O que poderá acontecer com as minhas bebidas, em particular com os meus vinhos em 2008? Examinei minhas folhinhas de chá e não descobri muitas novidades.
Vamos continuar ouvindo falar (mal, na maioria das vezes) dos vinhos com muito álcool, lendo sobre intermináveis e absurdos debates sobre a influência do terroir, sobre a massificação dos vinhos. E mais declarações sobre a falência (ou a propriedade) dos sistemas de pontuação (100 pontos, 20 pontos, três ou cinco estrelas?); sobre as picuinhas entre Robert Parker e seguidores e Jancis Robinson e acólitos; das novas regiões do vinho em razão do aquecimento global. E os rosados? Estão todos encantados com eles; voltaram a ocupar lugares de destaque na preferência dos consumidores. Volta e meia ouviremos sobre alterações nos rótulos para incluir todos os ingredientes que o enólogo utilizou para produzi-lo. E teremos mais sobre as inesgotáveis e surpreendentes descobertas sobre os benefícios do vinho para a nossa saúde. E mais a respeito dos vinhos exclusivos para a comunidade GLS, sem falar das inimagináveis combinações de vinhos com os pratos típicos de Cabrobró, bem como de harmonizações fantásticas de vinhos com música (já falamos disso aqui), com dor de cotovelo e com a exaustão (dirija 36 horas ininterruptamente: o vinho que você experimentar quando parar será di-vi-no!). A lista é enorme, mas déjà vu.
O oráculo do chá não operava ao meu gosto. Queria mesmo era comentar sobre algo que viesse afetar concretamente o mundo dos vinhos. Então, resolvi olhar de longe, o que é fácil quando se mora na Serra de Petrópolis. E acho que consegui divisar alguns tópicos importantes, pelo menos para mim.
O mundo verde. É assunto da máxima importância, por isso volto a ele. Vocês já entraram numa vinícola tradicional? Pela manhã, não se para de tossir e esfregar os olhos, pois o vinhedo está recebendo sprays de produtos químicos. Mas essa situação está mudando. Aos poucos, mas está mudando. Nos Estados Unidos, a cada semana uma vinícola converte-se de tradicional para orgânica ou biodinâmica. Cerca de 2% de todo o suprimento alimentar norte-americano compõe-se de orgânicos. Nos últimos dez anos, os produtos orgânicos cresceram pelo menos 20% no país (é o setor que mais rapidamente na agricultura do país). Alimentos orgânicos já podem ser encontrados em qualquer lugar. Nos EUA, a venda de vinhos orgânicos cresceu 28%, chegando aos 80 milhões de dólares. A Espanha já tem mais de 100 vinícolas praticando a produção orgânica ou biodinâmica. Já podemos tomar excelentes vinhos orgânicos na Borgonha.
Porém, o debate não é sobre a maior ou menor qualidade desses vinhos sobre os tradicionais. Destaco é a prática de não se utilizar herbicidas e pesticidas, de buscar-se a todo o custo respeitar a natureza, de plantar árvores como uma compensação pelo dióxido de carbono despejado na atmosfera como resultado da fermentação (as árvores podem absorver até uma tonelada de CO2 por ano). Falo é de práticas corretas sob o prisma ambiental, que podem ajudar a reparar o estrago que promovemos no meio ambiente (vide aquecimento global).
Daí, que consegui enxergar um pouco mais longe. E me preocupei.
O dragão chinês. Vi imediatamente a imensa sombra lançada pelo fogoso e descomunal dragão chinês. Sim, ela consegue chegar até aqui em casa.
A China já tem 450 mil hectares de vinhedos plantados, mais do que os Estados Unidos. Em 1997 tinha 200 mil hectares. A produção de uvas cresce 17% ao ano. O país é hoje potencialmente o maior mercado de vinhos do mundo.
Na maioria das vinhas cresce espécies selvagens da Vitis (como a Longyan, ou “olho do dragão”). As novas plantações são predominantemente da Vitis vinífera, com um forte domínio das uvas tintas, sendo a Cabernet Sauvignon a mais popular.
O chinês já foi um consumidor ingênuo, chegando a misturar refrigerante com o Bordeaux mais fino. Hoje, pelo menos o noveau riche de lá é mais esperto e muito guloso: é um dos maiores compradores nos leilões de vinhos raros ocidentais. Mas a pirataria e negócios por debaixo do pano ainda imperam. A qualidade é, em geral, suspeita. A maioria dos rótulos resulta de uma mistura de vinho a granel (quase todos do Chile) com vinho local (e até com suco de frutas e água).
