7.1.11

Sugestões para 2011

Partimos sempre do fim para começarmos alguma coisa, disse um poeta. O que o ano passado nos deixou, como será o novo ano em termos de vinho? Li algumas das costumeiras resenhas de fim de ano, aquelas listas com os “melhores” e os “piores”, os momentos mais e menos marcantes do mundo dos vinhos em 2010 e mais os esforços de tentar ver nas bolas de cristal como será 2011.

Estou fora. Prefiro fazer como o colunista Matt Kramer, da revista Wine Spectator. Sua atual coluna diz tudo: Open to Suggestions (“Aberto a Sugestões”), onde ele propõe que reconsideremos algumas das práticas ainda comuns entre os amantes da bebida. Bobagens que não valem a pena ser repetidas, pois só nos prejudicam. E não fazer o errado é uma ótima maneira de começarmos o ano.

O efeito Cinderela. Por exemplo: só levar para a adega aqueles vinhos que consideramos nossas primas donas, os vinhos finos, rótulos nobres, necessariamente caros. Será que só os vinhos caros merecem ir para a adega? O colunista nos apresenta então o efeito Cinderela, quando uma pobre empregadinha se transforma na sensação do baile.

“Os vinhos Cinderela são aquelas joias baratinhas que em razão de sua obscuridade, moda ou apenas por marketing mal feito não conseguem um preço que sinalize vinho fino”, explica o colunista americano. Vamos, portanto, passar por cima de algum esnobismo e da ilusão do preço. Damos sempre mais atenção (ou preferência) ao que é mais caro.

A sugestão é esquecer os preços e tentar achar as Cinderelas. O mundo dos vinhos chegou a um ponto tal de preparo tecnológico que hoje existem mais vinhos baratos de grande qualidade do que os suspeitos de sempre, sempre caríssimos, inacessíveis. Temos aí uma multidão de Cinderelas esperando ser encontradas. E são elas as que deverão ser guardadas. Um vinho de preço modesto pode transformar-se numa preciosidade depois de um tempo na adega. Daqui a pouco falarei sobre os que tenho em minha adega: você vai entender mais sobre o efeito Cinderela.

Pra geladeira. Outra sugestão de Matt Kramer é repensar como guardar vinhos já abertos e desistir de tentar resolver o problema da guarda de restos de garrafa com, por exemplo, essas Vaccumm Pumps, bombinhas de vácuo, apresentadas num estojo acompanhadas normalmente de duas tampas plástica. Não funcionam, perdem o vácuo numa noite.

O que funciona mesmo é a nossa geladeira. Sobrou vinho, volte a tampar a garrafa e coloque a garrafa no refrigerador. Punto e basta. A bombinha é a esquifosa. Existe algo bem mais eficiente, barata e à mão. Está na sua cozinha. Se o caso é reduzir a oxidação do vinho, o frio é a melhor maneira.

Maneira provada pelo químico sueco Svante August Arrhenius (1859-1927), prêmio Nobel de 1927, pela criação da fórmula chamada depois de Equação Arrhenius. Ela demonstra que quando há um aumento de 7,7º C na temperatura, a taxa média de reação química num determinado material dobrará. E o mesmo acontecerá com o inverso: quanto mais fria a temperatura, menor a taxa de reação. Ou seja: menor a taxa de oxidação. Nossa vida ficará mais fácil, pois certamente a maioria dos vinhos que vão sobrar são jovens, justo aqueles que menos sofrerão com a oxidação (se devidamente guardados na geladeira).

Engrosso a receita de sugestões do Matt Kramer com algumas minhas. Elas dizem respeito ao vinho perfeito, às pesquisas e ao vinho brasileiro.

Vinho perfeito? Como vinho perfeito entenda-se aquele feito com todos os requintes e recursos técnicos, com levedos especiais para a fermentação, enzimas para clarificar o vinho e “quebrar” correntes de proteínas, micro-oxigenação para amaciar taninos, cones giratórios para concentrar ou reduzir o conteúdo alcoólico da bebida; e bastante carvalho para dar novos sabores ao vinho. A lista de macetes é grande. No fim, ficamos sem saber a identidade do que está na garrafa, de onde veio aquele vinho, qual o seu jeito, sua graça, se o seu balançado é mais que um poema. E saberiam que ela é de Ipanema. Tom e Vinícius não fariam um poema a partir de uma peituda oxigenada do Playboy, o original das mulheres melancias.

É mais provável que você encontre mais vinhos mais naturalmente produzidos, quase que artesanalmente, entre os mais desconhecidos, de pouca produção, não muito fáceis de encontrar. E nem sempre com preços justos. De certo modo, podem parecer gatas borralheiras. Mas achá-los seria como tentar encontrar a Ana Luíza, a do Tom Jobim: onde anda Luíza, em que lago, em que serra, em que mar se oculta? Dá trabalho, sim, mas vale a pena.

