21.9.11

Uma vida boa

“Essa é uma carta difícil de escrever porque, quando postada, servirá para informar aos membros do fórum, convidados e amigos que eu morri”. Daniel Rogov, um dos mais influentes críticos de vinho e gastronomia que o mundo conheceu, postou seu próprio obituário apenas três dias antes de morrer, no último dia 7, em Telavive.
O grande crítico está se dirigindo aos participantes do fórum que moderava no Wine Lovers Page, onde também produzia artigos, além daqueles que publicava no diário israelense Ha’aretz.
Descobri Daniel Rogov na Internet, lá pelos idos de 2000, num site aparentemente já desativado, o stratsplace.com. Somava dezenas e dezenas de artigos sobre história, literatura, costumes quase sempre a partir de culinária, bebidas em geral e, claro, dos vinhos. Daniel queria, sobretudo, nos ensinar: “vinho e comida não são simplesmente coisas que entram em nosso corpo. São um reflexo de nossa antropologia, história, psicologia, necessidades sociais e, claro, prazer”.
Ensinava entretendo, com muito humor. Por ele ficamos sabendo quem foi a Suzette do famoso e flambado crepe, e como o pai do romantismo, François-René de Chateaubriand inventou o famoso bife, hoje mais famoso do que seu prolífico autor, sempre na cabeceira de Machado de Assis. Com Daniel aprendi como se faz o empadão de alho-poró, criado em homenagem a Lucrécia Bórgia para um de seus casamentos (e sem usar poções venenosas, especialidade da família).
Ele vai dos dois Apicius a Zola, do Maxim’s em Paris, ao Castelinho, em Ipanema nos ensinando uma centena de pratos, suas histórias, os costumes e os drinques e, sobretudo, os vinhos consumidos no percurso: temos a Sopa à Apicius (ou seja, do segundo deles, Gavius Apicius, autor do mais antigo livro de culinária, ainda em uso, De re coquinaria (“Sobre culinária”), a Perdiz à Borgonha, do Marques de Sade, os Bolinhos de Lagosta ao Molho de Camarão do jornalista norte-americano A. J. Liebling, que fez a fama da revista The New Yorker; o Fois Gras Sautéed (ou salteado) de Hemingway, seu preferido em Paris; o pato de Alice B. Toklas (escritora, magnífica cozinheira e eterna parceira de Gertrude Stein), temperados sempre com eau de vie, a guerra entre o braço britânico e o ramo francês dos Rothschilds (Château Mouton Rothschild vs Château Lafite).
Há tempos, procurava material especial para a Páscoa e me socorri em Daniel, lendo o que escreveu sobre o que se comia na Terra Santa em 2000 a. C. E lá estão dicas valiosas sobre o que foi comido e bebido por Jesus e seus discípulos na famosa Última Ceia. A matéria gerou polêmica; a turma que não admite que Jesus e seguidores tenham consumido uma bebida alcoólica protestou. Na Bíblia, onde se lê vinho querem que seja suco de uva. Só não posso é negar sete mil anos de evidências arqueológicas e químicas. Que milagre seria transformar água em suco de uva? Se fosse suco, a Bíblia não pediria moderação ao bebê-lo.
Mais recentemente, Rogov me passou dicas valiosas sobre a organização de degustações de vinho em casa, os bistros à vin (wine bars) de Paris (“dos poucos lugares de Paris onde se pode escapar das hordas de turistas e aprender muito sobre vinhos”) e um bocado sobre caviar, “a iguaria definitiva”, da qual Daniel nos oferece até uma receita, de Blinis com caviar, “a preferida do Tsar Nicolau II”.
Viajou um bocado. Esteve até no Rio de Janeiro, em fins de 1960. Daqui ele lembra um “wine bar-bistro”, localizado “na praia de Ipanema na interseção com a Rainha Elizabeth”. “Todas as suas paredes internas eram feitas de garrafas de vinhos dispostas horizontalmente. Um charme absoluto…” Será que Daniel conheceu o célebre Castelinho, reduto da boemia que transformou o bairro numa República independente, conhecida em todo o mundo? Foi o primeiro “point” da praia. Será que a caipirinha lhe escapou? Duvido.
Daniel Rogov nasceu nos Estados Unidos, filho de imigrantes judeus russos, financeiramente confortáveis e bem equipados culturalmente, para quem vinho e boa comida eram importantes.
