17.11.11

As grandes jogadas

Neste 17 de novembro, a terceira quinta-feira do mês veremos mais uma vez o lançamento mundial do Beaujolais Nouveau. Por mais que uma pessoa viva com a cabeça enfiada na terra, como uma ema (ou avestruz, você escolhe), já ouviu sobre esse vinho e sua aparição mundial nos 17 de novembro. Acontece em meio a muito estardalhaço, festivais, em todo o mundo desde 1985. Antes, a promoção se restringia à França, mais precisamente à região de Beaujolais. Já escrevi aqui sobre isso aqui, em 2006, quando venderam 60 milhões de garrafas (“O Nouveau e as panaceias”).
Pois só esse ano, o Beaujolais Nouveau 2011 deverá vender mais de 67 milhões de garrafas em todo o mundo, um terço ou mais do que produz toda a região. Um vinho fresco, engarrafado apenas 6-8 semanas depois da colheita, feito para ser bebido logo. A maior parte da produção, 60%, fica na França. O restante viaja pelo mundo: os japoneses, grandes fãs do vinho, ficaram esse ano com sete milhões de garrafas.
O blogueiro Steve Heimof classifica o Beaujolais Nouveau como o maior esquema de marketing da moderna história do vinho. Mas ele chama atenção para outros grandes esquemas para vender mais vinhos. Vejamos:
1. O Paradoxo Francês: em 1991, o cientista francês Serge Renaud foi entrevistado pelo programa “60 Minutes”, da TV americana CBS, e explicou que, em razão principalmente do vinho tinto, os franceses tinham muito menos problemas cardíacos que os americanos, mesmo com uma dieta muito mais rica em gordura. Houve uma verdadeira revolução no mundo dos vinhos: com uma multidão correndo atrás do vinho, em particular o tinto (e, através dele, do hoje famoso resveratrol), para resolver problemas de saúde.
2. O Julgamento de Paris. Ele aconteceu em 24 de maio de 1976, criado e organizado pelo inglês Steven Spurrier, autor, crítico e comerciante de vinhos com forte base em vinhos franceses. Ele promoveu um confronto em vinhos da Califórnia e de Bordeaux. O “julgamento” resultou de duas degustações às cegas: uma para Chardonnays e outra para Cabernets (ou blends de Cabernets), todos topo de linha das duas regiões. Ao todo, foram onze jurados, mas as notas de Spurrier e da americana Patricia Gallagher não foram consideradas, deixando assim nove jurados franceses, sumidades em vinho todos eles. O resultado é sabido: os vencedores foram o tinto americano Stag’s Leap (concorrendo com um Mouton Rothschild, por exemplo) e o branco, também americano, o Château Montelena (à frente dos grandes borgonhas presentes). Virou livro e filme.
3. Sideways, o filme. Com base na novela quase autobiográfica de Rex Picket, o filme de 2004, dirigido por Alex Paine, colocou o vinho efetivamente na história do cinema. Claro que promoveu além de promover os vinhos em geral e as lindas vinícolas da Califórnia, fez a Pinot Noir disparar nas vendas, dando uma senhora derrubada na Merlot. É uma história simples, que viajam para provar vinhos. E descobrem muita coisa a respeito deles mesmos. Também já escrevi sobre o filme aqui, logo que saiu.
4. Cult Cabernet. É mais um fenômeno californiano: vinhos feitos com a Cabernet, que alcançaram celebridade (como é caso do Stag’s Leap, com justiça), criados por vinhateiros famosos, reputados, acompanhados por ótimas resenhas e produzidos em pouquíssima quantidade (como resultado, seus preços são altíssimos). São vinhos de boutique, com uvas colhidas à mão e selecionadas uma a uma, às vezes em duas tentativas. Formam uma elite e muitas vezes o consumidor tem de entrar numa longa fila para conseguir uma garrafa, quando consegue. E vai pagar caríssimo.
As marcas mais conhecidas seriam: Marcassin, Screaming Eagle, Bryant Family, Araujo, Shafer, Harlan Estate, Dalla Valle, Colgin, Grace Family etc.
Talvez pudéssemos acrescentar dois itens na lista do blogueiro:
1º) Fumé Blanc. Em 1968, entre o assassinato de Martin Luther King, o sucesso do musical Hair, a ofensiva do Tet no Vietnam e a invasão da Checoslováquia pelos russos, inesperadamente aparece no mercado o Fumé Blanc. Um novo vinho francês?
É que o hoje lendário vinicultor (e grande divulgador do vinho) Robert Mondavi, tão americano quanto Michael Corleone, comprou uma grande quantidade de uvas Sauvignon Blanc de um produtor local. Ora, as Sauvignon da Califórnia não vendiam muito bem naqueles dias, tinham paladar muito herbáceo, gramíneo. Daí que Mondavi decidiu por uma cortina de fumaça. Fez o vinho e o colocou em barris de carvalho para madurar.
Daí o nome o “fumé”, defumado pelo carvalho, um nome francês para emprestar prestígio e lembrar o vinho aos Pouilly-Fumé do Loire. Deu certo, certíssimo: as vendas foram às alturas. E vende até hoje. Fumé, inclusive, é reconhecido oficialmente como vinho feito com a Sauvignon Blanc, embora a maioria do consumidor americano até hoje não repare nisso.
