19.5.11

Muito ou pouco álcool?

Dois dos mais respeitados veículos para a informação e educação sobre vinhos, o jornal americano San Francisco Chronicle e a revista inglesa Decanter já estão registrando as taxas de álcool dos vinhos que testam e recomendam. Desnecessário? Os consumidores podem saber dessas taxas diretamente nos rótulos dos vinhos. O problema é o nível elevado de álcool nos vinhos.
E nível elevado de álcool danifica o vinho? Muito consumidores estranham, reclamam que essa alta octanagem tornam o vinho cansativo, até enjoativo de se beber. Um crítico comentou que às vezes sente falta do seu travesseiro quanto num jantar enfrenta um Cabernet “xaropento”, com muito álcool.
Uma das razões desse maior conteúdo de álcool reside no clima mais quente do planeta. Quanto mais quente, uvas mais maduras, mais açúcar, mais álcool. Por outro lado, esse estilo de vinho encontrou na voz dominadora do maior crítico do mundo, Robert Parker, o seu maior incentivador. Seu palato é fã ardoroso das chamadas “Bombas de Frutas Hedonistas”, minha modesta tradução para “Hedonistic Fruit Bombs”, como o mestre os classifica: vinhos com pleno de frutas pra lá de maduras, muito tempo em barris de carvalho. E alto, altíssimo nível alcoólico.
Como sabemos, tudo começa no processo de fermentação – quando o açúcar das uvas é convertido em álcool. Quanto mais madura, mais açúcar e, assim, mais álcool resultará da fermentação. E o álcool, além do soninho que poderá nos dar, ajuda na sensação de plenitude ou “corpo”, em nosso palato: quão denso ou oleoso ou fino ou aguado sentimos o vinho. Em algumas fichas de degustação temos categorias que vão de vinho “magro”, pouco corpo, bom corpo, muito encorpado e massudo. As “Bombas de Fruta” costumam pertencer a essas duas últimas classificações.
O álcool também nos fornece textura (na boca ele pode ser sedoso, aveludado, redondo, macio). E, além disso, uma sensação de doçura, por mais seco que seja o vinho. O etanol, também chamado de álcool etílico, é o principal álcool encontrado nos vinhos; daí ser referido apenas como álcool. Ele não tem sabor, mas cria uma sensação doce na boca, sua viscosidade é maior do que a da água e é ele o principal veículo dos aromas e sabores dos vinhos. Assim, quanto maior o teor alcoólico maior a percepção dessas características (doçura, maciez etc.).
O nível de álcool aumenta em várias regiões, não apenas naquelas mais quentes (mais calor, mais uvas maduras), inclusive em Bordeaux. Li na citada Decanter, um consultor de vinhos, Denis Dubourdieu, alertando para os altos níveis de álcool do Merlot, em Bordeaux. Tornaram-se tornaram tão altos que a famosa uva periga de perder o seu caráter regional. As mesmas queixas são ouvidas por todo o canto.
Os editores da San Francisco Chronicle e da Decanter, contudo, enfocam a questão por outro ângulo. “A maioria dos principais vinicultores norte-americanos passam seus dias fazendo vinho de sobremesa”. Pois é: o consumidor pensa que é um vinho seco, mas o produto tem outra característica, pelo menos legalmente.
A legislação do vinho na maioria dos países, inclusive o Brasil, reza que os vinhos secos tenham um máximo de 14% de teor alcoólico. Ora, os vinhos de sobremesa, com destaque para os Porto, Xerez, Madeira têm entre 14 e 20%. Aqui a legislação chama esses vinhos de “licorosos”.
O que fazer com os Cabernet ou até mesmo Pinot (em particular os norte-americanos) com 15, 16, 17%? É bom que se diga que esse problema acontece numa faixa relativamente pequena, que responde por apenas 11% do total de litros de vinhos consumidos nos EUA. Acontece que nesses 11% concentram-se os vinhos do chamado segmento de ponta, os vinhos mais caros, mais procurados (porque uma parte da crítica adora bombas de fruta etc.). São as Ferrari do mercado. E são caros até por lei. Lá, passou de 14% de conteúdo alcoólico o governo taxa a garrafa de vinho de 750 ml em 31 centavos de dólar por garrafa. Até 14% a taxa fica em 21 centavos.
O editor do Chronicle, Jon Bonné, não acreditou muito no que os rótulos informavam e mandou testar 19 vinhos. E apenas num deles o que estava no rótulo batia com o resultado do laboratório e estava integralmente dentro da lei: 14%. Três deles diferiam dos 14% ora um pouco para cima, ora um pouco para baixo. Quanto aos outros: um com 14,1% no rótulo continha 15.17% de etanol; outro, registrando 14,5, continha 15,54; um Chardonnay tido como 14,8%, oferecia 15,79%; o que se pensava ser um vinho de 14,3% tinha 15,02; o que se pensava ser 14,3% continha 15,02; o vinho de 14,1 tinha 14,66%. Alguns produtores disseram que não mudavam a taxa nos seus rótulos pelo custo da burocracia (é preciso esperar pela aprovação de agências estatais e federais), fora o custo de produção gráfica.
A revista especializada Wine&Spirits, também norte-americana fez o mesmo teste, porém bem mais vasto e variado. Mandou para laboratórios 7 caixas de vinhos (12 garrafas cada): uma seleção de rótulos norte-americanos, australianos, argentinos, chilenos, franceses, húngaros, italianos e espanhóis.
As análises revelaram que as taxas de metade dos rótulos informavam corretamente o nível de etanol nas garrafas (as diferenças eram de apenas 0,3%). Uma boa surpresa: nem todos mentem acerca desses níveis. Veja aqui a matéria da W&S.
Agora, um vinho em cada dez ficou bem longe do que prometia no rótulo. E os consumidores que buscam exatidão podem se decepcionar. As leis norte-americanas definem uma dose de álcool como 44,36 mililitros de álcool a 40%, o que seria equivalente a 354 ml de cerveja (cerca praticamente uma latinha) ou 147 mil de litros de vinho. Isso funciona se o vinho tem 12% de álcool. Mas quando na taça temos um vinho com 14,2%, vamos beber quase 20% mais de álcool do que uma dose de uísque. Logo, pense duas vezes antes de se desculpar pro guarda de trânsito de que “foi só uma tacinha”. Um problemão para quem quer apenas tomar uma taça de vinho num bar – um inocente aperitivo antes de chegar em casa. Não damos bola para as taxas de álcool. As taças não dizem nada, nem os garçons.
A maioria da crítica, além do Chronicle e do Decanter registra que os consumidores vêm reclamando desses vinhos “quentes”. E porque vinho oferece prazeres que não têm relação com cara cheia, resolveram pelo menos informar seus leitores o quê e também o quanto estão recomendando.
Críticos dos vinhos muito alcoolizados falam que eles perdem a harmonia, a interação entre seus elementos constituintes, ficam enjoativos até.
O álcool é apenas mais um dos muitos componentes do vinho. Ele pode contribuir ou não para esse sentido de harmonia, assim com os ácidos, os taninos, os aromas etc. E gosto é coisa pessoal. Alguns vinhos com muito álcool são muito bons. Outros, não. Exatamente como os vinhos com 14%, 13, 8, 20% de álcool.
Por falar nisso, até hoje não descobri como chegaram aos 14% como teto demarcatório dos vinhos de mesa. O vinho que Ulisses ofereceu para o gigantesco ciclope Polifemo era fortíssimo. Botou o colosso fora de combate. Os vinhos da antiguidade eram “fortes” a ponto de gregos e romanos misturarem água a eles. Mas ninguém reclamava. Não havia uma linha demarcatória, o que só veio a acontecer muito recentemente.
Mas se a moda de informar sobre o conteúdo alcoólico pega, daqui a pouco vamos ter comentários ou até mesmo rótulos com quantidades de ácido tartárico, pH (alcalinidade), açúcar residual, acetaldeídos e assim por diante, além das taxas de álcool. Certamente, os consumidores ficarão ou confusos ou entediados. E talvez até mais assustados com a bebida. Será que para bebê-la é preciso saber disso tudo? Será que o gosto de cada um de nós não conta? Será que uma cerveja de 5% ou um vinho de 11% não embebedam?
Vamos aproveitar a diversidade e experimentar. No caso de muito álcool, vou sempre procurar pelo meu travesseiro. Beber pouco e bater em retirada.