Mal completou o secundário e suas boas notas lhe valeram um presente de viagem a Paris. Logo se apaixonou pela cozinha e vinhos locais. Chegou e ficou: foi em Paris onde começou sua carreira jornalística. Começou a enviar matérias sobre comida e vinhos para revistas e jornais da América e mais tarde para publicações francesas e suíças. Não queria nada com trabalho físico. Preferia acionar sua cachola. Ninguém conhecia quem era Daniel Rogov. “Não sabia nada sobre comida ou vinho, mas pense bem: nem os americanos”, diz Rogov. “Era tudo na base da Betty Crocker” (personagem criado pela General Mills em 1921, rapidamente transformado num símbolo culinário da América de antanho: dava receitas, respondia a perguntas das donas-de-casa e criava produtos prontos. Aqui no Brasil tivemos uma equivalente, criada pela antiga Fleischman-Royal, nos anos 60: a nutricionista Maria Silveira, de grande sucesso). Naquela época éramos todas “do lar”.
Depois de anos viajando pelo mundo, resolveu conhecer Israel, onde chegou em 1976. “Era quente o bastante para pegar uma praia, por isso fiquei”. Não foi só o clima que o motivou: trouxe com ele o endereço de uma amiga feita na França. Juntaram-se novamente e juntos ficaram até a sua morte. O casal tem uma filha que mora nos Estados Unidos.
Na sua chegada, os vinhos de Israel eram um xarope apenas tolerado nas ceias de Páscoa, nada que valesse a pena comentar. Na mesma época, um professor da Universidade da Califórnia em Davis em visita ao país aponta uma região ao norte, as Colinas de Golan (entre Israel, Síria, Líbano e a Jordânia) como ideais para o cultivo de vinhas. Daniel talvez tenha sido o primeiro a promover a região. Aliás, ele é considerado como o um dos responsáveis pelo grande salto de qualidade conseguido pelos vinhos do país, hoje aplaudidos pela crítica internacional.
Nome respeitado em todo o mundo, Daniel Rogov, além de crítico de vinhos e gastronomia do jornal Ha’aretz e autor de guias de vinhos israelenses sempre procurados, foi consultor de Hugh Johnson, um dos mais respeitados autores e críticos de vinho do planeta, para a Modern Encyclopedia of Wine e os Pocket Wine Book. Para o prolífico Tom Stevenson, outro grande autor, reconhecida autoridade em champanhe, contribuía para o Wine Report.
Muito pouco se sabia sobre a vida privada de Daniel. Rogov era como se assinava, mas seu sobrenome era Joroff. Até mesmo sua idade correta não é conhecida. Falam que morreu aos 70 anos, mas todos afirmam que tinha muito mais.
Para seus seguidores no fórum do Wine Lovers Page, deixou no último dia 7, o seu obituário, “uma carta difícil de escrever”, tinha consciência que sua morte era iminente. Estava mal (morreu de câncer no pulmão), o final não foi fácil, mas “consegui manter-me à custa do meu otimismo”. Quanto à comida e ao vinho, “escrevi sobre eles por todos esses anos com um profundo sentimento de amor e devoção, ambos emocional e intelectual”. Ele se considerava um Umberto Eco do vinho, escrevia de modo a deixar o leitor inteligente chegar às suas próprias conclusões. Ao final da carta, a nota de otimismo e esperança para os vivos: “No fim do dia, foi uma vida boa”.
Da Adega
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A Aurora foi longe. Está chegando agora na Nova Zelândia e com isso se faz presente em todos os cinco continentes. Os neozelandeses, com ótima mão para vinhos com a Sauvignon Blanc e Pinot Noir, vão agora poder experimentar nas festas de fim de ano do Espumante Aurora Boreal Moscatel.
De quebra, a vinícola de Bento Gonçalves conquistou seis prêmios no Vinus 2011, em Mendoza, com os espumantes Marcus James Demi-Sec (ouro duplo), Aurora Brut Chardonnay (ouro) e Conde de Foucauld Branco Brut (ouro). Medalhas de pratas foram conquistadas pelos espumantes Aurora Moscatel Rose, Aurora Pinot Noir Brut e Marcus James Brut. Saiba mais.

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