19.2.06

Tampas e mais umas coisinhas

Sem dúvidas, as tampas de rosca metálica continuam conquistando partidários – e –partidários influentes. Agora mesmo, produtores renomados e sob o peso da tremenda tradição vinícola francesa, resolveram abandonar uma das mais conhecidas representações dessa tradição, a rolha de cortiça, substituindo-as pelas tampas de rosca ou Stelvin (nome do seu maior fornecedor). Falamos de vinícolas de grande cotação, de regiões tradicionalíssimas na França.

O Domaine dês Baumard, um dos mais estimados produtores do Vale do Loire, apresentou semana passada, num encontro comercial, 15 vinhos diferentes, entre tintos, rosados, brancos e espumantes - todos com as tampas de rosca. A Baumard produz cerca de 16 mil caixas por ano e é mais conhecida pelos seus Savennières e pelo soberbo Quarts de Chaume, um Chenin Blanc de colheita tardia.

A mudança começou um tanto tímida em Bordeaux, primeiramente com o Château Couhins Lurton, o Château La Louvière e o Château Bonnet. Seguiu-se o Colombelle, um vinho regional da Gasconha. E agora os do Loire.

As tampas de rosca, bem mais que as de plástico, estão sendo cada vez mais usadas como resposta à "doença da rolha", ou TCA (2,4,6-Trichloroanisole), um fungo que contamina as rolhas de cortiça, mas que pode ser originário também de barris e até mesmo da madeira existente nas adegas.

O TCA deixa o vinho com um cheiro de jornal mofado, ou como o da abandonada piscina da minha vizinha. Estimam que entre 3 e 7% de todo o vinho produzido no mundo é contaminado pelo TCA: um senhor prejuízo. E os produtores não querem mais pagar por essa conta. Vinhos famosos, como alguns de Bordeaux, já aderiram. Mas à frente da mudança estão os neozelandeses, australianos e norte-americanos.

As rolhas de cortiça em si não são o problema, mas anos e anos de complacência da indústria que as produz – que não investiu em pesquisas para controlar o problema. Só agora é que começam aparecer resultados positivos. A Ganau América e a Cork Supply – ambas baseadas nos Estados Unidos anunciaram a descoberta e uso de um processo, baseado no uso de vapor para a lavagem das tampas, que praticamente elimina o TCA, segundo elas.

As rolhas de cortiça são ainda, de longe, a maioria nas garrafas e nos corações dos consumidores. Além da força da tradição, temos também um lado técnico: muita gente séria garante que elas ainda são as melhores vedações para o vinho, principalmente os feitos para guarda.

Críticos sérios como o australiano Sam Chafe, cientista, pesquisador, figura de destaque da CSIRO (“The Commonwealth Scientific and Industrial Research Organization”, a empresa do governo australiano dedicada a pesquisa científica), ele descobriu que as rolhas de cortiça continuam como as melhores tampas para os vinhos feitos para amadurecer em garrafas. As rolhas são formadas de células impermeáveis, deixando espaços onde provavelmente gás e ar se armazenam. A sugestão é a de que esse ar, com o tempo, migra para a garrafa ajudando no processo de maturação do vinho.

As tampas de rosca são feitas de alumínio. Com elas, as garrafas podem ser guardadas em qualquer posição, são abertas e fechadas facilmente e esteticamente podem ser elegantes e atraentes. Imediatamente, representariam mais uma conveniência por essa soma de aspectos práticos.

É o que parece pensar Jane Pizzato, Diretora Comercial da Pizzato Vinhas e Vinhos, estabelecida em Bento Gonçalves (RS) desde 1880.

Ela acha que os produtores gaúchos não têm problemas quanto as Stelvin. Mas as utilizaria apenas nas garrafas de 187 ml, de uso rápido, prático, como aquelas destinadas à indústria de aviação.

"Os vinhos em garrafas menores, geralmente são para consumo rápido, não são produzidos em grande volume, já que esse mercado é bem restrito e a demanda ainda pequena".

Jane Pizzato acha que para o consumidor brasileiro a nova tampa representa uma novidade, aqui e em todo o mundo. "Ainda tem consumidor querendo abrir essas tampas com saca-rolhas".

Um outro ponto é o de que o novo sistema não representa uma queda de custo significativa para quem produz, como a Pizzato, volumes pequenos. A Pizzato, que em 2005 cresceu 50%, está, contudo, aberta a adotar esse sistema. "Mas apenas num momento de maior produção".

Os gaúchos, é bom lembrar, estão sempre atentos às novidades, em particular quando representam um benefício ao comércio (e, por tabela, ao consumidor). Por exemplo, recentemente a Casa Valduga lançou a sua Bag-in-Box, o vinho em caixas, mais sofisticadas que as Tetra Pak, com capacidade para 3 ou mais litros. São ideais para o serviço de vinhos em taça em restaurantes. E também em festas.

Pode ser também que a mudança, além de representar uma saída para o problema da contaminação das rolhas de cortiça, justifique uma busca pelo diferente, pela novidade – e, com isso, maior destaque e maior venda.

A Pizzato é uma vinícola ainda pequena, de gestão familiar, e talvez por isso rica em novidades. Por exemplo, é a única no país a possuir vinhos com a uva tinta Egiodola, de origem francesa – e que você provavelmente nunca ouviu falar.

Segundo os cientistas da Universidade de Montpellier, França, a Egiodola é uma das uvas com maior capacidade antioxidante, a de maior nível de astilbin, um flavonóide importante na prevenção de aterosclerose e na prevenção de alguns tipos de câncer.

Saiba mais sobre essa uva e a pesquisa da Montpellier aqui.
Consulte o site da Pizzato aqui.

Ainda sobre as tampas. Em dezembro de 1985, a Christie’s de Londres vendeu o que é ainda considerada a garrafa de vinho mais cara do mundo: uma garrafa de Château Lafite 1787 – por 160 mil dólares. As iniciais “Th. J”, de Thomas Jefferson, claro que encareceram a garrafa. O vinho fazia parte da coleção do estadista norte-americano.

Agora, não passou nem uma semana, a Antique Wine Company, também de Londres, vendeu uma garrafa de Sauternes, um Château d’Yquem também de 1787, por 90 mil dólares.

Ambas as garrafas, com 200 anos de idade, eram vedadas por rolhas de cortiça. Não sei se o Lafite já foi aberto e provado. Também não sei o que acontecerá com o d’Yquem. Mas não ficaria espantada se ainda estejam bebíveis.

(As tampas de rosca metálicas, as Stelvin, foram criadas em 1960, mas só começaram a ter uso comercial a partir de 1972. As rolhas sintéticas chegaram ao mercado no início dos anos 90).

Quais suas opiniões, amigas: vão continuar preferindo as cortiças ou as tampas de rosca ou mesmo as rolhas de plástico? Escreva para a Soninha via soniamelier@terra.com.br

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