Da Adega
Ducasse e Don Laurindo. Ele é provavelmente o maior chef da atualidade. Tem 21 restaurantes em oito países, 1.400 funcionários, fatura anualmente em torno dos 30 milhões de euros. E é muito, muito estrelado: só do Guia Michelin tem três estrelas há anos. Pois Ducasse visitou o pavilhão brasileiro na Sial (Salon International de l'Agroalimentaire), em Paris, e não só provou como aprovou o Don Laurindo Reserva Tannat 2006. A Don Laurindo fica na Serra Gaúcha e faz vinhos pra Ducasse nenhum bota defeito. Ache esse vinho.
Terroir argentino. Uma caixa com 6 garrafas (2 de cada vinho) com três tintos singulares: o Altosur Cabernet Sauvignon 2009, o Doña Paula Los Cardos Syrah 2009 e o Dolium Tempranillo 2006. É uma promoção especial da Vinitude. Saiba como botar a mão nessa caixa
Festival de Sopa & Suflês. Meu sobrinho, o Guilherme, está volta a São Paulo e decidiu que vai morar no Alto de Pinheiros. Lá vou eu ajudar na mudança, mais uma vez. O garoto não para. Desta vez, porém, vou cobrar uma ida ao La Marie, que está com um apetitoso Festival de Sopas & Suflês. Já pensou, nesse friozinho? A promoção se encerra no fim desse mês. O cliente escolhe uma sopa (entre cinco opções), um prato principal (entre sete escolhas de suflês salgados) e um suflê doce como sobremesa (de chocolate ou Grand Marnier).
Já viu que os suflês são as especialidades do La Marie, um bistrô do chef Edison di Fonzo que funciona na Rua Francisco Leitão, 16, tel.: (11) 3086-2800. Guilherme me aguarde. Você pensa que está em Paris, mas é Pinheiros mesmo. Veja aqui.

 



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