2º) A Classificação de 1855. Pois nesse ano, o imperador Napoleão III, imperador da França, sobrinho do grande Napoleão, decidiu realizar uma Exposição Universal em Paris. Seu título oficial foi Exposition Universelle des produits de l'Agriculture, de l'Industrie et des Beaux-Arts de Paris. Segundo os desejos do imperador, os vinhos deveriam ser destaque entre os produtos agrícolas e para isso chamou a Câmara de Comércio de Bordeaux para organizar uma exposição.
Essa a origem da famosa “Classificação Oficial de Vinhos de Bordeaux de 1855”. A tarefa representava um vespeiro, mas os comerciantes conseguiram uma lista, hoje famosa e ainda pouco alterada. São 58 châteaux, ao todo: quatro premier crus, 12 seconds, 14 troisièmes, 11 quatrièmes e 17 cinquièmes crus.
Foi a primeira classificação desse tipo no mundo. A classificação acontecia pelos preços que os vinhos conseguiam no mercado, num critério que considerava não os preços do ano anterior, mas de centenas anos passados. Claro que é uma lista que justifica polêmicas. Sem dúvidas, contudo, foi ela que estabeleceu a região de Bordeaux como uma das fontes mais confiáveis de vinhos finos de toda não só de toda a Europa, mas de todo o mundo, muito antes, claro, que se pudesse pensar que poderíamos ter vinhos finos de qualquer outro lugar.
Acabou sendo uma senhora jogada mercadológica. Os vinhos de Bordeaux continuam sendo o grande padrão de qualidade e ajudaram a criar uma mística, com rótulos, classificações complicadas, além de preços assustadores, que serviu paradoxalmente para aumentar mundialmente o interesse na bebida. E até hoje o modelo de Bordeaux (ou da França), no que diz respeita a vinhos, é imitado.
E talvez justifique uma promoção como a do Nouveau. Afinal, “vinho jovem” ou "vin primeur", a Itália e muitos outros países também fazem. Os vinhos finos já estão pra lá de promovidos, via Bordeaux. Mas poucos conseguiram dar uma levantada em seus vinhos simples com tamanho sucesso. O problema é quanto gastam em transporte aéreo: um terço daquelas 67 milhões de garrafas chega aos seus destinos via área, elevando em muito a pegada de carbono, tornando pior os gases do efeito estufa. De qualquer modo, o pessoal de Beaujolais conseguiu transformar o Nouveau no vinho mais conhecido do mundo.
Da Adega
8º Concurso Nacional de Vinhos Finos e Destilados do Brasil, uma realização do Concurso Mundial de Bruxelas (considerado o mais importante e um dos maiores do mundo), realizado em Santana do Livramento (RS), de 12 a 14 de novembro, premiou 57 vinhos e Oito cachaças com medalhas Grande Ouro, Ouro e Prata.
Entre os vinhos, sete foram contemplados com medalha de Grande Ouro, 30 com medalhas de Ouro e 21 com Prata (veja a relação completa a seguir). Desses, o vinho Dom Pedrito Sauvignon Blanc 2011 foi escolhido como o “Vinho Branco do Ano de 2011”, o Espumante Habitat Dom Bonifácio Champenoise Brut 2009 o “Espumante do Ano de 2011” e o Salton Desejo 2007 o “Vinho Tinto do Ano de 2011”. Esta edição contou com um júri de 13 especialistas, brasileiros e estrangeiros, que avaliou as cerca de 200 amostras inscritas em provas às cegas, dentro dos padrões internacionais e do rigoroso controle técnico da entidade belga.
De acordo com Eduardo Viotti, diretor da revista Vinho Magazine e responsável pelas degustações do concurso, as oito edições têm apresentado uma média de notas sempre crescente, o que atesta a rápida e segura evolução da qualidade média do vinho brasileiro ao longo dos oito anos em que o evento é realizado no Brasil.
Os sete jurados estrangeiros, experientes jornalistas especializados de Nova York (Marc Golodetz) e San Francisco (Willian Blake Gray), dois jurados de Paris (Xavier Leclèrc e Marie Joanna Roginska) e dois de Montevidéu (Isabel Mazzucchelli e Daniel Arraspide) e também da Alemanha (Walter Eberenz) e de Bruxelas (Baudouin Havaux, presidente do júri), foram unânimes em reconhecer a alta qualidade alcançada pelos vinhos finos brasileiros e o nível médio excelente da produção.
Completaram o time de degustadores os experts, jornalistas e sommeliers Helena Hamu Mattar, Eduardo Viotti, Didú Russo, César Adames, Jairo Monson e Affonso Ritter.
Também foram premiadas cachaças nacionais, representando a mais típica e autenticamente brasileira de todas as bebidas. Os destilados premiados foram:
Cachaça Branca Itagibá Descansada (Itagibá) - Grande Ouro; Cachaça Colônia do Pito Ouro (Antonio Dias) – Grande Ouro; Cachaça Casa Bucco Envelhecida (Casa Bucco) – Ouro; Cachaça Branca Casa Bucco (Casa Bucco) – Ouro; Cachaça Branca Calor Brasilis (Casa Bucco) – Ouro; Cachaça Bendita Excelência (Bendita) – Prata; Cachaça Poesia Branca (Poesia) – Prata.
Para quem não tem o costume de dar uma pro santo, cachaça descansada é aquela que, após produzida, fica armazenada em recipiente neutro, por algum tempo (normalmente de 2 a 4 meses), de modo a ter tempo de saber o que vai ser de sua vida. Fica lá, encucando como vai nos encantar quando pudermos servi-la.

Nenhum comentário: