4.7.05

Vinho para gays

A Adriana Brandão, da New Marketing, gostaria de saber sobre empresas que fabricam vinhos para gays.
Acho que não existem vinhos para gays, assim como cervejas para pedófilos, limonadas para moças absolutamente virgens, guaranás exclusivos para serial killers e vinhos para balzacas como a sua amiga aqui, a Soninha.
Mas a Rainbow Ridge Winery (http://www.rainbowridgewines.com/), na Califórnia, é talvez a primeira vinícola do mundo a classificar-se como “uma companhia gay”. Logo, o vinho que produz seria eminentemente para gays? Sua logomarca é um cacho de uvas nas cores do arco-íris. E o arco-íris (em inglês rainbow, o nome da empresa) é o símbolo oficial do movimento gay.
Seus fundadores, Dennis Costa e Tom Beatty, sócios no negócio e na vida, mal lançaram o seu primeiro vinho, o Alicante Bouschet e já ganharam prêmios em concursos e conseguiram excelente pontuação na prestigiosa revista “The Wine Enthusiast”: 91 pontos numa escala de 100. Coisa séria.
Só que os vinhos que fazem, o Alicante Bouschet, e recentemente a sua versão de Chardonnay são para heteros, homos, lésbicas, simpatizantes e desinteressados. São vinhos de grande qualidade. A Alicante, uma uva considerada rústica e apenas muito utilizada na França, onde é das mais plantadas lá, mas raramente utilizada como a principal, como nessa versão. Dennis e Tom conseguiram lançar uma novidade – e com qualidade e bom preço.
A Rainbow Ridge contribui para o Centro de Gays e Lésbicas de Nevada e para um projeto de combate a AIDS em Los Angeles. Seus donos são gays, a empresa é gay, o slogan de sua publicidade é "Come Home To Family" (“Venha para a Família”), para a comunidade gay, portanto.
Apenas isso. Os vinhos servem a todos os credos, times, partidos, sexos e, principalmente, gostos. Isso é o mais importante.
Mas fomos encontrar em Roma o que está sendo considerado o primeiro vinho na história dedicado aos gays. O editor italiano Roberto Massari manda produzir vinhos especiais para uma série que intitulou de Vini da Leggere (“Vinhos para Ler”). Isso mesmo, os livros são os rótulos e contra-rótulos dos seus vinhos. Um livro de duas páginas.
A série, que já conta com 11 “vinhos literários”, entre eles um rosé dedicado à revolucionária marxista e feminista Rosa Luxemburg. É o Rosé Luxemburg, um Montepulciano d´Abruzzo 2001. E um branco também da região de Abruzzo, o Barricadero Blanco, em homenagem a Che Guevara.
Massari decidiu ano passado lançar um livro (na Itália seus vinhos são legalmente considerados livros) em homenagem ao primeiro ativista gay da história, o advogado e escritor alemão Karl Heinrich Ulrichs (1825-1895).
Karl assumiu sua condição de homossexual publicamente (e precisava ser muito macho para fazer isso naquela época e naquele país, reduto de prussianos com aquele jeito meinkampf de ser). E publicou panfletos defendendo direitos de gays, lésbicas e das mulheres em geral, que não tinham também quaisquer direitos. Como, advogado, Karl amparou homossexuais acusados de “má conduta pública”, essas coisas. O alemão agitou tanto que acabou preso e depois perseguido em seu país. Buscou refúgio na Itália, onde morreu na cidade de L´Aquila, na região de Abruzzo.
Massari deu ao vinho-livro o nome de Rosso Gayardo (“Tinto Gayardo”), um vinho denso e forte, com 13,5% de álcool, feito com uvas Nebbiolo, da região do Piemonte. É um senhor vinho, uma homenagem a qualquer amante da bebida de bom gosto, não importando sua preferência sexual.
O nome resulta de um jogo de palavras. Em Roma, quando você quer dizer que alguém é forte, valente e que não tem medo de nada, você diz “gagliardo”. Com o sotaque romano, “gagliardo” soa como “Gayardo”. Vale o jogo de palavras e a ironia envolvida.
