3.6.11

Um gás salvador

Conservar vinho é uma das mais antigas preocupações do homem. Tem 6.500 anos, pelo menos. Até hoje, ao tirarmos uma rolha ou uma tampa de rosca, sabemos que o vinho na garrafa vai ter pouco tempo de vida, mesmo que voltemos logo a tampá-lo. Por isso, sequer cogitamos em abrir uma garrafa e beber o vinho aos poucos, de tempos em tempos, deixar o que sobrou para semana seguinte ou mesmo para o próximo mês.
E desde que a Terra existe, a solução para esse problemaço sempre esteve diante dos nossos narizes. Melhor, sempre fez parte do ar que respiramos, na forma de um gás inerte, o argônio.
Até aí nada demais: o argônio, um dos três principais gases componentes da atmosfera terrestre, ao lado do nitrogênio e do oxigênio, foi isolado ou “descoberto” em 1894 no Reino Unido e seu nome vem do grego “argon” ou “inerte”.
Que ele combate a oxidação também não é novidade: é usado para conservação de peças em museus, pelo seu comportamento inerte; em lâmpadas incandescentes, evita a corrosão do filamento de tungstênio e também de válvulas eletrônicas; é gás protetor para soldas e tem aplicação medicinal, através de lasers, em cirurgias dos olhos, entre outras.
Como conservante de vinhos, também não é novidade. Quem já não conheceu a Enomatic, esse aparelho com várias garrafas de vinhos, próprios para o serviço em taças? Cada vez que cada taça é servida, automaticamente um jato de argônio é injetado na garrafa. São mais comuns em bares de vinho – onde (até em razão desse equipamento) podemos provar brancos, tintos, rosados e espumantes, à vontade. O que seria improvável fazermos em casa (pelo tamanho e pelo alto preço). O quê, abrirmos quatro garrafas num mesmo dia para dar apenas uma provadinha e deixarmos o que sobrou pra depois? Nos bares de vinho e em alguns restaurantes, o argônio vai garantir que o vinho sobreviva por semanas, por meses até. E como nos viramos em casa? Voltamos à velha rotina de recolocar a rolha ou a rosca na garrafa e torcer para que o vinho suporte por uns dias.
Encomendei de uma amiga que foi conhecer a Califórnia. Ela incluiu na viagem uma excursão por algumas vinícolas do Vale de Napa. Imediatamente pedi que me trouxesse uma novidade que promete transformar esses 6.500 anos de sufoco em solução caseira para a conservação de nossos vinhos.
É a Winesave, que você pode ver aqui. Criação australiana, a Winesave é uma elegante garrafinha de alumínio, bem leve, segura, fácil de manejar e baratinha contendo 100% de gás de argônio, que é inerte, inodoro, insípido, incolor, inócuo, e sem sabor.
Porém, ele é 2,5 mais pesado que o oxigênio. Assim que você serve o vinho e pousa a garrafa sobre a mesa, dá uma borrifadinha de um segundo dentro da garrafa (pelo link acima, você poderá assistir a uma demonstração dessa ação). O argônio, mais pesado, vai ocupar completamente o lugar do inimigo número um dos vinhos, oxigênio, e assentar-se sobre a camada superior do líquido. Melhor vedação, impossível.
A revista inglesa Decanter, onde pela primeira vez li sobre o assunto, afirma que a Winesave é indispensável nas casas dos amantes do vinho, até mesmo por sua simplicidade. E acho também que bares e restaurantes que não podem ter a Enomatic, por questões de tamanho e economia, a utilizarão pela sua praticidade, eficiência e economia.
O grande problema é que a Winesave, que pode ser encontrada em quase todo o mundo, ainda não tem que eu saiba representantes comerciais na América do Sul. Também ainda não vendem online para cá. O que é de tirar o nosso gás.
Mancadas. Mancadas em degustações de vinho, bem dizendo. A primeira delas é beber muito. A amiga que me trouxe a Winesave esteve uma vez em Napa, na Califórnia, o mais badalado centro vinícola do país. E pagou por uma excursão de ônibus a algumas vinícolas. E anotou o seguinte: boa parte das pessoas já descia dos ônibus com uma latinha ou garrafa de cerveja nas mãos. Estavam ali pra encher a cara. E ninguém com a cara cheia vai conseguir provar nada, o que me parece óbvio. O ônibus parou em três vinícolas. Em cada uma, você tem uma provinha (digamos, um terço de taça) de vinho; se provar três-quatro vinhos, teremos aí uma taça completa. Em todos os salões de provas, temos um balde para que o vinho seja cuspido. Afinal, o objetivo é degustar e não beber, entornar o vinho. Alguém usou o balde. Não, ninguém. A turma estava mais a fim de chutar o balde. Minha amiga teve vontade de abandonar a excursão.
A segunda é também muito comum: pessoas tentando impressionar os colegas de excursão e os atendentes das vinícolas com um conhecimento sobre vinho que na verdade não têm. Não é vergonha alguma não conhecermos nada sobre vinhos. Por isso mesmo estamos ali, visitando as vinícolas. Algumas pessoas encheram o saco dos sommeliers da casa, dando palpite em tudo, atrapalhando a degustação. Veja como é fácil transformar-se num enochato, o dono da verdade, falando alto e imperativamente que aquele vinho “é muito ácido”, aquele outro “não é bem o meu estilo”. E vai por aí.
E as pessoas que aparecem super maquiadas e perfumadas. Os batons vão tornar qualquer taça difícil de lavar. Sua mancha só vai sair esfregando-a com as mãos. E os perfumes vão prejudicar nossa capacidade de degustar. A nossa e a das pessoas à volta. Nossos sentidos vão se afastar da taça. Voltaremos a esses probleminhas em breve.
Da Adega

1. Quinta do Rocio 2007, que vem lá da Estremadura, das terras de Pedro Álvares Cabral, com carne vermelha e carne de caça. O vinho é um blend pouco comum de Shiraz, Merlot, Touriga Nacional e Grenache.
2. Paxis Douro 2007, da região do Douro: Touriga Franca, Touriga Nacional e Tinta Roriz. Harmoniza com carnes assadas, peixes no forno, pratos condimentados. E até queijos.
3. Paxis Lisboa 2006, também da Estremadura: Caladoc (um corte de Grenache com Malbec) e Tinta Roriz. Vinho encorpado, com aromas de cerejas pretas, framboesas e especiarias. Vai bem com carnes assadas e recheadas e massas.
4. Las Estrellas Carménere. Como o nome diz, com a cepa que faz a fama do Chile. Frutas vermelhas com notas de pimentão acompanhando carnes, massas e pizzas.
5. Las Estrellas Cabernet Sauvignon. Aromas de cereja e morango para fazer par com carnes grelhadas, massas com molhos vermelhos leves e até queijos meia cura.
Daniel Lage é sommelier formado pelo Senac-SP, tem experiência em hotelaria e restaurantes. Saiba mais sobre a Lusitano Import.



Harmonizações lusitanas. O sommelier Daniel Lage, da Lusitano Import, experiente importadora de vinhos e azeites, apresenta aqui sugestões de harmonização de vinhos (portugueses e chilenos, as especialidades da Lusitano) e alguns pratos:

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