a deixar que gases naturais da fermentação escapem, sem deixar que o oxigênio entre. Há quem use um bloqueador de ar (ou airlock) em lugar o meu simplório balão. O nosso repórter não usou nada. E deu certo!

5ª) Decante o agora vinho, novamente usando uma meia (limpa, pois não?) para filtrar todo o suco e separá-los de cascas, sementes e talos). Passe tudo para o segundo vasilhame.

Se quiser, divida todo o volume por garrafas de vinho (devidamente limpas). No presente exercício, você vai precisar de seis garrafas de 750 ml (4.500 ml no total), mais uma meia garrafa de 375 ml. Crie rótulos: “Château Francisco”?

6ª) Beba. Deverá ser um vinho dominado por aromas de fermento e de uvas, pobre em taninos, com um volume alcoólico de uns 8%, bem leve. É simples assim mesmo. Os imeretianos só iriam estranhar as meias e o airlock (o fermento já vinha com as uvas). O restante, Fernando, é quase tudo como acontecia nos tempos de Jasão e Noé.

Referências:

- Matéria do Alistair Bland

- Vinho Artesanal.

- Wine Making Articles (Artigos sobre vinhos caseiros).

Da Adega

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