11.5.06

Nas Águas de Maigret

A amiga Roberta Campos Babo andou escrevendo em sua coluna “O que há para ler” na Tribuna da Imprensa sobre a coleção de novelas do célebre inspetor Jules Maigret, criação do belga Simenon, agora editada pela Nova Fronteira – o que me a esse assunto: os hábitos do célebre inspetor com relação às bebidas. No livro mencionado pela Roberta, UM ENGANO DE MAIGRET (o 19º da coleção), revela-se que quando o Maigret inicia uma investigação com Calvados (destilado feito de maçã), por exemplo, era com Calvados que continuava (pg. 166). Assim temos investigações-cerveja, investigações-vinho e até mesmo investigações-uísque (para desespero do inspetor, que aparece em 102 livros de Simenon, o primeiro em 1930 e o último em 1972). Poucos autores escreveram histórias policiais tão bem como o belga. E tão bem sobre as bebidas.

As que aparecem nessas novelas não têm função física, como nas novelas de Dashiel Hammet (com excessos de gim e rye) ou do atualíssimo e ótimo Lawrence Block, cujo herói, o ex-tira Mattew Scudder, só bebe bourbon (para esquecer) e café (talvez para lembrar). Scudder faz o tipo “durão”.

As bebidas em Simenon fazem parte da cultura do francês, do cenário onde se incluem dos bistrôs, os cafés e os restaurantes. Não se bebe para ficar tonto ou esquecer ou por vício. As bebidas parecem indicar um sistema social, apontam para grupos, classes, sexos, regras de hospitalidade e de comportamento. Diferente de qualquer outro detetive, Maigret tenta estudar os homens, entender o meio social. Ele pondera sobre suas impressões, não é analítico, mas imaginativo: busca desencavar um sistema de regras. As pistas que levanta raramente estão ligadas ao crime e ao criminoso. Mas se consegue captar a atmosfera, acaba quase sempre diante do culpado.

E nesse processo de observação, quase que antropológico, os hábitos com as bebidas resultam sempre em boas pistas: é o comportamento que mais claramente indica a estrutura social das personagens. O mundo está dividido entre trabalhadores, a pequena burguesia, a alta burguesia e a aristocracia - divisões mais econômicas do que ideológicas.

O que ele bebeu ao longo dessas 70 novelas?

Por ordem de quantidade: cerveja, conhaque (Armagnac, Calvados, Marc, Conhaques de ameixa e de framboesa), café, vinho (na maioria dos casos, vinhos brancos), licores (Chartreuse, Curaçao), Pastis, Martini, Rum, grogue (um destilado com água quente), e uísque. Só bebeu chá quando doente. Madame Maigret, contudo, só bebia chá de ervas. Era um modelo do figurino feminino.

E o que as demais personagens bebiam?

As mulheres praticamente só bebiam chás e água (de Vichy) e Champagne (apenas as ricas), que o inspetor jamais bebeu, assim como gim (só via um raro Martini) e rum (apenas quando misturado no grogue). Seus vinhos de preferência eram o Beaujolais, o Chavignol, o Pouilly-Fuissé, o Pouilly-Fumé, o Saint-Emilion, o Sancerre e o Vouvray. Interessante é que dessa lista apenas o Beaujolais e o Saint-Emilion são tintos.

Nas aventuras de Maigret, anormalidades seriam não beber (álcool) e não fumar. O natural seria fumar (cigarros ou cachimbo, como ele), beber e comer fartamente. Maigret, portanto, suspeitaria de quem faz greve de fome, só bebe água e não fuma. Inclusive, água para ele nunca foi sinônimo de pureza ou de “limpeza” – que só poderiam acontecer debaixo de lei e ordem, comendo e bebendo à farta, dentro do figurino da época.

2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente referência. Maigret é um francês típico.
Recomendo ler esses livros de Simenon. E também os romances não-Maigret

Anônimo disse...

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