25.6.05

Quando o frio chega

Aqui em Secretário, na Serra de Petrópolis, faz é frio e chove. O inverno chegou mesmo e com chuva. Falam que este ano a estação será mais amena, mas os santos daqui ainda não foram avisados disso. Nesses tempos, temos que tentar mesmo o que manda a estação. Abusar um pouco mais dos queijos, fazer pratos mais suculentos, ler um livro certo ao pé de uma lareira e escolher as bebidas mais estimulantes, saborosas e adequadas.
Comecemos pelo livro:
“Um Bom Ano” é o mais recente trabalho do inglês Peter Mayle, cujo primeiro livro “Um Ano na Provence”, de 1989, transformou aquela região francesa na maior coqueluche do mundo turístico. O inglês foi obrigado a procurar outro canto para morar, pois sua casa era invadida por turistas a todo o instante. Dizem que o livro fez aumentar o fluxo turístico da Provence em até 10%.
Max Skinner é o personagem principal: importante executivo numa corretora de valores em Londres, seu chefe puxa-lhe o tapete e ele se vê desempregado, duro e cheio de dívidas. Só que, ao mesmo tempo, descobre-se herdeiro uma propriedade na Provence, deixada por um tio que não vê faz muitos anos. O cenário continua o mesmo da maioria dos trabalhos de Mayle: os campos e as cidades em torno da Montanha do Luberon (Avignon, Gordes, Roussillon, Ménerbes, Bonnieux etc.). A propriedade é imensa, cercada de vinhedos, mas produzindo péssimos vinhos. Mas, sem querer, descobre que um vinho ótimo, verdadeiro néctar, vinha sendo produzido meio que às escondidas pelo caseiro. A bebida, em barris, era contrabandeada para Bordeaux, engarrafada, rotulada e vendida para uns poucos por um negociante inescrupuloso ao absurdo preço de 60 mil dólares a caixa. Ficamos pasmas, mas isso acontece a três por dois por lá. Acontece que o inglês põe em prática um plano esperto e você poderia até comprar o livro e ajudar a editora Rocco e o Peter Mayle a faturar mais um pouquinho e descobrir as várias e deliciosas peripécias dessa nova aventura no paraíso que é a Provence.
Agora, um prato para o frio.
O livro é recheado de bebidas, como o marc (um destilado de uva, a cachaça local), vinhos roses (marca registrada dos vinhos da Provence), pastis (o aperitivo nacional francês, herdeiro do Absinto, feito de anis) e alguns pratos, como o célebre Cassoulet de Toulouse. Bom, o prato revelado por Peter Mayle leva feijão branco, pato em conserva, lingüiça com alho, carne de porco salgada, pernil de carneiro, gordura de pato, cebolas pequenas, lombo de porco, saucisse de Toulouse (claro), tomates, vinho branco, alho e ervas.
Não precisa adivinhar que as salsichas de Toulouse, sem as quais o tal cassoulet não pode ser feito, não se encontram por aqui. Elas levam carne de porco, mais pimenta, vinho, alho, basicamente. A saída é improvisar. Adaptei uma receita antiga que leva: 500 g de feijão branco, 2 lingüiças calabresas defumadas cortadas em pedaços, 2 lingüiças calabresas frescas cortadas em pedaços, 2 salsichões cortados em pedaços, 200 g de toucinho magro, 2 folhas de louro, 2 colheres (sopa) de óleo, 1 kg de pedaços de frango, 500 g de lombo de porco cortados em cubos ou de costelinhas de porco picadas, 3 tomates, sem pele e sem sementes, picados, 1 cebola grande picada; sal e pimenta-do-reino (ou molho de pimenta) a gosto.
Coloque o feijão, as lingüiças e o louro numa panela de pressão grande. Complete com água até ultrapassar o feijão (cerca de 4 dedos) e feche a panela. Assim que começar a ferver, cozinhe por 10 minutos. Enquanto isso, aqueça o óleo e doure o frango e o lombo. Junte os ingredientes restantes, tempere com sal e pimenta a gosto e deixe no fogo baixo com a panela tampada, mexendo de vez em quando, até que as carnes estejam bem cozidas (se necessário, acrescente um pouco de água). Acrescente essa mistura ao feijão e mexa bem. Pode, se quiser, juntar salsinha e cebolinha verde picada. E não esqueça de crostinhas de pão por cima de tudo. Sirva bem quente com arroz branco. Dá para 8 pessoas.
