17.12.07

O Livro Vermelho dos vinhos

Penso que toquei em alguns dos principais fatos e tendências do mundo das bebidas, em particular, o dos vinhos, nesse ano cujo fogo agora se apaga. Falar do que vem pela frente parece fácil, dada a imensa sombra lançada pelo fogoso dragão chinês que chega até aqui em casa, na Serra de Petrópolis.
A China já tem 450 mil hectares de vinhedos plantados, mais do que os Estados Unidos. Em 1997 tinha 200 mil hectares. A produção de uvas cresce 17% ao ano. O país é hoje potencialmente o maior mercado de vinhos do mundo.
Na maioria das vinhas cresce espécies selvagens da Vitis (como a Longyan, ou “olho do dragão”). As novas plantações são predominantemente da Vitis vinífera, com um forte domínio das uvas tintas, sendo a Cabernet Sauvignon a mais popular.
O chinês já foi um consumidor ingênuo, chegando a misturar refrigerante com o Bordeaux mais fino. Hoje, pelo menos o noveau riche de lá é mais esperto e muito guloso: é um dos maiores compradores nos leilões de vinhos raros ocidentais. Mas a pirataria e negócios por debaixo do pano ainda imperam. A qualidade é, em geral, suspeita. A maioria dos rótulos resulta de uma mistura de vinho a granel (quase todos do Chile) com vinho local (e até com suco de frutas e água).
Pesquisa da Vinexpo desse ano revela que a China será o oitavo maior consumidor de vinho do mundo lá pelo ano de 2012. Já está entre os 10 maiores consumidores de vinho desde 2006 e crescerá 70% até 2011. Esse ano a indústria de vinhos do país cresceu 26%, vendendo um total de US$ 813 milhões. Em 2017, os chineses estarão bebendo 50 milhões de caixas de vinho. Quem não quer ficar com um pedaço desse mercado? Os franceses são hoje os maiores exportadores (40%), seguidos pelos australianos (20%) e, de perto, pelos EUA e Chile.
Quem já opera lá hoje sofre com regras “não escritas”. Restaurantes e bares são os maiores compradores internos: mas figurar na lista vinhos deles custa um bocado. Existem taxas por debaixo do pano para tudo, inclusive a obrigatoriedade de “presentinho$” de fim de ano para se manter na lista. Nos hotéis, praticamente todos os gerentes cobram por “incentivos” de venda, naturalmente tudo nas sombras. Não bem uma novidade para os ocidentais.
Com todo esse monumental crescimento, a pergunta é se haverá uvas suficientes na China para atender a tal demanda. Aliás, se haverá também uvas nos vinhedos ocidentais para atender à sede chinesa. Restará alguma coisa boa para quem mora por aqui? A qualidade dos vinhos remanescentes será marcada pelo bafo do dragão? O vinho industrializado definitivamente vai imperar, com as Constellations da vida comprando mais e mais vinícolas para poder dar conta do dragão. Bordeaux já especula com preços por conta de uma suposta escassez de vinhos em razão do mercado chinês.
Quem diria, o Livro Vermelho do Camarada Mao acabou no Irajá, transformado numa carta de vinhos, que de vermelho mesmo tem é uma grande quantidade de tintos. Um Natal pra lá de feliz e muito azul para você e família, leitor.

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