Pesquisa da Vinexpo desse ano revela que a China será o oitavo maior consumidor de vinho do mundo lá pelo ano de 2012. Já está entre os 10 maiores consumidores de vinho desde 2006 e crescerá 70% até 2011. Esse ano a indústria de vinhos do país cresceu 26%, vendendo um total de US$ 813 milhões. Em 2017, os chineses estarão bebendo 50 milhões de caixas de vinho. Quem não quer ficar com um pedaço desse mercado? Os franceses são hoje os maiores exportadores (40%), seguidos pelos australianos (20%) e, de perto, pelos EUA e Chile.
Quem já opera lá hoje sofre com regras “não escritas”. Restaurantes e bares são os maiores compradores internos: mas figurar na lista de vinhos deles custa um bocado. Existem taxas por debaixo do pano para tudo, inclusive a obrigatoriedade de “presentinho$” de fim de ano para se manter na lista. Nos hotéis, praticamente todos os gerentes cobram por “incentivos” de venda, naturalmente tudo nas sombras. Não é bem uma novidade para os ocidentais.
Com todo esse monumental crescimento, a pergunta é: haverá uvas suficientes na China para atender a tal demanda? Aliás, haverá também uvas nos vinhedos ocidentais para atender à sede chinesa. Restará alguma coisa boa para o consumidor comum, para quem mora por aqui? A qualidade dos vinhos remanescentes será marcada pelo bafo do dragão? O vinho industrializado definitivamente vai imperar, com as Constellations da vida comprando mais e mais vinícolas para saciar o dragão (e encher seus bolsos)? Bordeaux já especula com preços por conta de uma suposta escassez de vinhos em razão do mercado chinês.
No rastro do dragão. As garrafas de vidro já começam a falar. O mercado chinês é monumental, sesquipedal: todos os esforços serão feitos para atendê-lo. Comentei numa coluna passada que produtores importantes, como o francês Castel, estão substituindo suas garrafas de vidro pelas de plástico.
Ora, só para água mineral engarrafada, produzem-se por ano, em todo o mundo, 2,7 milhões de toneladas de plástico. Elas são feitas a partir do petróleo cru, do qual se consome 1,5 milhões de barris de óleo (o suficiente para abastecer 100 mil automóveis por ano).
Cerca de 90% dessas garrafas de plástico são jogadas fora. Às vezes, no lixo. Mas em grande parte no solo. Elas podem levar até mil anos para se degradarem. Enquanto isso não acontece, despejam inexoravelmente produtos químicos que contaminam, não apenas o solo, mas a água existente no subsolo. É irônico, não? Supostamente, as água engarrafas deveriam ser pelo menos as mais saudáveis. Mas veja de onde as empresas vão retirar suas águas para abastecer o consumidor no futuro.
E não apenas as águas para consumo humano ficarão contaminadas. As utilizadas para irrigação também. Logo, a qualidade de nossas frutas (entre elas a uva) e legumes corre perigo.
A mania de água engarrafa acaba de receber uma senhora puxada de orelhas. A revista inglesa Decanter promoveu uma degustação onde se comparava a água de bica de Londres (originária do rio Tamisa) com 24 marcas de águas de todo o mundo. A degustação buscava analisar a qualidade, sabores etc. Pois á água fornecida pela CEDAE inglesa ficou em terceiro lugar em termos de sabor. É a mais barata delas. Leia sobre o teste aqui. Que pena que ainda não tenha chegado aqui a prática de servir apenas água filtrada, praticada agora pelos mais estrelados restaurantes de Nova York e San Francisco.
Pois é isso, amiga não poderia imaginar que um dia o Livro Vermelho do Camarada Mao acabaria no Irajá, transformado numa carta de vinhos, que de vermelho mesmo tem é uma grande quantidade de tintos.
Também não desconfiávamos que tal fato tem o potencial de danificar ainda mais o nosso sistema ambiental, via a produção de mais garrafas, sejam as de vidro ou as de plástico, via a industrialização das vinhas, o uso intensivo de químicas para aumentar a produção. Nossa sorte, ainda, é a de que aqui, os nossos melhores vinhos ainda resultam de produtores familiares, pequenos, que querem apenas conquistar o consumidor doméstico. Buscam qualidade.
Nesse Natal, beba vinho apenas por prazer, amigas. O mesmo prazer com que envio daqui o meu abraço para todas vocês. Feliz Natal.Se sonharem com algum dragão, escrevam aqui para a Soninha.
Vamos continuar ouvindo falar (mal, na maioria das vezes) dos vinhos com muito álcool, lendo sobre intermináveis e absurdos debates sobre a influência do terroir, sobre a massificação dos vinhos. E mais declarações sobre a falência (ou a propriedade) dos sistemas de pontuação (100 pontos, 20 pontos, três ou cinco estrelas?); sobre as picuinhas entre Robert Parker e seguidores e Jancis Robinson e acólitos; das novas regiões do vinho em razão do aquecimento global. E os rosados? Estão todos encantados com eles; voltaram a ocupar lugares de destaque na preferência dos consumidores. Volta e meia ouviremos sobre alterações nos rótulos para incluir todos os ingredientes que o enólogo utilizou para produzi-lo. E teremos mais sobre as inesgotáveis e surpreendentes descobertas sobre os benefícios do vinho para a nossa saúde. E mais a respeito dos vinhos exclusivos para a comunidade GLS, sem falar das inimagináveis combinações de vinhos com os pratos típicos de Cabrobró, bem como de harmonizações fantásticas de vinhos com música (já falamos disso aqui), com dor de cotovelo e com a exaustão (dirija 36 horas ininterruptamente: o vinho que você experimentar quando parar será di-vi-no!). A lista é enorme, mas déjà vu.
O oráculo do chá não operava ao meu gosto. Queria mesmo era comentar sobre algo que viesse afetar concretamente o mundo dos vinhos. Então, resolvi olhar de longe, o que é fácil quando se mora na Serra de Petrópolis. E acho que consegui divisar alguns tópicos importantes, pelo menos para mim.
O mundo verde. É assunto da máxima importância, por isso volto a ele. Vocês já entraram numa vinícola tradicional? Pela manhã, não se para de tossir e esfregar os olhos, pois o vinhedo está recebendo sprays de produtos químicos. Mas essa situação está mudando. Aos poucos, mas está mudando. Nos Estados Unidos, a cada semana uma vinícola converte-se de tradicional para orgânica ou biodinâmica. Cerca de 2% de todo o suprimento alimentar norte-americano compõe-se de orgânicos. Nos últimos dez anos, os produtos orgânicos cresceram pelo menos 20% no país (é o setor que mais rapidamente na agricultura do país). Alimentos orgânicos já podem ser encontrados em qualquer lugar. Nos EUA, a venda de vinhos orgânicos cresceu 28%, chegando aos 80 milhões de dólares. A Espanha já tem mais de 100 vinícolas praticando a produção orgânica ou biodinâmica. Já podemos tomar excelentes vinhos orgânicos na Borgonha.
Porém, o debate não é sobre a maior ou menor qualidade desses vinhos sobre os tradicionais. Destaco é a prática de não se utilizar herbicidas e pesticidas, de buscar-se a todo o custo respeitar a natureza, de plantar árvores como uma compensação pelo dióxido de carbono despejado na atmosfera como resultado da fermentação (as árvores podem absorver até uma tonelada de CO2 por ano). Falo é de práticas corretas sob o prisma ambiental, que podem ajudar a reparar o estrago que promovemos no meio ambiente (vide aquecimento global).
Daí, que consegui enxergar um pouco mais longe. E me preocupei.
O dragão chinês. Vi imediatamente a imensa sombra lançada pelo fogoso e descomunal dragão chinês. Sim, ela consegue chegar até aqui em casa.
A China já tem 450 mil hectares de vinhedos plantados, mais do que os Estados Unidos. Em 1997 tinha 200 mil hectares. A produção de uvas cresce 17% ao ano. O país é hoje potencialmente o maior mercado de vinhos do mundo.
Na maioria das vinhas cresce espécies selvagens da Vitis (como a Longyan, ou “olho do dragão”). As novas plantações são predominantemente da Vitis vinífera, com um forte domínio das uvas tintas, sendo a Cabernet Sauvignon a mais popular.
O chinês já foi um consumidor ingênuo, chegando a misturar refrigerante com o Bordeaux mais fino. Hoje, pelo menos o noveau riche de lá é mais esperto e muito guloso: é um dos maiores compradores nos leilões de vinhos raros ocidentais. Mas a pirataria e negócios por debaixo do pano ainda imperam. A qualidade é, em geral, suspeita. A maioria dos rótulos resulta de uma mistura de vinho a granel (quase todos do Chile) com vinho local (e até com suco de frutas e água).
Pesquisa da Vinexpo desse ano revela que a China será o oitavo maior consumidor de vinho do mundo lá pelo ano de 2012. Já está entre os 10 maiores consumidores de vinho desde 2006 e crescerá 70% até 2011. Esse ano a indústria de vinhos do país cresceu 26%, vendendo um total de US$ 813 milhões. Em 2017, os chineses estarão bebendo 50 milhões de caixas de vinho. Quem não quer ficar com um pedaço desse mercado? Os franceses são hoje os maiores exportadores (40%), seguidos pelos australianos (20%) e, de perto, pelos EUA e Chile.
Quem já opera lá hoje sofre com regras “não escritas”. Restaurantes e bares são os maiores compradores internos: mas figurar na lista de vinhos deles custa um bocado. Existem taxas por debaixo do pano para tudo, inclusive a obrigatoriedade de “presentinho$” de fim de ano para se manter na lista. Nos hotéis, praticamente todos os gerentes cobram por “incentivos” de venda, naturalmente tudo nas sombras. Não é bem uma novidade para os ocidentais.
Com todo esse monumental crescimento, a pergunta é: haverá uvas suficientes na China para atender a tal demanda? Aliás, haverá também uvas nos vinhedos ocidentais para atender à sede chinesa. Restará alguma coisa boa para o consumidor comum, para quem mora por aqui? A qualidade dos vinhos remanescentes será marcada pelo bafo do dragão? O vinho industrializado definitivamente vai imperar, com as Constellations da vida comprando mais e mais vinícolas para saciar o dragão (e encher seus bolsos)? Bordeaux já especula com preços por conta de uma suposta escassez de vinhos em razão do mercado chinês.
No rastro do dragão. As garrafas de vidro já começam a falar. O mercado chinês é monumental, sesquipedal: todos os esforços serão feitos para atendê-lo. Comentei numa coluna passada que produtores importantes, como o francês Castel, estão substituindo suas garrafas de vidro pelas de plástico.
Ora, só para água mineral engarrafada, produzem-se por ano, em todo o mundo, 2,7 milhões de toneladas de plástico. Elas são feitas a partir do petróleo cru, do qual se consome 1,5 milhões de barris de óleo (o suficiente para abastecer 100 mil automóveis por ano).
Cerca de 90% dessas garrafas de plástico são jogadas fora. Às vezes, no lixo. Mas em grande parte no solo. Elas podem levar até mil anos para se degradarem. Enquanto isso não acontece, despejam inexoravelmente produtos químicos que contaminam, não apenas o solo, mas a água existente no subsolo. É irônico, não? Supostamente, as água engarrafas deveriam ser pelo menos as mais saudáveis. Mas veja de onde as empresas vão retirar suas águas para abastecer o consumidor no futuro.
E não apenas as águas para consumo humano ficarão contaminadas. As utilizadas para irrigação também. Logo, a qualidade de nossas frutas (entre elas a uva) e legumes corre perigo.
A mania de água engarrafa acaba de receber uma senhora puxada de orelhas. A revista inglesa Decanter promoveu uma degustação onde se comparava a água de bica de Londres (originária do rio Tamisa) com 24 marcas de águas de todo o mundo. A degustação buscava analisar a qualidade, sabores etc. Pois á água fornecida pela CEDAE inglesa ficou em terceiro lugar em termos de sabor. É a mais barata delas. Leia sobre o teste aqui. Que pena que ainda não tenha chegado aqui a prática de servir apenas água filtrada, praticada agora pelos mais estrelados restaurantes de Nova York e San Francisco.
Pois é isso, amiga não poderia imaginar que um dia o Livro Vermelho do Camarada Mao acabaria no Irajá, transformado numa carta de vinhos, que de vermelho mesmo tem é uma grande quantidade de tintos.
Também não desconfiávamos que tal fato tem o potencial de danificar ainda mais o nosso sistema ambiental, via a produção de mais garrafas, sejam as de vidro ou as de plástico, via a industrialização das vinhas, o uso intensivo de químicas para aumentar a produção. Nossa sorte, ainda, é a de que aqui, os nossos melhores vinhos ainda resultam de produtores familiares, pequenos, que querem apenas conquistar o consumidor doméstico. Buscam qualidade.
Nesse Natal, beba vinho apenas por prazer, amigas. O mesmo prazer com que envio daqui o meu abraço para todas vocês. Feliz Natal.Se sonharem com algum dragão, escrevam aqui para a Soninha.
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