8.4.05

Teimosia

Essa é uma história sobre teimosia, obstinação, vontade. Começa num lugar improvável para os vinhos, a Fazenda Santa Maria, no Vale do São Francisco, em pleno sertão nordestino, distante uns 500 quilômetros de Recife.
A fazenda é na verdade uma vinícola e produz duas safras por ano. Seu vinho principal, o Rio Sol, está vendendo o que quer na Alemanha, Holanda, Finlândia e agora chega à Inglaterra e já está seduzindo consumidores e críticos de vinho.
A Santa Maria pertence ao médico Henrique da Fonte. Depois de praticar psiquiatria no Recife, Rio e Paris, escolheu ficar perto da terra de sua família e alimentou o sonho de fazer seu próprio vinho.
Fez contato com Carlos Moura, 31, diretor da empresa portuguesa Dão Sul, que buscava terras no sul do Brasil para instalar uma vinícola. O sul é o reduto tradicional dos vinhos brasileiros, mas seu clima é muito úmido.
Entra em cena, então, Otávio Piva de Albuquerque, o presidente do Grupo Expand, pioneiro distribuidor de vinhos no país, importante importador, dono de uma cadeia de wine bars no Rio e na sua São Paulo e sobretudo grande incentivador da bebida entre nós.
Está criado assim o projeto ViniBrazil, cujo resultado mais recente é o Rio Sol.
A Fazenda é banhada pelo Rio São Francisco. Os agricultores têm sempre que ficar de olho nos jacarés: às vezes eles saem do rio e podem morder o pessoal que está nas videiras.
Nesse clima quente, conseguem-se duas colheitas por ano nos 200 hectares de vinhas de Cabernet Sauvignon e Syrah, de onde saem as uvas para a produção do Rio Sol. Em outras áreas são feitas experiências com variedades portuguesas e francesas.
Se fossem deixadas ao acaso, as vinhas poderiam produzir até cinco safras a cada dois anos em razão do clima quente. Mas, diz Moura, “é o caso de irmos aprendendo. Não há livro sobre a produção de vinhos nessas condições. Portanto, estudamos tudo o tempo todo".
O caso é que água não falta e regulando o seu suprimento podem controlar o desenvolvimento do vinhedo e chegar a duas safras anuais. A água vem de uma enorme bacia, do tamanho do País de Gales, formada por uma represa do São Francisco.
Essa história é contada pelo repórter e crítico de vinhos inglês Andrew Catchpole, do jornal Telegraph.
Diz ele que, se substituirmos os crocodilos por cangurus e os coqueirais pelos eucaliptos australianos, o vinhedo de Santa Maria poderia estar na Austrália – país que reflete o estilo do Rio Sol.
O crítico inglês afirma que esse vinho tem tudo para seduzir o consumidor estrangeiro: é um tinto fácil de beber, apetitoso, cheio de frutas. Tão bom quanto argentinos, chilenos e uruguaios que fazem as glórias dos vinhos do Novo Mundo no exterior.
Catchpole até arrisca que a nossa Caipirinha, até agora a maior contribuição brasileira para o mundo das bebidas, já tem um concorrente sério, o Rio Sol, “um vinho fora do comum, atraente”.
O crítico inglês avalia o Rio Sol Cabernet/Syrah 2003: abundantes aromas de frutos, com destaque para o cassis, e com bastante corpo para enfrentar os sabores da cozinha rústica da Itália e da península Ibérica. É vendido nas lojas da Expand por R$ 24,80.
O enólogo, crítico e historiador Carlos Cabral, que acaba de nos brindar com a “Presença do Vinho no Brasil”, uma minuciosa, surpreendente e valiosa história do vinho em nosso país, do momento em que chega com Cabral ao Brasil, até os dias que correm, nos fala do “fetiche da mercadoria”.
“Não consumimos apenas o produto, mas também (ou talvez sobretudo), a marca, a procedência, a tradição, ou seja, tudo aquilo que individualiza e diferencia um produto de um similar qualquer”.
Cabral conta de nossa teimosia em produzir vinhos de qualidade, sobretudo a partir da revolução promovida pelos imigrantes italianos no Rio Grande do Sul, construindo uma indústria nacional que só faz crescer e melhorar. E se estender, pois já chegou a uma região inesperada, no vale do São Francisco, origem do Rio Sol.
O fato é que o tal fetiche não está resistindo à nossa obstinação, a vontade de ter sempre um vinho à nossa mesa – fato que, aliás, não deixamos de ter desde Cabral, o navegante, o que é confirmado por Cabral, o historiador.
O feitiço perde forças e a hora está chegando para o vinho nacional, sem ufanismos.A matéria do inglês Andrew Catchpole está no Telegraph.
O livro “Presença do Vinho no Brasil: um pouco de história”, de Carlos Cabral, é da Editora Cultura, São Paulo (código ISBN 85.293-0070-X). Acaba de ser lançado e você não pode deixar de lê-lo.
Se quiser mais dicas sobre o Rio Sol e o livro do Carlos Cabral (onde comprá-lo ou encomendá-lo) é só clicar para a Soninha no soniamelier@terra.com.br

Um comentário:

Anônimo disse...

Por que nao:)