10.6.11

Quem não bebe e não beija

Amiga de longa data está emitindo sinais de fumaça de que algo está para acontecer. Anda me perguntando sobre que vinhos combinam com peixes (e cita truta, salmão, linguado, dourado etc.), com carnes (assadas, ragus, de panela, rosbife, estrogonofe), galinhas (ao molho disso e daquilo). Quer saber também sobre vinhos como aperitivos: o que oferecer antes e depois de um jantar. Essas coisas. Hum...
Pra começar, ela mal entra na cozinha. Seu filhote está naquela fase de comer papinhas. O que é, sem ironias, uma sopa. Comida mesmo, encomenda da cantina que funciona em seu condomínio: é tudo baratinho e bem variado. E, para ela, mais fácil, mais prático. Vive sozinha e trabalha. Deixa o filho numa creche e reserva as noites para se dedicar à cria.
Quanto a beber, ela mal sabe diferenciar vinho de wine cooler. Como não sai, vive inventando reuniões com amigas: ver um DVD, jogar um biriba. É quando eu apareço com uma garrafa de vinho para acompanhar o papo. E ela mal consegue terminar uma taça.
E os sinais de fumaça ficam mais intensos: acabou de me ligar perguntado sobre uma música do Elton John, Elderberry Wine. Quis saber se eu já tinha tomado vinho de sabugueiro (“elderberry”) Se a planta cura tudo, da caxumba ao resfriado. Se é verdade que sua frutinha vermelha dá sorte no amor. Hum, hum! Que eu saiba, os ânimos masculinos ficam quentes e de pé apenas na letra do Elton John.
Fucei mais e descobri que a cara amiga está preparando um jantar para o Dia dos Namorados. Só para dois. Mora ela e seu filho, o ex já foi embora há tempos. O candidato a namorado ainda desconhece existência do herdeiro. O plano é realizar o jantar depois de colocar o garoto na cama. Ela tem certeza do que o inocente (veja como o batido termo está corretamente empregado) vai ficar sossegado no seu quarto enquanto rola o jantar. Vai arrumar sarna pra se coçar.
Os perigos não param por aí. Segundo ela, o convidado é um verdadeiro sommelier. Se ela não distingue um wine cooler de vinho, certamente não sabe bem o que seja um sommelier. “Ah, ele manja muito de vinho!” Por isso, me pede dicas de vinhos para combinar com o que ela não sabe, pois desconhece o cardápio da cantina para o dia 12, a grande data.
Só não entendi muito bem o que ela está querendo com o Elton John. Pergunto se está produzindo uma trilha sonora especial para o jantar. Olha que o garoto acorda e o ágape será a três, com direito a choradeiras.
Não, a idéia era a de criar um CD, só com músicas destacando os vinhos. Um presente para o convidado. Dei cartão vermelho ao que ela selecionou. Por exemplo: “Bebendo Vinho” (com a Banda Ira), “Água em Vinho”, da Adriana; “Baladas” (Nei Lisboa), o infalível “Days of Wine and Roses” (Henry Mancini) e “Cálice”, de Chico e Gilberto Gil.
Pare por aí, amiga! “Bebendo Vinho” fala em alguém que quer morrer “bem velhinho, assim, sozinho, bebendo um vinho e olhando a bunda de alguém”. A cantora gospel Adriana está num embrulho existencial, não sabe dizer direito o que se passa dentro dela e pede ao “Pai” que transforme a água em vinho, pois já não pode ir sozinha...
A belíssima música do Mancini é um ótimo resumo do filme: os “dias de rosas e vinhos” te levam a uma porta do “nunca mais”. Um casal de apaixonados, onde o marido é alcoólatra, transforma a mulher amada numa parceira de birita. Ele consegue parar, mas ela não. E vinho mesmo não é o que não se bebe no filme: é uma metáfora para os Brandy Alexanders e Martinis consumidos em profusão. Uma história triste.
Em “Cálice”, temos um belo manifesto contra a ditadura militar, onde cálice é homônimo de cale-se e a bebida um “vinho tinto sujo de sangue”. O que é isso companheira? A sedução aqui são os nossos direitos, em particular os de pensar e falar. Um cálice que temta na porrada nos afastar deles.
Pronto, deixei minha amiga desanimada. Ela não cozinha, mal bebe, mas quer esse relacionamento. Afinal, vive só, vive em função do filhote. Acha um absurdo que não haja vinho no encontro já que esse, parece, é o dó-de-peito do rapaz.
Penso numa frase de Goethe, mas fico calada. Então, proponho um arranjo dos mais honestos. Vou contribuir com algumas garrafas de vinho: tintos, brancos, espumantes, além de um vinho do Porto. Ela arruma na cantina um cardápio que inclua uma entradinha, um peixe, digamos. E um prato principal, uma carne. Ela charmosamente abre os trabalhos com o espumante. E elegantemente pede que o rapaz selecione os vinhos que melhor combinem com o peixe e a carne. E encerra a festa, pelo menos nessa fase gourmet, com o Porto (um Quinta do Portal Tawny, 20 anos). Ela tem tudo para não ficar embaraçada. Precisa apenas prestar atenção no quanto beberá. Quanto ao resto, não me preocupo, ela já é bem grandinha.
Tem uma ligeira pegadinha: se o rapaz ainda for adepto de regrinhas de combinação, tipo vinho branco com peixe, vinho tinto com carnes, não haverá problemas. Mas se ele for um pouquinho mais atualizado e queira combinar comidas com molhos muito ricos, muito presentes (o que eu acho não acontecerá, pois não é a norma das cantinas) a milha seleção inclui também vinhos ricos (mais encorpados).
Pode ser um clichê, mas amor e vinho sempre andaram junto. Mesa de namorados sempre terá flores, velas, taças e uma garrafa de vinho. A Bíblia já dizia que “o vinho faz a vida feliz” (Eclesiastes 10:19), ele também “alegra o coração do homem” (Salmo 104:15). Ele nos faz feliz, nos alegra e é seduz: “Seus lábios são como o melhor vinho” (“Cântico dos Cânticos 7:9-10).
Acho que minha amiga se sairá bem. A frase de Goethe que engoli é a que segue: “Uma jovem e um copo de vinho curam qualquer necessidade; quem não bebe e não beija está pior que morto”. Minha amiga mal bebe, mas sabe beijar. Morta é que ela não vai estar. Semana que vem conto o final desse jantar.

