26.3.05

Se você vai a uma degustação

Só saia de casa depois de bem alimentada, com o estômago devidamente forrado.
Arrume um motorista que não beba. Ou vá de táxi, ônibus. Mas não dirija – depois da degustação, claro.
Numa degustação profissional, temos cuspidores à disposição – aqueles baldes especiais para deitarmos fora o vinho que está em nossa boca.
Mas na maioria desses eventos, não diretamente dirigidos a degustadores profissionais, não temos esses cuspidores. Temos que beber o vinho mesmo. Afinal, formos ali para isso.
Tomemos o caso da degustação dos vinhos uruguaios, que vai acontecer dia 4 de abril (veja o post abaixo: “Os bons vinhos do vizinho”). Serão apresentados vinhos de 15 vinícolas.
Caso você consiga o improvável, ou seja, provar apenas um vinho de cada bodega, consumirá 15 taças, com pequenas porções de vinho, que modestamente consideramos equivalentes a 8 taças regulares. É muito vinho colocado em seu sistema num espaço de mais ou menos duas horas. É muito pouco tempo.
Logo, não dirija. E beba água após cada taça de vinho. Isso vai hidratá-la, além de evitar que os sabores da primeira taça se confundam com os da segunda – e assim por diante.
Cheire o vinho, em primeiro lugar. Coloque a taça no balcão, gire-a gentilmente (o balcão estará servindo de apoio mais seguro; você pode até fazer isso segurando a taça, mas se não tiver prática, arrisca salpicar de vinho os seus vizinhos). Isso ajudará a que os aromas naturais do vinho sejam liberados. Aproxime a taça de seu nariz e dê uma boa inalada.
Você gosta de vinhos, está ali para conhecer novos rótulos, novas uvas, novos blends, vinhos de outras regiões ou países. Não precisa se preocupar com as palavras para descrever os aromas percebidos por essa inalada. Isso é coisa para os críticos de vinhos, que têm um vocabulário todo especial, muitas vezes lotado de pernosticismos intraduzíveis ou ridículos.
Apenas force um pouco a sua memória: você pode perceber desde aromas de chocolate, baunilha, de grama, de frutas, de flores, de ervas, especiarias, de leite, manteiga e até mesmo de suor, papelão mofado, xixi de gato, óleo diesel. Enfim, quanto mais aromas você detectar, melhor o vinho perceber. Nesses casos, os críticos chamam o vinho de complexo. Ele é mais rico, tem mais qualidades.
O vinho talvez seja a única bebida a proporcionar tanto prazeres intelectuais quanto sensoriais. Deixe os gostos intelectuais com os esnobes, por enquanto, e se entregue aos seus sentidos, treine-os.
Bom, você já deu aquela aspirada e percebeu um punhado de aromas. Já pode provar?
Não, ainda não. Antes, coloque a taça de volta no balcão e agite-a novamente. Mais ar fará contato com a bebida e isso permitirá que você examine melhor a sua cor, sua transparência e clareza.
Os vinhos não devem apresentar-se enevoados. Devemos poder ver até o outro lado da taça. Em alguns deles, você notará algumas partículas, sedimentos naturais de um vinho que não foi filtrado, pois o produtor procurou não retirar elementos naturais da bebida. Normalmente, esses sedimentos não representam problemas. Para melhor examinar a sua cor (repare na variação de cores, do centro da taça para a borda), coloque a taça contra um guardanapo imaculadamente branco, evitando que outras cores (do balcão, das luzes etc.) alterem a do vinho.
No caso da especialidade uruguaia, vinhos com a uva Tannat, repare que rubro profundo, quase negro. Uma beleza.
Agora, sim, está na hora de provar um pouco do vinho. Faça a bebida girar em sua boca, praticamente bochechando. Os melhores vinhos vão liberar diferentes sabores. Numa segunda provada, você poderá descobrir mais detalhes, como adstringência, acidez, presença maior ou menor de açúcar e álcool. Fique apenas no bocejo. Vai pegar muito mal se você gargarejar.
Para encerrar, não tema em fazer perguntas. Os produtores, os representantes das vinícolas estão ali preparadíssimos para tirar quaisquer dúvidas. E farão isso com imenso prazer.
Depois, chame o motorista e volte pra casa, com memória ainda cheia dos sabores, aromas e cores que uma simples taça pode oferecer. O vinho é isso: um calidoscópio de prazeres numa só garrafa. Nenhuma outra bebida se compara. Aquela ida a uma degustação, que você estava pensando ser uma chatice vai se provar mais animada do que um parque de diversões.
Perguntas? Clique para soniamelier@terra.com.br

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