11.5.06

Vinhos e Vegetarianos

Será que um vegetariano teria problemas em consumir vinhos? Vegetariano seria o adepto de uma alimentação exclusivamente à base de vegetais, claro. Numa versão mais radical, ele não consome produtos de origem animal, nem os que tenham sido testados em animais. São os chamados vegans ou veganos: não consomem carne, peixe, mariscos, laticínios, mel, ovos. E fazem disso uma filosofia de vida: não usam peles, couro, lã, seda, cera de abelha, própolis, medicamentos ou cosméticos testados em animais etc. Algumas fontes ensinam que vegetarianos e vegans (ou veganos) seriam hoje a mesma coisa. Outras estabelecem diferenças. Veja os sites que consultei: aqui e aqui.

Voltando à questão: qual seria o problema de consumir vinhos para vegetarianos ou para os vegans?

É cada vez mais raro no mundo dos vinhos, mas você ainda encontra em vinícolas do Velho Mundo, por exemplo, muitos produtores quebrando grandes quantidades de ovos, separando a clara da gema. O trabalho é lento e cuidadoso, mas eles o consideram essencial.

O objetivo é evitar que essas partículas turvem o vinho.Querem o vinho claro, brilhante, bonito de ver.

Claras de ovo têm sido utilizadas há centenas de anos nas regiões da Borgonha e de Bordeaux, na França, em também em Portugal, por exemplo. Conta-se que na terrinha os monges utilizavam as claras para “afinar” seus vinhos e passavam as gemas para as freiras. Daí o festival de doces com ovos, uma das deliciosas marcas da cozinha portuguesa.

Mas outros elementos têm sido utilizados. E a maioria deles, para infelicidade dos vegetarianos, de origem animal. Gelatinas feitas de tecidos, cartilagens de animais (de vacas e porcos, em particular); aglomerados derivados de crustáceos (da quitina, mais especificamente, a substância que os reveste); gelatinas feitas de vísceras de peixes. Utiliza-se também a caseína, uma proteína existente no leite e até sangue coagulado, de origem animal.

O vinho normalmente contem apenas uvas, fermento e uma pequena porção de sulfitos (sais do ácido sulfuroso, acrescentados ou criados durante a fermentação), que servem para a conservação da bebida.

As claras de ovo e as demais substâncias de origem animal servem de “agentes clarificadores”, que vão clarear o vinho removendo sólidos insolúveis. São células mortas, fragmentos das cascas das uvas, dos talos, sementes, polpas e também colóides, substâncias microscópicas, a maior parte formada de moléculas orgânicas que sobraram do processo de fermentação. Elas respondem, por exemplo, por qualidades como a viscosidade do vinho, o seu “corpo”; como estão em excesso, o produtor quer eliminá-las.

Esses produtores poderiam não utilizar nada e esperar que todos esses elementos se assentassem no fundo dos barris ou dos tanques de armazenamento da bebida, quando então começariam a retirar apenas a parte superior da bebida, devidamente “clarificada”.

Mas isso levaria um tempo enorme, o que resultaria em gastos maiores, pois quanto mais tempo a bebida leva para ser comercializada, mais cara ela fica para o produtor (e, logo, para nós consumidoras).

Então, nossos produtores há centenas de anos começaram a usar claras de ovos e outros elementos para “afinar” seus vinhos mais rapidamente. Eles têm uma polaridade oposta à dos vinhos. Assim, atraem aquelas partículas que turvam a bebida e as levam para o fundo do barril. Fica mais rápido e fácil de retirá-las, em seguida. Além disso, são baratíssimos.

Nem todos os produtores, contudo, utilizam elementos de origem animal. Empregam a bentonita, uma sílica (silicato de alumínio hidratado) natural, que absorve soluções aquosas – ou seja, têm o mesmo efeito das gelatinas. Só que sua origem é a terra. Vinhos clarificados com bentonita são perfeitamente aceitos por vegetarianos. Mas como eles poderão saber? Essa informação não consta dos rótulos.

A verdade é que nenhum desses produtos vai aparecer ou alterar o vinho quando finalmente ele for colocado nas garrafas. Ninguém será capaz de percebê-los. Mas aqui o que conta é o princípio, a filosofia que orienta os vegetarianos.

Contudo, existem vinhos que podem servir a essa filosofia. São aqueles que têm nos rótulos dizeres como “não afinado e não filtrado” (“unfined and unfiltered”), particularmente originários dos Estados Unidos, onde essas palavras servem até para demonstrar uma vantagem mercadológica.

Um vinho marcado como “unfined” não teria passado por um agente clarificador. O vinho às vezes foi filtrado (passou por um filtro microscópico para remover as impurezas), sem que tenha sido “afinado” (não se submeteu aos agentes clarificadores).

Mas isso é o que dizem esses rótulos. Como ter certeza? Um pouco mais seguros são os vinhos “kosher” feitos segundo as estritas leis do judaísmo. A União das Congregações dos Judeus Ortodoxos dos Estados Unidos garantem que os vinhos por ela cerficados não usam qualquer tipo de agente clarificador de origem animal. Mas ressalvam que não podem assegurar as condições de produção dos vinhos kosher de outros países.

Nos supermercados ou lojas especializadas fica praticamente impossível para o vegetariano escolher o vinho mais apropriado: os rótulos não esclarecem nada sobre o processo de filtragem ou “clarificação”. Talvez a solução esteja em consultar importadores ou lojas de sua confiança.

Mesmo alguns refrigerantes e sucos podem conter corantes de origem animal. É uma situação difícil. Na Inglaterra é publicado um guia que orienta os vegetarianos sobre que produtos comprar, inclusive bebidas, sem que se tema por contatos com produtos de origem animais na sua fabricação. Veja aqui.

Talvez os vegetarianos que eventualmente me lêem não tenham ficado muito felizes. Os vinhos deveriam ter mais informações em seus rótulos, só que atualmente apenas um país se preocupa que essa questão, os Estados Unidos, onde os rótulos seguramente vão transformar-se em bulas em pouco mais tempo. É só esperar.


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