4.9.11

Nade de costas

A amiga finalmente conseguiu uma dica de programa para o fim de semana. Encontrou-a num site especializado: um restaurante é muito elogiado por sua clientela: um cardápio inovador e uma selecionadíssima carta de vinhos. Os elogios eram muitos. Ela não sabe direito como chegou ao site, pois colhe muitas dicas no Facebook, no Linkedin, no Twitter e ainda no velho e-mail.
 Saiu do restaurante pra lá de decepcionada, diria até que revoltada. Sentiu-se roubada, no serviço, nos pratos e nos vinhos, sem falar da conta. Leu no site a opinião do que seria um frequentador: os vinhos em taça eram maravilhosos. Nada disso: só resto de garrafa de vinhos de péssima qualidade.
O que talvez a amiga não soubesse é que, há anos, esse logro se repete na Internet. O mar não está pra peixe. A tal opinião do freguês não é falsa, não. Ela é verdadeira, só que o freguês vendeu a opinião dele. Como a Internet, principalmente agora com as tais redes sociais, tem a capacidade de rapidamente multiplicar informações, criar burburinhos (buzz), a dica chegou a ela como num passe de mágica.
Existem sites e serviços especializados. E como não poderia ser diferente, a prática chegou aos vinhos, como no exemplo abaixo:
“Ofereço um Guia de Vinhos que ensina como escolher diferentes vinhos e vai transformá-lo num profissional capaz de fazer bonito numa degustação – tudo por cinco dólares”.
E a pessoa que compra esse guia certamente não sabe nadica de vinhos. Quer apenas fazer bonito ou até usar esse “trabalho” para vendê-lo como se fosse seu. Mesmo à custa de uma fraude. Veja aqui. O “moneyman94” que oferece esse trabalho, mostra até a cara. Ele certamente pode escrever loas sobre qualquer vinho ou vinícola, que irão aparecer num site como um peixinho para você pescar.
O site Fiverr vende de tudo: de lições de espanhol à criação de slogans “cativantes” para qualquer tipo de produto ou pessoa, com direito a menções na Internet ou em qualquer outra mídia (num programa de rádio, por exemplo).
Todas as ofertas são baratinhas, apenas cinco dólares, como já indicado no nome do site. Vendem de tudo, sonetos shakespearianos, gritar repetidamente o nome de sua empresa o mais alto possível, promover um negócio ou seu website para milhares de pessoas. Claro, se o negócio é bom, lícito etc., não importa.
Você escreve um livro e por um trocadinho é transformado num novo Rubem Fonseca, pois encomendou “críticas” favoráveis que enrolarão a freguesia. Estou enganada ou o nome disso não é falsidade ideológica?
A justiça americana não tem dúvidas: é crime. Em 2010, a Reverb Communications, da Califórnia, foi “parada” pelo Procon americano (Federal Trade Comission) por publicidade enganosa. A Reverb, agência de promoção e RP, simplesmente fez com que seus funcionários escrevessem resenhas positivas para os jogos eletrônicos de seus clientes nas lojas da Apple iTunes. O caso é que omitiu que recebia por isso. Acionada, a Reverb, claro, botou e galho dentro e removeu da Internet aquelas “críticas”.
Em 2009 foi a vez da Lifestyle Lift, empresa de cirurgia plástica (ou cosmética, estética): ela teve que pagar uma multa de US$ 300 mil pelos falsos testemunhos sobre seus produtos/serviços na Internet. A empresa colocou anúncios na mídia, tipo “antes e depois”, considerados mentirosos, pois na prática os resultados foram desastrosos para as usuárias. Você pode ver uma matéria publicada no YouTube (partes 1 e 2) ou no Times. Aqui, é a sua pele que está em jogo, muito mais do que seu bolso. Você acredita numa opinião, no “depois”. E fica desfigurada.
A prática é antiga e, segundo matéria recente do New York Times, dezenas de milhares de avaliações (sobre qualquer coisa: publicações, produtos, serviços) são pagas. Mas, diferente de um anúncio formal, onde temos a assinatura e logomarca do responsável, essas parecem opiniões inocentes, honestas, singelas. Sites da importância do Amazon, o maior varejo virtual do mundo, Digital Point, entre outros. A Amazon, inclusive, possui um serviço, o Mechanical Turk, que paga por resenhas.
Essa prática é tão preocupante que levou pesquisadores da Universidade de Cornell a uma investigação. “Evoluímos por 60 mil anos aprendendo a falar cara a cara com as pessoas. Mas agora estamos nos comunicando virtualmente. E parece que está bem mais difícil identificar fraudes”, comentou um professor de ciência da comunicação da Cornell, T. Hancock.