Da Adega
Para os namorados. Eis o que selecioneis para mandar para a minha amiga. Foi fácil, pois a mídia especializada está sempre me enviando novidades. Por exemplo: enviei dois espumantes. Um, o Nero Rosé, da Domno do Brasil, empresa do Grupo Famiglia Valduga, localizada no Vale dos Vinhedos (RS). No Rio, consulte a Lidador. Em Sampa, veja na Specialitá Vinhos, Metapunto ou na Liquor Store. O outro, o premiadíssimo Baccio na versão Brut, safra 2010, produzido pela Famiglia Zanlorenzi (menção honrosa no The International Wine Challenge 2011, realizado em maio, em Londres).
Para tintos encorpados selecionei o Aurora Reserva Tannat 2009 e o Aurora Pequenas Partilhas Carmenère. Também da Aurora, separei o Reserva Chardonnay (veja onde encontrar no site) e o chileno Tabali Reserva Sauvignon Blanc (que ainda não experimentei; deixo por conta dos casal).
Estou ainda catando mais um par de vinhos. Afinal, não quero que minha amiga apresente um batalhão de ofertas. Mas por hoje, chega.
Leo Bello. Vocês todas sabem que o rapaz é o grande campeão brasileiro de pôquer, o homem que está na origem do sucesso da modalidade de jogo que pratica, o Texas Hold’em, que se transformou-se numa coqueluche por aqui.
Pois não é que o Leo Bello tuitou: “Um dos blogs mais interessantes e divertidos sobre vinhos que conheço é o da Sonia Melier”. Veja em: http://twitter.com/#!/leobello E eu falando em biriba. Aprenda a jogar pôquer com o Leo.



Nenhum comentário: