Não se trata de uma alegoria política, como no “Terra em transe” de Glauber Rocha, mas de um comentário sobre um grupo de nordestinos transformados em sommeliers dos melhores restaurantes do Rio, alguns inclusive com prêmios internacionais, tal como li em O Globo, do último domingo. O “transe” não é uma aflição, mas a luta que esse grupo vem travando vitoriosamente para ficar íntimo do “terroir”, um conceito chave para saber-se efetivamente de vinhos, o que sempre me deu muita dor de cabeça, e nesse caso, aflição de verdade, quando trabalhei em restaurantes e lojas de vinho.
Desesperadamente tentava saber mais sobre a conexão entre o perfil organoléptico dos vinhos e seus lugares de origem, que em suma vem a ser o tal do terroir (o meio ambiente em que as uvas são cultivadas: solo, clima, topografia, variedade de uva e até mesmo o fator humano, como ele interfere no cultivo e na produção do vinho etc.).
Com muito esforço tentava distinguir as filosofias de produção dos vinhos manufaturados daqueles feitos artesanalmente; das diferenças entre os vinhos do Velho Mundo e os do Novo Mundo. O sistema produtivo do primeiro destaca a importância do terroir, o que não acontece no segundo.
E, pelo que li, nossos sommeliers do Rio das Pedras conseguiram chegar lá. Quem duvidar vá ao restaurante Estação Azul, onde esse grande grupo se reúne nas suas noites de folga (domingos ou segundas-feiras) para degustar vinhos de rótulos caríssimos, trazidos às vezes por importadoras. Experimentam, trocam notas, debatem e vão aprendendo. E a cada vez aumentam seus conhecimentos e, assim, vão poder servir melhor a clientela de seus restaurantes. Vão poder decidir na elaboração da adega, das cartas de vinho e até mesmo na própria cozinha das casas onde trabalham. É uma tarefa muito difícil – que definitivamente não começa abrindo-se rolhas.
Desesperadamente tentava saber mais sobre a conexão entre o perfil organoléptico dos vinhos e seus lugares de origem, que em suma vem a ser o tal do terroir (o meio ambiente em que as uvas são cultivadas: solo, clima, topografia, variedade de uva e até mesmo o fator humano, como ele interfere no cultivo e na produção do vinho etc.).
Com muito esforço tentava distinguir as filosofias de produção dos vinhos manufaturados daqueles feitos artesanalmente; das diferenças entre os vinhos do Velho Mundo e os do Novo Mundo. O sistema produtivo do primeiro destaca a importância do terroir, o que não acontece no segundo.
E, pelo que li, nossos sommeliers do Rio das Pedras conseguiram chegar lá. Quem duvidar vá ao restaurante Estação Azul, onde esse grande grupo se reúne nas suas noites de folga (domingos ou segundas-feiras) para degustar vinhos de rótulos caríssimos, trazidos às vezes por importadoras. Experimentam, trocam notas, debatem e vão aprendendo. E a cada vez aumentam seus conhecimentos e, assim, vão poder servir melhor a clientela de seus restaurantes. Vão poder decidir na elaboração da adega, das cartas de vinho e até mesmo na própria cozinha das casas onde trabalham. É uma tarefa muito difícil – que definitivamente não começa abrindo-se rolhas.
Um desafio. Você tem um restaurante, sabe que os vinhos estão cativando mais e mais os clientes e, portanto, precisa incluí-los entre as suas ofertas. Por outro lado, a sua equipe é capaz de recomendar, de descrever, vender e servir todos os vinhos que estarão em sua carta? Sabe as diferenças entre Syrah e Petite Syrah? Ou a turma vai apenas dizer para o cliente “Olha, esse Merlot é legal”?
É uma tarefa sempre difícil para a maioria dos restauradores: implementar um programa de treinamento de vinhos para o pessoal do salão de modo a educá-los (não apenas informá-los) e ajudá-los a vender o que está na adega.
É difícil em razão ora do limitado conhecimento sobre vinhos da gerência, da falta de uma estrutura para um programa de treinamento, do custo dos vinhos utilizados pelos funcionários nas degustações, ora pela própria falta de cooperação deles – que precisam antever as vantagens daquela hora extra de trabalho, o treinamento propriamente. Elas precisam fazer sentido.
Quando tive loja de vinhos e era chamada para treinamento de vinhos em restaurantes adotei um sistema que se resumia em: a) o aprendizado tinha que ser tão leve e divertido quanto o ato de saborear um vinho; b) usava todos os recursos disponíveis: a internet, livros, revistas, e inclusive profissionais (entre importadores, donos de lojas, comerciantes e até professores dos cursos estabelecidos).
É uma tarefa sempre difícil para a maioria dos restauradores: implementar um programa de treinamento de vinhos para o pessoal do salão de modo a educá-los (não apenas informá-los) e ajudá-los a vender o que está na adega.
É difícil em razão ora do limitado conhecimento sobre vinhos da gerência, da falta de uma estrutura para um programa de treinamento, do custo dos vinhos utilizados pelos funcionários nas degustações, ora pela própria falta de cooperação deles – que precisam antever as vantagens daquela hora extra de trabalho, o treinamento propriamente. Elas precisam fazer sentido.
Quando tive loja de vinhos e era chamada para treinamento de vinhos em restaurantes adotei um sistema que se resumia em: a) o aprendizado tinha que ser tão leve e divertido quanto o ato de saborear um vinho; b) usava todos os recursos disponíveis: a internet, livros, revistas, e inclusive profissionais (entre importadores, donos de lojas, comerciantes e até professores dos cursos estabelecidos).
As lições. Já que treinava funcionários, ensinava sobre vinhos, preparava a turma para jogá-la aos sabichões e esnobes, precisava me comportar como professora mesmo. E construí um programa a partir de lições.
Primeira lição: O que é vinho? Inclui, entre outras coisas, como o vinho é feito, suas características, seus sabores e aromas.
Segunda lição: Variedades de Uvas. Procurava descrever os diferentes tipos de uvas utilizados para fazer vinho, as características de cada vinho com aquelas uvas. Era de grande utilidade um cartão com para listar cada uva e as suas características. Um exemplo:
Sobre a Chardonnay, o vinho branco mais consumido e que normalmente se encaixa em três categorias. O rico, com carvalho, amanteigado, um estilo usualmente produzido nos Estados Unidos, potente que precisa realmente ser acompanhado de comida para ser devidamente apreciado – geralmente com um prato rico em sabores. Um atum, pato ou qualquer coisa com um molho denso cremoso.
O segundo estilo é o rico em sabores de frutas tropicais (papaia, maçã, pêra e até de banana). A Austrália é praticamente a “dona” desse estilo, que pode muito bem acompanhar frutos do mar, galinha ou peru.
O terceiro apresenta um sabor mineral, da terra, um Chardonnay que vai do ácido ao creme fresco, mas sempre com o sabor de “terra”. É o estilo original, da Borgonha. Normalmente, vai bem com frutos do mar.
Já viram que as lições podem ser muito animadas. E, na verdade, bem simples.
Claro que só a Chardonnay dá uma hora de aula. Mas você vai apresentar também a Sauvignon Blanc e uvas que começam a aparecer por aqui: a Pinot Grigio (ou Pinot Gris), a Viognier, a Gewürztraminer (a da Alsácia e a da Alemanha).
E, claro, depois temos as aulas com as tintas, a começar com as reputadíssimas Cabernet Sauvignon, a Merlot, a Pinot Noir, a Syrah e a sua equivalente do Novo Mundo, a Shiraz, a Sangiovese (não pode faltar num restaurante de massas, pois é a prima dona do Chianti). E vai por ai.
Lição 3: As regiões vinícolas, onde descrevia as diferentes áreas do globo onde o vinho é feito. Separava por continente e não necessariamente por região. Ficava mais fácil assim.
Lição 4: Servir e vender o vinho. Era a lição final, onde explicava como servir uma garrafa com propriedade e algumas técnicas de venda. Afinal, fica fácil entender que 10% sobre uma caipirinha ou um chope é nada se comparado com 10% sobre um Barolo. Garçom depende mesmo é da gorjeta. E aquele que responde pelos vinhos muito mais. É aquela gorjeta à parte, necessariamente mais gorda, pois foi ele que transformou uma simples refeição num feliz acontecimento, graças à recomendação do vinho apropriado.
Segunda lição: Variedades de Uvas. Procurava descrever os diferentes tipos de uvas utilizados para fazer vinho, as características de cada vinho com aquelas uvas. Era de grande utilidade um cartão com para listar cada uva e as suas características. Um exemplo:
Sobre a Chardonnay, o vinho branco mais consumido e que normalmente se encaixa em três categorias. O rico, com carvalho, amanteigado, um estilo usualmente produzido nos Estados Unidos, potente que precisa realmente ser acompanhado de comida para ser devidamente apreciado – geralmente com um prato rico em sabores. Um atum, pato ou qualquer coisa com um molho denso cremoso.
O segundo estilo é o rico em sabores de frutas tropicais (papaia, maçã, pêra e até de banana). A Austrália é praticamente a “dona” desse estilo, que pode muito bem acompanhar frutos do mar, galinha ou peru.
O terceiro apresenta um sabor mineral, da terra, um Chardonnay que vai do ácido ao creme fresco, mas sempre com o sabor de “terra”. É o estilo original, da Borgonha. Normalmente, vai bem com frutos do mar.
Já viram que as lições podem ser muito animadas. E, na verdade, bem simples.
Claro que só a Chardonnay dá uma hora de aula. Mas você vai apresentar também a Sauvignon Blanc e uvas que começam a aparecer por aqui: a Pinot Grigio (ou Pinot Gris), a Viognier, a Gewürztraminer (a da Alsácia e a da Alemanha).
E, claro, depois temos as aulas com as tintas, a começar com as reputadíssimas Cabernet Sauvignon, a Merlot, a Pinot Noir, a Syrah e a sua equivalente do Novo Mundo, a Shiraz, a Sangiovese (não pode faltar num restaurante de massas, pois é a prima dona do Chianti). E vai por ai.
Lição 3: As regiões vinícolas, onde descrevia as diferentes áreas do globo onde o vinho é feito. Separava por continente e não necessariamente por região. Ficava mais fácil assim.
Lição 4: Servir e vender o vinho. Era a lição final, onde explicava como servir uma garrafa com propriedade e algumas técnicas de venda. Afinal, fica fácil entender que 10% sobre uma caipirinha ou um chope é nada se comparado com 10% sobre um Barolo. Garçom depende mesmo é da gorjeta. E aquele que responde pelos vinhos muito mais. É aquela gorjeta à parte, necessariamente mais gorda, pois foi ele que transformou uma simples refeição num feliz acontecimento, graças à recomendação do vinho apropriado.
Após cada lição tínhamos uma rodada de degustação e de testes. A turma, como qualquer outra, precisa internalizar as informações. Essa era a hora. E, por falar nisso, as lições duravam em média uma hora.
As degustações compreendiam sempre vinhos que pudessem responder pelas lições: as diferenças de sabores e aromas, as variedades de uvas, as regiões vinícolas. Tinha sempre vinhos simples para essas aulas. Ao fim do “curso” oferecia vinhos de rótulos mais caros como prêmio.
Além das aulas, que na maioria das vezes compreendiam a presença do gerente da casa, estabelecia que a cada reunião da equipe dos restaurantes (em média, uma reunião geral por semana), os vinhos tinham sempre que ser comentados. E experimentados, como os novos rótulos que chegavam à adega (e na carta). Durante um mês ou dois, participava dessas reuniões e degustações. Perguntava a opinião deles, que sabores descobriram e com qual prato do cardápio achavam que aquele vinho devia acompanhar.
Fazia também com que os chefs preparassem pratos complementaras de modo a demonstrar como certos vinhos vão melhor com certas comidas. Era sempre muito divertido.
Ou seja, nesses um ou dois meses complementares, estava repetindo as lições, mas de outro modo, na prática, na vida real. E era a ocasião de criar promoções: por exemplo, aquele que vender mais garrafas de Pinot Noir numa semana leva uma de graça para casa (garrafa essa que eu mesma, representante de uma loja, cedia para o restaurante).
Aprendi que todo o restaurante que serve vinho sabe que tem que buscar sempre novas maneiras de melhorar suas vendas. Por isso, me surpreende que nem todos eles têm consciência da importância de continuar treinando a sua equipe a conhecer mais, a vender e a servir vinho. Quando um garçom tem um entendimento maior de qualquer item, costuma apreciá-lo melhor. Com o vinho, não é diferente: quando a equipe do restaurante ficar entusiasmada com a bebida a grana costuma melhorar para todo o mundo.
Daí que o país de ficção do filme do Glauber, Eldorado, vira realidade, pois o transe não é uma aflição, é uma luta que os sommelier de Rio das Pedras transformaram em vitória.
Eles, de uma maneira ou de outra, seguiram as lições acima na prática, fazendo com que os mestres fossem eles próprios. E isso é raríssimo de acontecer.
As degustações compreendiam sempre vinhos que pudessem responder pelas lições: as diferenças de sabores e aromas, as variedades de uvas, as regiões vinícolas. Tinha sempre vinhos simples para essas aulas. Ao fim do “curso” oferecia vinhos de rótulos mais caros como prêmio.
Além das aulas, que na maioria das vezes compreendiam a presença do gerente da casa, estabelecia que a cada reunião da equipe dos restaurantes (em média, uma reunião geral por semana), os vinhos tinham sempre que ser comentados. E experimentados, como os novos rótulos que chegavam à adega (e na carta). Durante um mês ou dois, participava dessas reuniões e degustações. Perguntava a opinião deles, que sabores descobriram e com qual prato do cardápio achavam que aquele vinho devia acompanhar.
Fazia também com que os chefs preparassem pratos complementaras de modo a demonstrar como certos vinhos vão melhor com certas comidas. Era sempre muito divertido.
Ou seja, nesses um ou dois meses complementares, estava repetindo as lições, mas de outro modo, na prática, na vida real. E era a ocasião de criar promoções: por exemplo, aquele que vender mais garrafas de Pinot Noir numa semana leva uma de graça para casa (garrafa essa que eu mesma, representante de uma loja, cedia para o restaurante).
Aprendi que todo o restaurante que serve vinho sabe que tem que buscar sempre novas maneiras de melhorar suas vendas. Por isso, me surpreende que nem todos eles têm consciência da importância de continuar treinando a sua equipe a conhecer mais, a vender e a servir vinho. Quando um garçom tem um entendimento maior de qualquer item, costuma apreciá-lo melhor. Com o vinho, não é diferente: quando a equipe do restaurante ficar entusiasmada com a bebida a grana costuma melhorar para todo o mundo.
Daí que o país de ficção do filme do Glauber, Eldorado, vira realidade, pois o transe não é uma aflição, é uma luta que os sommelier de Rio das Pedras transformaram em vitória.
Eles, de uma maneira ou de outra, seguiram as lições acima na prática, fazendo com que os mestres fossem eles próprios. E isso é raríssimo de acontecer.
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