E o vinho para acompanhar? Ah, se possível um vinho da terra. Se puder, amiga, tente encontrar o magnífico Domaine de Trévallon (citado no livro). É um tinto, metade Cabernet Sauvignon, metade Syrah, originário de um vinhedo que fica entre Arles e Avignon, propriedade de um amigo de Picasso, o pintor e escultor René Dürrbach. Hoje, a vinícola é administrada pelo seu filho, Eloi.
Termine a refeição com um prato de queijos. E, nesse caso, vamos falar de queijos (e vinhos).
1. Quanto mais macio o queijo, mais ele cobre o nosso palato, bloqueando assim muito dos sabores e aromas dos vinhos. A melhor solução é escolher os vinhos brancos, os mais ácidos, que vão ajudar a "limpar", refrescar o nosso paladar dos efeitos dos queijos cremosos.
2. Muitos dos queijos suaves sabem ligeiramente a doce e fazem com que os vinhos secos pareçam mais ácidos, até azedos. E isso acontece sempre que um alimento é mais doce do que o vinho que o acompanha. Solução: os vinhos doces ou meio-secos são mais versáteis do que os secos com esse estilo de queijo.
3. Queijos muitos pungentes, picantes, bem maduros podem sobrepujar o sabor da maioria dos vinhos. Solução: queijos fortes, vinhos fortes. Tintos bem encorpados, com muita fruta. Ou brancos doces e os fortificados, como os Portos, Madeiras e o Jerez.
O caso é que os queijos suaves se ajustam a uma variedade maior de vinhos do que os queijos mais cremosos e maduros. No geral, os vinhos brancos combinam melhor com queijos do que os tintos. E mais: os brancos doces tendem a ser mais versáteis do que os brancos secos. Um tinto com muito tanino (um bom Bordeaux muito jovem, por exemplo) vai combinar melhor com queijo duro, bem maduro.
Experimente um brie macio com um vinho espumante ou com a Chardonnay. Um queijo de cabra com Sauvignon Blanc. Cheddar, Cantal, Gouda, Gruyère com Cabernet Sauvignon ou Merlot. Um Cheddar maduro com Syrah (ou Shiraz), Zinfandel ou os doces naturais. Roquefort com Sauternes ou outros bons brancos doces. Um inglês Stilton (se conseguir encontrar) com um ótimo Porto Tawny. Tintos com algum tanino vão bem com queijos duros, desde que estes não sejam muito fortes ou salgados (você viu que o sal enfatiza o amargo do tanino).
Os queijos duros fatiados ou em raspas sempre vão bem com os tintos. Os queijos macios do tipo camembert e pont l'evèque são mais difíceis de combinar. Consuma-os antes que se tornem muito moles e intensos em sabor.
Se além dos queijos você acrescentar frios e patês, tente os brancos leves (Muscadet, Pinot Grigio, Sauvignon Blanc, Riesling). Com salmão, atum ou presunto defumado não se esqueça dos brancos encorpados (os do Rhône, a maioria dos Chardonnays australianos e californianos, o Albariño, o Pouilly-Fumé etc.). Agora, só me falta acender a lareira.
Não esqueça, amiga, que uma garrafa regular de vinho tem 750 ml, o bastante para 5 taças. Se considerarmos que cada pessoa vai beber em média 3 taças e se em nossa mesa tivermos 5 pessoas, o consumo será de apenas 3 garrafas. Na verdade, eu optaria por 4 garrafas, pelo menos. O frio nos fará beber mais. A resolver apenas são quantos estilos de vinho (branco, tinto, fortificado, doce) para que tipos de queijos.
Tentar apenas um vinho que combine com toda uma tábua de queijos (azul, um camembert, cabra e um duro), não dará certo. Se for este o seu caso, limite-se a apenas um único e grande queijo. E esse é o caso do final do nosso cassoulet.
Acho que degustamos quase todo o livro do Mayle. Se quiser outras receitas de pratos e bebidas para o frio é só clicar aqui para a Soninha, no soniamelier@terra.com.br

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