Nos “comentários” que lemos nesses sites, como distinguir o falso do verdadeiro? O pessoal da Universidade desenvolveu um algoritmo (espécie de receita de bolo, onde os passos se repetem mecanicamente, sem que necessitem de decisões lógicas) e chegou a um padrão para as resenhas falsas.
Elas tendem a ser narrativas, falando de sua experiência num hotel (ou livro, vinho, casa, apartamento, torradeira, carro, o que for), sempre usando superlativos (o máximo!!, sem igual!!, cinco estrelas!!, deslumbrante!!, inesquecível!!), sem entrar no descritivo (pudera, a pessoa nunca esteve no lugar ou provou o vinho ou usou a torradeira). E sempre usando a primeira pessoa (eu isso, eu aquilo), para reforçar a credibilidade – num tempero onde se acrescenta “família”, para dar segurança: ninguém leva a família para um frege. “Estive com minha família em Brogodó, e o Timóteo Cabral é uma flor de pessoa, nada disso que falam por aí”.
Já outros comentários, garantem que Seráfia é bem pior. Pois é, a concorrência é diabólica. Temos também uma enxurrada de resenhas negativas. Se um dentifrício limpa mais branco pra uns, é um desastre para outros. Em quem acreditar? Veja a matéria no site especializado em reclamações do consumidor, o The Haggler (mais ou menos, “O Pechincheiro”).
Com relação diretamente aos vinhos, quem frequenta o CellarTracker, que tem mais de dois milhões de resenhas de vinhos feitas por clientes avulsos, ou o Snooth, que se proclama possuidor do maior banco de dados de vinhos do mundo, tem o direito de desconfiar que haja no meio alguma coisa “comprada”, algum abuso. Ambos vendem vinhos virtualmente. Acontece que ao lado de cada resenha temos um link para que o usuário possa checar o valor do comentário. Os perigos parecem menores.
Estamos, portanto, falando de uma Internet democrática, sem dúvidas, mas cada vez mais cheia de mentiras e de meias-verdades, a mais covarde das mentiras. Para quem frequenta redes sociais, faça como os passarinhos, que só dividem a minhoca quando seguros em seus ninhos. Portanto, a recomendação é a popular, mas infalível: em rio que tem piranhas, jacaré nada de costas.
Da Adega
III Serra Week. Se você quer mesmo ajudar a Serra a se recuperar do desastre do verão passado, prestigie a terceira edição do Serra Wine Week, evento realizado por restaurantes e hotéis da Serra (Petrópolis, Araras e Itaipava), que vão oferecer vinhos com preços especiais, jantares harmonizados, tudo com preço fixo.
Os vinhos serão fornecidos pela importadora Gran Cru, que selecionou importantes rótulos italianos, franceses, espanhóis, portugueses e chilenos para combinar com a oferta culinária, que vai da comida italiana à japonesa. Consulte o site do evento e saiba mais sobre a programação. Atenção que o Serra Wine Week começa dia 15 e encerra 25 de setembro. Não perca. Ajude a Serra.
Degustação Sensorial. Antes de partir para a Serra, não perca a Degustação Sensorial dia 14, às 19h30min, na SBAV-RJ (Sociedade Brasileira de Amigos do Vinho). Você vai degustar vinhos às cegas e ser estimulado a analisar a bebida através do tato, visão, audição, paladar e olfato. Logo, não precisa ser um expert em vinhos. A prova será conduzida por Cacá Azevedo, da SBAV, que utilizará recursos como lápis de cor para desenhar, esferas para traduzir o volume na boca e caixas de fósforo para reproduzir sons e texturas para o tato. Mais informações pelo telefone (21-2537-2424) ou pelo site.
Sommelier por lei. A presidente Dilma sancionou por fim a lei que regulamente a profissão de sommelier no Brasil (lei 12.467 de 26 de agosto de 2011). Agora, sommelier é o profissional tecnicamente formado, que à data da sanção da lei já exerça a função há mais de três anos. É o encarregado de executar serviço especializado de vinhos em empresas de eventos gastronômicos, hotelaria, restaurantes, supermercados, enotecas, companhias aéreas e marítimas. Obrigadíssimo, presidenta. Tinha mesmo que ser uma mulher para dar uma melhorada na nossa casa. Agora, falta baixar os impostos do vinho.

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