Bem mais recentemente, em novembro de 2004, a Kim Crawford Wines (http://www.kimcrawfordwines.co.nz/), da Nova Zelândia, lançou o seu Pansy na Austrália. O Pansy é um rosé, misturando merlot, cabernet france um tanto de chardonnay. Sempre foi muito procurado por gays australianos em visita à Nova Zelândia. Daí que a vinícola resolveu lançá-lo na Austrália. Pansy pode ser traduzida como uma espécie de hortênsia, mas é mais entendida como indicativo de homossexual. Na cabeça da vinícola, um vinho para gays deve ser rosado. Logo, quem de onde vem o preconceito?
Temos também a Merryvale Vineyards, uma pequena vinícola do Vale de Napa, na Califórnia (veja em http://www.merryvale.com/), com verba pequena para publicidade, cuja alternativa foi buscar um nicho de mercado. E está tentando o segmento gay. Só que não criou nenhum vinho especial para isso, como a Kim Crawford.
Não existe propriamente um vinho feito para um grupo específico do gênero humano. Não há um vinho para pretos, por exemplo. Contudo, até na África do Sul temos hoje vinícolas pertencentes a pretos e pretos fazendo vinho, como quaisquer brancos, pardos, amarelos etc. E vinhos para quaisquer etnias, credos e opções sexuais.
E se existissem essas marcas? É um assunto para os doutores em marketing, mas pessoalmente acho que esses vinhos teriam muitas dificuldades em ter sucesso comercial.
No Brasil, estima-se que gays e lésbicas somem 10% da população. Nos Estados Unidos, somam cerca de 19 milhões de pessoas com um poder de compra de 800 bilhões de dólares. A maioria dos consumidores gays norte-americanos, por exemplo, tem pouquíssimos ou nenhum dependente e uma renda pessoal alta por quase toda a sua vida. Como resultado de poucos comprometimentos familiares, essa comunidade tem mais tempo para socializar e mais dinheiro para gastar.
85% dos gays e lésbicas adultos afirmam que precisam achar maneiras de reduzir o stress. Entre heterossexuais adultos esse índice é de 78%. São, assim, alvo prioritário para fabricantes de bebidas e mensagens que destaquem prazer e tranqüilidade associados a beber socialmente.
No primeiro mundo, 62% dos gays e lésbicas possuem um computador e 52% deles assinam serviços online. 65% dos que usam a Internet, navegam mais de uma vez por dia. E 71% compram produtos ou serviços através da rede.
Lá, 39% dos gays freqüentam regularmente concertos de música clássica, cinco vezes mais do que a população em geral (8%). É uma comunidade que vai ao cinema duas vezes mais do que o restante da população.
Gays e lésbicas respondem fortemente a marcas e a campanhas de publicidade que refletem seu estilo de vida e valores. Mas reagem negativamente a representações estereotipadas. Por exemplo, a norte-americana Anheuser-Busch, a maior cervejeira do mundo em faturamento, é tida como a preferida dos gays do país, pois coloca anúncios regularmente em publicações para essa comunidade. O mesmo acontece com a vodca Absolut.
E talvez aqui, leitora, esteja o X do problema. Um vinho feito em homenagem a um ativista gay, o primeiro da história; um vinho feito por uma companhia declaradamente gay, a primeira do mundo – tudo bem, são maneiras de bom gosto de acessar a comunidade. Até porque ela é informada o bastante para, em primeiro lugar, experimentar os vinhos. Se forem bons, mesmo, ficará freguesa.
Mas vai virar o rosto para caçoadas, piadinhas de mau gosto: por exemplo, um vinho rosé com a cesta da Carmem Miranda no rótulo. O rosé, normalmente um ótimo vinho, teria de ser soberbo para ser consumido.
Até o momento, Adriana, são essas as referência que dispomos em nossos arquivos. Avise se precisar de mais. Tenho comigo a pesquisa do Datamonitor, a New Direction in Drinks 2000-2005. Ela mostra tudo o que se bebe, como se bebe, quem bebe, onde e porque bebe. Foi de onde retirei os dados estatísticos dessa coluna.
Abraços!

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