Não acredite nelas. Quanto às pesquisas, vale a pena ler a matéria The Truth Wears Off (“A verdade cansa” ou opcionalmente “A verdade danifica”), na New Yorker de 13 de dezembro. Nela o repórter Jonah Lehrer demonstra que muitos dos resultados de estudos científicos que passam por rigorosamente provados e aceitos começam a mostrar falhas, a “cansar”. Os produtos que antes seriam milagrosos começam a não dar no couro nos capítulos seguintes.

É por isso que ouvimos sempre as pessoas reclamando que “primeiro nos dizem que isso faz bem ou mal, para em seguida afirmar o oposto”. O ovo era do mal, agora é do bem. Até quando?

Para arrematar um catedrático americano, John Paulos, revela que a maioria dos estudos sobre saúde está impregnada de “ses”: se isso, se aquilo, se ainda aquilo outro e tome “ses”. Ele cita um renomado pesquisador, John Ioannidis, da Universidade de Ionannina, na Grécia, que estudou 45 estudos científico-médicos, que alcançaram grande publicidade entre 1990 e 2003. Suas conclusões: os resultados de aproximadamente um terço desses trabalhos foram desmentidos por trabalhos posteriores.

Temos a história da terapia por reposição hormonal que supostamente protegeria contra doenças cardíacas entre outras. Mas que aparentemente negou fogo. Ou o caso dos efeitos protetores da vitamina E. Não, ela não protege contra problemas cardíacos, reza uma grande pesquisa recente.

E os conhecidos estudos sobre os milagrosos efeitos antioxidantes do vinho tinto? Ninguém duvida que as uvas tintas, o chá e os vegetais possuem qualidades maravilhosas. Só que seus efeitos são bem mais modestos do que imaginam os amantes do vinho.

Recentemente o laboratório GlaxoSmithKline suspendeu pesquisas sobre uma nova droga baseada no resveratrol, um polifenol farto nas uvas tintas considerado quase como milagroso para o tratamento de uma série de problemas de saúde, a começar pelos cardiovasculares. Em boa hora, o laboratório verificou que as doses que pareciam benéficas para os animais demonstraram-se impraticáveis para o ser humano. Não duvido que tenha aparecido na mídia algo como a cura do câncer pelo resveratrol.

Continuamos respeitando as notícias sobre vinho e saúde, assim como continuamos lembrando que a bebida está aí para nos dar prazer, ajudar no convívio – tarefas importantíssimas. Logo, a sugestão continua: não busque no vinho um remédio. E não deixe de ler o artigo do Dr. John Paulos.

Fique com os brasileiros. Nossa última sugestão para 2011: prestigie mais os vinhos brasileiros.

A qualidade dos vinhos sul-americanos já está consolidada no Hemisfério Norte. Estão, por exemplo, na lista de tendências para 2011 do gerente de uma importante adega na Califórnia, a Bernard's Wine Gallery.

A Tannat uruguaia, a Carménère chilena e a Malbec argentina conseguiram furar o bloqueio e tornaram-se símbolos da boa qualidade vitivinícola desses países.

O Brasil também tem uma arma poderosa, ‘mas sem nome – pelo menos um nome tão específico quanto, digamos, a Malbec (falou em Malbec, falou em Argentina).

Dois respeitados críticos ingleses visitaram recentemente a Serra Gaúcha e concluíram que nossos espumantes são ótimos, o nosso símbolo vinífero. Mereceriam até tornar-se uma categoria exclusiva.

Jonathan Ray (veterano crítico de vinhos do londrino The Daily Telegraph) e Charles Mecalfe, também crítico, um dos criadores de um dos maiores eventos do mundo dos vinhos, a International Wine Challenge.

Ambos afirmam que “os espumantes são o futuro do Brasil. Poderão ser para o país o que a Carménère é para o Chile”, dizem. Sugerem que encontremos um nome para essa nossa maravilha e sugerem: Brut de Brazil. Lembram que a África do Sul já criou o seu Cap Classique, que promove o espumante sul-africano, feito pelo método champenoise, tal como na Serra Gaúcha. Não espanta que Jonathan Ray tenha selecionado o Miolo Brut Millésime 2006 entre os 10 melhores vinhos sul-americanos.

Que nossos vinhos brancos, em particular os espumantes, têm grande qualidade é de conhecimento geral. Mas sem dúvida os dois ingleses ajudam a melhorar nossa foto lá fora.

Assim é que você vai ter que passar 2011 procurando. Não aceitar que o vinho brasileiro seja apenas mais uma gata borralheira. Tenho que certeza que, assim como o Richard Gere tirou da obscuridade uma Julia Roberts, você vai encontrar no vinho brasileiro a sua Cinderela, cheia de graças.

Em tempo, os dois críticos ingleses sugerem para os nossos espumantes o nome promocional de Brut de Brazil. Será que pega, que é melhor do que Cap Classique? Copa e Olimpíada estão aí. O que vamos oferecer para os visitantes? Taí mais uma sugestão: crie um nome para as nossas bolinhas e quem sabe você não dá uma bela faturada para começar 2011.

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